A PAZ DE WESTFALIA – DUAS LEITURAS A LEITURA HISTÓRICA – trecho do livro História Moderna e Contemporânea, de Jobson Arruda O sistema da época moderna – as relações internacionais nos séculos XVII e XVIII Principais conflitos do século XVII As lutas européias do século XVII podem ser consideradas o prolongamento das guerras religiosas do século XVI e do conflito entre a França e o Império Germânico, iniciado na época de Francisco I. A paz existente na Europa no princípio do século XVII repousava sobre um equilíbrio de forças precário: Suécia, Dinamarca, Polônia e Rússia desentendiam-se por questões territoriais e os turcos ameaçavam a Alemanha e a Itália. A maior oposição, porém, era a existente entre a Espanha e o Império Germânico (aliados tradicionais), de um lado, e a França, do outro. Aos conflitos políticos se juntavam as lutas religiosas, pois a idéia de tolerância religiosa era estranha aos homens daquela época. No Império Germânico, por exemplo, os príncipes protestantes se organizaram numa Liga Evangélica para se oporem à política do imperador. Essa atitude levou os príncipes católicos a se unirem, por sua vez, numa Liga Sagrada. Os dois grupos entraram em choque principalmente na Boêmia (atual República Tcheca), domínio dos Habsburgo em que havia muitos protestantes. Em 1618 alguns nobres invadiram o castelo imperial de Praga (capital do país) e jogaram pela janela os oficiais representantes do imperador (episódio conhecido como A Defenestração de Praga). No ano seguinte, recusaram-se a aceitar o imperador eleito, Ferdinando II, e escolheram um príncipe protestante, Frederico V, para ser rei da Boêmia. Começou então a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O Imperador Ferdinando II venceu os príncipes protestantes e tomou medidas severas contra eles: condenou à morte os chefes da revolta e confiscou seus bens, aboliu os privilégios políticos e a liberdade de culto na Boêmia, confiscou os domínios de Frederico V e retirou-lhe o direito de eleger o imperador (ele deixou de ser príncipe eleitor). A questão da Boêmia tornou-se internacional. A França, que se sentia ameaçada pelo crescimento do Império dos Habsburgo, estimulou a revolta dos príncipes protestantes e dos países nórdicos. Apoiada pelos Países Baixos e pela Inglaterra, a Dinamarca entrou na guerra. Vencido duas vezes, o soberano dinamarquês Cristiano IV acabou assinando a Paz de Lübeck (Alemanha), em 1629. Estimulada pela promessa francesa de financiar a intervenção, a Suécia, que dominava a saída dos principais rios alemães em direção ao Mar do Norte e ao mar Báltico, entrou por sua vez no conflito. Gustavo Adolfo, rei da Suécia e luterano convicto, derrotou por duas vezes os imperiais, em 1632, mas morreu logo depois, em conseqüência dos ferimentos recebidos na batalha. A vitória dos imperiais sobre os suecos, em 1634, obrigou a França a intervir diretamente no conflito; depois de aliar-se às Províncias Unidas, em 1635 declarou guerra à Espanha (aliada dos germânicos). Os espanhóis invadiram o sul da França e os aliados todo o Império, pelos Países Baixos e pela Borgonha (no leste da França). As revoltas de Portugal, da Catalunha (sudeste da Espanha) e do Reino de Nápoles (na Itália), em 1640, enfraqueceram a Espanha. Os aliados venceram os espanhóis em Rocroi (na França, perto da Bélgica), em 1643, e cercaram Viena (capital da Áustria), em 1648. Diante disso, o imperador resolveu entrar em negociações para terminar a guerra. Reflexos desses conflitos sobre a Europa Os tratados de paz que vieram depois da vitória de aliança dirigida pela França criaram as condições para a expansão francesa. As negociações foram realizadas em Osnabrück (Alemanha), com os representantes do soberano da Suécia e dos príncipes alemães, e em Münster e Westfália (ambas na Alemanha), com os representantes do monarca da França e das demais potências. Em 1648 foi assinado o Tratado de Westfália, que marcou o fim do poder imperial na Germânia. Tanto o catolicismo como o luteranismo e o calvinismo foram permitidos no Império, ficando os príncipes com o direito de determinar a religião daqueles que governavam. A tomada das terras pertencentes à Igreja Católica, ocorrida em 1624, foi confirmada. O Império continuou eletivo, com exceção dos domínios diretos do imperador; os príncipes eleitores continuaram independentes e seu número foi elevado para oito. A França e a Suécia foram consideradas protetoras da liberdade dos príncipes alemães. A Alemanha foi reduzida a uma confederação de 350 pequenos Estados independentes. A Suécia viu garantida a sua posse da desembocadura dos rios do Norte. A independência das Províncias Unidas foi reconhecida. O Tratado de Westfália marcou o início da hegemonia francesa, pois deu à França a Alsácia e os domínios habsburgos dessa região. Em 1659 terminaram as guerras contra a Espanha. Foi assinada nesse ano a Paz dos Pireneus, e a França recebeu dos espanhóis o Luxemburgo (entre a França, a Bélgica e a Alemanha) e o Rossilhão. Além disso, a princesa espanhola Maria Teresa, que tinha um dote de 500 000 escudos de ouro, foi prometida a Luís XIV. O desenvolvimento industrial da França e a sua política protecionista, promovida por Colbert, levaram a nação a um choque com as Províncias Unidas — a Guerra da Devolução. Luís XIV iniciou a conquista dos Países Baixos do Sul (atual Bélgica) e os invadidos reagiram, apoiados pela Suécia e pela Inglaterra. A luta, que se estendeu de 1667 a 1668, deu aos franceses posições fronteiriças na Bélgica. Em 1679 os franceses tomaram aos espanhóis o Franco-Condado, cuja posse lhes foi reconhecida pela Paz de Nimègue (Países Baixos). Era indiscutível a supremacia francesa na Europa. Mas a sua política de anexação territorial, que visava dar-lhe novamente as fronteiras da Idade Média, provocou a reação dos outros Estados europeus. O Império Germânico, a Espanha, a Inglaterra e os Países Baixos uniram-se contra a França, em 1681, formando a Liga de Augsburgo (Baviera). A guerra estendeu-se até 1697, quando os franceses restituíram vários dos territórios que tinham tomado nos conflitos anteriores. A LEITURA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Dicionário de Relações Internacionais, de Silva e Gonçalves PAZ DE WESTFÁLIA Composta inicialmente pelos Tratados de Osnabrück (06.08.1648) e de Münster (08.09.1648) e posteriormente por uma série de outros mais que estabeleceram esses dois tratados como referências, a Paz de Westfália encerrou o período de trinta anos de guerras religiosas na Europa (1618-1648) e estabeleceu o sistema europeu de Estados. Os Congressos de Osnabrück e de Münster são considerados pontos de ruptura na história política da Europa, na medida em que inauguraram uma prática nova, que consistiu na diplomacia multilateral. Nos dois congressos, estiveram reunidos 145 delegados representando 55 entidades durante quatro longos anos de negociações, cujo objetivo era promover a paz e criar uma nova ordem para o continente. O Papa Inocêncio X destacou-se por criticar duramente o resultado da Paz de Westfália. A razão de sua oposição era que pelas cláusulas dos tratados tanto o Papado quanto o Sacro Império Romano-Germânico saíam bastante enfraquecidos, numa inequívoca demonstração de força dos príncipes protestantes, que assim consolidavam a obra iniciada por Martin Lutero e reforçada por João Calvino. A irritação do Papa justificava-se porque, na prática, ficara sancionado o princípio cuius régio eius religio, cuja tradução do latim é: "de acordo com a sua região, sua religião". Por outras palavras, isso significa que a religião dos súditos devia ser a religião do príncipe sob qual autoridade estavam submetidos. A Paz de Westfália representava, portanto, a quebra definitiva da unidade religiosa da Europa. A Cristandade deixava de ser exclusivamente católica e passava a compor-se de diferentes confissões cristãs. Por outro lado, com a expansão do cristianismo no Novo Mundo deixava de existir correspondência exata entre a Cristandade e a Europa. À medida que o cristianismo se estende geograficamente, incorporando povos vistos como selvagens, que exigiam do clero intenso esforço de evangelização, a identificação do cristianismo como civilização, razão do sentimento de superioridade do homem europeu ante os povos orientais, começa a perder densidade, pois afinal as descobertas decorrentes da ousadia de comerciantes e exploradores, aliada ao desenvolvimento da arte de navegar, revelavam a existência de um mundo cuja existência antes nem sequer se suspeitava e que desafiava o conhecimento teológico. Ao combinar-se com uma tendência cada vez mais forte de secularização do pensamento, esse processo levava à idéia de que a Cristandade estava restrita à dimensão unicamente religiosa, passando a prevalecer a partir do século XVII a idéia de Europa com sentido exclusivamente político e cultural. Do ponto de vista político, a dinastia dos Habsburgos austríacos é a grande derrotada nas negociações. Sua pretensão hegemonista de erguer uma monarquia unitária compreendendo todas "as Alemanhas" sai vencida, disso resultando a pulverização política dos alemães. Eles só conseguiriam reverter essa situação em 1871, pela enérgica liderança de Otto von Bismarck. O reconhecimento do direito das unidades políticas exercerem controle sobre o imperador do Sacro Império Romano-Germânico atinge igualmente os Habsburgos espanhóis que, privados da ajuda do imperador, não têm como impedir o declínio da Espanha como grande potência no continente. A França figura como a grande vencedora ao final dos congressos. O êxito obtido nas guerras e nas complexas negociações diplomáticas abriu caminho para que o país se tornasse a principal potência européia nos duzentos anos subsequentes. Ao promover uma grande aliança com os príncipes protestantes, que serviu para conter a força do imperador, e trabalhar diplomaticamente com vistas a impedir a formação de um Estado alemão unificado, Richelieu rompeu o cerco montado pelos Habsburgos, forjando as condições necessárias para que a França pudesse dar consecução aos seus próprios apetites de poder. Na maior parte desse processo, a França seguiu liderada por Armand Jean du Plessis, cardeal de Richelieu (1585-1642), primeiro-ministro de 1624 a 1642. O cardeal Mazarino, ao substituí-lo, manteve a mesma orientação até a conclusão dos trabalhos. A atuação de Richelieu é considerada fundamental para a construção da Paz de Westfália e para os novos rumos tomados pelas relações das nações europeias. A partir de sua atuação política em favor dos interesses da França, é elaborado o conceito de raison d'état. A idéia de "razão de Estado" contrapõe-se ao antigo conceito medieval de valores morais universais como princípio funcional da política francesa. Tal conceito presume que o Estado dispõe de racionalidade própria, direcionada para preservar sua segurança e elevar seu poder, e que o papel do chefe de Estado consiste em avocá-la, com toda a inflexibilidade que a situação exigir. A ação do cardeal à frente do Estado francês compatibiliza-se perfeitamente com a idéia, pois Richelieu não hesitou em se aliar aos luteranos e calvinistas, especialmente ao rei Gustavo Adolfo da Suécia, para combater a Contra-Reforma conduzida pelo imperador. Entre a vitória dos católicos e a submissão da França ao Sacro Império, de um lado, e a vitória dos protestantes e a independência da França, de outro, Richelieu deixou a fé de lado e abraçou a causa da maximização do poder do Estado francês. E para que esse seu objetivo pudesse ser alcançado, Richelieu não só permitiu a liberdade de culto aos huguenotes na França, assim como apoiou financeiramente príncipes protestantes em guerra conta o Sacro Império Romano-Germânico. A determinação política de Richelieu e os resultados dos congressos que compuseram a Paz de Westfália são considerados os responsáveis pela inauguração das modernas relações internacionais. Ao destruir a ordem hierárquica que subordinava os príncipes ao imperador, instituindo em seu lugar novas relações horizontais assentadas na igualdade jurídica dos Estados, a Paz de Westfália determinou que as relações entre os Estados passassem a ser pautadas pela defesa das soberanias, assim como que a manutenção da paz passasse, por sua vez, a depender do equilíbrio da balança de poder. E a religião, finalmente, não deixa de manter grande importância passando a funcionar como instrumento a serviço do poder de Estado.