A Ideia de Europa - Universidade Católica Editora

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A Ideia de Europa de Kant a Hegel
A Ideia de Europa
de Kant a Hegel
coordenação
Universidade Católica Editora
Carlos Morujão
Cláudia Oliveira
A Ideia de Europa de Kant a Hegel
Índice
Introdução
Kant e a Ideia de Europa: uma Interpretação do Opúsculo
para a Paz Perpétua
7
11
Carlos Morujão
A Revolução Francesa e a Europa:
Unidade Revolucionária Vs. Unidade Imperial
33
Américo Pereira
Messianismo Revolucionário e Europeísmo Francocêntrico:
dos Estados Gerais a Santa Helena
63
José Miguel Sardica
As Reflections on the Revolution in France de Edmund Burke
e a Resposta de Thomas Paine em The Rights of Man
93
Ivone Moreira
A Recepção da Revolução Francesa na Alemanha:
um certo «Modo de Pensar Alemão» e os Primeiros Passos
para a Construção de um Ideário «Pan-germânico»
119
Cláudia Oliveira
O Voluntarismo Político de Fichte e os Discursos À Nação Alemã
141
Mendo Castro Henriques
Hegel, a Europa e a Revolução (1794-1802)
159
Carlos Morujão
A Dialéctica Hegeliana: os Conceitos de Estado e de Liberdade
na base da Construção do Modelo Europeu
181
Cláudia Oliveira
A Europa depois da Revolução Francesa
201
Carlos Morujão
Índice Onomástico
221
Introdução
«A tarefa da Filosofia consiste na conceptualização
daquilo que é, dado que o que é, é a razão. Relativamente ao indivíduo, cada um é – além disso
– filho do seu tempo; porém, a filosofia também
é o seu tempo captado em pensamentos.»
G. W. F. HEGEL,
Princípios da Filosofia do Direito
Por iniciativa do Projecto de Investigação «A Recepção da Revolução
Francesa pela Filosofia Alemã dos finais do século xviii e inícios do século xix» (PTDC / FIL / 74365 / 2006), financiado pela Fundação para
a Ciência e a Tecnologia e sediado no Centro de Estudos de Filosofia,
realizou‑se, em colaboração com a Área Científica de Filosofia da Facul-
dade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, um Curso
Livre subordinado ao tema «A Ideia de Europa de Kant a Hegel». O curso
decorreu entre o dia 2 de Novembro e o dia 3 de Dezembro de 2009, e foi
dividido em nove sessões, durante cinco semanas.
As reflexões sobre a ideia de Europa, sobre a identidade europeia e a
especificidade da história e da cultura europeias, têm, no âmbito temporal
delimitado pelos escritos político‑jurídicos de Kant dos princípios da década
de 80 do século xviii e pelos Princípios de Filosofia do Direito de Hegel – 35
anos, aproximadamente – um dos seus momentos de maior intensidade.
O quadro problemático em que elas se inscrevem, marcado pela Revo-
lução Francesa (desde os seus primeiros ecos na margem esquerda do Reno,
já em 1789, até às conquistas de Napoleão e à derrota militar da França
napoleónica, com o posterior estabelecimento de um sistema de equilíbrio
europeu que durará quase até 1914), pelo consequente desaparecimento
da sociedade de Antigo Regime e pela instauração de clivagens políticas e
ideológicas que são ainda, em boa medida, as nossas, no início do século
xxi; um tal quadro, dizíamos, não é estranho ao facto de que as opiniões
em litígio – por parte de partidários, meros simpatizantes ou adversários
da Revolução – pudessem ter alimentado até hoje as controvérsias sobre
a Europa.
Em 1798, na célebre revista Athäneum, Friedrich Schlegel (figura paradigmática do intelectual inicialmente adepto da revolução, que acabará os
Introdução
seus dias partidário da contra‑revolução corporizada na figura do chanceler
austríaco Metternich) escreverá que três grandes acontecimentos marcaram
o final do século xviii: na literatura, os Anos de Aprendizagem de Wilhelm
Meister, de Goethe, na filosofia, a Doutrina da Ciência de Fichte, na política,
a Revolução Francesa. De facto, uma mesma ideia subjaz à escrita daquelas
duas obras maiores da cultura europeia, bem como às intenções iniciais dos
homens que acabaram com a sociedade de Antigo Regime e lançaram as
bases da moderna democracia representativa. Podemos resumi‑la em poucas
palavras: trata‑se da ideia de que a humanidade não pode aceitar que a sua
vida e o seu destino lhe sejam impostos por uma autoridade que ela não
reconheça, mas, também, que essa vida e esse destino se podem ler (e, por
isso mesmo, se tornam inteligíveis) numa história que não é o fruto de um
cego acaso, mas sim de uma vontade esclarecida. Numa conhecida, embora
polémica (e tantas vezes mal interpretada) expressão, Hegel di‑lo‑á em 1821:
«tudo o que é racional é real, tudo o que é real é racional».
Os textos que apresentamos neste volume constituem, no essencial, as
lições que foram proferidas, sendo, por isso, da exclusiva responsabilidade
dos autores que os assinam. Na sua apresentação, correspondente à ordem
das lições, eles seguem um fio cronológico, iniciando‑se com a temática da
«paz perpétua», que, em pensadores tais como o Abbé de Saint‑Pierre ou
Jean‑Jacques Rousseau, precede a época da Revolução, mas que é retomada
por Kant, em 1795, no contexto da guerra europeia contra a França revolucionária. Segue‑se uma meditação sobre a ideia mesma de Revolução, a sua
proveniência, as transformações por que passa ao longo do período estudado
e as aporias que daí resultam, à qual se sucede uma investigação de pendor
mais histórico, contrastando os projectos de unidade europeia do ponto de
vista revolucionário e do ponto de vista imperial (mostrando, em particular,
a reconstrução que a posteriori, no seu exílio em Santa‑Helena, Napoleão faz
das suas intenções de conquista). Os textos seguintes procuram detectar o
sentido dos primeiros ecos da Revolução Francesa em Inglaterra e na Alemanha, em pensadores como Edmund Burke (opositor desde a primeira hora
e proponente de um paradigma interpretativo que podemos encontrar em
boa parte do pensamento conservador dos dois séculos seguintes), Thomas
Paine (adversário de Burke, preocupado em mostrar o fio de continuidade
entre o ideal independentista dos colonos da América do Norte e o dos
revolucionários parisienses), A. W. Rehberg, Kant e Fichte.
Não se estranhará que a Hegel seja dado um lugar de relevo nesta
colectânea de textos. De facto, é com razão que alguns dos intérpretes da
A Ideia de Europa de Kant a Hegel
sua filosofia política o consideraram o filósofo da Revolução Francesa. Não
será, por certo, no sentido de apoiante incondicional dos acontecimentos
que tal afirmação deverá ser entendida, pois são várias as críticas de Hegel
aos revolucionários franceses, entre elas aquela que constitui o célebre
capítulo da Fenomenologia do Espírito intitulado «A liberdade absoluta e o
Terror». Porém, talvez em nenhum outro aspecto do seu sistema seja mais
verdadeira a afirmação, colocada em epígrafe a esta Introdução, de que a
filosofia não é senão a sua época no plano do pensamento. A época de
Hegel é a época da revolução – é, também, a época da fixação definitiva do
termo no seu sentido moderno, como, aliás, se poderia demonstrar que o
próprio texto hegeliano documenta – e, por isso, cabe à filosofia a tarefa
de a pensar, ou seja, compreender na sua proveniência, no seu sentido e
na sua prospectiva. Ou, se tudo quiséssemos resumir numa só palavra,
a que Hegel também não seria estranho, na sua verdade.
Esta colectânea contém textos escritos por investigadores ligados, de
formas diversas, à Universidade Católica Portuguesa: à Faculdade de Ciências Humanas, nas Áreas Científicas de Filosofia e de Estudos de Cultura
ao Centro de Estudos de Filosofia, e ao Instituto de Estudos Políticos.
Os organizadores agradecem a todos eles a colaboração prestada. É‑lhes
sobremaneira grato sublinhar que nenhuma interpretação de conjunto
unificada é aqui proposta. O leitor notará, certamente, que, relativamente a
muitos autores, ideias e acontecimentos, as opiniões não são convergentes.
Foi esta a intenção dos organizadores. A época que preparou e viu nascer
a Revolução Francesa – época da fase terminal do período das Luzes, da
filosofia de Kant, do Idealismo Alemão e do Romantismo – ainda hoje
nos interpela, na multiplicidade de perspectivas que dela são possíveis e
nas diversas maneiras de ver como condiciona ainda, positivamente ou
negativamente, o nosso presente.
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