A chuva ácida e a regeneração da Mata Atlântica em Cubatão

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A chuva ácida e a regeneração da Mata Atlântica em Cubatão
Carlos Ernesto Candia-Gallardo
Durante as décadas de 70 e 80, chuvas ácidas ocasionadas pelo complexo
industrial de Cubatão eliminaram pelo menos 2.000 ha de Mata Atlântica nas encostas
da Serra do Mar. Felizmente, no final da década de 80 as emissões foram controladas,
porém apenas um pequeno número de espécies da rica flora que originalmente ocupava
estas encostas foi capaz de recolonizar as áreas afetadas. Por que passados vinte anos
após o controle das emissões diversas espécies de plantas ainda não recolonizaram as
áreas afetadas pela chuva ácida? Os padrões temporais de estabelecimento de espécies
após perturbações (i.e, sucessão ecológica), bem como os processos que regulam estes
padrões, têm sido motivo de interessantes debates ao longo da história da ecologia de
comunidades. Os processos que limitam a recolonização e o estabelecimento de
espécies nas áreas afetadas em Cubatão devem ser levados em conta por planos de
restauração, sob pena de gastar tempo e recursos de forma ineficiente. Experimentos de
germinação e crescimento de plântulas em áreas afetadas e não afetadas (controle),
incluindo tratamentos com transplante de solos, podem revelar se o estabelecimento de
espécies da flora original da região é limitado por contaminação residual do solo.
De modo geral, após eventos de perturbação dois tipos de resposta podem ser
esperados de acordo com o tipo de relação competitiva entre os membros da
comunidade: resposta mediada por fundador (founder-controlled) e resposta mediada
por competição (dominance-controlled). No primeiro caso, as espécies teriam
habilidades competitivas equivalentes, e o resultado da sucessão dependeria do acaso,
i.e., das espécies que se estabeleceram primeiro. No segundo caso, algumas espécies
seriam competitivamente superiores, e o resultado da sucessão seria relativamente
previsível e independente de qual espécie (ou conjunto de espécies) se estabeleceu
primeiro. Ao considerar estes diferentes tipos de resposta baseados em modelos
teóricos, surge a seguinte questão: as espécies de plantas que recolonizaram as encostas
de Cubatão são um subconjunto aleatório da flora original? Ou colocado de outra forma,
as condições locais determinam as espécies que lá podem se estabelecer ao selecionar as
melhores “competidoras”?
Pelo menos dois fatores são necessários para o estabelecimento de uma espécie
de planta: i) ela deve ser capaz de chegar ao local (dispersão) e ii) ela deve ser capaz de
germinar e crescer no local. Sob um ponto de vista prático, torna-se fundamental saber
se, uma vez nas encostas de Cubatão, sementes das espécies ausentes têm a capacidade
de germinar e suas plântulas de crescer normalmente. Em caso positivo, programas de
restauração podem ser baseados no plantio direto de sementes e mudas de espécies da
flora original. Este cenário indicaria que as espécies ausentes não se estabelecem na área
por limitações na dispersão, uma hipótese plausível visto que diversas espécies de
animais dispersores não habitam aquelas encostas. Caso as sementes e plântulas das
espécies ausentes não se desenvolvam normalmente, é provável que as condições do
solo (e.g., contaminação residual) limitem seu estabelecimento. Conseqüentemente,
planos de restauração seriam mais custosos (ou até mesmo inviáveis) por terem de
contemplar medidas de correção do solo. Assim, saber se as condições do solo limitam
o estabelecimento das espécies da flora original é o ponto de partida para avaliar a
viabilidade de planos de restauração.
Um experimento de germinação de sementes e crescimento de plântulas pode
revelar se as condições do solo são limitantes. Neste experimento devem ser distribuídas
ao acaso parcelas em dois tratamentos: i) áreas afetadas (Cubatão) e ii) não afetadas pela
chuva ácida (controle). Em cada parcela seriam colocadas sementes e mudas de dois
grupos: i) espécies que recolonizaram as encostas afetadas (presentes) e ii) espécies
ausentes destas encostas (ausentes). Metade das sementes e mudas (independente do
grupo) seria colocada sobre o solo e a outra metade sobre uma caixa d’água enterrada
no chão contendo solo transplantado do outro tratamento (afetada ou não afetada). As
variáveis operacionais medidas seriam as taxas de germinação e de crescimento de
mudas. Se o estabelecimento de espécies ausentes for limitado por contaminação do
solo, o grupo das espécies ausentes apresentará taxas de germinação e crescimento
significativamente menores no solo de Cubatão, mas não no solo “controle”, em ambos
os tratamentos.
A dinâmica da regeneração da floresta Atlântica em Cubatão carece de estudos,
e conseqüentemente os fatores que limitam a recolonização e o estabelecimento de
espécies da flora original são desconhecidos. Cubatão apresenta-se como uma
promissora oportunidade para se aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento dos
ecossistemas florestais tropicais e dos impactos das atividades humanas sobre os
mesmos. Demonstra também a importância de se conhecer os processos subjacentes aos
padrões observados na natureza para se avaliar a viabilidade de planos de restauração.
Com um experimento simples e relativamente barato, como o descrito acima, estes
processos podem ser melhor compreendidos através do processo de eliminação de
hipóteses. Não obstante, a execução deste experimento ainda deixaria em aberto o papel
da fauna no processo de regeneração da floresta em Cubatão. O quanto a ausência de
espécies animais limita a recolonização e estabelecimento de plantas? O quanto a
ausência de espécies vegetais limita o estabelecimento da fauna?
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