A CONSTRUÇÃO COMPLETIVA COM “SER + ADJETIVO AVALIATIVO” Nilza BARROZO DIAS 12 RESUMO Este artigo aborda as construções impessoais com verbo ser + adjetivos avaliativos no português do Brasil, numa abordagem centrada no uso de base funcionalista e com contribuições da semântica cognitiva. A construção completiva impessoal é constituída de oração matriz seguida de oração completiva na função de sujeito oracional. Embora haja a expressão do sujeito oracional, podemos perceber que a unipessoalização da estrutura predicadora (ou oração matriz), geralmente em 3ª pessoa do singular, imprime um valor semântico impessoal à construção. Verifica-se a manifestação da (inter)subjetividade na avaliação e na ordem em que a oração matriz ocorre na sentença. Podemos também observar que a construção completiva impessoal é usada para contrastar informação com o entorno discursivo. E, finalmente, o controle do falante sobre o sujeito da completiva não se efetiva, de modo categórico, nas construções com a forma infinitiva. PALAVRAS-CHAVE: Impessoalidade. Completiva. Avaliação. ABSTRACT This article discusses the impersonal constructions that employ the verb ser (to be) + avaliative nouns within Brazilian Portuguese. Herein, the analysis of these verb constructions focuses on their use from a functionalist perspective, which includes insights on the issue from the field of cognitive semantics. The impersonal completive construction is composed of a matrix clause followed by a completive clause that functions as a clausal subject. Although the clausal subject is expressed, one can perceive that the unipersonalization of the matrix clause, commonly in the third person singular tense, imbues the structure with an impersonal semantic quality. It is possible to note the influence of (inter)subjectivity in the avaliative modality and in the order in which the matrix clause occurs in the sentence. One may also note that the impersonal completive construction is employed in order to contrast information with the discourse that surrounds it. And finally the speaker´s control over the subject of completive clause does not occur in categorically, in constructions with the infinitive form. KEY-WORDS: Impersonality. Completive. Avaliative. 1 Doutorado em Linguística pela Unicamp e Pós-Doutorado na Universidade Católica Portuguesa/Braga. Atua na Universidade Federal Fluminense/Niterói/RJ. Desenvolve pesquisa nas áreas de Linguística Funcional e Semântica Cognitiva. 2 A aluna Thaís Santanna Marcondes participou como colaboradora de pesquisa, recebendo bolsa de Iniciação Científica da FAPERJ. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 62 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” INTRODUÇÃO Objetiva-se analisar as construções completivas constituídas de uma oração matriz com verbo ser + adjetivo avaliativo, que seleciona uma oração com função de sujeito. As orações matrizes expressam uma modalidade avaliativa, podendo os adjetivos serem factivos ou não factivos (DUARTE, 2003, p. 602). Considerando-se as abordagens de Neves (2002, p. 151) e Castilho (2010), tais construções fazem parte do grupo das orações encaixadas completivas, para a primeira, e do grupo das orações subordinadas substativas, para o segundo. Para Langacker (2011), a construção em estudo faz parte do grupo das construções impessoais. Desse modo, nossa análise se apoiará no suporte Funcionalista com contribuições da Linguística Cognitiva. Isto posto, denominaremos as construções em foco de completivas impessoais. Consideramos que as construções completivas impessoais apresentam uma oração matriz com realização morfossintática unipessoal e verbos em 3ª pessoa do singular, o que imprime um valor semântico impessoal à construção. O verbo ser seguido de um adjetivo avaliativo expressará subjetividade do falante ou jornalista em relação à oração ou sentença completiva. E a construção completiva será utilizada pelo falante para contrastar, semanticamente, a impessoalidade da construção versus o entorno discursivo mais pessoal. As sentenças completivas poderão realizar-se no modo subjuntivo ou na forma de infinitivo. A forma primeira projetaria o fato expresso na oração completiva como no mundo irreal e a segunda forma projetaria para o mundo potencial. Decorrente da forma verbal utilizada, podemos considerar o controle do falante sobre o sujeito sintático da completiva impessoal. Assim, espera-se que o sujeito da forma infinitiva seja correferencial ao sujeito da sentença maior ou ao próprio falante. E, finalmente, pretende-se verificar (i) algumas relações que podem ser estabelecidas entre os adjetivos selecionados na predicação e o entorno linguístico, marcado pela evidencialidade; e ainda (ii) da interferência do entorno linguístico no continuum estabelecido pelo falante da construção completiva que seja assinalada como mais impessoal até aquela com características menos impessoais. Podemos considerar que, quanto mais detalhado e específico for o entorno evidencial, menor grau de impessoalidade haverá na construção completiva. 1 A CONSTRUÇÃO COMPLETIVA A combinação de orações pode ocorrer nas formas paratática, hipotática ou de encaixamento (HALLIDAY, 1985). O nosso foco está na combinação de orações, quando uma ou mais delas funcionam como constituintes de uma oração predicadora, aqui denominada de oração matriz. Selecionamos para a nossa análise a oração matriz constituída de [é + adjetivo], com foco nos adjetivos de avaliação (NEVES, IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 63 Nilza Barrozo Dias 2000), ou adjetivos avaliativos factivos/não factivos (BRITO, 2003). A oração matriz é + adjetivo avaliativo projeta um argumento na forma oracional de sujeito. São as orações encaixadas completivas subjetivas para Neves (2002, p. 151) e subordinadas substantivas para Castilho (2010). Entram no grupo das completivas com argumento oracional em relação de constituência com a oração matriz ou principal. Mathiessen e Thompson (1988) apontam os diferentes tipos de dependência no tratamento da subordinação. Destacam as orações dependentes que representam opções organizacionais e orações que estão ligadas à função de constituência. No primeiro grupo, temos as orações adverbiais, as participiais e as adjetivas apositivas e, no segundo grupo, temos as orações relativas restritivas, as orações com função de complemento. Embora haja a função de constituência da oração em estudo, que exerce uma função de dependência gramatical, podemos considerar que, em termos pragmáticos, todo enunciado é dependente, já que requer contexto para interpretação plausível com o uso em foco. Neves (2000, p. 340-341) considera, no estudo das conjunções integrantes, as orações substantivas, que são encaixadas ou integradas em outra oração matriz ou principal, equivalendo a um sintagma nominal. Ao tratar dos subtipos semânticos de orações substantivas, a autora aborda um grupo significativo de completivas que apresenta natureza factual, isto é, tem predicado do tipo denominado factivo. A oração com função de sujeito, de modo mais evidente, “corresponde a um sintagma nominal, já que, na maioria dos casos, ela está por uma estrutura do tipo de ‘o fato de’”, como em ‘É lamentável que os grupos folclóricos se profissionalizem no mau sentido’, por ‘É lamentável o fato de os grupos folclóricos se profissionalizem no mau sentido’. Essa mesma correspondência poderá ser observada no caso do sujeito oracional estar na forma infinitiva, já que é muito comum que predicados com sujeito oracional apresentem factualidade na oração sujeito. Mas podemos encontrar, na construção completiva, uma interpretação factiva menos nítida e, nesse caso, a decisão será feita pelo modo do verbo da oração sujeito. Assim, segundo a autora, “a pressuposição de factualidade é obrigatória se o modo verbal da oração completiva for o finito, mas é opcional ou ausente, se for o infinitivo”. Castilho (2010, p. 359-362) destaca, na análise da Língua Portuguesa do Brasil, as construções com sujeito oracional como subordinadas substantivas, cujas sentenças matrizes (ou principais) apresentam a propriedade de projeção de argumento sujeito. O autor propõe uma classificação com base nas propriedades semânticas dessas sentenças. Assim, o adjetivo ou verbo da sentença matriz (ou principal) poderá indicar as seguintes possibilidades: modalizadores epistêmicos asseverativos (o falante apresenta o conteúdo da proposição numa forma afirmativa ou negativa, ou ainda numa interrogativa), modalizadores epistêmicos dubitativos (o falante expressa dúvida em relação ao conteúdo proposicional), os modalizadores deônticos (o IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 64 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” falante considera obrigatório o conteúdo proposicional) e, ainda, o autor destaca a sentença matriz com modalização pragmática (ou avaliativo para alguns autores). 2 A REALIZAÇÃO DA ORAÇÃO MATRIZ A construção completiva com matriz ser + nome avaliativo apresenta uma morfossintaxe bastante peculiar. Encontramos o verbo ser em 3ª pessoa do singular, no modo indicativo. Há uma potencialização do descomprometimento semântico do falante em relação à informação expressa na oração completiva sujeito. 2.1 O significado avaliativo O juízo avaliativo tem suas primeiras tentativas de definição na filosofia analítica da moral. Detalharemos alguns pressupostos teóricos deste tipo de filosofia baseados no trabalho de Lima (1989). Um dos nomes mais significantes dessa corrente que se aprofundou em avaliação foi C. L. Stevenson. Este deu continuidade à teoria emotivista fundada por Ayer, que consistia em tomar as palavras avaliativas como termos que expressam emoções e servem para despertar essas mesmas emoções no interlocutor. Em resumo, seriam estímulos para a ação. Desenvolvendo essa teoria, Stevenson esboçou o que ficou conhecido como “modelos de trabalho” (definições aproximadas do significado dos termos). Nestes modelos, teríamos uma parte assertativa (aprovar ou desaprovar algo), que descreveria a atitude do falante; e uma parte imperativa (aprove ou desaprove você também) – que ficou sendo chamada, posteriormente, de parte emotiva, pois, segundo Stevenson, os termos deveriam exercer uma influência apenas sutil –, que modificaria ou intensificaria a atitude do ouvinte (apud LIMA [1989]). Sendo assim, um termo avaliativo seria composto por dois componentes: o descritivo, que se referiria ao estado psicológico de aprovação/desaprovação do falante; e o emotivo, que residiria no poder destes termos de manifestarem emoções ou atitudes do falante e/ou evocarem tais emoções ou atitudes no ouvinte. O autor designou os componentes como “significado descritivo” e “significado prescritivo”. Para Lima (1989), a razão pela qual existem expressões avaliativas está relacionada com o fato de nós nos encontrarmos frequentemente perante situações em que necessitamos fazer uma escolha. E, mesmo nos contextos em que não há a questão da escolha, avaliar seria expressar se o objeto teria tido ou não a nossa preferência se o contexto fosse de escolha. Esta seria a explicação para a existência da parte prescritiva de um termo avaliativo, que nos permitiria recomendar ou condenar algo ou alguém. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 65 Nilza Barrozo Dias O autor também observou que um juízo avaliativo não prescreve só para o momento, mas indica qual seria o sentido de qualquer prescrição do falante em qualquer outra situação semelhante à primeira nos aspectos relevantes. Portanto, os juízos avaliativos envolvem prescrições universais. Já a parte descritiva de um termo avaliativo pressupõe que o objeto a que se aplica satisfaça certa descrição, possua certas propriedades que constituem o critério para adequadamente recomendar ou condenar algo. Ao traçarmos um paralelo com a Linguística Sistêmico-Funcional, encontramos o trabalho de Martin e White (2007), que discutem a avaliação na interação comunicativa. Os autores focam o interpessoal na linguagem, ou seja, o modo pelo qual os falantes se posicionam diante do mundo e diante daqueles com quem se comunicam. A teoria trata, principalmente, dos recursos linguísticos relacionados ao poder (igualdade ou não de acesso à possibilidade de realizar escolhas, tomar decisões e comunicar-se) e à solidariedade discursiva (disponibilidade maior ou menor de significados para troca numa interação e explicitação maior ou menor desses significados), subdivididos em três grandes categorias: a atitude, o engajamento e a gradação. Nossa pesquisa se concentrará na categoria atitude, através da qual o falante avalia entidades, estados de coisas e acontecimentos. É subdividida em apreciação, afeto e julgamento. Na Apreciação, os autores/falantes tomam uma posição em relação a coisas, forma, artefatos; expressam reações a determinados elementos de valor agregado; emitem um valor intersubjetivo ou uma avaliação para participantes e para processos por referência tanto a respostas emocionais quanto para sistemas culturalmente determinados. No Afeto, encontramos respostas emocionais, realizadas através de reações de processos mentais e através de relações atributivas de afeto. Cada significado está alojado em uma escala de força, que vai do grau mais baixo para o mais alto. Já no Julgamento, há a realização da avaliação de comportamento humano, positivamente ou negativamente, em referência a normas institucionalizadas, determinadas por valores sociais e culturais. Então, o falante emite uma avaliação das ações dos participantes da interação, com base nas regras de padrão comportamental, que definem regulamentos, expectativas sociais e sistemas de valores. O comportamento pode ser visto como moral/imoral; legal/ilegal; aceitável/não aceitável. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 66 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” 2.2 Os adjetivos Para Neves (2000), os adjetivos de valor semântico avaliativo estão na subclasse de adjetivos qualificadores: Esses adjetivos indicam, para o substantivo que acompanham, uma propriedade que não necessariamente compõe o feixe das propriedades que o definem. Diz-se que esses adjetivos qualificam o substantivo, o que pode implicar uma característica mais, ou menos, subjetiva, mas sempre revestida de certa vaguidade. (NEVES, 2000, p. 184185) Além disso, para a autora, os adjetivos qualificadores possuem características ligadas ao próprio caráter vago que se pode atribuir à qualificação. Eles podem ser graduáveis e intensificáveis. Podem ser usados pelo falante para expressarem diversos valores semânticos: qualificadores ou qualificativos e classificadores ou classificatórios. Os valores semânticos expressos pelos qualificadores são: (a) de modalização deôntica e epistêmica; e (b) de avaliação, ou avaliação psicológica, na direção da coisa nomeada para o falante e do falante para a coisa nomeada. Se considerarmos a avaliação de propriedades intensionais, os adjetivos exprimem propriedades que descrevem o substantivo em qualidade (eufóricos: indicação para o positivo, para o bom, ou disfóricos: indicação para o negativo) e em quantidade (eles são, em princípio, neutros). (NEVES, 2000, p. 186-190) Em outra perspectiva, Castilho (2010) considera que os adjetivos avaliativos estão no grupo dos “predicativos”. Porém, o autor não os insere na subclasse de adjetivos qualificadores, mas na subclasse de adjetivos modalizadores. Nesta divisão, teríamos que os modalizadores podem ser de três tipos: epistêmicos, deônticos e discursivos. E os avaliativos estariam incluídos neste último tipo: Certos adjetivos, também descritos como psicológicos, têm a propriedade de predicar o substantivo expresso no enunciado, e também um dos participantes do discurso não expresso no enunciado, em geral o próprio falante. Esses adjetivos atuam bidirecionalmente, ou seja, são biargumentais. Tanto numa direção quanto na outra, o que se observa é que o usuário está emitindo através desses adjetivos um juízo sobre o sentido do substantivo e sobre um participante, tendo como pano de fundo o referente dado pelo substantivo. (CASTILHO, 2012, p. 525) Brito (2003, p. 376-387) classifica os adjetivos em duas grandes categorias: os adjetivos modificadores ou qualificativos que expressam qualidades, estados, modos de ser de entidades denotadas pelos nomes (menino lindo, casa grande, vestido vermelho, etc.) e os adjetivos relacionais, ou seja, os adjetivos temáticos e referenciais, geralmente denominais, que representam argumentos dos nomes com que IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 67 Nilza Barrozo Dias são combinados, recebendo papéis temáticos diversificados: de Agente; de Experienciador; de Tema e de Possuídor. Os qualificativos geralmente apresentam antônimos, os relacionais não. A autora destaca que há adjetivos modificadores do significado ou intensão dos nomes, não os qualificando propriamente, mas exprimindo valores ligados à quantificação e intensidade (principal, mero, pleno) e adjetivos negativos e conjecturais (falso, presumível). Há ainda os adjetivos modais e os temporais-aspectuais. Quanto aos modificadores ou qualificativos, pode-se fazer a distinção entre graduáveis e não graduáveis. Esta distinção é importante para fazer a diferença entre adjetivos que designam qualidades ou propriedades que admitem uma escala de valores e os que não possuem essa propriedade, sendo denominados por Demont (1999, p. 144146) de adjetivos absolutos (apud, BRITO [p. 377]). Os modificadores ou qualificativos podem ocorrer em posição atributiva como adjetivos adnominais ou em posição predicativa. Duarte (2003, p. 602) propõe que as completivas selecionadas por adjetivos tenham três classes de adjetivos: a) os avaliativos factivos: agradável, angustiante, bom, impressionante, justo, lamentável, desagradável, etc.; b) os avaliativos não factivos como benéfico, complicado, difícil, fácil, simples, etc.; e c) os modais como impossível, necessário, obrigatório, possível. 3 CONSTRUÇÃO COMPLETIVA IMPESSOAL E MARCAÇÃO DA (INTER)SUBJETIVIDADE Achard (1993) coloca as construções impessoais separadas das construções com complemento oracional, com destaque para as construções com modalizadores. As construções impessoais ocorrem, no francês, com um sujeito il e podem se apresentar3 como impessoais deônticas (o falante indica que um evento especifico deve ocorrer), impessoais epistêmicas (o falante apresenta a probabilidade de ocorrência de certo evento), impessoais de reação (o falante apresenta reação a um certo evento) e impessoal avaliativa (o falante faz avaliação de um evento particular). As duas últimas estão inter-relacionadas. O autor destaca que, embora haja similaridades entre as construções completivas com modalizadores e as construções impessoais, as impessoais são diferentes daquelas, porque a cláusula-complemento pode ser conceptualizada pelo falante, mas pode ser também construída pelo ponto de vista de outro conceptualizador. Tais construções são consideradas de natureza existencial, ou, mais especificamente, pertencem a eventos existenciais ou a proposições na concepção de realidade de algum falante. 3 São citados os tipos da língua francesa que estejam mais próximos da língua portuguesa. Há mais dois tipos no francês: existencial abstrato e “raising constructions”. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 68 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” Dias (2013) analisa a construção completiva impessoal com verbo ser + nome no português do Brasil. Selecionou as matrizes com é preciso e é claro por serem as mais recorrentes nos textos investigados, numa abordagem Funcionalista, com contribuições da Semântica Cognitiva. Para caracterizar melhor a compreensão da referida construção, a autora investiga as modalidades deôntica e epistêmica da oração matriz e a ordem em que as orações se posicionam na construção completiva. Aponta também que, embora haja sujeito oracional expresso, o falante opta pela forma sintática unipessoal (estrutura predicadora em 3ª pessoa do singular), que dá um matiz semântico impessoal à estrutura predicadora alçada à posição inicial da construção. Para a autora, a construção completiva impessoal fortalece a perspectiva do falante/conceptualizador, que tece um jogo de distanciamento (discursivo e físico/social/temporal) entre a cena veiculada no complexo impessoal, de valor semântico impessoal, e o entorno caracterizado com valor semântico mais pessoal. Desse modo, o falante minimiza a sua participação no evento, corrigindo-a para se descomprometer. 4 AS FORMAS VERBAIS DAS ORAÇÕES COMPLETIVAS COM FUNÇÃO DE SUJEITO Para Duarte (2003, p. 599-602), as completivas verbais apresentam a seleção dos modos indicativo e subjuntivo a depender dos verbos selecionados para as completivas verbais. O modo indicativo pode, por exemplo, ser selecionado por um verbo epistêmico (como achar, considerar, acreditar, etc.) ou por um verbo psicológico, no caso das completivas preposicionadas. Já o modo conjuntivo ocorre nas completivas verbais como argumentos externos de verbos psicológicos factivos e em completivas selecionadas por verbos inacusativos como bastar e convir. Ocorre, ainda, nos argumentos internos de declarativos de ordem, volitivos e causativos. As frases completivas nominais não preposicionadas selecionadas por núcleos adjetivais epistêmicos exibem o modo indicativo. A seleção do indicativo é obrigatória para os derivados de adjetivos e verbos epistêmicos. Para a autora, não existe uma relação direta entre a seleção de modo nas completivas e diferentes tipos de modalidade expressos por certas classes de verbos factivos ou por predicados de crença. A proposta repousa na distinção entre predicados que introduzem asserções – (a) predicados assertivos – e predicação que não introduz asserções – (b) predicados pseudo-assertivos. Predicações (b) “não introduzem asserções, utilizando-se para exprimir avaliações ou para acrescentar conteúdos independentes da própria asserção como acontece com os predicados factivos avaliativos” (DUARTE, 2003, p. 603). Assim, o modo indicativo é IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 69 Nilza Barrozo Dias selecionado por predicados assertivos e o modo subjuntivo, por predicados pseudo-assertivos4. Além do mais, as completivas nominais/adjetivas podem exibir o modo subjuntivo. Este é o caso de completivas selecionadas por adjetivos avaliativos factivos, tais como “justo”, “lamentável”, “bom”, etc. Ao tratar das formas finitas e das não finitas de infinitivo (DUARTE, 2000, p. 593-605), nos comentários a respeito da completiva impessoal, a autora trabalha com construções de controle que podem denominar-se como controle de sujeito (quando é o sujeito da frase superior que controla a referência do sujeito nulo da completiva de infinitivo não flexionado), controle de objeto direto e indireto (quando é o objeto direto ou indireto da frase superior que fixa a referência do sujeito nulo da completiva de infinitivo não flexionado). A autora considera que as construções completivas com matriz ser + difícil (“É difícil engolir insultos desses”) apresentam uma oração completiva com função de sujeito – “engolir insultos desses” – e o sujeito, foneticamente nulo, da completiva sujeito recebe interpretação arbitrária, ou seja, não tem uma referência definida (p. 635). Segundo Achard (1998), a diferença no uso dos modos indicativo e subjuntivo das contruções completivas, de um modo geral, está associada ao grounding, ou seja, à relação entre a cláusula completiva e a situação discursiva. Flexão de indicativo assinala que a cláusula-complemento é vista como uma proposição, já que a posição do elemento é vista como relativa à concepção de realidade do conceptualizador. O modo subjuntivo indica que a cláusula-complemento não é considerada relativa a uma realidade, mas sim relativa a um espaço mental especifico relevante para o sujeito considerado. Assim, se o verbo da oração matriz é compatível com a concepção do complemento como uma proposição, a oração completiva será expressa no indicativo. A diferença entre as formas verbais das completivas está na perspectiva: os complementos finitos sinalizam uma concepção objetiva da cena e apresentam, como reflexo desta perspectiva, um alto grau de independência das completivas em relação à cláusula matriz. Já a forma infinitiva da completiva sinaliza a pespectiva subjetiva da cena da completiva, em particular, do sujeito da completiva. Nesse caso, os sujeitos S1 e S2 são correferenciais na língua francesa. Vesterian (2014) aborda a construção impessoal com verbo ser no português europeu. O autor analisa o valor semântico do conjuntivo nos complementos deônticos e avaliativos. Os impessoais relacionados a considerações epistêmicas demandam o modo indicativo, enquanto a negação dessas expressões demanda o modo subjuntivo. As expressões impessoais com ser podem desginar conteúdo 4 As propriedades gramaticais que permitem identificar (a) e (b) são: (i) os predicados assertivos permitem coordenação do tipo adversativo que afetem as completivas; (ii) os predicados assertivos admitem réplicas elípticas correspondentes à polaridade da frase superior ou à polaridade da completiva, já as pseudo-assertivos admitem respostas fragmentárias correspondentes à polaridade da frase superior; e (iii) só os predicados assertivos admitem fragmentos oracionais como complementos. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 70 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” conceptual com alto grau de factividade. Ou seja, elas pressupõem o conteúdo conceptual da oração completiva. O uso do modo subjuntivo pode, em determinadas expressões com ser, expressar um evento considerado pelo falante como verdadeiro, ou seja, ele pressupõe o conteúdo do evento-complemento. Nas expressões de natureza deôntica, o modo subjuntivo é motivado pelo fato de que as expressões deônticas tendem a ter projeção futura (como é o caso do verbo querer). Nos exemplos deônticos citados pelo autor, a oração principal requer uma ação futura e, logo, o evento da completiva é concebido como não pertencente à realidade do falante, mas a uma realidade preferida. Embora reconheça as considerações acerca do modo conjuntivo, o autor propôe a noção de “domínio”, isto é, o modo conjuntivo designa eventos que são localizados fora do “domínio do conceptualizador”. 5 O ENTORNO LINGUÍSTICO Observamos, nos corpora examinados, que devemos atentar para a evidencialidade utilizada pelo falante ou jornalista para justificar o uso da construção completiva impessoal. Assim, encontramos, no entorno linguístico, elementos que detalham, especificam ou preparam o leitor ou ouvinte para a expressão geral ou não pessoal da construção completiva impessoal. Ao fazer o contraste entre o específico versus o geral, o pessoal versus o impessoal, o falante ou jornalista se descompromete, se distancia, de algum modo, da informação veiculada, marcando a subjetividade, delineando-a em gradação e mostrando uma escala de acessibilidade. Chafe (1986) analisa o conceito de evidencialidade de acordo com uma escala de níveis de confiabilidade do conhecimento. Para ele, o conhecimento é uma informação cujo status pode ser qualificado de uma forma ou de outra por marcas de evidencialidade. De acordo com tal escala, o falante poderia transmitir determinado conhecimento de forma mais confiável ou menos confiável. Para o autor, há diferentes modos de conhecimento, isto é, diferentes formas e fontes de informação, com as quais o falante adquiriu determinado conhecimento e que podem ser refletidas em seu discurso. Os modos de conhecimento seriam a crença, cuja fonte é problemática; a indução, cuja fonte é a evidência propriamente dita; hearsay, cuja fonte é a linguagem; e a dedução, cuja fonte é uma hipótese. A fonte de informação da crença é problemática porque, segundo Chafe (1986), as pessoas creem em determinadas coisas ou porque alguém cujo ponto de vista elas respeitam crê também; ou porque, por qualquer outro motivo que seja, elas simplesmente querem crer naquilo. Ao contrário da crença, a indução é um modo de conhecimento em que a evidência ocupa um lugar central na informação. Por vezes, notamos, IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 71 Nilza Barrozo Dias na fala das pessoas, que a indução foi inferida, mas elas não indicam de qual natureza foi a evidência. Essa pode ser uma estratégia do falante para convencer seu interlocutor da avaliação que ele faz. Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007, p. 105-114) apresentam a gramaticalização de diz-que e apontam o comportamento de operador evidencial, ou seja, de codificador da fonte indireta ou menos direta do conhecimento asseverado na proposição no português do Brasil. Assim, a evidência pode ser feita a partir: (i) da experiência pessoal indireta (intenção comunicativa que se manifesta na negociação entre usuários da língua na interação verbal que vai exigir a presença de elementos indicadores da origem do conhecimento asseverado); (ii) de inferência (o falante observa um determinado resultado no discurso, invoca uma lei (da linguagem) e infere que pode ser o mesmo caso); (iii) de ouvir-dizer (experiências evidenciais indiretas: o usuário pode veicular um conhecimento de domínio cognitivo geral, ou uma informação sobre a qual não pode, não sabe ou não quer revelar a fonte); (iv) de reforço de verdade geral ( a priori, o conhecimento compartilhado por uma comunidade de fala é uma asserção realis e não precisa ter a origem explicitada gramaticalmente); (v) de boato (uma informação que não tem origem definida não tem credibilidade); (vi) de especulação (apenas o enunciador experimenta a evidência, só existe na mente dele). 6 METODOLOGIA Após a releitura da base teórica do Funcionalismo americano, com a contribuição das categorizações semânticas da Linguística Cognitiva, levantamos as construções completivas impessoais com ser + adjetivos avaliativos. Fizemos uma análise qualitativa dos dados que permitisse justificar o uso da avaliação como um aspecto importante na implementação da subjetividade. Ampliamos a investigação com a análise dos seguintes tópicos: tipos de adjetivos avaliativos, posição das orações, entorno linguístico, modo subjuntivo ou forma infinitiva das completivas; controle do falante sobre o sujeito da completiva; graus de impessoalidade decorrentes do entorno linguístico. Os corpora, da modalidade escrita, são: (i) revista Veja, do ano de 2009 e 2010; (ii) textos do português antigo, séculos XIX a XX; e (iii) discursos dos deputados da Câmara, do ano de 2009 a 2010. Estão em andamento análise de textos do período intermediário. Para a análise dos textos escritos, selecionamos acervos on-line. O acervo inicial foi o da Revista Veja, que se deu por acesso ao seguinte site: <www.veja.abril.com.br/acervodigital>. Em seguida, visitamos o acervo on-line da Câmara dos deputados, que se deu por acesso ao seguinte site: <http://cmrj2.camara.rj.gov.br/>. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 72 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” Utilizamos o programa de computador “Gadwin Print Screen”, disponível no site <www.gadwin.com/download>, para capturar a imagem, após utilizar a ferramenta localiza do Windows, em que indicamos ao programa o tipo de oração predicadora a ser localizado. A análise diacrônica tem como foco textos, especialmente as cartas, retirados do site do PHPB (<https://sites.google.com/site/corporaphpb>). Este projeto tem como coordenador geral o Professor Ataliba Castilho/Unicamp/SP, e o capítulo sobre adjetivos faz parte deste projeto. Buscamos, nos corpora, as construções completivas impessoais com [SER + NOME] e obtivemos os seguintes adjetivos avaliativos factivos e não factivos (DUARTE, 2003, p. 602) na posição de predicativo: indiscutível, inegável, melhor, verdade, indispensável, ridículo, forçoso, natural, explicável, justo, (des)agradável, lamentável, bom, doloroso, fácil, útil, original e difícil. Alguns deles não ocorreram no acervo da Revista Veja, e no acervo da Câmara. As construções completivas com é + bom e é + justo foram as mais recorrentes, até o momento. A investigação continua em andamento. 7 ESTUDO DE CASOS Apresentaremos algumas ocorrências para ilustrar as construções completivas impessoais, ser + adjetivo avaliativo5. É importante destacar que a ordem em que as orações ocorrem é, preferencialmente, oração matriz + completiva sujeito. Para Traugott (2010, p. 21), elementos linguísticos subjetivados são usados em posições cada vez mais periféricas. Normalmente, a mudança é para a esquerda, nas línguas VO, e, para a direita, nas línguas OV. Em Inglês muitos marcadores discursivos estão associados com a periferia da esquerda (algumas vezes com a direita), e seu uso nessa posição pode ser correlacionado com a subjetivação do seu significado (ver, por exemplo, Traugott e Dasher [2002]). (1) Coube ao deputado Silvio Costa, do PMN (sim é um partido) de Pernambuco, verbalizar em público o que seus cada vez mais numerosos colegas de baixo clero conversam às escondidas. Disse ele, sobre as ameaças de proibir as ilegalidades: “Quando entrei aqui, falaram que a cota era minha. Não é justo [proibir minha mulher e meus filhos de virem a Brasília comigo]. Querem que eu me separe para continuar na política? Vamos derrubar essa palhaçada no plenário.” O deputado Domingos Dutra, do PT do Maranhão, resumiu bem o espírito do baixo clero: “Daqui a pouco, vão querer que eu ande de jegue, more em casa de palafita e mande mensagem por pombo-correio.” Não é preciso. Basta se comportar como um nobre parlamentar. (Revista Veja, 29/04/2009, edição 2110, p. 73, Brasil) 5 As orações completivas impessoais estão colocadas entre colchetes. Poderão ser denominadas de oração ou sentença. A oração matriz estará em negrito. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 73 Nilza Barrozo Dias O exemplo (1) representa a avaliação do jornalista manifestada na oração matriz da construção completiva. Neste caso, o segmento matriz, constituído de ser + justo, ocupa a primeira posição da construção, é representado pela forma morfossintática unipessoal, verbo ser em 3ª pessoa do singular, seguida de um adjetivo qualificativo (NEVES, 2000) ou avaliativo factivo (DUARTE, 2003), manifestando a modalização avaliativa do deputado Sílvio Costa em relação à informação expressa na completiva com função de sujeito oracional, com verbo no infinitivo: “proibir minha mulher e meus filhos de virem a Brasília comigo”. Estamos diante de uma avaliação do tipo “julgamento”, segundo Martin e White (2005), já que o falante avalia o comportamento humano em referência a valores sociais e culturais. Para o deputado, não é justo impedir que sua família se afaste dele quando for solicitada a sua presença em Brasília. E ainda podemos observar que a oração matriz com adjetivo factivo implica, por parte do deputado, a pressuposição de que a proposição completiva é factual, isto é, o fato expresso na completiva é verdadeiro: a proibição da ida de mulher e filhos para Brasília na companhia dele será mantida, já que a imposição vem da Câmara de Deputados que regulamenta o referido impedimento. Poderíamos traçar ainda a harmonia entre as orações matriz e completiva, já que o infinitivo pressupõe a correferencialidade gramatical do sujeito. Observamos, contudo, que a completiva funciona como sujeito da oração predicadora (ou matriz), mas o sujeito da completiva não faz referência ao deputado Sílvio Costa, embora esteja no infinitivo. O sujeito de proibir é Ø, porém faz referência às restrições impostas pelo regulamento da Câmara de Deputados. Notamos, claramente, que a avaliação do deputado faz referência a uma proibição que traz, como consequência, uma implicação negativa para a instituição familiar. E o deputado tenta oferecer como suporte à sua avaliação uma pergunta que pretende convencer pelo sentido afetivo: “Querem que eu me separe para continuar na política?”, funcionando como marca de evidencialidade do tipo indução. Além dessa evidência, o jornalista aciona mais discurso reportado, aspeado, para dar suporte à construção completiva em foco. Para Duarte (2003, p. 602-603), as orações completivas de infinitivo, selecionadas pela oração matriz com adjetivo avaliativo factivo “é justo”, fazem parte do grupo de predicados pseudo-assertivos, utilizados pelo falante para exprimir avaliações ou conteúdos independentes da própria asserção, por já estarem pressupostos. A evidencialidade é observada nos discursos reportados, que dão suporte ao deputado – temos o ouvir-dizer– e nas experiências diretas presenciadas pelo político, que o habilitam, naturalmente, a abordar o assunto vivenciado (CASSEB-GALVÃO; LIMA-HERNANDES, 2007, p. 105-114). (2) O paciente de uma cirurgia está sempre em uma circunstância extremamente vulnerável. Para começo de conversa, ele está sedado, semidespido, longe dos amigos IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 74 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” e da família. Não tem testemunhas para acompanhar os procedimentos que vai sofrer. Já o cirurgião vive a circunstância oposta. Ele está no total controle da situação. Ele sabe o que fazer, comanda os procedimentos dos quais depende a vida do paciente. Acho que se submeter a uma cirurgia é a maior demonstração de confiança que um ser humano pode dar. É justo [que a pessoa em um momento desses tenha a segurança de saber que tudo está sendo gravado.] (Revista Veja, 14/10/2009, edição 2134, p. 20, entrevista) Como no primeiro exemplo, também temos a avaliação na oração matriz da construção completiva. A oração matriz ocupa a primeira posição e representa a avaliação do falante em relação à informação expressa na oração completiva sujeito, realizada com verbo no subjuntivo: “que a pessoa em um momento desses tenha a segurança de saber que tudo está sendo gravado”. A avaliação instancia o tipo julgamento (MARTIN & WHITE, 2007), em que o falante avalia o comportamento humano. Para ele, já que se submeter a uma cirurgia é a maior demonstração de confiança que alguém pode dar, seria justo para com o paciente ter a segurança de saber que tudo será gravado. Para Lima (1989), temos um avaliativo de significado prescritivo, porque o adjetivo evoca emoção ou atitude no ouvinte. Mais uma vez, o falante oferece, como suporte à sua avaliação, um entorno linguístico marcado por informações compartilhadas acerca de cirurgia médica. Faz um jogo discursivo de confiança entre comportamento de paciente versus comportamento de médico, inserindo um epistêmico atitudinal “acho”, seguido de avaliativo “demonstração de confiança”, que antecedem a construção completiva de valor semântico impessoal. A construção completiva impessoal representa toda e qualquer pessoa que tenha a segurança de ter tudo gravado. O jogo discursivo constitui um tipo de experiência médico/paciente dentre tantas outras experiências que podem ser gravadas por segurança. Com base em Chafe (1986), temos uma evidencialidade do tipo indução. Para Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007), podemos considerar a evidência a partir da experiência indireta. O controle do sujeito da construção completiva não é efetuado. O sujeito da completiva é “a pessoa”, de sentido genérico, indefinido, todo aquele que possa ter segurança com uma gravação. E este sujeito não é correferencial ao sujeito da frase superior ou ao entrevistado. Parece-nos que, ao usar “justo”, temos embutida uma forte questão de afeto. (3) Agora, quanto à política é que estamos em completo desacordo. Elle diz-me <<que não devemos ser carneiros de Panurgio, que é bom [mostrar aos chefes de que pau é feita a canoa], que isto de estar pelo que elles dizem e querem é mau vêso, donde nos tem vindo os males de que nos queixamos>> e mais umas tantas outras cousas, que IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 75 Nilza Barrozo Dias não me demovem do propósito feito de acompanhá-los seja para onde for. (Paraná, Cartas de Leitor, Século XIX, Carta 262) Temos uma oração matriz ocupando a primeira posição e que representa a avaliação do falante em relação à informação expressa na completiva com verbo no infinitivo: “mostrar aos chefes de que pau é feita a canoa”. Neste caso, há uma avaliação do tipo julgamento, em que o falante, presente no texto através de discurso indireto, avalia um comportamento (MARTIN & WHITE, 2007). Para o leitor, o adequado seria “ele”, pessoa sem referência definida, se impor diante dos chefes. E, antes de introduzir a oração avaliativa, para reforçar a própria ideia, o leitor insere uma metáfora: “não devemos ser carneiros de Panurgio”. Vemos marcada, no texto, a evidencialidade através do recurso do discurso reportado, o que constitui hearsay para Chafe (1986) e ouvir-dizer para Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007). O controle do sujeito da completiva não é exercido pelo leitor, ou pelo sujeito da frase maior. Mas podemos inferir que alguém deve mostrar aos chefes algo, o que não credita ao leitor esta façanha. Assim, embora a oração completiva esteja na forma de infinitivo, não há correferencialidade do ponto de vista do locutor entre ele, o leitor, e o sujeito da oração completiva. Observamos que o leitor marca a expressão da subjetividade através de um grau de distanciamento da cena evocada. Quanto mais potencialmente impessoal e geral, mais teremos a expressão da subjetividade do leitor. (4) Depois d’aquelle roubo do artigo O conservador de 1876, é natural [que se desse um descanso ao façanhudo órgão e que o urso branco que acode pelo nome de Abreu dormisse repleto sobre a presa que tinha feito]. (Impressos Paraíba, Século XIX, p. 67, JD80ca, 29/04/1889) No exemplo acima, temos uma avaliação na oração matriz, ocupando a primeira posição, em relação às informações expressas nas duas sentenças completivas com função de sujeito, coordenadas entre si, com verbos no modo subjuntivo: “que se desse um descanso ao façanhudo órgão e que o urso branco que acode pelo nome de Abreu dormisse repleto sobre a presa que tinha feito”. Podemos considerar que os conteúdos das completivas são independentes da própria asserção, o que caracteriza um avaliativo pseudoassertivo para Duarte (2003). Se aplicarmos a proposta de Neves (2000, p. 340-341): “Depois daquele roubo do artigo, é natural o fato de que se dê um descanso ao façanhudo órgão; é natural o fato de o urso branco que acode pelo nome de Abreu dormisse repleto sobre a presa que tinha feito.”, obteremos um valor factivo impresso na sentença completiva. Observa-se que há uma avaliação do tipo julgamento, com base em padrões de comportamento social, segundo Martin & White (2007), em que, visto o que aconteceu (o roubo do artigo), o falante acha IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 76 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” naturais os dois comportamentos descritos. Encontramos, dessa forma, segundo Chafe (1998), uma evidencialidade por indução, pois o falante nos mostra que o ocorrido é natural, devido ao que aconteceu antes; ou, conforme Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007), temos uma experiência indireta do usuário, compartilhada por uma comunidade de fala. O falante não tem o controle do sujeito da completiva, cujos sujeitos gramaticais são representados pelos sintagmas nominais “um descanso” e “o urso branco”, respectivamente, que apresentam uma referência definida. O predicado “é natural” leva-nos a uma interpretação factiva das orações completivas, segundo Neves (2000, p. 341), e a nitidez da interpretação depende, até certo ponto, do verbo da oração completiva. Assim, as completivas na forma finita desencadeariam uma leitura mais factiva do que aquelas com infinitivo. (5) [...] hoje devemos valorizar a democracia que temos. Ela é boa para qualquer país que, neste momento, esteja submetido a uma ditadura. [...] Então, neste sentido, é lamentável [que a política externa brasileira se paute não pelos valores universais da esquerda brasileira, que sempre foi contra o fascismo, sempre foi contra a tortura e sempre foi contra qualquer forma de ditadura militar, antidemocrática, de partido único, fascista ou comunista, enfim, seja lá como for, mas sim por esses vínculos promíscuos de compadrio com um regime sinistro como o regime teocrático que oprime o povo do Irã.] (Vereador Alfredo Sirkis – agosto/2010) O exemplo (5) instancia uma oração matriz – “é lamentável” – que seleciona uma completiva sujeito (entre colchetes), constituída por uma estrutura correlata, conforme podem-se observar os correlatores (“não… mas também”) grifados. A estrutura correlativa serve para colocar em evidência as informações apontadas pelos correlatores (ROSÁRIO, 2012). A construção completiva impessoal é expressa por uma matriz, constituída de verbo ser + adjetivo avaliativo factivo (DUARTE, 2003, p. 602), e uma representação morfossintática unipessoal de 3ª pessoa do singular (NEVES, 1996), seguida de uma sentença completiva na forma finita de modo subjuntivo. Tradicionalmente, o modo subjuntivo é associado ao domínio de incerteza, de eventualidade. Com esta matriz – “é lamentável” –, podemos considerar os predicados pseudo-assertivos (DUARTE, 2003) que não introduzem asserções, mas são utilizados para exprimir avaliações ou para acrescentar conteúdos independentes da própria asserção, uma vez que os mesmos já se encontram pressupostos nela. Para Vesterinan (2014), o uso do modo subjuntivo pode ser visto para expressar um evento considerado como verdadeiro, ou seja, o falante pressupõe o conteúdo do fato expresso na completiva sujeito. Ou seja, se aplicássemos a negação ao conteúdo da oração matriz, mesmo assim a informação expressa pela sentença completiva permaneceria independente. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 77 Nilza Barrozo Dias A oração matriz representa a avaliação do tipo julgamento feita pelo falante em relação ao comportamento das pessoas que exercem a política externa brasileira. Neste caso, vemos a evidencialidade por indução, no que diz respeito ao modo como o falante pensa e se manifesta sobre os valores da esquerda e da direita brasileiras. Mas é importante observar que, antes de inserir a oração matriz avaliativa propriamente dita, é lamentável, o vereador exprime, positivamente, sua crença sobre a democracia, o que constitui, segundo Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007), uma evidência pessoal direta dos fatos políticos. (6) os sinais vindos de fora também são animadores. O FMI, o banco central e o Tesouro americanos fazem eco a alguns dos mais tarimbafos economistas ao garantir que a recessão nos Estados Unidos acaba até o fim do ano. Com eles concorda até Noriel Roubini, economista de Nova York que, por ter espalhado o pânico no auge da crise, se celebrizou com o apelido de “Dr. Apocalipse”. [Acertar na mosca] é bom. [Acertar prevendo o melhor cenário], como fez VEJA, é melhor ainda. (Carta ao Leitor. Revista Veja, 22/7/2009, edição 2122, p. 13) A construção completiva é constituída pela oração matriz “é bom”, unipessoal em 3ª pessoa do singular, seguida de um adjetivo factivo (DUARTE, 2003, p. 602). A oração completiva “acertar na mosca” funciona como sujeito oracional. Este exemplo representa um raro caso de ordem, Sujeito oracional + oração matriz, em que a oração completiva na forma infinitiva instancia uma atividade de “acertar”, que é projetada como algo em potencial. Uma segunda construção completiva apresenta oração matriz “é melhor ainda” na posição posposta à oração completiva sujeito, “acertar prevendo o melhor cenário”. Aqui também temos um adjetivo avaliativo “melhor”, que é graduável pelo advérbio “ainda”. As construções completivas instanciam um valor semântico impessoal, geral, em relação à informação que as antecede, por estas representarem exemplos bem específicos do auge da crise financeira americana. Observamos, então, uma relação opositiva entre a porção textual que especifica, o entorno linguístico, versus a construção completiva, que instancia uma informação não pessoal e geral. Os detalhes acerca da recessão nos Estados Unidos são colocados antes das construções em destaque para mostrar evidências da experiência pessoal indireta do leitor, conforme Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007). Além disso, as orações completivas sujeito em posição pré-verbal comportam-se como ilhas fortes (DUARTE, 2003, p. 606), ou seja, não admitem a extração de argumentos ou adjuntos. Para Neves (2000, p. 340-342), a construção completiva impessoal possui valência 1 e a anteposição do sujeito oracional representa uma construção na qual a oração com função de sujeito vem topicalizada. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 78 A construção completiva com “ser + adjetivo avaliativo” CONCLUSÕES As construções completivas impessoais com ser + adjetivo avaliativo apresentam a manifestação da atitude do falante em relação à situação perfilada na oração completiva sujeito. Podemos considerar a expressão da subjetividade na seleção do adjetivo avaliativo da oração matriz; na posição inicial da oração predicadora em relação à siuação perfilada na oração completiva, que ocorre na posição posposta; no valor semântico não pessoal, geral, da construção completiva impessoal; no controle do falante sobre o sujeito da completiva; e na evidencialidade para potencializar ou diminuir o grau de impessoalização da construção completiva. Embora considere que, sintaticamente, temos uma estrutura predicadora mais uma oração completiva sujeito, pode-se observar que o falante utiliza as estuturas predicadoras com verbos em 3ª pessoa do singular, unipessoais para Neves (1996, pp. 168-169), para facilitar o seu descomprometimento da informação veiculada. Desse modo, o falante pode contrastar a informação da construção com o entorno discursivo e minimizar a própria participação ao apontar soluções gerais. As construções, até agora analisadas, não apresentaram orações completivas nos modos indicativo e subjuntivo como no português de Portugal, mas no subjuntivo e no infinitivo. Assim, a seleção da forma infinitiva na oração completiva não licencia o uso de sujeito expresso, com referência definida. O falante, então, usa outros recursos semântico-pragmáticos para caracterizar o “sujeito da completiva”. É interessante destacar ainda o recurso da evidencialidade que o falante/jornalista utiliza no entorno linguístico, a fim de dar uma certa credibilidade ao que ele falará na construção completiva, ou para levar o leitor ou ouvinte, discursivamente, a participar da informação colocada na construção. A pesquisa tem nos mostrado que a evidencialidade pode interferir no grau de impessoalidade expressa na construção completiva impessoal. Parece-nos que, quanto mais os interlocutores especificam o entorno, menor o grau de impessoalidade da construção. Mas esta é uma pergunta que continua em discussão. REFERÊNCIAS ACHARD, Michel. Representation of Cognitive Structures: Syntax and Semantics of French Sentential Complements. Berlin; New York: Mouton de Gruyter, 1998. p. 269-318. BRITO, Ana Maria. Categorias sintáticas. In: MATEUS, Maria Helena et al. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, 2003. CASTILHO, Ataliba T. de. Nova Gramática do Português Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2010. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 79 Nilza Barrozo Dias CASTILHO, Ataliba T. de (Org.). História do Português Paulista. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. p. 559570 (série Estudos). CHAFE, W. Evidentiality in English Conversation and Academic Writing. In: CHAFE, W.; NICHOLS, J. (Eds.) Evidentiality: The Linguistic Coding of Epistemology. Norwood, NJ: Ablex, 1986. DIAS, Nilza Barrozo. A subjetividade nas construções completivas impessoais do português brasileiro. Revista Portuguesa de Humanidades – Estudos Linguísticos. Braga: Universidade Católica Portuguesa, v. 17, n. 1, 2013. DUARTE, Inês. Subordinação completiva- as orações completivas. In: MATEUS, Maria Helena et al. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, 2003. p. 593-630. HALLIDAY, Michael. An introduction to Functional Grammar. London: Edward Arnold Publishers, 1985. LANGACKER, Ronald. On the Subject of Impersonals. In: Cognitive Linguistics: convergence and expansion. John Benjamim, 2011. LIMA, José Pinto de. Significado Avaliativo: para uma clarificação à luz de uma semântica prática. Lisboa, 1989. 727 f. Tese (Doutorado em Linguística Geral) – Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Lisboa, 1989. MARTIN, J. R.; WHITE, P. The Language of Evaluation: Appraisal in English. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 1-69. MATHIESSEN; THOMPSON. The structure of discourse and subordination. In: Clause combining in grammar and discourse. John Benjamin, 1988. NEVES, Maria Helena. Modalização. In: Gramática do Português Falado. KOCH (org.). Campinas: Editora da Unicamp, 1996. p. 172-189, v. VI. ______. Gramática de usos do Português. São Paulo: Editora Unesp, 2000. ______. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Editora Unesp, 2002. ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas em perspectiva functional . Niterói, Rio de Janeiro. (Tese de Doutorado). Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, 2012. STEVENSON, C.L. Ethics and Language. New Haven; London: Yale U.P., 1944. TRAUGOTT, Elizabeth C. Revisiting subjectification and intersubjectification. In: Subjectification, intersubjectification and grammaticalization, Topics in English Linguistics. Berlin; New York: Mouton of Gruyter, 2010. p. 29-73. ______; DASHER, Richard. Regularity in Semantic Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. VESTERIAN, Ranier. Impersonals with Ser (“to be”) and the domain of effective control. In: Language Sciences, 2014. p. 143-152. ______________________________________ Data de submissão: nov./2014. Data de aprovação: jan./2014. IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 62-80, 2º. Sem. 2014 | 80