Disparidades socioeconômicas na mortalidade por câncer do colo

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Disparidades socioeconômicas na mortalidade por câncer do colo do útero no estado do
Rio Grande do Norte (Brasil), 2008 a 2012*
Cinthia Carla Alves Teixeira1, Arêtha Maria Virgínio de Sousa1, Gésica Gabriela Costa do
Nascimento1, Pétala Tuani Candido de Oliveira Salvador2, Rosires Magali Bezerra de Barros2,
Juliano dos Santos3, Taynãna César Simões4, Karina Cardoso Meira2
Resumo
Objetivo: Correlacionar a mortalidade por câncer do colo do útero, no período de 2008 a
2012, nos municípios do Rio Grande do Norte com variáveis socioeconômicas. Metodologia:
Estudo ecológico da mortalidade por câncer do colo do útero nos municípios do estado do Rio
Grande do Norte. Os registros de óbitos, de mulheres na faixa etária de 20 a mais anos, foram
extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Correlacionaram-se as taxas de
mortalidade com variáveis socioeconômicas por meio da distribuição binomial negativa.
Resultados: As maiores taxas médias foram observadas nos municípios com as piores
condições socioeconômicas. Quarenta e seis por cento dos municípios apresentaram taxas
superiores à taxa estadual (10,56 óbitos/100.000 mulheres). Destaca-se que os municípios
com os melhores valores de desenvolvimento municipal (IFDM) apresentaram menor risco de
morte por essa neoplasia (RR=0,98 IC95% 0,97-0,99). Conclusão: O estudo evidenciou a
correlação entre a mortalidade por câncer do colo do útero e o índice de desenvolvimento
municipal.
Palavras-chave: Mortalidade. Modelos lineares generalizados. Neoplasia do colo do útero.
Estudos ecológicos.
*Trabalho apresentado no VII Congreso de la Asociación LatinoAmericana de Población e XX Encontro
Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Foz do Iguaçu/PR – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016
1
Graduandas do Curso de Tecnologia em Gestão Hospitalar da Escola de Saúde da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
2
Professoras da Escola de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
3
Tecnologista Pleno do Instituto Nacional de Câncer
4
Pesquisadora do Centro de Pesquisa René Rachouo da Fundação Oswaldo Cruz de Belo Horizonte
Introdução
O câncer do colo do útero é um importante problema de saúde pública no Brasil e no
mundo, mesmo sendo uma neoplasia evitável, com base em medidas de prevenção primária
(vacina contra o HPV) e prevenção secundária (exame de Papanicolaou) de comprovada
eficácia e efetividade (HANDLER et al., 2015; SASLOW et al., 2007; TAPLIN et al., 2005).
Em 2012, a partir de dados da IARC, estimaram-se 528 mil casos de câncer do colo do
útero no mundo. No entanto, incidência e mortalidade dessa neoplasia se mostram distribuídas
de forma heterogênea entre as regiões com aproximadamente 85,0% dos casos novos e 87,0%
dos óbitos incidindo em regiões menos desenvolvidas (WHO, 2012).
No Brasil, são estimados 16.340 casos novos para o ano de 2016, com risco de 15,85
casos a cada 100 mil mulheres. Da mesma forma que a distribuição mundial, maiores
incidência e mortalidade pela doença são observadas nas regiões com as piores condições
socioeconômicas do país (BRASIL, 2016).
Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer do colo do útero é o mais
incidente nas regiões Norte (23,97/ 100 mil), o segundo nas regiões Centro-Oeste (20,72/ 100
mil) e Nordeste (19,49/ 100 mil). Nas regiões Sudeste (11,30/100 mil) e Sul (15,17 /100 mil)
é o terceiro e quarto tipo de câncer mais frequente, respectivamente. Apenas para o estado do
Rio Grande do Norte (RN) foram estimados 260 casos novos (15,8 casos/100 mil), sendo 80
casos novos (19,04 casos novos/100.000) para o município de Natal, no ano de 2014
(BRASIL, 2014).
A mortalidade por essa neoplasia acompanha a tendência da incidência, sendo a região
Norte a que apresenta as maiores taxas padronizada pela população mundial, com média de
10,5 mortes por 100 mil habitantes, no ano de 2014. Em seguida, as maiores taxas de óbito
por esta neoplasia forma verificadas para as regiões Nordeste (5,81/100 mil), Centro-Oeste
(5,35/100 mil), Sul (4,34/100 mil) e Sudeste (3,44/100 mil) (BRASIL, 2016).
Alguns estudos ecológicos de tendência temporal têm sinalizado uma evolução
descendente das taxas de mortalidade por essa neoplasia nas capitais brasileiras, em
contrapartida nas cidades interioranas, a tendência tem-se apresentado crescente (FONSECA
et al., 2010; SILVA et al., 2011).
Essa realidade pode estar associada às diferenças regionais das condições
socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde, hipótese que tem sido corroborada por
alguns estudos. Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos e Japão evidenciaram que
mulheres residentes em áreas com piores condições socioeconômicas têm maior probabilidade
de serem diagnosticadas em estágios avançados desta neoplasia (BARRY; BREEN, 2005;
SCHOOTMAN et al., 2006; SINGH et al., 2004; UEDA; ICHIRO; TSUHUMRA, 2006).
No Brasil, estudo realizado no Paraná, em 2012, identificou tendência ascendente da
mortalidade por câncer do colo do útero nas regionais de saúde com maiores taxas de
analfabetismo, piores índices de desenvolvimento humano (IDH) e maior proporção de
moradores com menos de quatro anos de estudo (MÜLLER; BIAZEVIC; CROSATO, 2011).
No mesmo sentido, pesquisa realizada no município do Rio de Janeiro, identificou
maiores taxas de mortalidade nas áreas programáticas de saúde com piores condições
socioeconômicas para o período de 1996 a 2006, sendo as mulheres com maior risco de morte
as de cor/raça pretas/pardas, na faixa etária dos 50-70 anos, solteiras, e que residiam nas áreas
programáticas mais pobres da cidade (MEIRA; GRANADO; SILVA, 2011).
Frente a resultados regionalmente distintos, neste estudo investiga-se como a
mortalidade por câncer do colo do útero está distribuída espacialmente nos municípios do
estado do Rio Grande do Norte, bem como os fatores socioeconômicos e demográficos
relacionados, no período de 2008 a 2012. Avaliar o padrão de ocorrência dessa doença e
identificar as localidades com maior risco de morte por câncer colo do útero é de extrema
importância no direcionamento de ações de controle e tratamento, além de políticas públicas
adequadas à realidade do município.
Metodologia
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo ecológico, cujas unidades de análise foram cada um dos
municípios do estado do Rio Grande do Norte (RN), para os quais foram observadas as taxas
de mortalidade por câncer do colo do útero, no período de 2008 a 2012, além de variáveis
socioeconômicas.
O estado do RN situa-se na região Nordeste do país, sendo limitado ao norte e ao leste
pelo Oceano Atlântico, ao sul pelo estado da Paraíba e ao oeste pelo estado do Ceará. Sua
população foi estimada em julho de 2014 em 3.408.510 habitantes, distribuídos em 167
municípios. A atividade econômica é baseada na indústria têxtil, agroindústria, extração de
petróleo e sal, além do turismo. O estado é dividido em oito Regiões de Saúde (RS), quais
sejam: 1ª RS (São José de Mipibu), 2ª RS (Mossoró), 3ª RS (João Câmara), 4ª RS (Caicó), 5ª
RS (Santa Cruz), 6a RS (Pau dos Ferros), 7ª RS (Metropolitana) e 8a RS (Açu).
Coleta de dados
As informações analisadas foram extraídas do Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM), por meio do site DATASUS: www.datasus.org.br (acesso em
10/09/2015). Foram incluídos os registros classificados como câncer do colo do útero, câncer
do corpo do útero e câncer do útero de porção não especificada, correspondendo aos códigos
C53, C54 e C55, respectivamente, da Classificação Estatística Internacional das Doenças e
problemas relacionados à Saúde, décima edição (CID-10). Registros com município de
residência ignorado foram excluídos.
Variáveis sociodemográficas
Variáveis que representam o perfil socioeconômico dos municípios foram obtidas
junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), censo 2010, dentre as quais:
taxa de analfabetismo, Índice de Gini, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Produto
Interno Bruto (PIB), Índice de Avaliação do Desenvolvimento Municipal (IFDM). O IFDM
foi calculado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), para o ano de 2010,
e acompanha, anualmente, o desenvolvimento socioeconômico dos municípios brasileiros em
três áreas de atuação: Emprego e renda, Educação e Saúde. Os índices são classificados em
quatro categorias: baixo (0,0 a 0,4), regular (0,4 a 0,6), moderado (0,6 a 0,8) e alto (0,8 a 1,0),
sendo a localidade considerada de maior desenvolvimento à medida que este índice se
aproxima da unidade.
Operacionalização e análise dos dados
Obtidos os dados de mortalidade, foi realizada a redistribuição dos óbitos classificados
como câncer do útero de porção não especificada, para os óbitos por câncer do colo do útero e
câncer do corpo do útero, de acordo com a proporção de registros certificados originalmente
para cada uma das categorias, por causa, ano e faixa etária como orientado por Antunes e
Wünsch-Filho (2006). Em seguida, taxas médias municipais de mortalidade para o triênio de
2008 a 2010 foram calculadas e padronizadas pela população mundial, como proposto por
Segi, e modificada por Doll e Hill.
Após essa etapa foram identificados e delimitados todos os municípios do estado do
RN, e construiu-se a matriz de vizinha de variabilidade dos dados de área. Em seguida, as
taxas quinquenais foram mapeadas em intervalos de mesma amplitude, por meio software
Terraview 4.1.0, e avaliou-se a existência correlação espacial das mesmas por meio do Índice
de Moran o qual não foi significativo (I de Moran=0,03; p=0,28) (Figura 1).
FIGURA 1
Resultados do teste de estatísticos de análise de dependência espacial das taxas de
médias de mortalidade por câncer do colo do útero, nos municípios do estado do Rio
Grande do Norte, Natal, 2016
Tendo em vista tal realidade, as associações entre as variáveis socioeconômicas foram
investigadas através de modelos lineares generalizados, com distribuição binomial negativa
para a média da variável resposta, dada pelo número de óbitos em cada município. Esta
distribuição foi atribuída a fim de considerar superdispersão observada nos dados, além de
capturar parte da correlação espacial presente (DOBSON et al., 1983; NELDER;
WEDDERBURN, 1972).
A fim de ponderar o número de óbitos pela doença pelo tamanho populacional do
município, um termo offset, correspondente ao logaritmo natural da população do município,
foi adicionado ao preditor linear (DOBSON et al., 1983; NELDER; WEDDERBURN, 1972).
No processo de modelagem, inicialmente cada variável foi testada nos modelos
univariados, permanecendo aquelas com significância inferior ou igual a 20,0% para inclusão
nos modelos múltiplos. A significância prática e epidemiológica foi resguardada por meio de
um procedimento não automático de seleção das variáveis. Os modelos foram comparados
pelo Critério de Informação de Akaike. Após a inclusão simultânea de todos os efeitos
principais, foram testados os termos de interação plausíveis (DOBSON et al., 1983;
NELDER; WEDDERBURN, 1972).
A adequação do modelo foi baseada em análises gráficas dos resíduos por observação
gráfica (Normal Probability Plot e gráfico dos resíduos versus os valores ajustados). A
significância individual das variáveis foi analisada pelo teste de Wald, ao nível de 5% de
significância. O processo de modelagem foi realizado no software estatístico R, versão 3.2.1.
Resultados
No período de 2008 a 2012, foram registrados 416 óbitos por câncer do colo do útero
no RN, correspondendo a uma taxa padronizada de 7,65 óbitos por 100 mil mulheres no
período. Após a correção dos óbitos, houve aumento de 34,13% (n=558) no número de óbitos
por essa neoplasia (10,64 óbitos/100 mil mulheres), sendo que 42,60% dos municípios
apresentaram taxas médias superiores à taxa média estadual, e 47 municípios não
apresentaram óbitos por essa neoplasia.
No tocante às regiões de saúde, as maiores taxas de mortalidade por 100 mil mulheres
foram observadas na região Metropolitana (11,66), seguida por João Câmara (10,97),
Mossoró (10,23), São José do Mipibu (10,01), Açu (9,19), Caicó (8,52), Santa Cruz (6,31) e
Pau dos Ferros (6,27). As dez maiores taxas de mortalidade por 100 mil mulheres foram nos
municípios de Rodolfo Fernandes (66,48), Janduís (44,86), Olho-d´agua dos Borges (40,62),
Senador Georgino Avelino (34,18), Serra de São Bento (33,31), Caiçara do Norte (32,87);
Baía Formosa (30,10), Felipe Guerra (29,82) e São José do Seridó (27,32). Já as dez menores
taxas médias de mortalidade foram observadas nas cidades de Poço Branco (4,83), Patu
(4,83), Pedro Velho (4,69), Lagoa Nova (4,52), Pendências (4,49), Jardim das Piranhas (4,37),
Alexandria (4,23), Santana dos Matos (4,17), Macau (3,96). As duas maiores cidades do
estado, Natal e Mossoró, apresentaram taxas médias de 10,32 e 9,93 óbitos por 100 mil
mulheres, respectivamente (Figura 2).
FIGURA 2
Taxa de mortalidade média por câncer do colo do útero, nos municípios do estado do
Rio Grande do Norte, no período de 2008 a 2012, Natal, 2016
Os municípios com as taxas de mortalidade superiores a 15 óbitos por 100 mil
mulheres por essa neoplasia, apresentavam os piores valores de IFDM as maiores taxas de
analfabetismo (Figura 3 e 4).
FIGURA 3
Índice FIRJAN (Emprego & Renda) para os municípios do estado do Rio Grande do
Norte, Natal, 2016
FIGURA 4
Taxa de analfabetismo para os municípios do estado do Rio Grande do Norte, Natal,
2016
Destaca-se que se testou a presença de colinariedade entre as variáveis utilizadas nas
análises inferências, por meio do fator inflacionário de variação (VIF), o qual identificou
ausência de correlação. Apresentando os seguintes valores: PACS (1,07), PSF (3,45), Taxa de
analfabetismo (1,25), IFDM (2,16), Índice de Gini (2,09), IDH (4,06) PIB (1,15). A
modelagem univariada evidenciou significância das variáveis IFDM e PACS (valor-p ≤0,20),
permanecendo nas análises múltiplas (Tabela 1).
Na análise multivariada os modelos estatísticos analisados não se mostraram
estatisticamente significativos (Tabela 2). Ainda, realizaram-se novas análises com todas as
variáveis estudadas, e novamente, não houve modelos estatísticamente significativos na
análise multivariada. Desta maneira, verificou-se a adequação do modelo univariado,
estatisticamente significativo ao nível de 5%, por meio da análise do valor de AIC e dos
resíduos, no qual permaneceu apenas a variável IFDM (Tabela 2).
TABELA 1
Resultados dos modelos univariados, da regressão binomial negativa das variáveis
socioeconômicas e demográficas, Natal, 2016
Variável
IFDM
IFDM_ Educação
IFDM Emprego & Renda
IDH
Gini
PACS
PSF
Taxa de analfabetismo
Valor de p
0,006
0,54
0,30
0,65
0,74
0,08
0,80
0,86
TABELA 2
Risco relativo não ajustado e ajustado dos modelos multivariado final, Natal, 2016
Variável
IFDM
PACS
RR não ajustado (IC95%)
0,98(0,97-0,99)
1,001 (0,99-1,01)
RR ajustado (IC95%)
0,99 (0,98-1,10)
1,04 (0,97-1,10)
O desenvolvimento municipal constituiu-se um efeito protetor para a mortalidade por
câncer do colo do útero no período estudado. Tendo em vista que os municípios do RN com
os maiores valores de IFDM apresentaram menor risco de morte por essa neoplasia (RR=0,98
IC95% 0,97-0,99) quando comparado aos municípios com o menor desenvolvimento
municipal (Tabela 2).
Discussão
O câncer do colo do útero é um importante problema de saúde pública em que pese
suas altas taxas de incidência e mortalidade, com maior impacto desses indicadores nas
regiões com as piores condições socioeconômicas do nosso país. Realidade que se mantém, e
que foi identificada nos municípios do RN, mesmo na existência de um Programa de
Prevenção e Controle do mesmo em nível nacional desde o ano de 2001 (PNCC).
Evidenciou-se distribuição desigual da mortalidade por câncer de colo de útero entre
os municípios do estado do RN. As maiores taxas quinquenais foram observadas nos
municípios com as piores condições socioeconômicas, sendo que mais de 40,0% destes
apresentaram taxas superiores à taxa estadual.
A taxa de mortalidade do estado do RN no período do estudo foi 3,20 vezes maior do
que a estimada para os países desenvolvidos (3,3 óbitos /100.000) (WHO, 2004). Ainda,
verificou-se menor risco de morte por essa neoplasia nas cidades com maior desenvolvimento
municipal segundo o IFDM.
Esse achado vai ao encontro aos resultados de outros estudos, pois os mesmos
evidenciaram associação da mortalidade por câncer do colo do útero e as condições
socioeconômicas e demográficas das regiões nas quais as mulheres residiam (GAMARRA;
VALENTE; SILVA, 2010; MARTÍNEZ; GUEVEL, 2013; PEREIRA; QUEIROZ, 2012;
SCHOOTMAN et al., 2006; UEDA; ICHIRO; TSUHUMRA, 2006).
Nos estados da região Nordeste, taxas ascendentes de mortalidade estiveram
correlacionadas aos indicadores socioeconômicos negativos (proporção de população
analfabeta dentre aqueles com 25 anos de idade ou mais; número médio de filhos por mulher
em idade fértil (taxa de fecundidade); proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de
pobreza (menos de meio salário mínimo per capita) e taxa de mortalidade de menores de 5
anos de idade por 1.000 nascidos vivos). Do mesmo modo, verificou-se maior risco de morte
por câncer do colo do útero, no período de 2007 a 2009, nos municípios do estado do Rio de
Janeiro que apresentavam menor desenvolvimento municipal na área da saúde (IFDM-Saúde)
(PEREIRA; QUEIROZ, 2012).
Resultados semelhantes foram encontrados nos EUA, pois as mulheres que moravam
nas regiões com piores condições socioeconômicas tiveram 20,0% (IC 95% 1,01-1,40%)
maior probabilidade de serem diagnosticadas em estádios avançados desta neoplasia, e a
sobrevida das mesmas foi dependente do nível de pobreza da localidade no qual as mulheres
viviam, sendo: 79,1% ( IC 95% 78,0%-80,2%), 75,6% (IC 95% 73,9%-77,2%) e 72,6% (IC
95% 70,9%-74,3%), em localidades com baixas, médias e altas taxas de pobreza ,
respectivamente (SINGH et al., 2004).
Da mesma maneira, o risco de morte por essa neoplasia na cidade de Buenos Aires, foi
maior nos distritos eleitorais com as piores condições socioeconômicas. Os distritos que
possuíam maior porcentagem de déficit de instrução (0,40; IC95% 0,04-0,68) e ausência de
cobertura de saúde (0,46; IC95% 0,10-0,71) apresentaram as maiores taxas de mortalidade
por câncer do colo do útero (MARTÍNEZ; GUEVEL, 2013).
No estado do RN, outro resultado que chama a atenção é o fato de que 22,0% dos
municípios apresentarem taxas superiores ao dobro da taxa estadual. Estas cidades estão
localizadas no interior do estado, cidades com as piores condições socioeconômicas. Tal
realidade pode estar relacionada ás dificuldades de acesso à prevenção, controle e tratamento
desta neoplasia fora da capital e região metropolitana norte-riograndense (SOUSA et al.,
2016).
Essa situação é preocupante, pois era esperada redução nas taxas de mortalidade por
câncer do colo do útero após a implantação do PNCC em 2001 e da Política Nacional de
Atenção Oncológica em 2005, a qual tinha por finalidade estabelecer uma rede de atenção
oncológica em todas as unidades federadas. No entanto, assim como aponta um estudo
realizado por Girianelli, Gamarra e Silva (2014), não se observou redução nas tendências de
mortalidade por essa doença em mulheres residentes no interior das regiões Norte e Nordeste
do país.
A reformulação do sistema de saúde no Brasil promoveu a descentralização e a
universalização, contudo o acesso universal não garantiu equidade na utilização dos serviços e
nem homogeneidade da sua qualidade, dificultando a prevenção e diagnóstico precoce de
doenças, sobretudo nas regiões mais pobres do país (ANTUNES et al., 2008). A iniquidade
observada entre as regiões brasileiras, os grandes centros urbanos e o interior, quanto ao
acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento de câncer, podem influenciar grandemente a
evolução das taxas de mortalidade por essa doença.
E um estudo desenvolvido no Brasil no ano de 2011, evidenciou que existem vazios
sanitários relacionados ao tratamento do câncer de mama, principalmente na região Norte do
país, além disso, metade do total dos atendimentos concentrou-se em algumas capitais. Sendo
os municípios do Rio de Janeiro e São Paulo responsáveis por um quinto dos atendimentos,
em sua maioria para sua população residente (OLIVEIRA et al., 2011).
Acredita-se que esta realidade não seja exclusiva do tratamento do câncer de mama. E
pode ser a causa da dificuldade de acesso aos serviços de saúde que grande parte dos
pacientes oncológicos enfrenta em nosso país, sobretudo fora dos grandes centros urbanos,
desde a realização do exame preventivo ginecológico, passando pela realização da biópsia,
exames diagnósticos e o tratamento propriamente dito (cirurgia, quimioterapia e radioterapia)
(OLIVEIRA et al., 2011).
O presente estudo apresenta como principal contribuição ter possibilitado conhecer a
distribuição da mortalidade por câncer do colo do útero nos municípios do estado do RN, bem
como identificar a correlação da mesma com o desenvolvimento municipal (IFDM).
No entanto, os seus achados devem ser analisados com cautela, tendo em vista que
foram gerados a partir de dados secundários, os quais apresentam problemas relacionados à
cobertura (subnotificação) e a qualidade dos registros. Sendo assim, com vistas a minimizar a
limitação relacionada à qualidade dos registros, promoveu-se a redistribuição dos óbitos
classificados como câncer do útero de porção não especificada.
Considerações finais
Os resultados do presente estudo apontam o impacto que as condições
socioeconômicas dos municípios do RN produzem na mortalidade por câncer do colo do
útero. O que vai ao encontro das evidências de vários estudos, pois as condições
socioeconômicas são uma proxy para o acesso aos serviços de saúde. As populações mais
pobres em geral, têm o pior acesso aos recursos de saúde, mesmo no Brasil que apresenta um
sistema de saúde que pretende ser universal, integral e com equidade.
Nesse sentido, se faz necessário avaliar o PNCCC no referido estado, no tocante à
cobertura do exame de Papanicolauo em cada município, a qualidade dos exames realizados,
falhas na entrega dos resultados dos mesmos, o tempo decorrido entre o diagnóstico de
alguma lesão precursora ou câncer e o tratamento, bem como o processo de referência e
contra-referência. Com vistas a identificar as principais limitações que têm permitido o
quadro descrito nesse estudo.
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