IF - SOPHIA Religião e política na Grécia Antiga Alexandre Zaslavsky 17.8.2013 Sumário 1. Introdução 2. Religião na Grécia Antiga 3. Política na Grécia Antiga 4. O surgimento da Filosofia 5. Considerações finais 1. INTRODUÇÃO A Grécia Antiga é o berço da civilização ocidental, em termos do idioma, da Filosofia, da Política e da ciência. O surgimento da Filosofia na Grécia Antiga indica uma nova forma de pensamento, discurso e conhecimento, calcada na coerência lógica e conceitual. Problema a ser abordado De que modo a religião e a política gregas influenciaram o surgimento da Filosofia? Objetivos Apresentar sumariamente elementos da religião e da política na Grécia Antiga. Proporcionar reflexão acerca do papel da religião e da política no surgimento da Filosofia na Grécia Antiga. Delimitação do tema As expressões “Religião”, “Política” e “Grécia Antiga” por si só necessitam de delimitação do escopo. Grécia Antiga aqui será considerada o período entre o século VII e V a.e.c., relacionado ao surgimento da Filosofia. Religião aqui refere-se às iniciações ou Mistérios, bem como aos oráculos, e não ao culto oficial aos deuses olímpicos dos relatos mitológicos. Política aqui é considerada a organização em pólis independentes, com distintos regimes políticos e econômicos. A ênfase será na democracia ateniense. 2. RELIGIÃO NA GRÉCIA ANTIGA Religião A expressão “Religião” não é grega e sim latina, surgida posteriormente à fase áurea do helenismo. Falar de religião grega é um anacronismo, pois a relação dos gregos com os deuses não é comparável à dos judeus, cristãos ou muçulmanos com o Deus bíblico. “Religião” O papel dos espíritos dos mortos e/ou deuses na vida grega é muito mais próximo do que de Deus (e dos santos) nas religiões monoteístas. Registros indicam que os gregos incluíam os espíritos, sejam considerados humanos ou divinos, em seu cotidiano. Oráculos Iniciações Culto oficial aos deuses Havia o panteão oficial, composto pelos deuses registrados nos textos de Homero e Hesíodo e até hoje populares. Os cidadãos cultuavam os deuses através de oferendas e sacrifícios. É a chamada Mitologia Grega. Dáimon socrático Platão legou à posteridade a relação de Sócrates com o dáimon, um gênio ou espírito que o orientava através de sinais específicos. Uma das acusações feitas a Sócrates foi a crença em deuses estranhos à cidade, clara alusão ao dáimon. Este é um exemplo da relação cotidiana dos gregos com os espíritos. Oráculos O Oráculo de Apolo, em Delfos, ficou conhecido pela frase em seu pórtico: “Conhecete a ti mesmo”. Sócrates conheceu sua missão neste oráculo. Os gregos costumavam consultar oráculos, seja por perguntas à pítia ou por incubação do consulente. O oráculo é a resposta direta do deus ou espírito ao problema formulado. Mistérios Expressão grega para práticas iniciáticas relacionadas à purificação da alma e ao preparo para a vida após a morte. Haviam diversos cultos a Mistérios, sendo famoso o de Elêusis, sobre o rapto de Perséfone, filha da deusa Deméter, por Hades. Ponto em comum eram as narrativas de descida (katábasis) ao mundo subterrâneo ou Hades, por exemplo, a de Orfeu. Orfismo Doutrinas e práticas iniciáticas desenvolvidas a partir da narrativa mítica da descida de Orfeu, o músico trácio, ao Hades, para buscar sua amada Eurídice. Orfeu encantou os guardiões do Hades com sua música e conseguiu trazer Eurídice de volta. Essa narrativa sugere a possibilidade de um homem vivo ir e voltar ao mundo dos mortos, base do orfismo e de outras iniciações, por exemplo de Dionísio e dos Mistérios de Elêusis. Orfismo Reencarnação ou metempsicose Purificação Procedimentos para a alma localizar-se após a morte Vida órfica: retidão moral 3. POLÍTICA NA GRÉCIA ANTIGA Grécia Antiga A Grécia Antiga não era um país, mas uma região com diversas cidades-estado, as pólis, com o mesmo idioma e sistemas políticos e econômicos diferentes. Originalmente, as pólis eram monarquias, cujo rei era o chefe de um clã, sem conotações divinas. Democracia grega Atenas é a mais famosa democracia grega antiga, cujo ápice foi o século V a.e.c., também denominado de Ouro ou de Péricles. Nesse momento Atenas era sede da Liga de Delos, uma confederação abarcando mais de 150 cidades. Outras cidades adotaram democracias, por exemplo, Corinto. Democracia ateniense A democracia ateniense era formada por uma assembleia geral (ekklesia), um conselho de 500 (boulé) e pelas cortes. Os cidadãos votantes eram os homens, atenienses, livres e maiores de idade. Sabe-se que o orfismo era muito presente no século V a.e.c., pelo Papiro de Derveni, escrito no círculo do filósofo Anaxágoras. Orfismo + Democracia O orfismo e a democracia grega eram dois elementos fortes no contexto em que surge a Filosofia. 4. O surgimento da Filosofia Habilidades democráticas Com o advento da democracia em Atenas e em outras cidades, a política passou a exigir novas habilidades dos cidadãos. A capacidade de defender claramente uma posição em tribuna, de modo a persuadir racionalmente (ou não) a assembleia, tornou-se uma habilidade imprescindível a quem almejava algum poder político. Sofistas Os sofistas, professores itinerantes tornados célebres nos diálogos de Platão, por exemplo, Protágoras e Górgias, propunham-se a ensinar a habilidade retórica em troca de um salário. Platão, como se sabe, coloca-se contra estas práticas através de Sócrates, figura contraposta aos sofistas em seu objeto de ensino e também em seus meios. Surgimento da Filosofia As demandas de discurso racional da democracia e a preocupação órfica com as relações entre a alma e o corpo oferecem elementos que, de alguma forma, complementam-se no surgimento da Filosofia. Empédocles de Agrigento O filósofo, médico e político Empédocles de Agrigento (c. 490-430 a.e.c.) representou bem duas vertentes importantes da época: o naturalismo e o orfismo. Temos fragmentos de duas obras dele: Sobre a natureza e Purificações. A primeira representa a busca pelo princípio imutável da natureza e a segunda pelos princípios morais de uma vida reta ou órfica. Platão e a Filosofia Platão (427 – 347 a.e.c) propôs um sistema, registrado em um corpus de obras escritas, definindo o que hoje se conhece como o pensamento ou o discurso filosófico. Por mais que haja filósofos antes, a formulação sistemática e clara é dele. A síntese platônica Platão conseguiu sintetizar, de modo único, as diversas vertentes temáticas ou posições existentes à época. Foram vertentes por ele sintetizadas: Orfismo / Pitagorismo Naturalismo (Parmênides X Heráclito) Retórica (sofistas) 4.1. A TRANSPOSIÇÃO PLATÔNICA Transposição platônica Auguste Diès, em 1913, forjou a expressão 'transposição platônica' para referir-se ao processo de ressignificação, operado por Platão, negando e ao mesmo tempo preservando temas da época. A Doutrina das Ideias, de Platão, seria uma espécie de síntese resultante da transposição de diversas fontes, ao modo do orfismo e da retórica. Recentemente, Alberto Bernabé desenvolveu mais exaustivamente a proposta de Diès. Transposição da retórica A faceta lógica do platonismo consiste na exigência de definições e claras e sem contradição. Exigências estas claramente afins à habilidade retórica do discurso político exercido na agóra democrática. Similar ao político, o filósofo há de formular suas teses com razões (logos). Transposição do orfismo Temas órficos estão presentes em diversas obras de Platão, desde a juventude até a maturidade. São exemplos: a reencarnação, a virtude, a preparação para a vida após a morte, o transe, o contato com dáimones, a cosmologia do sensível e do supra-sensível. Doutrinas das Ideias O platonismo é praticamente um sinônimo da Doutrina das Ideias. Haveriam dois mundos ou níveis de realidade: o sensível, composto por corpos materiais, e o inteligível composto por ideias ou formas puras. As ideias são as matrizes dos corpos materiais e a alma, antes de nascer e após a morte, habita no mundo inteligível e lá contempla as ideias puras. Teoria da Reminiscência Platão diferencia os seres humanos em termos do que eles são capazes ou não de recordar das ideias que contemplaram no mundo inteligível, antes de nascer. Segundo ele, não se aprende nada, apenas se recorda ou se tem reminiscências. CONSIDERAÇÕES FINAIS Platonismo e Filosofia O platonismo deu a face até hoje conhecida da Filosofia. De certa forma, a Filosofia enquanto tal, surgiu com Platão. Considerando os elementos transpostos por Platão, como se pode conceber a Filosofia? Filosofia e política A Filosofia recebeu sua forma argumentativa das práticas democráticas gregas, estando portanto, essencialmente ligada à democracia. O pensamento ou discurso filosófico tem que ver com a exposição de teses e anti-teses no espaço público, de modo falibilista ou não absoluto. Filosofia e Orfismo A Filosofia recebeu seu conteúdo acerca da distinção entre alma e corpo (Metafísica) e da vida virtuosa (Ética) do Orfismo. Platão transpôs nas concepções de mundo sensível e inteligível, bem como de vida correta, as teses órficas acerca da natureza desta existência e da outra. Consequências A transposição platônica, ao dar nova forma e relação a conteúdos já existentes, deixou de lado determinados elementos, considerados espúrios. As teletai ou ritos órficos envolviam a transmissão de conhecimentos teóricos e também práticos sobre a alma. Platão desprezava estes ritos, porém conservou o conteúdo do ensinamento. Episteme X Doxa Platão em diversos pontos de sua obra, diferenciou o conhecimento em opinião (doxa) e ciência (episteme), sendo a principal diferença a razão (logos). A razão está associada ao acesso às ideias puras no mundo inteligível, enquanto a opinião se restringe ao mundo sensível, das aparências. Mistérios & Misticismo O conteúdo do Orfismo constituiu a Filosofia e definiu a episteme ou ciência, enquanto a forma dos procedimentos órficos foi deixada de lado enquanto misticismo, ficando do lado da doxa ou mera opinião. A Filosofia é decorrente, em grande parte, dos Mistérios órficos, no entanto, apenas sua parte “teórica”. Questões As práticas órficas de transe, relacionadas ao conhecimento direto da alma, “místico”, poderiam ser consideradas racionais? A dicotomia platônica entre ciência e opinião, de certo modo até hoje vigente, poderia ser reconsiderada quanto ao denominado “misticismo”? Questões A legitimação, ao menos conceitual, de um elemento “extra-sensorial” no ser humano exigiria uma revisão da transposição platônica, que está na base da Filosofia e do pensamento ocidental mesmo? Referências BERNABÉ, Alberto. Platão e o orfismo. Diálogos entre religião e filosofia. São Paulo: Annablume Clássica, 2011. BLOCH, Raymond. La adivinación en la antigüedad. México: Fondo de Cultura Económica, 2002. DIÈS, Auguste. Autour de Platon. Essais de critique et de histoire. Vol. II. Paris: Gabriel Beauchesne, 1927. DODDS, E.R. Os gregos e o irracional. São Paulo: Escuta, 2002.