Relações de conformidade e de implicação em obras brasileiras pós-tonais Antenor Ferreira Corrêa Departamento de Música - Universidade de Brasília Pesquisador apoiado pela FAP-DF Resumo Apresentam-se os conceitos de ‘relação de conformidade’ e 'implicação' introduzidos por Leonard Meyer (1973). Parte-se da indagação sobre a possibilidade de verificação das relações de conformidade e de implicação no repertório pós-tonal. Estes conceitos são discutidos e exemplificados com base em três obras brasileiras. Desse modo, estende-se para a esfera analítica da música não tonal o recurso usado por Meyer restrito à música tonal. A percepção rítmica, neste domínio, ganha relevância como fator preponderante no engendramento de relações de conformidade e de implicação verificadas nas análises realizadas. Resumen En este articulo se presentan los conceptos de "relaciones de conformidad e implicación" introducidos por Leonard Meyer (1973). Se inicia preguntando sobre la posibilidad de verificación de las "relaciones de conformidad e implicación" en el repertorio post tonal. Se discuten y se ejemplifican estos conceptos a partir de tres obras brasileñas. De esta manera, se extiende al ámbito del análisis de la música no tonal un pensamiento utilizado por Meyer limitado a la música tonal. La percepción rítmica, en este dominio, se convierte en un factor relevante, dada su importancia en crear "relaciones de conformidad e implicación" verificadas en los análisis. Abstract Actas de ECCoM. Vol. 1 Nº1, “Nuestro Cuerpo en Nuestra Música. 11º ECCoM”. Favio Shifres, María de la Paz Jacquier, Daniel Gonnet, María Inés Burcet y Romina Herrera (Editores). Buenos Aires: SACCoM. pp. 87 - 95 | 2013 | ISSN 2346-8874 www.saccom.org.ar/actas_eccom/indice.html Undécimo Encuentro de Ciencias Cognitivas de la Música – 2013 This paper reflects on the concepts of conformant and implicative relationships as introduced by Leonard Meyer (1973). It asks about the possibility for verifying conformant and implicative relationships in posttonal repertoire. Thus, those concepts were considered and exemplified in three Brazilian pieces. In this sense, the use of the conformant and implicative relationships made by Meyer, limited to tonal music, is extended to analysis of non tonal works. The rhythmic perception acquires predominance as means to engender conformant and implicative relationships, here presented by means of the analysis accomplished. Introdução Relações de conformidade [conformant relationships] foi o conceito apresentado por Leonard Meyer em seu livro Explaining Music (1973) para designar o tipo de relação na qual um evento musical discreto e identificável relaciona-se a outro evento por similaridade. Essa noção desempenhou um papel tão importante no arcabouço intelectual desenvolvido por Meyer que o levou a afirmar que “até onde eu tenho conhecimento, nunca houve música sem relações de conformidade, de modo que parece razoável assumir que estas são condição necessária para a compreensão musical” (1973, p.66). A partir desse conceito, Meyer lançou um novo olhar sobre suas ideias a respeito da significação em música apresentadas no seu grande êxito editorial Emotion and Meaning in Music (1956) e substituiu o termo antes empregado “expectativa” por “implicação musical”, tendo justamente nas relações de conformidade um dos principais meios para o engendramento dessas implicações. Nuestro Cuerpo en Nuestra Música Ao lado desse realinhamento terminológico, Meyer discorreu sobre os diferentes tipos de relações de conformidade, como por exemplo, relações de conformidade em processo [processive] (1973, p.49), formais, funcionais, etc. Cada uma dessas relações é exemplificada com análises musicais, cujo repertório restringiu-se a obras compostas no sistema tonal. Por conta dessa característica, ou seja, da limitação ao repertório tonal (diversas vezes enfatizada por Meyer, basta ver, por exemplo, o título da segunda parte do livro: “implications in tonal melodies” (1973, p.107)), coloca-se a questão: as relações de conformidade e de implicação estão restritas ao sistema tonal ou é possível sua verificação em obras pós-tonais? A partir desse problema, busca-se neste texto, transferir os conceitos de conformidade (em suas variadas relações) e implicação para ambientes não tonais de composição musical, levando em conta mecanismos de percepção e compreensão musical, por sua vez, discutidos na literatura atual própria da área de cognição musical (vide adiante). A partir da fundamentação nas ideias lançadas por Meyer, bem como, de seu melhor entendimento após análise e revisão da literatura que discutiu sobre esses conceitos – Ferreira Corrêa como, por exemplo, os recentes trabalhos de Gabrielsson e Lindström (2001) na área da composição, analisando a influência da percepção das estruturas musicais na expressão emocional; Juslin e Sloboda (2001) sobre emoção em música, coligindo em um único livro várias áreas de pesquisa em cognição musical; a crítica ao conceito de ‘conformidade’ lançada por Cochrane (1995) e rebatida por London (1995) e as mais recentes explanações do próprio Meyer (2001) – têm-se como objetivos desse trabalho: 1) estender o conceito de relações implicativas para o repertório pós-tonal. 2) buscar um melhor entendimento dos mecanismos cognitivos responsáveis pela compreensão musical. 3) formar hipóteses sobre os mecanismos cognitivos que agem na formação de relações implicativas. 4) disponibilizar material teórico oriundo de pesquisas na área de cognição musical, de modo a auxiliar compositores e demais músicos no entendimento dos mecanismos de percepção e compreensão musical. Lançar outra abordagem sobre os trabalhos de Meyer, estendendo seus conceitos para além do pensamento tonal, poderá fomentar discussões e problematizações na área da música, especialmente nos ramos ligados à teoria e análise, composição, interpretação e psicologia da música. Embasado em uma melhor compreensão dos processos cognitivos de compreensão musical, o desdobramento das ideias de Meyer poderá ser utilizado como nova ferramenta de análise musical a ser empregado nos âmbitos musicológico e performático. Compositores e analistas poderão valer-se dos mecanismos de implicação como procedimento para investigação e criação musical. Intérpretes, por sua vez, poderão usufruir desse entendimento como critério adjunto na construção da interpretação de obras modernas, as quais não contam ainda com uma forte tradição de performance. Estudos em psicologia poderão se beneficiar de um novo olhar sob aspectos que confluem para o processamento e inteligibilidade musical, reavaliando, assim, processos gestálticos ligados à percepção musical. Com relação à metodologia utilizada, vale informar que primeiramente serão descritos e demonstrados três principais conceitos de Meyer: relações de conformidade, relações de implicação e configuração [patterning]. Essa terminologia será apresentada, discutida e p. 88 | 2013 | ISSN 2346-8874 exemplificada de modo a tornar viável seu entendimento para a segunda parte desse trabalho, ou seja, a transferência dessas ideias para o repertório pós-tonal. Nas Conclusões dos estudos até aqui empreendidos, espera-se esclarecer e enfatizar, por meio das análises, a preponderância adquirida pelo aspecto rítmico para a cofiguração de relações de conformidade e implicativas no fora do sistema tonal. Relação de conformidade Embora, essa divergência pareça estéril querela linguística, a reinterpretação do termo por Cochrane ganha interesse pelo direcionamento ontológico destinado ao assunto. Enquanto em Meyer conformant é atributo da relação, para Cochrane conformacy é o padrão que possibilita ser copiado. Desse modo, institui-se um procedimento tipo modelo e cópia, ausente dos escritos de Meyer. A reinterpretação do termo por Cochrane implica que o segundo membro da relação de conformidade estabeleça uma semelhança do tipo modelo e cópia, pois a viabilidade da conformidade está no objeto musical, isto é, no modelo. Todavia, em Meyer, o principal aspecto da conformidade é a similaridade surgida da interação com o objeto musical, que deve ser perceptível auditivamente. Uma das grandes contribuições de Meyer para a compreensão da significação em música é, justamente, ter deslocado o foco das p. 89 | 2013 | ISSN 2346-8874 Tomando-se como exemplo o Concerto para Orquestra de Cordas e Percussão de Camargo Guarnieri, cujos compassos de 1 a 6 são mostrados na Figura 1, nota-se o uso do polimodalismo. No primeiro compasso, o tema é exposto em Sol lídio bemol 7 (mixolídio 4+, ou escala nordestina, como também são referidos). O arpejo inicial parece sugerir um centro em Ré, todavia, resolve em Sol no compasso 3, não deixando dúvidas a respeito do polo modal desse tema, pois há o reforço da nota Sol pelos baixos, cellos e violas em pizzicato. Após a exposição do primeiro material temático, os instrumentos graves reforçam a nota Sol, enquanto os violinos apresentam segundo motivo melódico (comp. 3 e 4). Note-se que esse fragmento melódico (assinalado como b na Fig.1), que parte e retorna à nota Ré, será finalizado no compasso 7 em conformidade com o movimento descendente do primeiro tema (assinalado como a’ na Fig.1). Nesse caso, a conformidade rítmica é óbvia, havendo, entretanto, alteração das alturas. Meyer denomina este aspecto como congruência rítmica e divergência no plano das alturas. Essa mesma sucessão melódica será utilizada para espécie de transposição modal, por meio da extensão rítmica por mais um tempo preservando-se, contudo, a relação de conformidade, como mostrado no compasso 17 da Figura 2, fragmento extraído do Violino 1. No compasso 50 ocorre um fugato envolvendo violinos 1 e 2 (ver Figura 3). Note-se que o mesmo é realizado valendo-se de aumentação do valor de duração do tema. Porém, como o tema desse fugato estrutura-se no arpejo de 7m, a conformidade intervalar é garantida, embora haja incongruência no plano rítmico. Outro elemento de plano intermediário é assinalado nos exemplos como c (ver Figuras 1 e 2). Esse elemento é o intervalo de 2ª e funciona como espécie de apoio melódico, conferindo unidade ao trecho em questão. Ainda, nos compassos 13 e 14 (Fig.2), a introdução de um novo perfil melódico (Ré, Ré, www.saccom.org.ar/actas_eccom/indice.html Undécimo Encuentro de Ciencias Cognitivas de la Música – 2013 A definição de relação de conformidade dada por Meyer não poderia ser mais sucinta: “por relação de conformidade quero dizer simplesmente aquelas [relações] nas quais um evento musical (mais ou menos) discreto e identificável relaciona-se a outro evento por similaridade” (1973, p.44). Todavia, mesmo assinalando textualmente a simplicidade do conceito, Meyer conseguiu atrair vieses complexos para sua proposição, como por exemplo, a releitura de seu trabalho por Richard Cochrane (1995) que, intencionalmente, reinterpreta o termo conformant por conformancy: “Análise musical geralmente tem repousado sobre o conceito que Leonard Meyer chamou de “conformancy”. A importância dessa noção dificilmente pode ser superestimada. A ideia de similaridade e de um padrão que governa tais relações de similitude é crucial para ela”. (COCHRANE, 1995, p.1). estruturas para o processo musical. Por conta dessas razões, entende-se para fins deste texto que ‘conforme’ é o que tem a mesma forma, portanto, não se optou pelo uso de ‘conformância’ ou ‘conformacional’, já que estes implicam em ato de se conformar (adquirir ou adaptar-se a uma forma). Conformidade, por sua vez, significará semelhança, analogia, identidade. Figura 1: Camargo Guarnieri, Concerto para Orquestra de Cordas e Percussão, I movimento, compassos 1-6. Nuestro Cuerpo en Nuestra Música Figura 2: Camargo Guarnieri, Concerto para Orquestra de Cordas e Percussão, I movimento, parte de Violino 1, compassos 7-18. Figura 3: Camargo Guarnieri, Concerto para Orquestra de Cordas e Percussão. II movimento, partes de Violinos 1 e 2, compassos 50-57. Mi, Do#, Ré), à primeira vista, levaria a pensar em um novo material; no entanto, como esse grupo realiza um acercamento da nota Ré, polarizando-a via suas sensíveis superior e inferior, a conformidade é garantida, pois essa nota vinha sendo reiterada desde o compasso 3. Outra relação de conformidade, embora mais sutil, pode ser observada nos materiais temáticos iniciais. Como o primeiro material temático é percebido como um impulso único (que se inicia no primeiro compasso e termina Ferreira Corrêa na primeira nota do terceiro), este parece não guardar significativa semelhança com o segundo material temático (comp.3). No entanto, imagine-se uma estrutura melódica como mostrada na Figura 4. Nesta, é óbvia a conformidade rítmica e melódica entre as duas sequências. E, de fato, essas sequências encontram-se no interior dos materiais temáticos já expostos (compassos 1 e 2). Acontece que, o compositor retarda a ascensão rumo à nota Lá (comp.6, Figura 1) interpondo um compasso antes de atingir o ponto p. 90 | 2013 | ISSN 2346-8874 culminante em Lá, para depois realizar novamente o movimento descendente por graus conjuntos finalizando em Ré (comp.7), mas a existência desse tipo de conformidade, mesmo velada, permite ser percebida auditivamente. Figura 4: Exemplo de conformidade rítmica e melódica. Figura 5: Camargo Guarnieri, Concerto para Orquestra de Cordas e Percussão. (a) tema primeiro movimento. (b) tema do terceiro movimento. Algumas relações de conformidade são mais elaboradas do ponto de vista composicional, de modo que sua percepção auditiva não é tão imediata. Todavia, são passíveis de reconhecimento. Na Figura 6 mostra-se a conformidade existente entre o tema do segundo movimento e o segundo tema do terceiro movimento (Figuras 6a e 6b, p. 91 | 2013 | ISSN 2346-8874 Figura 6: Camargo Guarnieri, Concerto para Orquestra de Cordas e Percussão. Relações de conformidade entre: (a) tema do segundo movimento e (b) segundo tema do terceiro movimento. Relação de implicação Implicação é o ato ou efeito de implicar. As relações implicativas [implicative relationships] referem-se à existência latente de situações previsíveis para a decorrência de uma situação musical, por exemplo, a continuação ou encerramento de uma melodia, uma conclusão cadencial, etc. A maneira como as estruturas musicais estão relacionadas, a interação destas no processo musical, engendra esse mecanismo de prognósticos. As relações implicativas, portanto, indicam justamente a propensão de uma situação musical, ou seja, as possíveis consequências de um evento musical na sua relação com os demais elementos da estrutura musical da qual este evento é parte. A existência desse mecanismo de implicação permitirá a geração, por parte do ouvinte, de prognósticos para os desdobramentos do discurso musical. Essas decorrências antevistas, quando confirmadas www.saccom.org.ar/actas_eccom/indice.html Undécimo Encuentro de Ciencias Cognitivas de la Música – 2013 Meyer considerava as relações de conformidade, ao lado das relações em processo [processive], tectônicas [tectonic] e de caráter [ethetic] (Cf. 1973, p.66), como responsáveis pela impressão de unidade da obra. Contudo, as análises que realiza levam em consideração, sobretudo, aspectos melódicos e rítmicos. Não obstante, é preciso lembrar que caráter e sonoridade global também funcionam como responsáveis por essa percepção de unidade. Analisando-se os temas do primeiro e terceiro movimentos do Concerto, mostrados nas Figuras 5a e 5b, respectivamente, talvez não se perceba uma óbvia relação de conformidade. Contudo, dado que o motivo principal desses temas estruturase por uma sucessão de terças e pela ênfase na nota característica do modo utilizado, a conformidade sonora fica estabelecida, gerando assim uma unidade sonora entre primeiro e terceiro movimentos (ver Figura 5). respectivamente). Observa-se que ambos possuem um âmbito de sexta menor, nota esta enfatizada por ser a nota mais aguda desse trecho melódico. Contudo, enquanto o primeiro tema é descendente, dirigindo-se para a nota base da tríade (nota Sol), o segundo tema é ascendente, a partir da nota base da tríade que estrutura a melodia, neste caso Si-Ré-Fa#. Há, também, nos dois fragmentos, o apoio rítmico marcado com os sinais ‘u’ e ‘–’ abaixo das notas (significando tempos fraco e forte, respectivamente. Cf: Meyer and Cooper, 1960 passim). Por esses fatores, a conformidade sonora é afirmada, embora de modo sutil. ou de algum modo desviadas, aumentam ou diminuem a carga informativa transmitida pela obra musical, o que promove, segundo Meyer, a significação musical. Nuestro Cuerpo en Nuestra Música Tomando-se como exemplo a Sonata Para Piano, também de Guarnieri, será possível demonstrar as relações de conformidade e de implicação em uma obra cuja maioria dos processos construtivos afasta-se dos modelos tonais, pois o Concerto para até aqui considerado, embora não totalmente ortodoxo do ponto de vista da tonalidade, possui procedimentos estruturantes semelhantes aos do sistema tonal. No primeiro compasso, Guarnieri já apresenta os materiais a serem utilizados em todo o movimento: intervalos de 2ªs (maiores e menores) e 4ªs (justa e aumentada), bem como suas inversões: 7ªs (maiores e menores) e 5ªs (justa e diminuta). Não há na obra acordes em terças, todos agregados estruturam-se em intervalos de quartas, quintas ou segundas (nas inversões mencionadas). O primeiro intervalo (7ªM descendente, Sol#-La) funciona como articulador entre as transposições realizadas no decurso da obra, recebendo destaque em intensidade e textura, já que na maioria das vezes soa desacompanhado. Também, permite-se pensá-lo como articulador formal no plano composicional. Note-se que surge na anacruse do primeiro compasso Sol#-La, depois no quarto compasso La-Sib, implicando na próxima entrada em Sib-Dob. Contudo, essa ocorrência é retardada até o compasso 16. Antes dessa entrada, Guarnieri quebra a obviedade do projeto pelo acréscimo do Fa#Sol do compasso 11. Apesar dessa quebra, a conformidade auditiva está preservada. A Figura 7 apresenta os compassos de 1 a 6 da Sonata. Figura 7: Camargo Guarnieri, Sonata para Piano. Compassos 1-11. Ferreira Corrêa p. 92 | 2013 | ISSN 2346-8874 Figura 8: Camargo Guarnieri, Sonata para Piano. Compassos 12-17. É importante perceber que as estruturas mencionadas não só asseguram a coerência formal da obra, como também configuram um comportamento cognitivo por parte do receptor. Essa configuração é denominada por Meyer patterning, e engendram o mecanismo de expectativa na peça. É justamente a partir da configuração desse comportamento cognitivo, que se torna possível, por exemplo, ouvir o compasso 7 como contraste ao material p. 93 | 2013 | ISSN 2346-8874 anteriormente exposto. Imagine-se, como ilustração a esse princípio, que no lugar das figuras em semicolcheias do compasso 7, a música salta-se para o compasso 11 (Fa#-Sol). Isso não destoaria em nada do contexto até então apresentado, não causando estranheza ao ouvinte, pois essas estruturas formatam-se em conformidade como os materiais utilizados pelo compositor desde o início da obra. Há muito mais a acrescentar de modo a explicitar as relações de conformidade presentes nesta obra. Não obstante, por questão de espaço, atentaremos por fim aos compassos 7 e 8, local de contraste com os materiais já expostos. Após atingir um ponto culminante em dinâmica ff (Fig. 7, comp.7), segue-se a diminuição drástica de intensidade e a sucessão de intervalos de 2ªs maiores (FaSol; Réb-Mib; Sib-Do), conferindo sensação de contraste. O compasso 8 ‘recupera’ os aspectos já mencionados do primeiro compasso (melodia em 2ª e 7ª e agregados em 4ªs). Porém, o contraste é ainda mais acentuado por conta da nova estruturação rítmica. Assim, têm-se a congruência da conformidade intervalar, mas o aspecto rítmico a sobrepuja, impingindo percepção de contraste (aspecto também notado nos compassos 9, 10 e 12). Considerações Finais Esse texto é parte de pesquisa cujo objeto de estudo primário é a compreensão musical. Para Meyer, “compreender música é simplesmente www.saccom.org.ar/actas_eccom/indice.html Undécimo Encuentro de Ciencias Cognitivas de la Música – 2013 Outro elemento de unidade, sobretudo ‘harmônica’, da peça é o movimento descendente em 5ªs seguido dos agregados citados (4J, 4aum, 5J e 5dim). Essa descida de três notas é ‘respondida’ na voz superior pelo movimento ascendente 3m+2m (Sol#-Si-Lá), também de três notas. Segue-se então o principal motivo de conformidade dessa peça: a sucessão de intervalos de 2ª descendentes, elemento predominante neste movimento, transformado rítmica e metricamente sem, contudo, desviar ou impedir a percepção de conformidade. Os pentagramas superiores das Figuras 7 e 8 ressaltam esse caráter no primeiro nível hierárquico. Observa-se, também, que o padrão rítmico de 4 colcheias (mostrado no pentagrama superior das Figuras7 e 8, mas presente em todo o movimento) age de modo congruente assegurando a conformidade. Assim, mesmo na ausência da sucessão descendente de 2ªs, como no compasso 6, a subida em agregados de 4ªs é percebida como similar, pois o agrupamento rítmico é mantido. Nuestro Cuerpo en Nuestra Música Figura 9: Lindemberg Cardoso, Ritual. Parte de Violino 1. questão de perceber e entender relações temporais e tonais, por mais sutis e complexas que estas possam vir a ser” (Meyer, 1973, p.109). No âmbito dessa empreitada, aspectos advindos das ciências cognitivas revestem-se como principal fundamentação teórica. São muitos os estudiosos que já propuseram trabalhos neste campo. Contudo, para os interesses das áreas de composição análise e teoria musical, os escritos de Meyer adquiriram um papel primordial. Neste sentido, o entendimento aprofundado das suas ideias e conceitos é o primeiro estágio deste projeto. Por conta disso, nesse texto o foco recaiu sobre a elucidação das noções das relações de conformidade e de implicação, aqui demonstradas. Nesse percurso, foi possível observar que o conceito permite ser transposto para o orbe da análise musical e para além do repertório construído sobre o sistema tonal. Relações de conformidade e de implicação são percebidas em outros modos de construção musical, tendo, sobretudo no aspecto rítmico, um dos elementos principais para a percepção dessas relações. Como última ilustração a respeito da importância da conformidade rítmica, observe-se na Figura a parte de violino 1 extraída da obra Ritual de Lindemberg Cardoso. Trata-se de um período de 16 compassos, divididos em 8 + 8. Os oito primeiros compassos são ouvidos em contraste com os 8 compassos seguintes pelo fato de o ritmo ser modificado, já que o conjunto de alturas usados na construção das duas partes é igual. Note-se que em ambas as frases as notas utilizadas são (em ordem normal): Dó#, Ré, Ré#, Mi, Sol, La conjunto 6Z41 na tabela de Allen Forte). relações implicativas e configuração, com intuito de embasar um sistema para estudo dos mecanismos confluentes e viabilizadores da compreensão musical. Referências Cochrane, R. J. (1995). The Phases of Fire. In: Music Theory Online. Volume 1, N. 1. Disponível em: <http://www.mtosmt.org/issues/mto.95.1.1/mt o.95.1.1.cochrane.art> (consulta realizada março de 2013) Cooper, G. y Meyer, L. (1960). The Rhythmic Structure of Music. Chicago: University of Chicago Press. Gabrielsson, A. y Lindström, (2001). The Influence of musical structure on emotional expression. In: Juslin, Patrik And Sloboda, John. Music and Emotion: theory and research. Oxford: Oxford University Press, pp.223-248. London, J. M. (1995). Misreading Meyer: a reply to Cochrane. In: Music Theory Online. Volume 1, N. 3. Disponível em: <http://www.mtosmt.org/issues/mto.95.1.3/mt o.95.1.3.london.tlk.html> (consulta realizada Fevereiro de 2013). Meyer, L. (1956). Emotion and Meaning in Music. Chicago: University of Chicago Press. Meyer, L. (1973). Explaing Music: Essays and Explorations. Berkeley: University of California Press. Meyer, L. (1994). Music, the arts, and ideas. Chicago: University of Chicago Press. Meyer, L. (2001). Music and Emotion: distinctions and uncertainties. In: Juslin, Patrik y Sloboda, John. Music and Emotion: theory and research. Oxford: Oxford University Press, 2001, pp.341360. Sloboda, J. A. (2008). A mente musical: a psicologia cognitiva da música. Trad. Beatriz Ilari e Rodolfo Ilari. Londrina: Eduel. A partir desse entendimento aprofundado, espera-se prosseguir refletindo sobre outros conceitos expostos por Meyer, como as Ferreira Corrêa p. 94 | 2013 | ISSN 2346-8874