Perspectivas para pensar o álbum conceitual no - coneco puc

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VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.
Perspectivas para pensar o álbum conceitual no cenário musical contemporâneo
Lucas Waltenberg1
Resumo
O objetivo deste trabalho é discutir a definição de álbum conceitual a partir de alguns
casos coletados em críticas musicais e em trabalhos acadêmicos. Em nossa análise,
entendemos que esse formato reflete estratégias de agregação de valor e de
legitimação cultural, a partir do que é entendido e classificado como “música de
entretenimento” e “música séria”. Percebemos também que o álbum conceitual é
articulado em três eixos: a ideia de uma história amarrando as canções para
contextualizar a obra, a sua construção sonora e os aspectos materiais da música.
Palavras-chave
álbum conceitual; formatos fonográficos; materialidade
“Faltam cinco anos para o fim do mundo. Foi anunciado que o mundo
acabará por falta de recursos naturais. Ziggy está em uma posição onde
todos os garotos têm acesso a coisas que eles achavam que queriam. As
pessoas mais velhas perderam toda a conexão com a realidade e os garotos
estão sozinhos, prontos para saquear qualquer coisa. Ziggy tocava em uma
banda de rock-and-roll, mas os garotos não querem mais rock-and-roll.
Não há eletricidade para tocá-lo. O conselheiro de Ziggy fala para ele
1
Possui graduação em Estudos de Midia pela Universidade Federal Fluminense (2008) e é mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), com a
pesquisa "Cultura da música na era digital: Pato Fu e a reconfiguração da indústria fonográfica em
tempos de participação". Atualmente, é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde desenvolve a pesquisa "Álbum de música 2.0:
remediações e a reconfiguração da indústria fonográfica". Participa também do grupo de pesquisa
LabCULT, coordenado pela Prof. Dra. Simone Pereira de Sá.
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reunir notícias e cantá-las, porque não há mais novidades. Então, Ziggy faz
isso e encontra notícias terríveis.”2 – David Bowie
6 de junho de 1972. David Bowie lançava no Reino Unido The Rise and Fall
of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars. O disco estreou no 19º lugar da parada
de sucessos, onde ficou por volta de dois anos, oscilando entre várias posições. Com
quatro discos solo já gravados, este álbum catapultou a carreira do músico.
Acompanhado dos Spiders From Mars, David Bowie incorporou o extra-terrestre
roqueiro Ziggy Stardust no disco e nos shows para cantar sobre o fim do mundo,
problematizar a cultura pop e trazer mensagens de esperança.
Marc Spitz (2010), um dos muitos biógrafos do cantor, diz que o nome do
personagem pode ser uma referência direta a Iggy Pop. Já o sobrenome remonta ao
Legendary Stardust Cowboy, cantor americano de country. Outra teoria aponta que
“Stardust” vem de uma canção de Hoagy Carmichael 3. O fato é quando se trata de
Ziggy Stardust, existe uma série de divergências quanto à origem de seu nome e às
pessoas que serviram de inspiração para David Bowie criar o roqueiro do espaço.
Como se fosse um musical ou um livro, The Rise and Fall of Ziggy Stardust
and the Spiders From Mars conta a história de um alienígena que chega à Terra para
fazer contato com seus habitantes. As onze faixas do álbum dão corpo a essa
narrativa. Five Years, por exemplo, a música que abre o disco, fala do planeta em vias
de extinção; Starman faz o anúncio da vinda do “homem do espaço” que trará a nossa
salvação; fechando o álbum, Rock’n’roll Suicide, retrata o declínio de Ziggy Stardust
e sua eventual queda.4
2
Entrevista de David Bowie para William Burroughs, publicada na revista Rolling Stone, em fevereiro
de 1974. Tradução do autor. Disponível em: <http://www.5years.com/bgmgk.htm>. Acesso em: 10 de
julho de 2013.
3
Marc Spitz conta parte dessa história na biografia escrita sobre o artista. No site “The Ziggy Stardust
Companion”, pode-se encontrar mais histórias sobre as origens de Ziggy. Disponível em:
<http://www.5years.com/>. Acesso em 15 de julho de 2013.
4
Fonte: FAQ do site “The Ziggy Stardust Companion”. Disponível em:
<http://www.5years.com/faq.htm>. Acesso em: 15 de julho de 2013.
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Ainda que a história contada no álbum não siga uma ordem linear e esteja em
debate até hoje, é fácil perceber que há um fio condutor amarrando as canções. Essa
ligação manifesta-se não somente nas letras, mas também na capa do disco e no
figurino usado pela banda nos shows, criando uma unidade entre os diversos
elementos que compõem a história de Ziggy Stardust. Por se articular em torno de um
tema que amarra as músicas, pode-se falar que este é um álbum conceitual. Para
Shuker (1999, p. 17), álbuns conceituais são “unificados por um tema que pode ser
instrumental, compositivo, narrativo ou lírico. Deixam de ser uma coleção de canções
heterogêneas para tornarem-se obras narrativas, com uma sequência de canções
individuais em torno de um tema único”. Para o autor, a origem desse tipo de
abordagem em relação ao álbum surgiu no anos 60, “quando o rock buscava o status
de arte” (idem).
Apesar do recorte oferecido por Shuker, sua definição não dá conta da
complexidade do termo “álbum conceitual”. Em primeiro lugar, não há um consenso
quanto à origem do formato. Em segundo, o termo desliza por diversos gêneros
musicais, tornando difícil pensá-lo somente no universo do rock. Posto isso, o
objetivo deste trabalho é apresentar alguns casos e problematizar como o álbum
conceitual, com suas especificidades, reflete as estratégias de agregação de valor e de
legitimação cultural que tiveram início no fim dos anos 40, com as disputas entre o
single de 45 rpm (rotações por minuto) e o Long-play (LP) de 33⅓ rpm. Na primeira
parte, retomamos a discussão sobre a consolidação do álbum de música como um
formato cultural e o debate entre “música de entretenimento” e “música séria”. Em
seguida, exploramos a noção de álbum conceitual, ancorados por críticas musicais e
pela pouca bibliografia encontrada sobre o assunto. Por fim, pensamos como a ideia
de narrativa, os “Estudos de Som” e as reflexões sobre a materialidade da música
podem nos fornecer pistas para colocar o álbum conceitual à frente dos debates sobre
música e Comunicação.
Disputas acerca do álbum de música enquanto um formato cultural
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Em “Capturing Sound”, Katz (2004) discorre sobre os “efeitos fonográficos”
para entender a influência causada pelas tecnologias de gravação sonora. Sem cair na
falácia do determinismo tecnológico, seu trabalho deixa claro que é “a relação entre a
tecnologia e seus usuários que determinam o impacto da gravação” (KATZ, 2004, p.
3). Assim, o autor discorre sobre algumas características definidoras das tecnologias
de gravação sonora a fim de mostrar seus efeitos. Um desses traços é a tangibilidade,
que aponta para a fisicalidade do suporte fonográfico. Um segundo, seria o da
portabilidade, indicando que a gravação tornou qualquer música portátil. Por sua vez,
a temporalidade diz respeito à consolidação de uma condição temporal para o registro
de música.
Além de nos permitirem perceber os efeitos fonográficos das tecnologias de
gravação, esse traços também oferecem pistas para pensarmos sobre os efeitos dos
próprios suportes usados para registro musical. A inscrição da música em cilindros e
discos tem como consequência, por exemplo, a separação entre a performance e o
som. Para ser ouvida, a música precisava ser tocada. Os suportes sonoros, acoplados
aos seus respectivos aparelhos de reprodução, ofereceram aos ouvintes a possibilidade
de “fazer” música em casa, sendo a atividade mais uma questão de consumo, do que
técnica (FRITH, 2001). Além disso, Attali (1985, p. 84) afirma que “o amor à música,
um desejo crescentemente enclausurado no consumo de música para escuta, não
consegue encontrar na performance o que a gravação fonográfica oferece: a
possibilidade de guardar, de acumular em casa e de destruir a bel prazer.” Chanan
(1995), em “Repeated Takes”, traça uma história das tecnologias de gravação e de
seus efeitos na música. Para o autor, a gravação transformou a música em um objeto
material, tangível. Este registrou e assumiu grande parcela de responsabilidade nas
mudanças em estilos de interpretação, de performance e de criação musical. Antes do
LP, por exemplo, a limitação temporal dos discos de 78 rpm determinou que as
músicas gravadas no suporte precisariam ter no máximo cerca de quatro minutos
(KATZ, 2004). Como essa era uma limitação do próprio suporte, as músicas
precisariam ser cortadas para caber no disco ou compostas atentando-se a esta
limitação.
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Durante as primeiras décadas do século XX, o disco de 78 rpm era o principal
suporte disponível para os consumidores de música (KEIGHTLEY, 2004). Em 1948,
a Columbia lançou o disco Long Play (LP), de 33⅓ rpm. Este suporte, de 12
polegadas, permitia que mais músicas fossem inscritas em cada lado. No ano seguinte,
a RCA-Victor introduziu no mercado o disco de 45 rpm, de 7 polegadas. Enquanto o
primeiro deu origem à estética do álbum, o segundo originou a estética do single (DE
MARCHI, 2005; CARVALHO & RIOS, 2009).
Enquanto um formato cultural, o álbum possui uma série de características
materiais que foram exploradas de formas bem peculiares por seus usuários. O álbum
representa uma totalidade, constituída não somente pelas músicas inscritas no disco,
mas também pelos seus “paratextos” (STRAW, 2012, p. 234), ou seja, os elementos
não musicais incorporados ao suporte, como a embalagem, a arte da capa, o encarte,
os textos de apresentação, a ordem das faixas, o título, as informações técnicas etc.
Esse material remete-nos à ideia do álbum como um “produto fechado” (SÁ, 2006, p.
8), onde “os discos passam a serem vistos como uma obra de arte em si” (DE
MARCHI, 2005, p. 13). Por conta do fortalecimento dessa estética nos anos 50,
Carvalho & Rios (2009, p. 81), atentam para a sua permanência, mesmo com a
digitalização da música em suportes como o CD.5
Quando foi lançado, Keightley (2001, 2004) conta que o álbum estava
associado a um nicho do mercado e a tipos específicos de música que atendiam a esse
público. Enquanto o disco de 45 rpm, o single, estava alinhado com o público
adolescente e com os hits contemporâneos, o LP, mais caro, era voltado para os
consumidores adultos. Segundo o autor, “este alinhamento entre formato e conteúdo
contribuiu para a crescente distinção entre gostos adultos e adolescentes”
(KEIGHTLEY, 2001, p. 113). Artistas e gêneros de apelo para o universo adulto, que
já eram culturalmente legitimados, usavam o disco de 33⅓ rpm como veículo para a
5
Neste trabalho, Carvalho & Rios (2009) argumentam que os consumidores estariam ficando
desinteressados pelo “álbum comercial”, uma vez que o mp3 apontaria para um consumo de música
que remete à estética do single. Em outra direção, optamos por nos aproximar de perspectivas que
pensam as continuidades de certas práticas na cultura da música, como a permanência do álbum apesar
dos novos suportes de reprodução musical, tanto no âmbito da produção quanto do consumo, como
trabalhadas em Dantas (2005), Janotti Jr (?) e Waltenberg (2012).
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sua música, “onde temas maduros e sofisticados poderiam ser explorados em
profundidade” (idem). A música adolescente, tida como mero entretenimento,
circulava no disco de 45 rpm. Assim, os dois suportes não diferiam somente em
tamanho, mas implicavam estratégias distintas de valoração e de legitimação cultural,
pois “um formato (33⅓ LP) e um segmento da audiência/do mercado monopolizava a
„boa música‟, com um concomitante rebaixamento do formato e da audiência
„opostos‟” (KEIGHTLEY, 2004, p. 378).
Adiante, o autor vai mostrar como o rock vai utilizar as “instituições do longplay” – LPs, catálogos, intérpretes com carreiras longas etc. – para se legitimar
culturalmente. Nessa estratégia de revalorização, o formato álbum e o LP foram
elementos centrais. Correlato ao argumento de Keightley, Montgomery (2002)
oferece duas explicações para a centralidade do LP no processo de legitimação
cultural do rock: a apresentação do produto e o seu valor econômico. Desde os anos
50, as gravadoras investiam no design, de forma a unificar o álbum com o conteúdo
de forma atraente para o consumidor. E quando os LPs passaram a vender mais que os
singles, as gravadoras perceberam o potencial econômico do produto. Ainda que o
álbum pudesse demorar mais que o single para “emplacar”, quando isso acontecia,
havia uma arrecadação contínua por um tempo maior. Segundo, Keightley (2004, p.
381),
[O] mercado dos álbums representava uma base econômica para a indústria
fonográfica e um lugar para valorizar tradições “ortodoxas” que resistiam à
novidade e ao consumo “descerebrado”. Esse entrelaçamento e
interdependência entre valorizações industriais e culturais são a chave para
entender de que forma a instituição do álbum contribuiu para a
legitimização da música dos anos 50 em diante. 6
Como vimos, a experiência de consumo oferecida pelo álbum aponta para a
ideia de uma obra completa. Nele, artistas podem trabalhar suas músicas em maior
profundidade e quantidade, em um produto que entrelaça sons, textos e imagens. O
6
Tradução do autor para: “Thus the album Market represented at once an economic foundation for the
record industry and a site for the valuing of „orthodox‟ traditions that resist novelty and „mindless‟
consumption. This intertwining and interdependence of industrial and cultural valorization are key to
the ways in which the institution of the album contributed to the legitimization of popular music in the
1950s and beyond.”
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preço do LP, mais caro que o do single, era bancado principalmente pela fatia do
público dotada de maior poder aquisitivo, os adultos. O repertório que circulava no
suporte era aquele consumido por esse nicho: trilhas sonoras de musicais da
Broadway, jazz e os standards americanos, que já eram legitimados culturalmente.
Assim, a adoção do suporte por gêneros musicais “adolescentes”, que circulavam no
single, tidos como música de entretenimento, é parte de uma estratégia de legitimação
cultural. Assim, os LPs e os álbuns tornam-se objetos de agregação de valor a partir
dos usos feitos dele, do seu preço no mercado e dos seus aspectos materiais. Posto
isso, podemos pensar como os álbuns conceituais atualizam essa lógica e inserem
outros elementos no processo.
O problema do álbum conceitual
Logo de início, é preciso reconhecer que há um problema com a ideia de
álbum conceitual. Afinal, todo álbum é um projeto intencional de artistas, produtores
e gravadoras, um produto “fechado” e materializado na forma de um “pacote”, que
integra músicas, imagens e textos. Logo, sempre há um conceito, seja ele mais frouxo
ou mais rígido, em sua confecção. Por isso, perguntamos: qual a especificidade do
álbum conceitual?
Em sua tese sobre o álbum conceitual de rock, Montgomery (2002) ressalta a
relativa escassez de reflexão acadêmica sobre o assunto. Poucos são os trabalhos que
se debruçam sobre o objeto, sendo este apenas pontuado em discussões mais amplas.
Quando muito, aparecem na forma de verbetes enciclopédicos, como no Vocabulário
de Música Pop, de Shuker (1999). A fim de instrumentalizar sua discussão,
Montgomery (2002) define o termo como “um estilo de apresentação ou formato
aplicados na criação, marketing e distribuição de discos de vinil LP”
(MONTGOMERY, 2002, p. 33). Apesar de realizar estudos de caso densos e
entrevistas sobre o assunto, sua abordagem faz um recorte em cima dos discos de vinil
e do gênero musical rock. Esse recorte apresenta-se como um problema porque, em
primeiro lugar, dificulta pensar o álbum conceitual articulado a outros suportes
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fonográficos. Se o formato álbum pode ser configurado também em CDs, mp3s7 e até
em aplicativos móveis8, precisamos de uma abordagem que dê conta da variedade dos
suportes em circulação. Em segundo lugar, sua tese privilegia o rock. Ainda que o
gênero tenha uma visibilidade maior na categoria, é necessário expandir a análise a
fim de considerar álbuns conceituais de outros universos sonoros. Assim, não ficamos
presos a uma definição restrita e fazemos um esforço reflexivo que dê conta da
riqueza do termo. Por isso, propomos dar continuidade à discussão feita até aqui e
pensar o álbum conceitual também como mais uma estratégia de legitimação cultural
no universo da música.
Frank Sinatra é tido como um dos primeiros músicos a gravar um álbum com
um conceito amarrando as canções. Em In The Wee Small Hours, de 1955, o cantor
entoa canções de Cole Porter, Duke Ellington e Hoagy Carmichael, entre outros, com
arranjos de Nelson Riddle. Will Fulford-Jones escreve que:
In The Wee Small Hours foi lançado pouco depois de o romance entre
Sinatra e Ava Gardner ter terminado, e esse rompimento talvez tenha
tornado este o melhor álbum de todos os tempos sobre o tema da
separação. O Sinatra do imaginário popular, aquele sujeito meio malandro,
sempre com uma piada na ponta da língua, não aparece aqui – ele é um
homem, apenas. Os vendedores de discos, que costumavam colocar Sinatra
na prateleira de easy listening certamente nunca o tinham ouvido cantar as
confissões de bêbado de “Can‟t We Be Friends?”, e muito menos suplicar
como em “What Is This Thing Called Love”, de Cole Porter. E “Mood
Indigo”, de Duke Ellington, nunca havia soado tão melancólica (DIMERY,
2007, p. 23).
Sem considerar casos como o de Sinatra, Stimeling (2011, p. 389) localiza o
surgimento dos álbuns conceituais no rock dos anos 60. Em um esforço de definição,
o autor pontua que “[t]anto no discurso acadêmico quanto no da crítica, o termo
„álbum conceitual‟ é usado para descrever discos LP ou, mais recentemente, discos
compactos [CDs] que são marcados por uma unidade narrativa e uma estrutura
7
PINTO, Rodrigo. Álbuns superam faixas e se reafirmam como carro-chefe da indústria fonográfica.
BBC Brasil. Junho de 2012. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120620_album_rp_2.shtml>. Acesso em: 4 de
agosto de 2013.
8
Cf. Waltenberg (2012).
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musical de grande escala”. Para o autor, o álbum conceitual seria um símbolo das
aspirações artísticas e da retórica “anti-mercado” do rock.
Posto isso, Stimeling (2011) vai pensar o álbum conceitual na música country,
analisando três discos de Willie Nelson: Yesterday’s Wine, de 1971; Phases and
Stages, de 1974 e Red Headed Stranger, de 1975. Segundo o autor, o primeiro conta a
história de um homem assistindo ao próprio funeral e revendo a sua vida. Phases and
Stages fala sobre o tema da separação. Enquanto um lado do disco traz o discurso do
homem, o outro representa o componente feminino do relacionamento. Como
Stimeling (2011, p. 398) argumenta, “uma análise do álbum enquanto um objeto
físico revela que Nelson explorou o fato do disco ter dois lados como um dispositivo
de enredo e usou a embalagem que o acompanhava para destacar a narrativa”. O
terceiro álbum, ao contrário dos outros, não traz uma história delineada, com
personagens. Em vez disso, apresenta uma coleção de músicas escritas por
compositores country de gerações anteriores a de Willie Nelson.
Shuker (1999, p. 17) define os álbuns conceituais e as óperas-rock como
discos “unificados por um tema que pode ser instrumental, compositivo, narrativo ou
lírico.” Para o autor, o álbum conceitual surgiu na década de 60, quando o rock
buscava sua legitimidade artística, daí o fato de alguns desses álbuns serem
denominados como “ópera-rock”. Segundo Shuker, Tommy, lançado pelo The Who
em 1969, é geralmente aceito como o pioneiro do formato. Para Joel McIver, Tommy,
“[n]a aparência, trata-se da história de um garoto surdo, retardado e cego nascido
numa família desequilibrada (ele é aterrorizado pelo primo e pelo tio), que se revela
no fliperama e na música e se torna um ícone messiânico no melhor estilo do final dos
anos 60.” (DIMERY, 2007, p. 164). A história de Tommy não ficou restrita aos
discos, sendo levada também para os palcos de teatro e para a tela do cinema.9
De fato, é importante reconhecer – e problematizar – o fato do rock “passar na
frente” de outros gêneros quando se fala sobre o álbum conceitual. Em uma lista de
9
Fonte: Wikipedia. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Tommy_(album)#Other_incarnations>. Acesso em: 4 de agosto de 2013.
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melhores álbuns conceituais compilada pelo site da revista Rolling Stone,10
encontramos apenas discos de rock. Tommy, do The Who; The Rise and Fall Of Ziggy
Stardust and the Spiders From Mars, de David Bowie; American Idiot, do Green Day;
Dark Side of the Moon, do Pink Floyd e Village Green Preservation Society”, do The
Kinks, são algumas das obras presentes na lista. Na edição do programa “Top Top”11,
da MTV, que foi ao ar em 5 de agosto de 2008, os VJs Léo Madeira e Marina Person
apresentaram os “Top 10” discos conceituais. Novamente, todos os álbuns
comentados eram de bandas e artistas roqueiros. A lista abarcava obras dos anos 60 e
70, como os álbuns do The Who, David Bowie e Pink Floyd e também os
lançamentos mais recentes, como os discos do Flaming Lips, My Chemical Romance,
Green Day e The Smashing Pumpkins.
Mellon Collie and the Infinite Sadness, que ficou com a 5ª posição no “Top
Top”, é um disco duplo lançado em 1995 pelo Smashing Pumpkins, banda americana
liderada pelo vocalista e guitarrista Billy Corgan. O álbum é conceitual não por ter
história linear, mas por causa de um tema que articula as 28 canções. Para Jim
Derogatis, as músicas estão conectadas pela ideia “de tomar parte no dia de um
adolescente típico, alienado”.12 “Dividido em dois discos, intitulados respectivamente
„Dawn to Dusk‟ e „Twilight to Starlight‟, o álbum cobre o amplo espectro das
emoções humanas” (DIMERY, 2007, p. 756), analisa a crítica de Emily Kelly.
“Não quero ser um idiota americano”. É com esse verso que Billy Joe
Armstrong dá início ao álbum American Idiot, do Green Day. Lançado em 2004, a
10
“List of the day: best concept albums”. Disponível em:
<http://www.rollingstone.com/music/blogs/staff-blog/list-of-the-day-best-concept-albums-20060718>.
Acesso em: 4 de agosto de 2013.
11
Top Top foi um programa da MTV Brasil, apresentado pelos VJs Marina Person e Léo Madeira. A
cada programa, os apresentadores listavam “os 10 mais” de uma lista temática, começando pela 10ª
posição e encerrando a transmissão com o 1º lugar. Os temas eram dos mais variados, como “mortes
bizarras”, “clipes inovadores”, “coroas enxutos”, “não é gay”, “filhinhos de papai”, entre outros. Fonte:
Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Top_Top_MTV>. Acesso em: 15 de agosto
de 2013.
12
DEROGATI, Jim. “Album review: Mellon Colie and the Infinite Sadness”. Disponível em:
<http://www.rollingstone.com/music/albumreviews/mellon-collie-and-the-infinite-sadness-19951130>.
Acesso em: 4 de agosto de 2013.
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ópera-rock apresenta o personagem Jesus of Suburbia, “que sofre através do declínio
do sonho americano.13” Em contraposição ao extenso trabalho do Smashing Pumpkins
mencionado acima, American Idiot possui apenas nove faixas. No entanto, Green Day
compensa as poucas músicas ao “exagerar” na duração de algumas delas. Esse é o
caso de Jesus of Suburbia. Com mais de nove minutos, a música é inclusive dividida
em capítulos, como City of the Damned, Dearly Beloved e Tales of Another Broken
Home. Para Bruno MacDonald, “[p]oucos teriam apostado que o Green Day iria criar
o grande sucesso do hard-rock no início do século 21” (DIMERY, 2007, p. 936).
American Idiot, que ganhou um Grammy de “Best Rock Album” em 2005, deu
origem também a um musical. American Idiot – The Musical, que estreou em 2009,
adaptou o conceito do álbum para o palco e trouxe outras músicas da banda para
compor o repertório. Em 2010, a peça ganhou dois prêmios Tony e, no ano seguinte,
um Grammy de “Best Musical Show Album”.
Assim como no caso acima, os outros exemplos apresentados também
parecem apontar para a conexão entre o álbum conceitual e a busca por legitimação
cultural. No caso de Willie Nelson, o formato possibilitou que o cantor agradasse
tanto o público associado à música country, quanto a sua crescente “audiência
contracultural” (STIMELING, 2011). Sobre Mellon Collie and the Infinite Sadness, o
crítico Jim Dorigati diz que “[m]usicalmente, Mellon Collie solidifica a posição de
Corgan como um dos mais ambiciosos compositores de sua geração – ninguém no
estrato do rock alternativo havia tentado criar um álbum de tal duração, muito menos
desse escopo, e que pode até se equiparar a The Wall”. Ziggy Stardust and the Spiders
From Mars foi um dividor de águas na carreira de David Bowie e, talvez, seja o
álbum mais importante de sua discografia. Para Robert Dimery, “Ziggy... é o único
disco de glam rock que resistiu à passagem do tempo” (DIMERY, 2007, p. 280).
Álbuns conceituais: entre histórias, sons e materialidade
13
SHEFFIELD, Rob. “Album review: American Idiot.” Disponível em:
<http://www.rollingstone.com/music/albumreviews/american-idiot-20040930>. Acesso em: 4 de
agosto de 2013.
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Sendo o álbum conceitual uma estratégia de legitimação na cultura
fonográfica, pensamos como esse objeto articula-se em três eixos: a ideia de uma
história amarrando as canções para contextualizar a obra, a sua construção sonora e os
aspectos materiais da música.
Em todos os casos mencionados ao longo deste trabalho, há a menção a uma
narrativa, que manifesta-se em graus diferentes. The Rise and Fall of Ziggy Stardust
and the Spiders From Mars, American Idiot e Tommy, por exemplo, tentam sustentar
uma ficção a partir das músicas. Para isso, os autores criam personagens e os inserem
em enredos intrincados, que são revelados pouco a pouco, à medida que o álbum é
executado. Mellon Collie and the Infinite Sadness e In The Wee Small Hours, por
outro lado, não possuem uma história específica. Ao invés disso, ambos objetivam
“criar um clima” e, com essa finalidade, tentam amarrar as canções em torno de um
tema.
Por isso, refletir sobre a construção sonora desses objetos pode nos ajudar a
perceber como a música em si ajuda a apreensão da proposta dos álbuns conceituais.
Pensar o som, entretanto, apresenta-se já de imediato como um problema. Pinch &
Bjsterveld (2004) falam da facilidade com que livros e artigos acadêmicos
reproduzem imagens. No entanto, o mesmo não vale para os sons. Quais os termos e a
linguagem usados para descrever os fenômenos sonoros? Tentando preencher essa
lacuna, os “Estudos de Som” propõem discussões em torno da articulação entre sons,
música, artefatos tecnológicos e mediações (SÁ, 2010; SÁ & COSTA, 2012).
(...) [A] contribuição original dos Estudos de Som é, primeiramente a de
centrar o foco no estudo das sonoridades, propondo uma abordagem da
audibilidade moderna – entendida como a história do contexto e das
condições de consolidação do regime de escuta da modernidade;
reconhecendo, concomitantemente, o papel das tecnologias de
comunicação nesse processo (SÁ, 2010, p. 92, ênfase no original).
No diálogo entre sons e propostas narrativas, cabe pensar os aspectos
materiais nesse processo. Straw (2012, p. 227) chama a atenção para as contradições e
paradoxos em sua reflexão sobre a materialidade da música. Ao mesmo tempo que ela
é “tida como uma das formas culturais mais etéreas e abstratas”, é permeada por um
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amplo conjunto de “infraestruturas materiais”, como instrumentos, partituras, discos,
aparelhos eletrônicos, corpos e casas de show, entre outros. Localizando os tipos de
estudos que tratam desse conjunto de questões, o autor fala das abordagens que
discutem as “extensões materiais” da música. Outras perspectivas são as que tratam
das formas materiais de agregação musical, como as coleções e o próprio álbum. Para
Straw, o álbum confere coerência à identidade do intérprete através do conjunto de
canções agrupado no formato. Em outras palavras, “[c]ada performance em um LP
alimentava e iluminava as outras, familiarizando os ouvintes tanto com as
particularidades de uma dada voz, quanto com as características mais amplas de um
estilo musical nacional” (STRAW, 2012, pp. 233 – 234).
As questões da materialidade da música tornam-se ainda mais complexas
quando consideramos a variedade de suportes acessíveis aos consumidores. Enquanto
o disco de vinil e o CD possuem um certo caráter agregador em relação ao álbum, o
mp3 seria potencialmente desagregador (BØDKER, 2004; DANTAS, 2005;
CARVALHO & RIOS, 2009). Ao oferecer a possibilidade de um consumo
individualizado de música, o mp3 desconsidera tanto a ideia do “pacote fechado”,
quando os “paratextos” do álbum. Bødker (2004) argumenta que, nesse contexto, as
faixas de um determinado álbum estão desconectadas do produto oferecido pela
indústria. Por isso, elas “podem ser acumuladas, organizadas e consumidas
obedecendo a critérios e mecanismos diversos” (BØDKER, 2004, p. 13). Dessa
forma, o autor pontua que a questão deve ser sobre o que se percebe como a “unidade
musical básica”. Se o álbum é visto como uma “imposição”, onde o consumidor é
obrigado a pagar por todas as faixas, mesmo que seu interesse recaia somente sobre
uma ou outra, então o consumo individualizado de música torna-se mais atraente.
Caso o álbum seja percebido levando-se em conta certas preocupações estéticas e
artísticas em termos de unidade e integralidade, então é este formato a “unidade
musical básica”.
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Além dos músicos citados ao longo deste trabalho, existem outros casos de
artistas contemporâneos investindo no lançamento de álbuns conceituais.14 Partindo
do conjunto de reflexões feitas até aqui, questionamo-nos se é possível falar em
álbum conceitual no contexto das novas tecnologias da comunicação. Se aceitamos a
ideia de que esse formato é parte de uma estratégia de legitimação cultural, então
devemos não apenas retomar a discussão sobre ele, mas sobretudo pensar como o
álbum conceitual pode ganhar contornos ainda mais complexos nas redes online de
circulação musical e em novos suportes, como o mp3 e os aplicativos móveis.
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