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DAIANE INÊS LOSSO
MÚSICA E LITERATURA: CONTATOS
Criciúma, 2005
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DAIANE INÊS LOSSO
MÚSICA E LITERATURA: CONTATOS
Monografia apresentada à Diretoria de
Pós-Graduação da Universidade
do
Extremo Sul Catarinense – UNESC ,
para a obtenção do título de especialista
em Língua Portuguesa: Fenômeno
Sóciopolítico.
Orientador: Profa. MSC Fátima Regina da
Rosa.
Criciúma, 2005
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RESUMO
O presente trabalho tem como tema “Música e Literatura : contatos”. Trata-se de
uma pesquisa bibliográfica que se propõe a apontar os aspectos que a literatura e a
música têm em comum. Ele apresenta noções gerais sobre literatura, música e os
gêneros literários (que também podem ser aplicados à música), dando ênfase ao
gênero épico e seus personagens mitológicos. Também menciona algumas
epopéias famosas baseadas na mitologia e a importância dos mitos para o ser
humano ao longo dos séculos. Em seu desenvolvimento, ainda faz uma
reconstrução histórica sobre a música, seu surgimento, sua importância, destacando
a música popular brasileira e sua evolução até os dias atuais. Ao final, analisa letras
de composições musicais brasileiras, relacionando-as com a mitologia e também
com os recursos de linguagem, tão usados por poetas e compositores para
despertar o prazer estético nos receptores.
Palavras-chave: Literatura. Música. Mitologia. Conotação.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................04
2 CONTATOS ENTRE LITERATURA E MÚSICA....................................................06
2.1 Gênero lírico ......................................................................................................07
2.2 Gênero épico .....................................................................................................09
2.3 As epopéias de Homero....................................................................................11
3 O MITO E SUAS RELAÇÕES ...............................................................................14
3.1 O mito e a religiosidade ....................................................................................14
3.2 O mito e a linguagem ........................................................................................15
3.3 O mito e o psicológico ......................................................................................15
3.4 O mito e a história .............................................................................................16
3.5 O mito e a arte ...................................................................................................17
3.6 Mitos gregos ......................................................................................................18
3.7 Epopéias ............................................................................................................24
4 MÚSICA .................................................................................................................26
4.1 História da música ............................................................................................26
4.2 A importância da música ..................................................................................29
4.3 Tipos de música ................................................................................................30
4.4 A evolução da música brasileira......................................................................32
4.5 Os gêneros musicais e os mitos......................................................................35
5 ANÁLISE DAS MÚSICAS......................................................................................37
5.1 O mito da beleza feminina ................................................................................37
5.2 O mito da fragilidade feminina .........................................................................40
5.3 O mito da auto-superação ................................................................................42
5.4 O mito do amor não correspondido.................................................................43
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................44
REFERÊNCIAS.........................................................................................................47
ANEXOS ...................................................................................................................48
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1 INTRODUÇÃO
A palavra Literatura abrange um sentido muito amplo; assim, torna-se
difícil defini-la. Muitos estudiosos já tentaram limitar o seu significado em apenas um
conceito, porém sem sucesso.
Um dos conceitos mais usados sobre Literatura é o seguinte: “Literatura é
ficção; é a invenção ou recriação de uma realidade, através de palavras”. (FARACO,
& MOURA:1996,p. 92 )
A palavra é a matéria-prima da Literatura, porém, esta transcende o
arranjo sintático das palavras e recria a linguagem para recriar a realidade.
O escritor é um cidadão, um homem comum que se traduz em palavras.
Ele se apodera dessas palavras para exprimir seus sentimentos e os sentimentos do
mundo e as transforma em arte.
O texto literário é o resultado de um processo de escolha e arranjo das
palavras, de tal forma que elas provoquem alguma sensação em quem as lê.Essa
sensação é a emoção despertada pelo prazer estético. No texto literário, as palavras
não têm sentido frio, impessoal, pelo contrário, são carregadas de significado, têm o
seu sentido alterado de propósito e são passíveis de mais de uma interpretação.
Num outro conceito, encontrado no Dicionário Aurélio: a literatura é
”qualquer dos usos estéticos da linguagem”.
E linguagem é toda forma de expressão: pela palavra, pela cor, pela
imagem, pelos sons... E todas essas formas de expressão são arte: a literatura é a
arte da palavra; a pintura a arte das cores; a escultura das imagens; a música dos
sons e ritmos.
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Aliás, a literatura e a música são artes muito aparentadas, uma vez que,
hoje, a música deixou de ser apenas som, ritmo, e incorporou as palavras e os
recursos conotativos da linguagem (pelo menos a maioria delas), e a literatura, na
poesia principalmente, explora o ritmo e a sonoridade das palavras.
As duas artes, como forma de o ser humano expressar sua realidade,
ainda comungam a abordagem de temas universais. Assim, exploram a mitologia
com bastante ênfase, uma vez que, através dos mitos (ou do sobrenatural),
tentamos explicar os principais acontecimentos da vida: nossas origens, nosso
mundo, nossa evolução e refletir sobre nossa existência.
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2 CONTATOS ENTRE LITERATURA E MÚSICA
A música, o ritmo, desde os tempos do homem antigo, já serviam como
uma maneira do ser humano expressar seus sentimentos: tristeza, alegria,
agradecimento.Entre os vestígios remanescentes das grandes civilizações da
antiguidade, foram encontrados testemunhos escritos em registros pictóricos e
escultóricos de instrumentos musicais e de danças acompanhadas por música.
(Barsa, vol.10, p.211)
A música é, segundo o mestre Buarque: “Arte e ciência de combinar os
sons de modo agradável ao ouvido”.
Com a invenção da palavra, o homem deu um enorme passo em direção
ao progresso, mas percebeu que a linguagem verbal, no seu cotidiano, tornou-se
um ato mecânico, com a intenção de apenas informar... Foi então que surgiu a
literatura, como um novo universo das palavras,com a intenção de renomear as
coisas, despertando a curiosidade, a imaginação, a reinterpretação dos fatos, ou
seja, uma maneira diferente de dizer, de informar os fatos, uma vez que o artista da
palavra pode inventar, criar novos significados mais amplos do que os usuais.
A informação do texto literário está não só no que é dito, mas no como é
dito. A literatura informa tanto a forma quanto o conteúdo. (...) É claro que a
palavra não foi criada para cantar, mas para comunicar. Mas no discurso
poético, as palavras são consideradas como objetos (sensíveis), não
apenas como instrumentos de comunicação. No discurso poético,as
palavras valem por si mesmas. ( Rogel:1985, p.39-40)
Assim como a literatura, a música tem o interesse de despertar os
sentidos, a emoção, então ela também faz uso de metáforas, comparações,
sinestesias...enfim, as figuras de linguagem que conhecemos e passou a explorar a
sonoridade das palavras.
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“ A filosofia da arte comumente afirma que “ toda arte aspira a atingir a
condição de música. Por outro lado, poder-se-ia também afirmar que a música aspira
à condição de todas as artes”. (Telênia Hill. Manual de teoria literária, p.124),
principalmente a de literatura, pois ambas exploram o significado, o ritmo e a rima
das palavras.
No trecho da canção Cálice, Chico Buarque explora a rima interna e no
final dos versos:
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado.
E, neste trecho de Violões que choram...de Cruz e Souza, observa-se a
musicalidade das palavras e das construções:
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
2.1 Gênero lírico
Pode-se perceber também a influência da música na literatura, quando se
estuda o gênero lírico, o mais sentimental dos gêneros. A própria palavra “lírica”
deriva do grego lyrikós, que significa algo que concerne à lira, instrumento musical
primitivo, com quatro cordas.
A poesia lírica nasceu de hinos religiosos e da tradição popular. Na
Antigüidade, a poesia cantada era associada aos principais atos da vida:
cantigas de ninar, lamentos de pesar pela morte de alguém, cantos de
pastores e hinos de vitória ou de adoração, himeneus e cantigas de amor,
manifestações coletivas ou isoladas de alegria ou de tristeza, enfim, todas
as nuanças da vida constituíram a matéria que deu origem ao lirismo na
Grécia. [...] A lírica está associada à livre imaginação, onde a emoção
supera o pensamento, daí o gênero ser essencialmente polimorfo.(Hill apud
Samuel: 1985, p.124).
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A ode, cuja espontaneidade do sentimento e a imaginação tiveram livre
curso, foi à forma lírica da Antigüidade que teve estreita relação com a música.A ode
(em grego quer dizer “canto”) é uma composição poética de estrofes simétricas e de
caráter lírico, que , na Grécia antiga apresentava-se sob duas formas: monódica,
quando cantada pelo próprio autor; e coral, quando a obra era transformada em
canto coletivo. Destinado a uma celebração coletiva que incluía poesia, canto e
dança, o canto coral adquiria em seus modelos originais, um caráter quase religioso.
O gênero veio a exigir um poeta “profissional”, que se encarregava da letra, da
música e da dança para cada ocasião: uma vitória, uma colheita, uma festa, um
nascimento ou uma morte.
O estilo lírico e o decorrer dos tempos foi desenvolvendo novas formas,
entre as quais destacamos a égloga latina, o idílio, a balada, o soneto, a
elegia, o rondó, etc. [...] o valor dos versos líricos está na unidade entre a
significação das palavras e sua música. Aos poucos, como sabemos, os
versos foram incorporando por meio do ritmo, metro, aliterações,
onomatopéias, rimas internas ou em final de verso, etc, o antigo
acompanhamento musical. (Aragão apud Samuel, 1985, p.62-63).
Por ser um gênero mais subjetivo, que nos remete com mais profundidade
à emoção, o gênero lírico aborda temas como o amor, a natureza, Deus, os
mistérios da vida e da morte, geralmente os mesmos temas abordados na maioria
das composições musicais.
Pode-se citar como exemplos de gênero lírico o poema”A estrela” de
Manuel Bandeira e a letra da música “Caçador de mim” de Sérgio Magrão e Luiz
Carlos Sá, geralmente interpretada por Milton Nascimento:
A estrela (Manuel Bandeira)
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Caçador de mim
Por tanto amor, por tanta emoção,
A vida me fez assim:
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Doce ou atroz, manso ou feroz
Eu, caçador de mim.
“Ao imaginar-se uma composição musical depreende-se a dinamicidade
de imagens, que se deve ao ritmo, fator que harmoniza a música com as outras
artes” (Hill apud Samuel, 1985, p. 124) , principalmente a literatura da fase do
Simbolismo.
O poeta simbolista quer escutar a voz misteriosa do mundo invisível e
descobre que a compreensão racional não oferece o acesso mental característico
da poesia. Este inefável buscado só se conseguirá captar pela música e pela
linguagem poética, desde que se aproxime da expressão musical. E uma das
principais características da poesia simbolista é a musicalidade da linguagem (como
no trecho de Violões que choram... de Cruz e Souza), que explica muitas de suas
rupturas com estruturas sintáticas e gramaticais.
Todavia, além do lirismo presente na maioria das letras de músicas,
muitas composições musicais exploram também o gênero épico, que se caracteriza
primordialmente por ser um estilo narrativo, que descreve e exalta fatos históricos e
personagens heróicos. O narrador épico se caracteriza fundamentalmente pelo seu
afastamento em relação ao assunto narrado. Ao contrário do narrador lírico, “ele se
coloca como simples observador que não altera o seu ânimo diante do fato narrado”
(Aragão apud Samuel, 1985, p.66).
2.2 Gênero épico
Na literatura, a maior representação do gênero épico foi a epopéia que é
uma narrativa feita, essencialmente em versos; é sobretudo um canto, um poema de
exaltação. A epopéia narra grandes feitos heróicos. Sua principal característica é ter
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um narrador que fala sobre os acontecimentos grandiosos e heróicos da história de
um povo. Um dos principais elementos da epopéia é o “maravilhoso”, ou seja, a ação
dos deuses e de fatos sobrenaturais que se interpõem na solução de um problema.
Esses textos envolvem aventuras, guerras, viagens, gestos heróicos e apresentam
um tom de exaltação, isto é, de valorização de heróis e seus feitos.
O herói épico é um ser superior aos meros mortais que o rodeiam. Tem
qualidades físicas e caráter que o põem num plano superior ao da raça humana.
Para os gregos, era o semideus.
Os heróis não possuem uma iniciativa ideológica e lingüística que modifique
o seu papel. São como imobilizados pelo Destino, divindade que reina
absolutamente acima de qualquer outra e da qual é impossível escapar
porque já determina a priori a trajetória do herói. ( Aragão apud Samuel,
1985, p. 68).
Os heróis épicos são sempre seres excepcionais, que se destacam por sua
nobreza ou por sua excelência nos combates, assim como por sua astúcia,
religiosidade ou beleza. (Ibidem: p. 67).
Por sua nobreza, pode-se citar Agamenão; por sua excelência e bravura,
Aquiles; por sua astúcia, Ulisses e por sua beleza, Paris.
No Canto I do poema épico Caramuru de Santa Rita Durão, pode-se
perceber a exaltação do herói e de seus feitos:
Caramuru
Canto I
De um varão em mil casos agitados,
Que as praias discorrendo do Ocidente
Descobriu o recôncavo afamado
Da capital brasílica potente;
Do filho do Trovão denominado,
Que o peito domar soube à fera gente;
O valor cantarei na adversa sorte,
Pois só conheço herói quem nela é forte.
Muitos dos poemas épicos feitos no Brasil seguiram o exemplo de
Camões com sua epopéia “Os Lusíadas”, onde ele narra as viagens e aventuras dos
portugueses e destaca sua bravura na conquista de novas terras.
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Na música, um belo exemplo do gênero épico é a letra da canção “O
Índio” de Zé Ramalho. Nessa composição musical, exalta-se o índio como herói,
como um ser superior, nobre, que está acima dos meros mortais. Ela dá ênfase ao
mito do bom selvagem, aquele que vive em perfeita harmonia com a natureza e o
universo.
O Índio
Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração da América num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros, das fontes, de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das tecnologias
Virá, impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranqüilo e infalível como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto, em cheiro
Em sombra, em luz, em som, magnífico
Num ponto eqüidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto sim, resplandecente, descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim de um modo explícito
Virá....[...]
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio.
2.3 As epopéias de Homero
Outras epopéias famosas que podemos citar são “Ilíada” e “Odisséia” do
poeta grego Homero. E apesar dessas epopéias terem sido escritas na Antigüidade,
elas são ainda muito conhecidas no início do século XXI.
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Homero é um poeta genial e a obra-de-arte possui suas exigências
internas, não correspondendo muitas vezes com relatos históricos. Os poemas
homéricos como “Ilíada” e “Odisséia” foram compostos ou ao menos reunidos, após
existirem como tradição oral, portanto poderem ter sido alterados, vários séculos
após os acontecimentos neles relatados.
Na ilíada, o maior dos poetas épicos rememora os tempos heróicos da
Guerra de Tróia, a dimensão do mundo aqueu, que se estende, ao norte desde a
Tessália até o extremo sul do Peloponeso.
Logo no início do poema Ilíada, I,7, aparece Agamêmnon, rei de Micenas,
que é chamado ánaks andrôn, o rei dos heróis, o que deixa claro ser ele o chefe
supremo dos reis aqueus confederados contra Tróia.
Quando o príncipe troiano Páris raptou Helena, Menelau, a quem ela
escolhera por marido, pediu auxílio a seu irmão Agamêmnon, o poderoso rei, que
também estava ligado a Menelau por juramento. Agamêmnon foi escolhido
comandante supremo da armada aquéia. Convocados os demais reis ligados por
juramento a Menelau, formou-se o núcleo da grande armada destinada a vingar o
rapto de Helena e atacar Tróia, para onde Páris levara a princesa.
Nove anos de luta diante da cidade de Príamo já se haviam passado,
quando surgiu grave discórdia entre Agamêmnon e o principal herói aqueu, Aquiles.
É que ambos, tendo participado de diversas expedições de pilhagem contra cidades
vizinhas lograram se apossar de duas jovens: Briseida e Criseida. Briseida tornou-se
escrava de Aquiles e Criseida de Agamêmnon. Porém, o pai de Criseida , que era
amigo de Aquiles, pediu que este interferisse ; assim Aquiles e Agamêmnon tiveram
séria discussão e cortaram relações.
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A Ilíada relata apenas o nono ano da Guerra de Tróia, ou seja, a partir da
briga entre Aquiles e Agamêmnon e a ira de Aquiles contra Heitor, príncipe troiano e
irmão de Páris, uma vez que este havia matado seu melhor amigo Pátroclo. O
poema termina com os funerais de Heitor, porém Tróia continua de pé.
Cercada por uma forte muralha, a cidade de Tróia era opulenta e
prosperava graças à fertilidade de seu solo, na pecuária e na criação de
cavalos. Os Troianos são chamados comumente por Homero de
“domadores de cavalo”. No último verso da Ilíada, o maior herói troiano
recebe este epíteto: “_Assim, eles (os Troianos) fizeram os funerais de
Heitor, domador de cavalos”. (Ilíada, XXIX, 804) (Brandão,1993, p.123).
A Odisséia é o poema de Homero que narra o regresso de Ulisses, um
dos reis que ajudaram Agamêmnon, após os dez anos da longa e sangrenta Guerra
de Tróia, para sua pátria, Ítaca, sua mulher, Penélope, e seu filho Telêmaco. A
temática desse poema é diferente: é o canto de regresso do esposo ao lar e da
nostalgia da paz.
Daremos maior ênfase às epopéias de Homero, uma vez que seus heróis
e heroínas tornaram-se, através dos tempos, mitos importantes para o homem na
sua formulação de mundo e ainda são citados em boa parte da literatura e da
música. Esses mitos e alguns outros serão estudados no capítulo seguinte.
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3 O MITO E SUAS RELAÇÕES
Os mitos estão relacionados a vários aspectos da vida humana como a
religiosidade, a história, a arte, o psicológico...
3.1 O mito e a religiosidade
O mito nada mais é do que uma narrativa tradicional de conteúdo religioso,
que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural.
A narração mitológica envolve basicamente acontecimentos supostos, relativos a
épocas primordiais, ocorridos antes do surgimento dos seres humanos (história dos
deuses) ou com os “primeiros” humanos (história ancestral). Porém, o verdadeiro
objeto do mito não são os deuses nem os ancestrais, mas a apresentação de um
conjunto de ocorrências fabulosas com que se procura dar sentido ao mundo.
De acordo com Brandão (1993, p.13), “o mito se apresenta como um
sistema que tenta, de maneira mais ou menos coerente, explicar o mundo e o
homem”.
O mito narra uma história sagrada. Relata um acontecimento que teve lugar
no tempo primordial, o tempo fabuloso dos inícios. Dito de outra forma, o
mito narra como, graças aos efeitos dos Entes sobrenaturais uma realidade
veio à existência, seja a realidade total – o Cosmos seja um fragmento
apenas: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma
instituição. Portanto, trata-se sempre da narrativa de uma criação: relata
como alguma coisa foi produzida, como começou a ser... Em suma, os
mitos descrevem as diversas e às vezes dramáticas irrupções do sagrado
(ou do sobrenatural) no Mundo. È esta irrupção do sagrado que funda
realmente o Mundo e o faz tal qual é presentemente. Mais ainda: em
conseqüência das intervenções dos Entes sobrenaturais, o homem é o que
é no presente: um ente mortal, sexuado e cultural. ( Eliade apud Crippa,
1975, p.17).
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3.2 O mito e a linguagem
De acordo com estudos, o mito é anterior ao ser humano, pois está
relacionado ao divino e ao surgimento do Cosmos. Assim também é a palavra.
Crippa afirma que: “A palavra e a linguagem têm uma origem divina. A
palavra, o dizer, assume os mais diversos sentidos porque ligada ao saber divino”
(1975, p.98).
E ainda: “Na revelação do Antigo Testamento, o gesto criador de Deus é a
Palavra, que é essencialmente divina” (Ibidem, p.98)
Assim: “Surgimos, os homens, num mundo de significações postas e
fundadas. A linguagem pertence a este mundo que nos precede”. (Ibidem, p.95)
Como forma de comunicação humana, o mito está obviamente relacionado
com questões de linguagem e também da vida social do ser humano, uma vez que a
narração dos mitos é própria de uma comunidade e de uma tradição comum.
Conforme Brandão:
Assim é que o mito atrai, em torno de si, toda a parte do irracional no
pensamento humano, sendo, por sua própria natureza, aparentado à arte,
em todas as suas criações. E talvez seja este caráter mais evidente do mito
grego: verificamos que ele está presente em todas as atividades do espírito.
Não existe domínio algum do helenismo, tanto a plástica quanto a literatura
que não tenha recorrido constantemente a ele. (Brandão, 1993, p.14).
3.3 O mito e o psicológico
Ora, não é de hoje que se sabe que a Grécia foi o grande berço da cultura
ocidental e que, principalmente os mitos gregos tão utilizados são símbolos da
formação da consciência coletiva e já deixaram de ser “história da carochinha” ou
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uma ficção, uma vez que eles são usados para explicar parte da Psicanálise e da
Psicologia.
Os deuses olímpicos tinham muitos atributos humanos: o comportamento
deles, as reações emocionais, a aparência e a mitologia nos proporcionam
padrões que se igualam ao comportamento e às atitudes humanos. Eles
nos são familiares porque são arquétipos, isto é, representam modelos de
ser e de se comportar que nós reconhecemos a partir do inconsciente
coletivo, do qual todos nós compartilhamos. (Bolen, 1990, p.38).
E mais:
Os mitos evocam sentimento e imaginação e tocam temas que são parte
da herança coletiva humana. Os mitos gregos – e todos os outros contos
de fada e mitos que ainda são contados há milhares de anos permanecem
correntes e pessoalmente relevantes, porque há uma ressonância de
verdade neles sobre experiências humanas compartilhadas. (Ibidem, p.
27).
3.4 O mito e a história
Apesar de muitas vezes não nos darmos conta do fato, a maior parte de
nossa cultura tem origem na Grécia Antiga e nossa “atualidade” é resultado de
situações vividas naquela época. Tomemos como exemplo os ritos do matrimônio:
até hoje o noivo, na noite de núpcias, transpõe a porta da futura casa do casal com a
noiva nos braços; os noivos ainda cortam o bolo juntos e juntos degustam o primeiro
pedaço, como sinal de mudança de lar e a fixação da noiva em seu novo lar.
E ainda nossa linguagem, nossas construções, nossos pensamentos e
nossa arte sofrem influências gregas. Portanto, o passado é deveras importante,
pois o nosso “presente” é construído a partir dele e, embora a história não o
reconheça, o passado nos revela o mito.
Como afirma Eudoro de Souza:
Para levar sua tarefa a bom término, a história não precisa de refletir sobre
si mesma, perguntar de onde veio e para onde vai: só precisa de saber
onde está, e, quando o sabe, julga saber que tudo está nela, que tudo está
onde ela estiver. O mais, concerne o filósofo. Mas como também a filosofia
procedeu e precede em sentido inverso ao procedimento do mítico, vamos
inevitavelmente bater à porta que nunca se abrirá, se insistirmos na
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pretensão de que o mítico esteja, não só no início da história, como também
no de suas épocas. A iniciativa só pode partir de fora. Mas o fora da história
- que talvez seja mais propriamente o se lado de dentro – é mito. Este não
permanece além do horizonte da história, só porque esta se lhe recusa.
Antes diria o contrário. A história também quer saber de mitos (algo haverá
de que ela não queira saber?). Mas o mito, só enquanto alegorizável,
responde à solicitação inquiridora das ciências históricas.(Souza, 1988,
p.20).
E ainda segundo Eudoro:
Agora, nada mais claro do que a origem e essência da alegoria: a exegese
alegórica de um mito é um apressado refugiar-se na inteligibilidade, a razão
discursiva, rede por cujas malhas escorre e de todo se perde a ambiência
do mítico – que é pura sensibilidade, ou antes, o sem-fundo da
sensibilidade. O mito ainda é mito, nas suas camadas superiores, mas se
prossegue na ascensão e passa o limite liminar da inteligibilidade,perdido
de sua ambiência natural, morre na alegoria. [...] Mito é vida da
sensibilidade; a alegoria, sua morte. (Ibidem, p.48).
3.5 O mito e arte
Pelo caráter simbólico que reveste, o mito pode ser considerado
manifestação artística e geradora de arte. Em cada povo e civilização, os mitos são
fonte de inspiração para as mais diversas obras de arte, assim como as fantasias e
criações imaginárias dos sonhos e dos estados alterados da consciência são
também estímulos à atividade artística.
Existe uma conexão estreita entre o mito e a literatura. O mito é
originalmente uma narração oral espontânea que se cristaliza ao longo de gerações.
A literatura tende a explicar, a clarificar e desenvolver o mito que havia nascido de
forma fragmentária e, por vezes, pouco coerente. À medida que é adaptado à esfera
e às dimensões da vida humana, manipulado e elaborado conscientemente pelos
indivíduos, o mito se dilui em suas características originais para tornar-se lenda,
saga, epopéia, fábula, história, conto, novela e até mesmo música.
As alterações sofridas pelos mitos gregos, todavia, não se restringem aos
poetas e artistas. Estes, conquanto reduzissem o mito e o recriassem,
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alterando-o, para que o mesmo pudesse atender às novas exigências
artísticas, de qualquer forma o aceitavam e mantinham. (Brandão, p. 27).
Mesmo hoje, em pleno século XXI, quando poetas e artistas não precisam
mais atender a exigências artísticas, escrevendo versos longos e metrificados como
as epopéias antigas, o mito ainda está presente nas poesias, nos romances e nas
letras de músicas, comprovando a sua importância e mostrando que, embora o ser
humano progrida em seus inventos tecnológicos, ele ainda não esclareceu
cientificamente a sua origem e não tem idéia exata de quando começou a usar a
linguagem: se quando começou a desenhar nas paredes das cavernas ou ainda
antes
disso. Portanto
deixemos
estas
explicações para os mitos, cujas
interpretações ainda nos influenciam.
3.6 Mitos gregos
Como já citado anteriormente, a epopéia “Ilíada” narra boa
parte da
Guerra de Tróia, que foi causada pelo rapto de Helena, esposa de Menelau, por
Paris,príncipe de Tróia.
O mito de Helena é deveras confuso e complexo, explicações posteriores
a Homero tentam encobrir o sentido primitivo do mitologema:
Essa personagem mítica especial, helena, foi raptada, uma primeira vez,
pelo herói ateniense Teseu, que a conduziu a Afiadna, na Ática, e a confiou
à sua mãe Etra. [...] “seus raptos” por Teseu e Paris, parecem levar a uma
só conclusão: Helena teria sido primitivamente uma deusa ctônia e, por
conseguinte, uma deusa da vegetação, uma guardiã dos ovos, das
sementes depositadas no seio da terra. Como tal uma vítima destinada ao
rapto. Com o tempo, a “deusa” Helena, suplantada por outras divindades da
vegetação mais importantes, teria caído no esquecimento e passado à
classe das heroínas, fato comum bem atestado na mitologia. Na realidade, o
rapto de deusas ou de heroínas fazem parte integrante não somente de um
ritual de iniciação, mas também de um rito de vegetação, como ainda se
pode observar em culturas primitivas Normalmente, o rapto se consuma no
outono, “quando os trabalhos agrícolas estão terminados”, os celeiros estão
cheios e é, portanto, o momento de se pensar e preparar a colheita. Na
Grécia, no segundo ato do casamento, denominado pompé, “ação de
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conduzir”, a noiva, seguida de uma procissão alegre e festiva, é levada ou
por arautos ou pelo marido, da casa paterna para seu novo lar. Não
podendo penetrar com seus próprios pés na nova habitação, porque o fogo
sagrado do lar ainda não fora aceso, a noiva simila uma fuga e começa a
gritar, pedindo o auxílio das mulheres que a acompanham. O marido terá de
raptá-la e com ela nos braços atravessar a porta com todo cuidado, para
que os pés da esposa não toquem na soleira. [...] O mundo moderno,
embora tenha esquecido o valor iniciático e a sacralidade da fertilização do
ritual do rapto da esposa, ainda, por vezes, sem o saber, o relembra. As
noivas, ao menos as mais “dietéticas”, têm ou tinham o direito de ser
transportadas nos braços “hercúleos” do marido para dentro do novo lar ou
do quarto da primeira noite de núpcias! [...] “O casamento pode considerarse um rito de iniciação em que o homem e a mulher têm que submeter- se
mutuamente. Em algumas sociedades, todavia, o homem compensa sua
submissão “raptando” ritualmente a noiva, como fazem os dyaks da Malaia
e Bornéu. Hoje em dia existe uma reminiscência dessa prática no fato de o
noivo cruzar a soleira da porta com a noiva nos braços”.[...] O casamento é
essencialmente um rito de iniciação da mulher, em que o homem há de
sentir-se tudo, menos um herói conquistador. Por isso mesmo, não
surpreende que se encontrem em sociedades tribais ritos compensadores
de semelhante temos como o rapto ou a violação da noiva. (Brandão: p. 112
a 114)
Ainda na Ilíada aparece a figura de Ulisses, que se converteu na
atualidade, em símbolo de capacidade do ser humano para superar as
adversidades.
Segundo a versão da mitologia grega, Ulisses (em grego Odisseu) nasceu
na ilha de Ítaca, filho do rei Laerte e de Anticléia. Ele foi educado pelo centauro
Quirão e passou por provas iniciáticas para tornar-se rei. Sua vida é citada nas duas
grande obras de Homero, sendo protagonista de Odisséia.
Ulisses também foi um dos pretendentes de Helena, porém casou-se com
Penélope, sua prima. Relatos posteriores apontam-no como o senhor da ardilosa
idéia do cavalo de madeira que permitiu aos gregos penetrar em Tróia e obter a
vitória.
Conforme Brandão ( Ibidem, p.300):”O maior cometimento de Ulisses na
Guerra de Tróia foi, sem dúvida, o já referido e genial estratagema do Cavalo de
Tróia, objeto das descrições de Homero (Od. VIII, 493 – 520) e Públio Vergílio Marão
(Eneida, 2, 13 – 267)”.
20
Quando a guerra terminou, Ulisses iniciou o regresso a Ítaca, mas um
temporal afastou-o com suas naus da frota. Então começaram os vinte anos de
aventuras pelo Mediterrâneo que constitui a essência de Odisséia.
Ulisses, durante este tempo, foi protegido por Atenas e perseguido por
Poseidon e conheceu incontáveis lugares e personagens: a terra dos lotófagos, a
dos lestrigões, as ilhas de Éolo; a feiticeira Circe e o próprio Hades. Nessas viagens,
Ulisses perdeu todos os companheiros e, após ficar retido por anos pela ninfa
Calipso, voltou à Ítaca, disfarçado de mendigo.
Depois de matar todos os pretendentes de Penélope, sua esposa, que se
manteve fiel a ele todo esse tempo, recuperou o reino e assim conclui-se a Odisséia
Porém, de acordo com Junito de Souza Brandão (1992, p.320) “Bem,
Ulisses e Penélope, como tudo neste vale de lágrimas, não foram felizes para
sempre!”
E também:
A épica, sobretudo, por sua própria estrutura, conduz o herói para um
desfecho feliz. Homero, na Odisséia, fechou genialmente a longa nostalgia,
peregrinações e lutas de seu protagonista com um hino ao amor, à
fidelidade de Penélope e com um eloqüente tratado de paz, mas o mito
continua em outras variantes e tradições para além da epopéia. Retrata
outro estado de coisas e prossegue pelos misteriosos labirintos da vida. [...]
Ulisses é, em grau superlativo, o herói do mito do retorno do esposo, após
prolongada e acidentada ausência.Um homem partiu para uma longa
viagem...A esposa lhe permanecerá fiel e, após alguns incidentes o
reconhecerá. Eis que o marido retorna envelhecido, disfarçado, pouco
importa. (Brandão: 1992, p. 320 -321).
Para resumir o reconhecimento de Ulisses são apontados três sinais: o
primeiro é a cicatriz que Ulisses tem como resultado de uma mordida de javali.
Segundo Brandão: “A cicatriz é como se fora uma ‘minimutilação’, o que, em termos
xamânicos, colocava seu portador bem próximo do sagrado e dos próprios deuses”.
(1992,p. 321). Ulisses era um dos heróis preferidos dos deuses, protegido por
21
Hermes e Atená. Brandão ainda afirma: “O mito desse animal faz parte da tradição
hiperbórea, onde o mesmo configura o poder espiritual.” (p.321)
O segundo sinal é “o poder de armar o arco”. Ulisses era o único homem
que conhecia seu arco e chamou-o pelo nome, conversando com ele.
Aí está a segunda parte da explicação. Somente o herói conhecia o nome
de seu arco e, por isso mesmo, pôde conversar com ele e facilmente armálo. [...] E semelhantemente compreendemos por que apenas Ulisses era
capaz de armar seu arco e disparar as flechas, não só para liquidar os
pretendentes, mas sobretudo para reconquistar seu grande amor. (Brandão:
1992, p.321 – 323).
O terceiro sinal é a lembrança do segredo da construção do leito conjugal.
Esse segredo era um tronco de oliveira que servia de suporte para o leito. A oliveira
é considerada uma árvore sagrada, símbolo da fecundidade. “Reconhecendo seu
leito conjugal, o rei de Ítaca se reencontra com o gênio de seus ancestrais e
continua a desempenhar a função sagrada da fecundação”. (Ibidem, p.324)
Ulisses corresponde ao modelo de marujo e comerciante do século VII
a.C. Esse homem devia adaptar-se, pela astúcia e o bom senso, em um mundo cada
vez mais complexo e em contínua mutação.
Nas epopéias de Homero, outros heróis se destacaram, além de Ulisses.
Um deles é Agamenon, personagem histórica que a tradição cercou de lendas.
Agamenon era um soldado valoroso, digno e austero rei de Micenas e cunhado de
Helena, raptada por Paris. Este rei reuniu uma frota de mais de mil navios e um
enorme exército para resgatar Helena em Tróia.
Os átridas, integrantes da família de Agamenon, inspiraram grandes
tragédias, desde a Grécia Antiga (Ésquilo, a trilogia Oréstia; Sófocles, Electra) até os
tempos contemporâneos (Eugene O’Neill, O luto assenta bem em Electra; Jean-Paul
Sartre, As Moscas). (Barsa: vol. 1, p.139)
22
Outro personagem destacado é Páris, príncipe de Tróia e raptor de
Helena. Ficou conhecido como um grande sedutor, amante da beleza feminina. Ele
raptou Helena com a ajuda de Afrodite, deusa da beleza e da paixão sexual,
segundo a mitologia grega. Afrodite é um dos arquétipos da beleza feminina.Seus
símbolos eram a pomba, a romã, o cisne e a murta. Por ordem de Zeus, Afrodite
casou-se com Hefesto, o coxo deus do fogo e o mais feio dos imortais. Foi-lhe
muitas vezes infiel, sobretudo com Ares, deus da guerra, com quem teve os filhos
Eros e Harmonia. Afrodite possuía um cinturão mágico de grande poder sedutor e os
efeitos de sua paixão eram irresistíveis. As lendas freqüentemente a mostram
ajudando os amantes a superar todos os obstáculos. Era e é sempre relacionada
com o erotismo e a fertilidade. Seu filho, Eros, na mitologia primitiva, o deus grego
do amor e do desejo, encerrava significado mais amplo e profundo. Seu poder unia
os elementos para fazê-los passar do caos ao cosmos, ou seja, ao mundo
organizado. Em tradições posteriores era filho de Afrodite e de Zeus, Hermes ou
Ares; não tem paternidade definida, uma vez que Afrodite foi amante de todos esses
deuses. A relação de Eros com Psique (uma mortal) simboliza, hoje, a alma e
constitui uma metáfora sobre a espiritualidade humana. Na mitologia romana era
chamado de Cupido e era representado ou como um menino alado que carregava
um arco e um carcás com setas, cujos ferimentos provocados por elas despertava
amor ou paixão em suas vítimas; ou com uma armadura de guerra para simbolizar a
invencibilidade do amor. Embora fosse, algumas vezes, apresentado como
insensível e descuidado, Cupido era tido como benéfico em razão da felicidade que
concedia aos casais, mortais ou imortais. No pior dos casos, era considerado
malicioso pelas combinações que fazia, causando assim tristeza e amores não
correspondidos. Na maioria das situações era orientado por sua mãe, Afrodite. Em
23
psicanálise, é utilizado para significar o instinto sexual, e como tal é sinônimo de
libido. A ele opõe-se o instinto da morte. Os dois são, segundo Freud, os instintos
primitivos.
Além desses mitos muito explorados por Homero, muitos outros são
usados em nossa atualidade para explicar fatos e comportamentos. Um deles é o
mito de Ícaro. O grande poeta latino, Públio Ovídio Nasão, narra em sua obra
“Metamorfoses” ,8, 183 – 235, um episódio sobre Ícaro.
Ícaro era filho do arquiteto Dédalo que, segundo a mitologia, havia
construído o famoso “labirinto” onde vivia o Minotauro, com uma escrava do palácio
chamada Náucrates. O rei Minos, para castigar Dédalo por este ter ajudado Teseu a
sair do labirinto, prendeu Dédalo e seu filho Ícaro nesse labirinto. Porém Dédalo,
para sair do lugar, fabricou para si e para o filho dois pares de asas de penas,
presas aos ombros com cera. Todavia, advertiu ao filho que não voasse muito alto,
porque o sol derreteria a cera; nem muito baixo, porque a umidade tornaria as penas
muito pesadas. O menino, no entanto, não resistindo ao impulso de se aproximar do
céu, subiu demasiadamente. Ao chegar perto do sol, a cera fundiu-se, destacaramse as penas e ele caiu no mar Egeu, que, daí por diante passou a chamar-se Mar de
Ícaro.
Na interpretação desse mito, segundo Brandão:
Ícaro é o símbolo do descomedimento. Apesar da admoestação paterna,
para que guardasse um meio-termo, “o centro” entre as ondas do mar e os
raios do sol, o menino insensato ultrapassou o métron, foi além de si mesmo
e se destruiu. Ícaro é o símbolo da temeridade, da volúpia “das alturas”; em
síntese: a personificação da megalomania. Se, na verdade, as asas são o
símbolo do deslocamento, da libertação, da desmaterialização, é preciso ter
em mente que “asas” não se colocam apenas, mas se adquirem ao preço
de longa e não raro perigosa educação iniciática e catártica. O erro grave de
Ícaro foi a ultrapassagem, sem o necessário gnôthi’s autón, o indispensável
“conhecer-te a ti mesmo”. (Brandão: 1993, p.65).
24
Esses mitos apresentados representam uma minoria dos mitos que
encontramos em nosso dia-a-dia, tanto na psicologia quanto em outros
conhecimentos desenvolvidos pela humanidade.
É evidente a presença dos mitos na literatura antiga, medieval e
contemporânea. Eles foram e são fonte de inspiração para poetas e escritores de
todos os tempos.
3.7 Epopéias
Poetas como Homero, Virgílio, Camões, tornaram-se famosos por suas
epopéias que são longos poemas baseados em ficção verossímil. As epopéias são
poemas de forma fixa, rigidamente metrificados, geralmente em versos de tamanhos
regulares (de dez ou doze sílabas), em estrofes grandes (principalmente de oito ou
dez versos). Elas se dividem em cinco partes:
1) Exórdio ou proposição: introdução que apresenta o herói e o tema.
2) Invocação: pedido de inspiração às musas da poesia.
3) Dedicatória: o poema é dedicado a alguém.
4) Narração: ênfase nas peripécias do herói e nos acontecimentos históricos. É
a parte mais ampla da epopéia.
5) Epílogo: fechamento da epopéia, geralmente com a consagração do herói.
Nas epopéias aparecem muitas figuras de linguagem que são recursos
que os autores usam para realçar uma idéia ou emoção, que transformam o
significado das palavras para tirar delas maior efeito ou para construir uma
mensagem nova.
25
Na estrofe a seguir, do exórdio de Os Lusíadas de Camões, observa-se a
estrofe de oito versos decassílabos, a presença dos mitos (Netuno, Marte e as
musas) e de uma metáfora do herói: “o peito ilustre lusitano”.
I
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo que a musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Na já citada música de Zé Ramalho, O Índio, podemos comprovar a
presença de várias figuras de linguagem:
No verso: “Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri”, temos uma
comparação;
Em: “Em átomos, palavras, alma, corpo, em gesto, em cheiro, em sombra,
em luz, em som magnífico”, há uma gradação;
E a “estrela colorida brilhante” ,da canção, trata-se de uma metáfora da
nave espacial.
As figuras de linguagem (metáfora, comparação, paradoxo, eufemismo,
hipérbole, gradação...), tal como os mitos, também prefiguram nas letras de muitas
outra músicas; prova de que a literatura e a música são artes irmãs, que têm muitos
aspectos em comum. No próximo capítulo, estudaremos mais detidamente uma
destas irmãs, a música.
26
4 MÚSICA
A palavra grega mousikós – “musical”, relativo às musas – referia-se ao
vínculo do espírito humano com qualquer forma de inspiração artística. Porém, essa
palavra, na sua evolução, limitou-se às formas de criação relacionadas à
combinação de sons e, nas suas formas mais modernas, também de palavras.
Música é a arte de coordenar fenômenos acústicos para produzir efeitos
estéticos. Em seus aspectos mais simples e primitivos, a música é manifestação
folclórica, comum a quase todas as culturas; quando apoiada na transmissão oral,
espelha
particularidades
étnicas
determinadas.
Porém,
”Hornbostel
afirma
categoricamente não se dever chamar arte à música dos primitivos, por não servir de
elemento recreativo nem ser feita ‘para edificar esteticamente o espírito’”.
(Andrade:1976,p.19).
Para completar: “É comum afirmarem que a Música é tão velha quanto o
homem, porém talvez seja mais acertado falar que, como Arte, tenha sido ela, entre
as artes, a que mais tardiamente se caracterizou”. (Ibidem, p.11)
4.1 História da Música
A música surgiu nas mais remotas culturas, para a celebração de
acontecimentos festivos e litúrgicos. No Oriente, os principais focos de propagação
musical foram as civilizações chinesa, do terceiro milênio antes da era cristã, e
indiana. No Ocidente, é bem conhecido o papel preponderante assumido pelos
druidas, sacerdotes, bardos e poetas. A tradição musical da Anatólia, porém,
27
penetrou na Europa através da cultura grega (como já vimos no capítulo anterior,
não só da música, mas das artes em geral), cuja elaborada teoria musical constituiu
o ponto de partida da identidade da música ocidental, bastante diversa da do
Extremo Oriente. Todavia, devemos às civilizações chinesa e indiana a capacidade
de absorver da música o prazer coletivo.
Conforme Andrade “A Grécia que, em música, é a manifestação mais
conhecida e provavelmente mais perfeita da Antiguidade, já nos interessa mais,
porque influi na música da Civilização Cristã”. (Ibidem, p.25)
A música esteve presente nos cultos cristãos desde seus primórdios.
Costuma-se considerar a fase de evolução das primeiras comunidades cristãs como
a gestação da tradição musical no Ocidente. Inspirada nos paradigmas da Grécia
clássica, a música européia do primeiro milênio da era cristã manifestou-se com
mais intensidade no âmbito litúrgico.
Porém os documentos que restam sobre a Música entre os gregos, provam
que ela teve lá uma construção pelo menos tão perfeita e bem organizada
coma estatuária ou a poesia. Do mesmo modo que as outras civilizações da
Antiguidade, os gregos acreditavam que a música era um donativo especial
das divindades. As origens da música grega se perdem na superstição. As
tradições colocam deuses, semideuses e heróis míticos inventando
instrumentos e obras musicais. (Andrade: 1976, p.25).
O papa Gregório I, no século VI, deu origem ao canto gregoriano, gênero
que dominou o panorama musical da Idade Média européia, ao lado do
trovadoresco. Porém a música profana, herdeira dos jograis, trovadores e outros
cantores de tradição germânica e mediterrânea, adotou as formas polifônicas da
música eclesiástica.
A partir do canto gregoriano[...] desenvolveu-se na Europa uma arte musical
perfeitamente integrada no que se pode denominar de cultura européia, ou
ocidental, compreendendo todos esses períodos que, a grosso modo,
conhecemos como renascentista, barroco, rococó, clássico, romântico,
impressionista, etc.É esta a música que serviu e ainda serve de base para a
compreensão de nossa realidade musical de hoje. (Trein: 1986, p.5).
28
A história reconhece que a música existiu e existe em toda parte por se
tratar de uma manifestação primária do homem. A música faz parte das criações do
homem e está entre as maiores realizações do homem.
Ela formou-se em longo processo histórico e as dificuldades em analisar o
que se faz agora, e que está obviamente, em relação com essa cultura
musical, procedem da falta de perspectiva histórica. O que existe hoje em
matéria de música, seja qual for, obedece a fenômenos não tão novos como
possam parecer. (Trein: 1986, p.6).
A música primitiva estava firmada principalmente no ritmo, ao qual o ser
humano associava fragmentos melódicos. Ela não visava a um efeito estético, mas a
uma função mágico-encantadora.
“E, com efeito, se observarmos os povos primitivos atuais, somos forçados
a reconhecer que, na grande maioria deles, a música é a menos organizada entre as
artes, e a menos rica de possibilidades estéticas. (Andrade: 1976, p.12)
A primeira escrita que pode indubitavelmente ser reconhecida como
musical foi a dos neumas, do século IX na Europa. A notação neumática empregava
sinais ideográficos derivados dos acentos agudo, grave e circunflexo, que indicavam
apenas aproximadamente a direção ascendente ou descendente dos sons.
Os primeiros escritos sobre a história da música surgiram somente no
século XVIII entre os quais a famosa Storia della musica (1757- 1781), de Giovanni
Battista Martini. O espanhol Antonio Eximeno escreveu Dell’ origine e delle regole
della musica, colla storia del suo progresso, decadenza e rinnovazione (1774) em
que discorda da associação feita desde os gregos entre a música e a matemática (a
idéia pitagórica segundo a qual o universo se constituiria de sete esferas cristalinas
que emitem em seu movimento concêntrico as respectivas notas da escala em
perfeita harmonia) e a considera uma verdadeira linguagem. Afirma que, para se
compor bem, basta “abandonar-se nos braços da Natureza e deixar-se conduzir
pelas sensações que se quer musicar”. (Barsa, vol. 10, p.226).
29
O Romantismo dos últimos três quartos do século XIX negligenciou, como
na literatura, os aspectos formais e estruturais da música; houve quem afirmasse
que o Romantismo musical é a arte que realça as possibilidades emocionais e
subjetivas da música.
A expressão individualista do homem era um elemento da nova consciência.
Existia então a peça musical com alta expressão, cuja forma não
apresentava rigidez e nem devia apresentar, pois o individualismo da
expressão, a originalidade, estava acima de outros elementos. Da mesma
forma, o lirismo voltava-se acentuadamente à beleza melódica. (Trein, 1986,
p.71).
E, conforme Trein, nessa fase “a tendência de buscar a inspiração em
terrenos extramusicais como na literatura evidencia-se em baladas, lendas,
rapsódias, romances, noveletas. (Ibidem, p.71)
Os maiores representantes dessa fase foram Beethoven, Schubert,
Berlioz, Schumann, Chopin, Franz Liszt, Wagner que compuseram verdadeiros
poemas sinfônicos e possibilitaram que os sons descrevessem os sentimentos. Já
estão presentes, principalmente na obra de Wagner, a idéia da colaboração de todas
as artes na “obra de arte total” e a escolha de enredos lendários e míticos.
O criador da música moderna foi Debussy, que surgiu no último quartel do
século XIX, no momento preciso para operar a transformação que a música haveria
de sofrer.
4.2 A importância da música
Segundo Ricardo S. Corrêa: “A música é uma combinação de sons que
conservam entre si relações lógicas e ordenadas. Tem por fim evocar sentimentos
ou traduzir impressões”. Enciclopédia Base, vol.8, 2002, p.2449)
30
Além desses aspectos, a música também, desde a antiguidade, tem o
objetivo de socializar o ser humano.
O ritmo “mexe” com a gente. E si, por um lado, era portanto mais apto para
aguçar as faculdades do corpo, ainda pelos seus valores dinamogênicos
produzia a absorção do indivíduo pela coletividade, socializando-o, lhe
determinando o movimento coletivo. (Andrade: 1976, p.17).
E mais: “Intelectualizada pela palavra, a música tomava parte direta nas
manifestações coletivas do povo. O canto coral teve importância vasta, ao passo que
a música instrumental isolada, a bem dizer, não existiu”. (Ibidem, p.25)
Ainda na definição clássica, a música é a ”arte de combinar os sons” e os
seus elementos fundamentais são: a melodia (combinação dos sons sucessivos); a
harmonia (combinação dos sons simultâneos) e o ritmo.
O que a gente pode afirmar, com força de certeza, é que os elementos
formais da música, o Som e o Ritmo, são tão velhos como o homem. Este
os possui em si mesmo, porque os movimentos do coração, o ato de
respirar já são elementos rítmicos, o passo já organiza um ritmo, as mãos
percutindo já podem determinar todos os elementos do ritmo. E a voz
produz o som. (Andrade: 1976, p.13) .
A música sempre existiu, porque está na natureza: o canto dos pássaros,
o marulhar das ondas do mar, o sussurro dos regatos, o vento por entre os ramos,
tudo produz sons harmoniosos, que são do reino da música. Talvez foi ouvindo
esses sons naturais que os homens começaram a cantarolar, a cantar, a tocar os
seus instrumentos, toscos e primitivos a princípio, e finalmente a compor. Na antiga
Grécia, por exemplo, a música era essencialmente vocal, apoiando-se em
instrumentos como o aulo e a flauta.
4.3 Tipos de música
A partir de 1923, a música abre campo a inúmeras inovações, entre elas a
da “música concreta”, que usa ruídos existentes na natureza; a “música eletrônica” e
31
finalmente “a música aleatória”: gravações colhidas arbitrariamente na rua e no rádio
são usadas para composições aleatórias.
Existem ainda a música folclórica e a popular. E música popular é,
sintetizada pelo pesquisador José Ramos Tinhorão, da seguinte forma: “Por
oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de
geração em geração), a música popular é composta por autores conhecidos e
divulgada por meios gráficos”.
A música popular constitui uma criação contemporânea do aparecimento
de cidades com um certo grau de diversificação social.
4.4 A evolução da música brasileira
No Brasil, as primeiras manifestações musicais genuinamente brasileiras
foram as dos indígenas. Durante a colonização, os jesuítas utilizaram a música na
catequese, baseando-se em composições geralmente européias.
Já no século XX, a música brasileira ganha contornos mais definidos com
a obra de Ernesto Nazareth (1863-1934), que exerceu grande influência sobre Heitor
Villa-Lobos (1887-1959), na verdade o primeiro compositor brasileiro de fama
internacional;
seguiram-se-lhe
Oscar
Lorenzo
Fernández,
Mozart
Camargo
Guarnieri, Francisco Mignone, Radamés Gnatali e Brasílio Ferreira da Cunha (mais
conhecido como Brasílio Iberê). São compositores de valor indiscutível, cuja atuação
propicia o aparecimento de outros grandes talentos.
Quanto à música popular brasileira, ela teve origem no “lundu”, dança
africana, cheia de meneios e sapateados, antecessora do “samba” e do “maxixe”,
bem assim da “modinha” de origem portuguesa. A modinha se popularizou a tal
32
ponto que a identificação dos poetas e compositores tornou-se cada vez mais difícil.
Acompanhada nos salões pelo cravo ou piano, o violão tornou-se depois o
instrumento preferido dos modinheiros. Assim, a modinha, com música composta por
tocadores de violão do povo, ou com letra escrita por poetas de melhor nível literário
da época, espalhou-se pelas camadas mais humildes em fins do século XIX e início
do século XX, na voz de boêmios e seresteiros.
Em fins do século XIX e princípios do século XX ganha expressão a
música de Ernesto Nazareth, que realizou uma síntese da música erudita e popular,
e de Chiquinha Barbosa, autora das primeiras músicas carnavalescas do repertório
brasileiro. Por essa época aparecem os “chorões”, conjuntos de instrumentistas que
se apresentavam em festividades e os quais abrasileiraram as formas européias da
“mazurca”, do “shottish”, que dariam origem ao “maxixe”, cujo primeiro grande
compositor foi Marcelo Tupinambá. O maxixe resultou do esforço dos músicos de
choro em adaptar o ritmo das músicas à tendência aos volteios e requebros de corpo
com que mestiços, negros e brancos do povo teimavam em complicar os passos das
danças de salão. O maxixe era uma dança extremamente sensual em seus
requebros, repudiada durante muito tempo pelos salões burgueses que só a
aceitaram depois, com reservas, porém impondo uma discreta figuração do ritmo.
Proliferaram, a partir daí, marchinhas carnavalescas, até que em 1917 é gravado o
primeiro samba brasileiro, “Pelo Telefone”, de Ernesto dos Santos e Mauro de
Almeida; o primeiro mais conhecido por “Donga”. Avultam no “choro” e no “samba”,
entre outros, os nomes de Pixinguinha (Alfredo Rocha Júnior) e Sinhô (José Barbosa
da Silva).
Em 1929 é fundada no Rio de Janeiro a primeira “escola de samba”, a do
Estácio, por Ismael Silva e Nilton Bastos, seguindo-se-lhe várias outras que
33
propiciaram o aparecimento de grandes nomes da nossa música popular: Noel
Rosa, Ari Barroso, Lamartine Babo, João de Barros e Nássara, Joubert de Carvalho,
Benedito Lacerda, Cândido das Neves.
Grandes compositores, instrumentistas e intérpretes surgiram na década
de 1930/1940; entre eles Jacó do Bandolim e Carmem Miranda.
Com a evolução do samba, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira dão novo
impulso à música de província, lançando a moda do “baião” e do “xaxado”. O samba
de morro e os enredos das escolas de samba revelam novos valores, destacando
Cartola e Nelson Cavaquinho. Já na década de 50, o samba urbano ganha
expressão com o paulista Adoniram Barbosa; revelam-se instrumentistas de valor
como Valdir Azevedo e intérpretes como Linda e Dircinha Barsosa, Ângela Maria.
A influência norte-americana na música popular brasileira data dos últimos
anos da década de 50; Dick Farney e Lúcio Alves cantam em estilo “cool”. Nora Ney,
Dóris Monteiro e, sobretudo, Maysa vão nessa mesma linha, prenunciando a
chamada “Bossa Nova”. Surgem Elisete Cardoso, compositores como Antônio
Carlos Jobim e Vinícius de Morais (também poeta), mas sobretudo o violonista e
intérprete João Gilberto, considerado o pai da Bossa Nova, por muitos acusada de
ser excessivamente dependente do jazz.
Em 1964, João do Vale e Zé Kéti introduzem a música de “protesto”,
revelando a cantora Maria Bethânia. Seguiram-se composições em estilo mais solto
de Chico Buarque de Holanda, continuando a música de protesto com os irmãos
Paulo e Sérgio Valle, Geraldo Vandré, Edu Lobo, Ari Toledo.
Na década de 60, a música popular brasileira sofre grande influência do
“iê-iê-iê” popularizado pelos Beatles, célebre conjunto inglês. Nessa fase
34
evidenciam-se compositores e cantores como Roberto Carlos, Elis Regina, Milton
Nascimento.
Outros movimentos surgiram, diversificando e enriquecendo a música
popular brasileira: a Tropicália , liderada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa,
maestro Rogério Duprat.
O rock brasileiro surge com Os Mutantes , a cantora Rita Lee e o cantor
Raul Seixas; o funk com Tim Maia que lhe dá um caráter brasileiro e Jorge Bem, que
faz uma síntese entre o funk e o samba.
Na década de 70, consolidaram-se novos valores da MPB: além de Chico
Buarque de Holanda e Milton Nascimento, revelados nos Festivais dos anos 60,
desfrutam de um crescente prestígio nacional compositores-intérpretes como João
Bosco, Luís Gonzaga Júnior, Belchior, Fagner...
Nos primeiros anos da década de 80, o rock, o punk, a new wave e
ramificações, se espalham rapidamente. Surgem cantores, arranjadores, bandas; o
mercado fonográfico torna-se um rico veio. Os artistas da MPB têm menos sucesso.
Em meados da década de 80 formam-se muitos grupos musicais e bandas
como Paralamas do Sucesso, Titãs, Kid Abelha, Engenheiros do Hawaii, Barão
Vermelho, Legião Urbana.
Até o final da década o rock domina o cenário musical
Na primeira metade da década de 90, os brasileiros redescobrem os
ritmos regionais: intérpretes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola,
Zeca Pagodinho são do agrado da nova geração. Nessa época surge o CD, uma
nova tecnologia musical que garante a melhoria da reprodução musical e vão sendo
deixados de lado os “discos de vinil”.
Ainda nessa época, o samba ganha roupagem nova com o pagode.
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O axé music domina os novos passos que agradam o povo, nas vozes de
Daniele Mercury, Netinho e dos grupos É o Tchan, Banda Eva, Cheiro de Amor.
Nessa última década do milênio, a música sertaneja também ressurge;
duplas antigas e novas fazem sucesso: Milionário e José Rico, Zezé Di Camargo e
Luciano, Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, João Paulo e Daniel e muitos
outros.
Também o gênero conhecido como rap domina as paradas de sucesso
com cantores mais conservadores como Gabriel, o Pensador, e com grupos da
periferia da cidade: Pavilhão Nove, Planet Hemp, Subúrbio.
Ritmos latinos, africanos e jamaicanos (reggae, ska) dão fama a grupos
como Cidade Negra, Nativus, O Rappa, Skank, Tribo de Jah.
O rock se funde a ritmos regionais na interpretação de Chico Science &
Nação Zumbi, Mestre Ambrósio e outros.
O forró também se destaca com Os Raimundos. Em carreira solo: Marisa
Monte, Zeca Baleiro, Carlinhos Brown, Chico César, Zélia Duncan e outros.
4.5 Os gêneros musicais e os mitos
No Brasil do terceiro milênio, percebe-se a diversidade dos gêneros
musicais que coexistem, sem que haja disputas e concorrências entre eles.Hoje,
qualquer forma de se expressar é permitida na música, assim como também em
outros setores como a literatura e a imprensa.
Embora distintos em seus ritmos, o rock, o forró, o axé, o sertanejo, o funk,
o samba abordam temas comuns e, freqüentemente, há a presença de mitos nas
letras dessas composições.
36
O capítulo seguinte explorará a letra de algumas músicas com o intuito de
comprovar a presença dos mitos nas composições musicais, o mesmo que acontece
em algumas obras literárias.
37
5 ANÁLISE DAS MÚSICAS
Este capítulo tem por objetivo analisar as letras de algumas músicas onde
tornam-se óbvia a presença dos mitos e a importância de seus significados para a
nossa atualidade. O mesmo ainda procura comprovar a presença de um dos
principais aspectos entre música e literatura: a exploração que ambas fazem da
linguagem conotativa, ou seja, das figuras de linguagem.
5.1 O mito da beleza feminina
A letra da canção “Mulher nova, bonita e carinhosa” de Zé Ramalho faz
alusão às duas grandes obras literárias “Ilíada” e “Odisséia”, ambas do poeta grego
Homero. Refere-se à Ilíada quando cita o motivo da Guerra de Tróia e à Odisséia
quando narra o desfecho da guerra com o cavalo de pau dos gregos.
Nessa letra, Zé Ramalho, famoso cantor e compositor da MPB, reconhece
o poder da mulher e do amor sobre os homens.
A cidade de Tróia viveu dez anos de luta com a Grécia, porque seu
príncipe, Paris, apaixonou-se pela mulher mais linda do mundo e a raptou. Então
Menelau, seu marido, lutou ao lado de um imenso exército grego para defender sua
honra e resgatar sua esposa.
Mesmo um dos homens mais rudes e violentos como Lampião rendeu-se
ao fascinante encanto de uma mulher, Maria Bonita. Ele que era o rei do cangaço no
sertão e não temia nenhum perigo, foi dominado por uma mulher.
38
Fica evidente, assim, que a beleza da mulher e o poder do amor são uma
grande arma contra a prepotência de alguns homens como Menelau (um dos
principais espartanos) e Lampião (o rei do sertão nordestino).
No caso de Helena, a beleza da mulher desencadeou a tragédia de uma
guerra que ceifou muitas vidas de guerreiros que, por sua vez, deixaram mulheres e
filhos abandonados ao destino.Porém, no caso de Maria Bonita, o poder de seu
amor fez abrandar o coração do homem mais temido do Nordeste.
Zé Ramalho, nessa canção, reforça que, “mulher nova, bonita e carinhosa,
faz o homem gemer sem sentir dor”.
Todavia, nossa sociedade patriarcal, infelizmente ainda centrada no
homem, possui preconceitos contra a visão da mulher sedutora, fatal, que usa sua
beleza para conseguir o que quer. Apesar de a mulher estar lutando para conquistar
seu espaço, ela ainda é vista, em muitas regiões, como apenas mãe e esposa, não
como alguém que tem os seus próprios desejos e opiniões.
E quando ela usa a arma da beleza e do carinho, muitas vezes é
comparada a uma prostituta, principalmente por outras mulheres.
Na mitologia, as deusas tinham ciúme e inveja de Afrodite, a deusa da
beleza e do amor. Essa deusa é freqüentemente citada nas letras de músicas
brasileiras, pois evoca à mulher sensual, amorosa (características da mulher
brasileira). E essa é a preferida dos homens, embora a sociedade não o admita.
Afrodite ganhou o título de “a deusa da beleza” graças a Paris, um simples
mortal, apreciador da beleza feminina.
“No mito foi um homem mortal quem decidiu. Nas culturas patriarcais, os
homens mortais decidem. E, naturalmente, se os homens decidem qual seria o lugar
39
das mulheres, então a escolha é limitada àquilo que convém a eles”. (Bolen: 1990,
p.363)
E para melhor exemplificar, Bolen afirma:
Elas não podiam, certamente, decidir entre si qual era a mais bonita,
portanto apelaram pela decisão de Zeus. Ele recusou fazer a escolha, e as
enviou ao pastor Paris, um mortal que sabia apreciar as mulheres bonitas;
ele seria o juiz. [...] Afrodite ofereceu-lhe a mulher mais bonita do mundo.
Sem hesitação Paris declarou Afrodite a mais bela, e ofereceu-lhe a maçã
de ouro, incorrendo portanto no ódio eterno de Hera e Atenas. Este
julgamento de Paris conduziu mais tarde à guerra de Tróia. O pastor Paris
era príncipe de Tróia. A mulher mais bonita do mundo era Helena, a
esposa de Menelau, um rei grego.Páris cobrou sua recompensa raptando
Helena e levando-a consigo de volta a Tróia. Esse ato fomentou uma
guerra que durou dez anos e terminou com a destruição de Tróia. (Ibidem,
p.360-361).
A letra da música é baseada na história de alguns mitos: Helena, Páris,
Ulisses..., e foi construída a partir de algumas figuras de linguagem:
No verso: “A mulher tem na face dois brilhantes” percebe-se a presença
de uma metáfora: dois brilhantes= olhos.
E o mesmo acontece no verso: “Se não fosse a mulher mimosa flor”.
Já no verso “Faz o homem gemer sem sentir dor”, aparece um paradoxo,
ou seja, a aproximação de idéias absurdas.
Além das figuras de linguagem, é evidente a presença do ritmo, da
seleção vocabular e das rimas na canção, características comuns à poesia.
Zé Ramalho também se refere à Guerra de Tróia e ao mito de Ulisses na
letra de outra de suas canções, “Força Verde”.
A banda Roupa Nova, em sua música romântica “Sonho” novamente faz
referência à deusa da beleza (Afrodite). Na letra, percebe-se que muitos homens
sonham em encontrar ao seu lado, ao amanhecer, mulheres belas e sensuais como
a deusa; contudo trata-se apenas de um sonho não da realidade. Como os
encontros furtivos da deusa com seus amantes, a letra da música descreve o
40
encontro com a mulher amada, no sonho, e como ela se apodera de seu corpo:
“Pude até sentir você chegando pelo ar e entrando em mim devagar;
Pude até sentir você fugindo pelo ar, me deixando assim”
Segundo a mitologia, os deuses se disfarçavam de vários elementos para
seduzir suas vítimas: brisa, água, flores, animais...
Há uma metáfora na canção quando se compara a mulher do sonho à
deusa: “Minha deusa da beleza e cor”. E há também uma comparação no primeiro
verso: “Leve feito o vento vem”.
5.2 O mito da fragilidade feminina
Em “Mulheres de Atenas”, Chico Buarque, outro famoso da MPB, canta a
devoção das mulheres a seus maridos. Nessa composição, percebe-se as várias
faces das mulheres atenienses: vaidosas, pacientes, carinhosas, dedicadas,
consternadas, mães, amantes, temerosas, gestantes, viúvas, abandonadas...O
cantor pede na canção que as demais mulheres se mirem no exemplo dessas
mulheres fortes e guerreiras para agradarem seus esposos.
Na primeira parte (estrofe), ele afirma que as mulheres, quando amadas,
devem tornar-se cada vez mais vaidosas, porém, se fustigadas, devem mesmo
assim, resignar-se com seu destino e não lamentá-lo.
Na segunda estrofe, declara que a mulher deve estar pronta para todas as
exigências do marido.
Na estrofe terceira, confirma a resignação que as mulheres devem ter com
seus maridos quando eles buscam carinhos com outras mulheres, pois eles sempre
acabam voltando para os braços de suas esposas.
41
Chico Buarque, na quarta estrofe, canta as mulheres mães dos novos
filhos de Atenas e o temor que elas sentem em relação a seus maridos e filhos que
vão para a guerra enfrentando o inimigo, o mar e os naufrágios.
E, para finalizar, ao término da canção, ele relata a dor das jovens viúvas
e das gestantes abandonadas que têm que se conformar com seu destino.
Pode-se relacionar o comportamento das mulheres atenienses às deusas
das quais elas eram devotas; elas elegiam uma deusa e procuravam seguir seus
passos. As esposas fiéis, que tinham o casamento em primeiro plano, eram
seguidoras de Hera; as jovens e filhas devotavam-se à Perséfone; as batalhadoras,
determinadas e fortes, à Ártemis; as mães à Deméter e as sensuais e belas à
Afrodite.
As deusas gregas são imagens de mulheres que viveram na imaginação
humana por mais de três mil anos. As deusas são modelos ou
representações daquilo com que as mulheres se assemelham (com mais
poder e diversidade de comportamento do que as mulheres se têm
historicamente consentido exercitar. Elas são bonitas e fortes. São
motivadas por aquilo que lhes interessa) e [...] elas representam padrões
inerentes ou arquétipos que podem modelar o curso da vida da mulher.
(Bolen, 1990, p.48).
Ainda em relação à música “Mulheres de Atenas”,pode-se afirmar que
ocorrem muitas metáforas: “Orgulho e raça de Atenas”; “Poder e força de Atenas”;
“Mais duras penas, cadenas”.
E ainda há a presença de gradações: “Se ajoelham, pedem, imploram”;
“Elas não têm gosto ou vontade, nem defeito, nem qualidade”; “Vestem-se de negro,
se encolhem, se conformam e se recolhem”.
Outra figura de linguagem, a hipérbole, se faz presente na música: “Mas
no fim da noite, aos pedaços” e “Secam por seus maridos”.
Também a banda de rock, RPM, faz referência às deusas em sua música
“Olhar 43”:
42
“Não sei se é caça ou caçadora, se é Diana ou Afrodite”, fazendo alusão
às mudanças de comportamento que se operam nas mulheres: muitas vezes elas se
deixam caçar, conquistar, seduzir como Afrodite: outras vezes agem como Diana
(Ártemis) e são elas que conquistam, que dominam, que caçam.
5.3 O mito da auto-superação
O cantor e compositor de música romântica, Biafra, também recorre à
mitologia grega em sua canção “Sonho de Ícaro”. Na letra dessa música, Biafra
enaltece o desejo que algumas pessoas têm de superar-se, de exceder seus limites.
Em seu caso, o desejo de buscar a perfeição como cantor. Isso fica evidente nos
seguintes versos: “Rock do bom ou quem sabe jazz, som sobre som, bem mais bem
mais”.
Biafra propõe que o compositor deve escolher temas sentimentais, que é
isso que satisfaz as pessoas.
Ícaro, tentando superar-se e desobedecendo às ordens do pai, voou para
uma altura além da permitida, o que fez com que os fortes raios de sol derretessem
a cera de suas asas e ele caísse no mar, morrendo afogado.
Biafra afirma que o cantor, como Ícaro, deve ir até o fim, “derreter toda a
cera” na busca de seu sonho, ou seja, compor letras de músicas até que estas
estejam perfeitas, sem preocupar-se com limites.
A presença de metáforas fica óbvia nos versos: “Anjos de gás, asas de
ilusão”; “Fauno lunar, sombras no porão”.
E há comparação em: “E um sonho audaz feito um balão”.
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O verso “Descer até o céu cair” constitui um exagero, ou seja, uma
hipérbole.
E o verso: ”Voar, voar, subir, subir, ir por onde for”, trata-se apenas de
uma gradação do desejo de ir além de seus limites.
5.4 O mito do amor não correspondido
A música Estúpido Cupido de Celly Campello refere-se ao mito de Cupido,
deus do amor. Nessa composição, a mulher pede que Cupido a deixe em paz, pois
já está cansada de amar e não ser correspondida; que está cansada de sofrer e
chorar por um alguém infiel, que fez falsas promessas de amor. Por isso, ela implora
a Cupido que não a atinja mais com a flecha do amor, que só traz angústia e dor.
Cupido, muitas vezes, era malicioso e tinha prazer em ver pessoas
sofrendo por um amor não correspondido. Assim, muitas pessoas temiam ser
atingidas por suas flechas.
As figuras de linguagem, nesta canção, são a metáfora: “Ele me passou
pra trás”; “A flecha do amor só traz angústia e a dor”. E a hipérbole: “Eu tenho um
coração cansado de chorar”.
Muitas outras composições musicais também se baseiam em mitos (a
canção “Alexandre” de Caetano Veloso; a canção “O amor e o poder” de Rosana...),
porém torna-se impossível fazer uma análise de todas, visto que o número de
músicas que abordam mitos é bastante significativo.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ser humano é o único ser capaz de possuir razão e emoção; as demais
espécies agem apenas instintivamente e não são conscientes de seus atos.
Por ser racional, o ser humano é capaz de criar tudo o que pode ser
percebido pelos sentidos ou considerado pela inteligência.
E, assim, ele criou as artes: a pintura, a escultura, a literatura, o cinema, a
música... todas como uma forma de expressar seu mundo subjetivo, suas emoções
e sentimentos.
Das artes criadas pelo homem, e todas têm pontos em comum, duas
apresentam semelhanças mais profundas: a literatura e a música, pois ambas
exploram o ritmo.
Sabe-se que, hoje, um poema pode abrir mão de tudo: rima, estrofe,
métrica, menos do ritmo. E mesmo alguns textos em prosa apresentam cadência,
pausas e ênfases, ou seja, ritmo. Além disso, muitos textos em prosa são
carregados de significação poética onde predomina a sonoridade das palavras e o
jogo dos significados múltiplos: o desvio proposital do sentido com a finalidade de
provocar emoção.
Ambas, literatura e música, não são concebidas juntando-se apenas
palavras e jogando-as no papel. Não, há nelas uma elaboração especial das
palavras, que são primeiramente selecionadas e depois combinadas de forma a
sugerir uma organização estética.
45
E, somando-se a esses aspectos, ambas, na maioria das vezes, dividem
os mesmos temas, as mesmas reflexões, as mesmas razões de ser. E para essas
explicações existe a mitologia, amplamente explorada pelas duas artes.
O trabalho apresentado foi estruturado em quatro capítulos que compõem
o seu desenvolvimento.
O capítulo sobre “Contatos entre Literatura e música” abordou alguns
pontos comuns às duas artes como o prazer estético, a exploração dos sentidos das
palavras, o gênero lírico, o gênero épico (ambos presentes nas duas artes) e as
epopéias famosas de Homero: Ilíada e Odisséia para comprovar como a literatura
tem influência sobre a música e vice-versa.
No capítulo sobre o “Mito e suas relações” ficou evidente a importância
dos mitos em nossa vida cotidiana: em nossa religiosidade, linguagem,
comportamento, história e, principalmente, em nossa arte. Esse capítulo também
citou alguns mitos gregos e as epopéias que tanto os exploraram.
O capítulo “Música” baseou-se na história da música, sua importância
para a humanidade, os tipos de música existentes, a evolução da música brasileira e
a influência dos mitos nos diversos gêneros musicais: rock, MPB, músicas
românticas...
O último capítulo, que tratou da “Análise de músicas”, relacionou a letra
de algumas canções com vários mitos gregos: Helena, Menelau, Páris, Ulisses,
Afrodite, Cupido...(mitos também muito explorados pela literatura) e ainda às figuras
de linguagem da literatura: metáfora, gradação, hipérbole, paradoxo, bem como
explorou a rima e a seleção vocabular, o que torna essas letras verdadeiras poesias
em forma de canção.
46
Como este trabalho mostrou, Literatura e Música possuem muitos
contatos entre si e as letras das músicas citadas neste trabalho são só um pequeno
exemplo desses contatos existentes entre estas duas artes irmãs.
47
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. 7.ed. São Paulo: Martins Ed,
1976. 245p.
BOLEN, Jean Shinoda. As deusas e a mulher: nova psicologia das mulheres. 4.ed
[tradução Maria Lydia Remédio; revisão Ivo Storniolo]. São Paulo: Paulus, 1990.
417p.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. 8.ed. Petrópolis: Ed Vozes, 1993. 3v.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega: volume III 4.ed. Petrópolis: Ed.
Vozes, 1992. 404p.
CAILLOIS, Roger. O mito e o homem moderno. [tradução de José Calisto dos
Santos]. Lisboa: Edições 70, 1938. 137p.
CRIPPA, Adolpho. Mito e cultura. São Paulo: Convívio, 1975. 214p.
FARACO, Carlos Emílio & MOURA, Francisco Marto. Língua e literatura. 38.ed.
São Paulo: Ed. Ática Vol.1. 368p.
SAMUEL, Rogel.(Org.) Manual de teoria literária. Petrópolis: Ed. Vozes,
1984.189p.
SOUSA, Eudoro de. Mitologia II: história e mito. Brasília: UnB, 1988. 90p.
TREIN, Paul. A linguagem musical. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. 104p.
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ANEXOS
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LETRAS DAS MÚSICAS ANALISADAS
Mulher nova, bonita e carinhosa (Zé Ramalho)
Numa luta de gregos e troianos
Por Helena, a mulher de Menelau
Conta a história que um cavalo de pau
Terminava uma guerra de dez anos
Menelau, o maior dos espartanos,
Venceu Paris, o grande sedutor,
Humilhando a família de Heitor
Em defesa da honra caprichosa,
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor.
A mulher tem na face dois brilhantes,
Condutores fiéis de seu destino
Quem não ama o sorriso feminino,
Desconhece a poesia de Cervantes.
A bravura dos grandes navegantes,
Enfrentando a procela em seu furor,
Se não fosse a mulher, mimosa flor,
A história seria mentirosa,
Mulher nova, bonita e carinhosa,
Faz o homem gemer sem sentir dor.
Virgulino Ferreira, o Lampião,
Bandoleiro das selvas nordestinas,
Sem temer o perigo, nem ruínas,
Foi o rei do cangaço no sertão,
Mas um dia sentiu no coração,
O feitiço atrativo do amor,
A mulata da terra do condor,
Dominava uma fera perigosa.
Mulher nova, bonita e carinhosa,
Faz o homem gemer sem sentir dor.
Mulher nova, bonita e carinhosa,
Faz o homem gemer sem
Gemer sem
Gemer sem
Gemer sem sentir dor.
50
Força verde (Zé Ramalho)
Ainda pouco era apenas uma estrela
Uma imensa tocha antes do mergulho,
Agora vem à tona
Sua ira é intensa.
E você deseja saber se há algo que possa acalmá-lo outra vez.
Os pássaros,
A lua cheia e todo o céu leitoso
E todas as formas da natureza
Mostravam a grandeza do mundo em lágrimas.
Condenado como Ulisses
E como Príamus...
Morto com seus companheiros
Morto com seus companheiros
Morto... apareceu...
No momento em que a lua ia se levantando
E todo pranto forma a imagem do homem.
51
Sonho (Roupa Nova)
Leve feito o vento vem
Já quase de manhã
Quase não acreditei
Nesse sonho
Pude até sentir você
Chegando pelo ar
E entrando em mim
Devagar
Deusa da beleza e cor
Feita pro amor
Quero ter você de manhã
Quero ver você na manhã
E sentir o amor desse sonho
Minha deusa da beleza e cor
Quero amar você.
Cada movimento seu
Foi fonte de prazer
Nunca vou me esquecer
Desse sonho
Pude até sentir você
Fugindo pelo ar
Me deixando assim
Sem dormir
Deusa da beleza e cor
Quero o seu amor.
52
Mulheres de Atenas (Chico Buarque)
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas.
Quando amadas se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas.
Quando fustigadas não choram,
Se ajoelham, pedem, imploram,
Mais duras penas, cadenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Guardam-se pros maridos
Poder e força de Atenas.
Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados,
Mil quarentenas.
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas, obscenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas.
Quando eles se entopem de vinhos,
Costumam buscar um carinho
De outras falenas.
Mas no fim da noite, aos pedaços,
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos
Os novos filhos de Atenas.
Elas não têm gosto ou vontade,
Nem defeito, nem qualidade,
Tem medo apenas
Não têm sonhos, só presságios
O seu homem, mares, naufrágios,
Lindas, serenas, morenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas.
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cena
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas serenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos...
53
Sonho de Ícaro (Biafra)
Voar, voar, subir, subir, ir por onde for
Descer até o céu cair ou mudar de cor
Anjos de gás, asas de ilusão
E um sonho audaz, feito um balão.
No ar, no ar, eu sou assim, brilho do farol
Além do mais, amar no fim,simplesmente sol
Rock do bom ou quem sabe jazz
Som sobre som bem mais bem mais.
O que sai de mim feito prazer
De querer sentir o que eu não posso ter
O que faz de mim ser o que sou
É gostar de ir por onde ninguém for
Do alto coração, mais alto coração.
Viver, viver e não fingir, esconder no olhar,
Pedir não mais que permitir jogos de azar,
Fauno lunar, sombras no porão
E um show vulgar todo verão.
Fugir, meu bem, pra ser feliz só no pólo sul
Não vou mudar do meu país nem vestir azul.
Faça o sinal, cante uma canção
Sentimental em qualquer tom
Repetir o amor já satisfaz
Dentro do bombom há um licor a mais
Ir até que um dia chegue em fim
Em que o sol derreta a cera até o fim.
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Estúpido Cupido (Celly Campello)
Ah! Cupido, vê se deixa em paz,
Meu pobre coração já não agüenta mais
Eu amei há muito tempo atrás,
Já cansei de tanto soluçar
Hei, hei, é o fim,
Ah! Cupido, pra longe de mim.
Eu dei meu coração a um belo rapaz
Que prometeu me amar
E me fazer feliz
Porém ele me passou pra trás,
Meu beijo recusou e o meu amor não quis
Hei, hei, é o fim,
Ah, Cupido, pra longe de mim.
Eu tenho um coração cansado de chorar,
A flecha do amor só traz
Angústia e a dor,
Mas, seu Cupido, meu coração
Não quer saber de mais uma paixão
Por favor, vê se me deixa em paz,
Meu pobre coração já não agüenta mais
Hei, hei, é o fim,
Ah, Cupido, pra longe de mim.
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