Insuficiência Cardíaca Definição: a insuficiência cardíaca (I.C.) pode ser definida como uma situação clínica na qual o desempenho do coração encontra-se inadequado para atender às necessidades metabólicas tissulares periféricas, no esforço ou no repouso. O mecanismo fisiopatológico básico parece concentrar-se na queda da contratilidade miocárdica acompanhada de redução de débito cardíaco. A insuficiência cardíaca congestiva ou global é caracterizada pela presença simultânea de insuficiência cardíaca direita e insuficiência cardíaca esquerda. A insuficiência cardíaca esquerda pode ser conseqüência de alterações como a regurgitação ou a estenose da valva mitral e caracteriza-se por aumento na pressão do sistema pulmonar e pode provocar edema e congestão pulmonares, podendo manifestar-se clinicamente com dispnéia aos esforços e dispnéia de repouso, de acordo com a intensidade e evolução da doença. Existem inúmeras outras causas possíveis como a isquemia e o conseqüente infarto do miocárdio que resulta em diminuição da capacidade contrátil do coração. A insuficiência cardíaca esquerda pode resultar em insuficiência cardíaca direita, e esta associação recebe o nome de insuficiência cardíaca congestiva. A insuficiência cardíaca direita manifesta-se clinicamente através de sintomas como a turgência jugular, ascite, anasarca, hepatomegalia, esplenomegalia e edema de membros inferiores. A presença de estertores bilaterais na base dos pulmões à ausculta pulmonar sugere a presença de insuficiência cardíaca, a qual deve ser investigada. A IC diástólica é responsável por 60% das IC e a sistólica por cerca de 40% das IC. A IC é progressiva e tende a piorar quando atinge o grau 4. A IC diastólica pode ocorrer por pericardite constritiva e por HAS. A insuficiência cardíaca é comum em pacientes que possuem doença de Chagas. A insuficiência cardíaca aguda pode ocorrer quando há sobrecarga súbita do miocárdio normal, como na insuficiência aórtica aguda ou na insuficiência mitral aguda. Na IC é comum ocorrer taquicardia, palidez, pele fria e cianose. O estado hipocontrátil aciona mecanismos reflexos de compensação como o aumento de catecolaminas circulantes, que visam manter níveis de pressão de perfusão adequados. Elevam-se a resistência arteriolar sistêmica e a pós-carga. A redução do volume sistólico diminui a perfusão renal, o ritmo de filtração glomerular e aumenta a reabsorção tubular proximal de sódio assim como a liberação de renina. Aciona-se o sistema angiotensina-aldosterona que facilita a retenção hidrossalina aumentando a volemia. A constricção venosa sistêmica associada ao incrementado retorno venoso ao coração aumentam a pré-carga. Os principais mecanismos adaptativos para a manutenção do débito cardíaco na IC são o mecanismo de Frank-Starling, a ativação neurohumoral e o remodelamento miocárdico com aumento da massa contrátil. Os dois primeiros ocorrem em minutos ou horas e o último demora semanas a meses para se manifestar. Classificação funcional das insuficiências cardíacas segundo a NYHA ( New York Heart Association ): Classe I: presença de doença cardíaca sem limitação funcional. Classe II: confortável em repouso. Nas atividades físicas habituais sente dispnéia, fadiga, palpitações e angina. Classe III: confortável em repouso. Limitação física acentuada. Com menos do que as atividades habituais sente dispnéia, fadiga, palpitações e angina. Classe IV: incapaz de qualquer atividade física. Sintomas em repouso. Qualquer atividade física aumenta o desconforto Exames complementares: quando os sintomas clínicos forem evidentes, a terapia deve ser iniciada. Entretanto, alguns exames auxiliam de forma substancial na confirmação do diagnóstico e na exclusão de outras patologias associadas. Os exames mais indicados são o RX de tórax, o hemograma e os exames bioquímicos ou laboratoriais: eletrólitos, sódio, potássio, uréia, creatinina, glicemia e urina tipo I. Mais especificamente porém menos utilizado tem-se a ecocardiografia que permite identificar alterações nas valvas e no volume de sangue. A ergometria permite a avaliação da capacidade funcional e a gravidade da insuficiência cardíaca. Tratamento: o tratamento da I.C. deve ser etiológico e sindrômico. Devem ser diagnosticadas e tratadas patologias de base como coronariopatias, hipertensão arterial e valvopatias. Impõe-se a terapêutica de fatores desencadeantes como infecções, hipoxemia, arritmias, embolias pulmonares ou intervenções iatrogênicas como a intoxicação digitálica. As manifestações sindrômicas podem ser controladas empregando-se medidas dietéticas e medicamentosas, que visam melhorar as condições de trabalho do músculo cardíaco e combater a retenção de sódio e água. O repouso e a restrição hidrossalina constituem as prescrições dietéticas mais importantes. O tratamento farmacológico inclui diuréticos, agentes inotrópicos e vasodilatadores. Os beta-bloqueadores podem ser utilizados em alguns casos melhorando a hipertrofia, mas estão contra-indicados na insuficiência cardíaca grave. Tratamento da insuficiência cardíaca sistólica: IECA ( o máximo que o paciente suportar ), diuréticos ( congestão ), beta-bloqueadores ( diminuem a força de contração ), digitálicos ( usados quando não se consegue controlar a insuficiência cardíaca com o aumento de IECA e diuréticos ) e espironolactona. Os pacientes que não toleram IECA devem ser tratados com hidralazina. São sugestivos de insuficiência cardíaca sistólica a presença de dispnéia e terceira bulha. Tratamento da insuficiência cardíaca diastólica: objetiva o relaxamento. São utilizados os beta-bloqueadores, antagonistas do cálcio ( verapamil, diltiazem ), IECA e diuréticos ( uso cauteloso ). Os digitálicos estão contraindicados no tratamento da insuficiência cardíaca diastólica. A insuficiência cardíaca diastólica pode ser causada por hipertrofia ventricular esquerda e miocardioesclerose. São sugestivos de insuficiência cardíaca diastólica a presença de dispnéia e quarta bulha. Agentes inotrópicos: podem ser empregados agentes inotrópicos glicosídios e não-glicosídios. Os glicosídios cardíacos mais usados são os que se apresentam na forma química pura como a digitoxina, a digoxina e o lanatosídio C. Aumentam a contratilidade miocárdica atuando diretamente nas miofibrilas do coração. Sua ação inotrópica positiva resulta de prováveis ações inibitórias substanciais na bomba de sódio e potássio da membrana celular, acarretando elevação intracelular simultânea das concentrações de sódio e cálcio. Deve-se lembrar que os melhores efeitos terapêuticos são obtidos com doses próximas das tóxicas e que existe variação individual em relação à tolerância e resposta ao medicamento. A digoxina e a digitoxina podem ser administradas sob a forma de comprimidos. O lanatosídeo C deve ser usado exclusivamente por via endovenosa. A prescrição destes glicosídios cardíacos pode desencadear quadros de intoxicação digitálica que ocorrem com freqüência variável de 1 a 35% dos pacientes que utilizam estas drogas. Esta situação clínica é delicada pois a dose terapêutica está próxima da dose tóxica que por sua vez está próxima da dose letal. A terapêutica aplicada compreende a suspensão imediata do glicosídeo empregado até que haja sua eliminação. As arritmias cardíacas podem ser tratadas através de medidas farmacológicas (xilocaína, amiodarona, betabloqueadores, atropina) ou elétricas (marcapasso, estimulação transesofágica ou cardioversão elétrica). Dentre as catecolaminas mais utilizadas cita-se a dopamina cujo efeito inotrópico resulta da estimulação miocárdica beta-1 adrenérgica direta e da liberação de noradrenalina das terminações simpáticas do músculo cardíaco. Esta droga aumenta a contratilidade miocárdica, o débito cardíaco e ativa receptores específicos dopaminérgicos resultando na dilatação de territórios arteriais específicos como o cerebral, coronário, mesentérico e renal. Pode-se obter efeito diurético expressivo com esta droga, útil no tratamento complementar da insuficiência cardíaca. Outra catecolamina sintética freqüentemente empregada é a dobutamina, que interage predominantemente com receptores beta-1 adrenérgicos. Aumenta o inotropismo do coração sem alterar significativamente a resistência vascular sistêmica, sendo a incidência de arritmias graves menor com a sua utilização do que com a dopamina. Entretanto estas drogas podem ser associadas quando se pretende adicionar à terapêutica o efeito vasodilatador renal da dopamina. Diuréticos: atuam na pré e na pós-carga diminuindo a concentração plasmática de sódio, a volemia e conseqüentemente o edema. São fundamentais na terapêutica dos sintomas e sinais de congestão venosa pulmonar ou sistêmica. Considerados de potência moderada os tiazídicos talvez atuem nos túbulos contornados distais reduzindo a reabsorção de sódio e cloro. Estão indicados na I.C. leve. Nos graus moderados e severos de insuficiências cardíacas empregam-se habitualmente fármacos potentes denominados “diuréticos de alça” como a furosemida e o ácido etacrínico. Estes medicamentos são secretados ativamente no túbulo proximal e interferem no transporte de cloro na membrana luminal do ramo ascendente da alça de Henle, diminuindo a reabsorção de cloreto de sódio. Podem ser prescritos por via oral ou EV. O tratamento diurético apresenta efeitos colaterais como a hiperuricemia, a hiperglicemia e a alcalose metabólica hipocalêmica. A queda das concentrações plasmáticas do potássio é sempre indesejável pois, além de provocar adinamia, fraqueza muscular, cãibras e íleo paralítico predispõe à intoxicação digitálica. As alterações eletrolíticas podem ser evitadas com o uso associado de diuréticos poupadores de potássio, de fraca atividade natriurética. São exemplos a espironolactona ( antagonista da aldosterona ), o triantereno e a amilorida. Outra complicação não infreqüente é a hipovolemia que pode aparecer em portadores de I.C. compensada. O aumento da diurese e natriurese podem promover queda do volume circulante com acentuação da atividade vasopressora neuro-humoral, com aumento da pós-carga e redução progressiva do débito cardíaco. Nos casos de I.C. rebelde pode-se recorrer à associação de diuréticos que atuam em sinergismo em diferentes porções do néfron. Não são infreqüentes as associações de tiazídicos, furosemida e espironolactona, em doses proporcionais à gravidade do caso e à resposta terapêutica obtida. Vasodilatadores: constituem drogas consideradas de primeira linha no tratamento da I.C., devendo ser prescritas nas disfunções cardíacas moderadas, severas ou refratárias. Tem sido demonstrado que o uso destes medicamentos reduz a morbidade e a mortalidade dos pacientes que deles fazem uso, através de mecanismos que incluem ações benéficas hemodinâmicas e redução da atividade neuro-humoral exacerbada presente desde o início em pacientes com I.C.. Podem atuar na pré e na pós-carga de acordo com o predomínio de suas ações veno ou arteriodilatadoras respectivamente. Não interferem na contratilidade miocárdica, mas estão indicados nas falências de bomba importantes acompanhadas de sintomatologia exuberante e aumento de áreas cardíacas. Podem ser prescritos na I.C. da fase aguda do infarto do miocárdio ou da intoxicação digitálica. Também são indicados na insuficiência cardíaca que acompanha as miocardiopatias congestivas, na hipertensão arterial severa ou nas insuficiências mitral ou aórtica. Os vasodilatadores diretos empregados com maior freqüência são o nitroprussiato de sódio, o dinitrato de isosorbitol e o prazosin. Os vasodilatadores indiretos prescritos são representados pelas drogas inbidoras da enzima de conversão da angiotensina ( IECA ) representados pelo captropil , enalapril e o lisinopril. Em pacientes que não toleram inibidores da ECA deve-se utilizar hidralazina. O nitroprussiato de sódio constitui o exemplo mais característico destas drogas. Atua na pré e na pós-carga provocando arteríolo e venodilatação sistêmicos sem interferir na contrabilidade miocárdica. Age diretamente na musculatura lisa das arteríolas e das veias de capacitância por aumentar a produção de oxido nítrico. Apresenta o inconveniente da administração ser endovenosa. O dinitrato de isosorbitol diminui a pré-carga pelo efeito venoditador predominante. A queda do retorno venoso favorece a melhora clínica e a hemodinâmica da congestão pulmonar. Embora não altere o débito cardíaco reduz o trabalho e o consumo do miocárdio. É prescrito na forma de comprimidos para uso sublingual. Seu início de ação é rápido e o seu efeito pode durar até 2 horas. O prazosin atua na pré e na pós-carga promovendo efeitos semelhantes aos obtidos com nitroprussiato através porém de bloqueio dos alfa 1 receptores. Pode ser usado por via oral, com início de ação em 30 minutos e efeito persistente até 6 horas. O captopril inibe a transformação de angiotensina I em angiotensina II bloqueando a enzima conversora reduzindo a atividade exacerbada do sistema reninaangiotensina-aldosterona. Atua principalmente diminuindo a resistência arteriolar sistêmica, parecendo interferir também na pré-carga. O enalapril apresenta mecanismo de ação semelhante ao do captropil apresentando entretanto, por suas características farmacocinéticas início de ação e tempo de duração mais prolongados. Relata-se uma menor incidência de efeitos colaterais com o enalapril, quando comparado com o captopril. O captopril e o enalapril interferem na síntese de prostaglandinas e na atuação renal do hormônio antidiurético. Em consequência, observam-se aumentos na excreção de sódio e água que são sinérgicos àqueles dos diuréticos tornando esta associação medicamentosa ideal no tratamento da I.C. Todos os vasodilatadores apresentam efeitos colaterais importantes. O nitroprussiato de sódio e os outros nitratos podem provocar queda do débito cardíaco. Hipotensão arterial séria e choque podem ocorrer nos doentes medicados com nitroprussiato ou que usam pela primeira vez prazosin ou captopril. Estas duas drogas podem perder sua eficácia após tratamento prolongado. Em raras ocasiões o captopril pode provocar proteinúria, síndrome nefrótica ou alterações hematológicas. Devem ser acrescentados a estes inconvenientes outros como elevação das taxas de uréia e creatinina, alterações no paladar ou tosse seca secundária a inibição das cininases e aumento na concentração de bradicinina.