O fim da Guerra Fria trouxe novas percepções de ameaças para a

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O INTRACTABLE CONFLICT COLOMBIANO: UM CONFLITO
INTRANACIONAL OU UMA AMEAÇA À SEGURANÇA REGIONAL?
Orientando: Thiago Braga da Silva (Graduado em Geografia - UFS)1
Orientadora: Prof. Dra. Tereza Cristina Nascimento França
Palavras-Chave: Intractable Conflict; Colômbia; Segurança Regional.
O fim da Guerra Fria trouxe novas percepções de ameaças para a segurança internacional.
Estas novas ameaças ocasionaram mudanças nas agendas e temas das conferências e fóruns
mundiais e ampliaram o conceito de segurança nas Relações Internacionais.
Nas Américas, o debate sobre narcotráfico e terrorismo juntamente com os processos de
securitização destes temas associam-se à segurança pública nacional, principalmente no pós-11 de
Setembro, devido às preocupações dos países centrais acerca do aumento da fragilidade estatal em
países subdesenvolvidos.
Na primeira parte do artigo falar-se-á sobre a construção do subdesenvolvimento e a
geografia do país como fortes catalisadores e responsáveis pela criação de um bruit du found
gerador de “forças profundas” que dão à Colômbia o título de “Estado Frágil” dentro da
comunidade internacional.
Esta fragilidade vem sendo estrategicamente utilizada pela política externa norte-americana
através da securitização da economia do narcotráfico que, na sua percepção, está cada vez mais
associada ao terrorismo internacional.
Na segunda parte far-se-á análises do Intractable Conflict entre o Estado da Colômbia,
grupos paramilitares e o grupo insurgente FARCs que lutam para conquistar e legitimar seu poder
dentro do território do país.
Por fim, foram feitas breves considerações sobre o Complexo Regional de Segurança das
Américas e como a ameaça deste conflito tem se intensificado na Nova Ordem Mundial e causado
intranquilidade aos países da região devido ao seu efeito spillover. Além de está contribuindo para o
grave desrespeito sistemático do Direito Internacional Americano.
1
Pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Internacionalização e Desenvolvimento (GID). Pesquisador
do Grupo de Análise da Paz e Segurança Internacional (GAPSINTER).
1 – Introdução
Para que fosse possível a elaboração deste artigo partiu-se da premissa de que a fragilidade
estatal da Colômbia é produto de processos histórico-estrutural desencadeado pelo fenômeno do
subdesenvolvimento que alimenta “forças profundas” geradoras de fortes instabilidades políticas na
região sul-americana.
O fenômeno da violência do bipartidarismo na Colômbia (Liberal X Conservadores) ao
longo dos anos criou uma conjuntura histórica que propiciaria um ambiente social onde os agentes
internos (governo, guerrilhas, para-militares, cidadãos) responderiam as divergências políticas
usando a violência como forma de obtenção de metas.
Dentre os múltiplos fatores, como os geográficos, históricos, econômicos, sociais e
psicológicos, os atuais conflitos internos armados seriam os reflexos de um processo criado desde o
período de independência do país que fora exacerbado nos anos de 1970 (ou seja, sob a égide da
Guerra Fria) quando grupos sociais de esquerda, como as Farcs e ELN, resolveram contestar a
ordem internacional e nacional na busca de uma justiça econômica e politicamente mais justa.
Como resposta, o governo central da Colômbia apoiaria, informalmente, grupos paramilitares que teriam a função de refrear o que se chamou aqui de “o nascimento da „esquerdização‟
como uma terceira-via no processo decisório da Colômbia”.
As pulsões dos movimentos internos tanto dos guerrilheiros quanto dos paramilitares
provocariam nestas últimas décadas a intensificação da fragilidade estatal da Colômbia, que tem
aumentado a partir do fenômeno da mundialização da narcoeconomia nos anos de 1980 e vem se
tornando uma nova ameaça e um fator de complexidade para os imbróglios do Intractable Conflict.
2 – O Nascimento de um Estado e a Construção do Subdesenvolvimento: para entender as
raízes do Intractable Conflict colombiano.
Nesta parte do trabalho fala-se sobre o processo de independência, a construção do Estado
colombiano e sua integração territorial numa perspectiva histórica. Entende-se que isso ajudará a
mostrar o materialismo histórico da ocupação do país e a perceber que o fator geográfico se não é o
responsável, para não cair no pedantismo do determinismo geográfico, seria ao menos um
facilitador no desencadeamento do conflito porque interferiu diretamente sobre a etnia e as
estruturas social, política, econômica e cultural do país.
A distribuição da população e a economia nacional (incluindo a do narcotráfico nos dias
atuais) foram afetadas pela geografia física da Cordilheira dos Andes e da Floresta Equatorial
Amazônica. Ambas teriam dificultado a integração territorial da Colômbia e a criação do que
Gottman apud Duroselle chamou de iconografia, ou seja, a construção de uma vida em comum
dentro de um determinado espaço onde se cria interesses, hábitos e crenças comuns e as pessoas do
exterior são consideradas estrangeiras. (Duroselle, 2000).
No que tange à topografia acidentada da Colômbia, ela serviu de barreira para uma efetiva
integração regional e ajudou no desenvolvimento e na persistência da dominação centro-regional. A
Cordilheira dos Andes e a ausência de infraestrutura, i.e., a rede de transportes, influenciaram
profundamente na aglomeração histórica da população em áreas relativamente independentes e
dispersas com pequenas comunidades agrícolas conectadas apenas por comunicações limitadas. Tal
fato teria gerado um entrave substancial para a expansão econômica e para a coesão estatal.
A respeito da expansão econômica, o isolamento ou “abertura” são instrumentos para o
crescimento econômico e urbano. Os fatores demográficos não são suficientes para assegurar o
crescimento econômico. Para transformá-los em elementos motores do crescimento seria preciso
que eles desenvolvessem tanto a infraestrutura econômica (sobretudo os transportes) quanto à
capacidade da cidade de se beneficiar dos investimentos de capitais regionais ou exteriores à região.
(SANTOS, 2008)
Como resultado da fragmentação histórica da Colômbia, a escala do comércio interno
tornou-se muito pequena e gerou um fraco dinamismo econômico. Para reverter essa situação, a
Colômbia impulsionou o crescimento econômico via comércio exterior aguçando ainda mais a
fragmentação do mercado interno e dificultando a sua integração. Com isso, aliados a instabilidade
política que surge desde o início da construção da Colômbia, estaria a incorporação dos enclaves
econômicos ao mercado internacional que deu aplicabilidade a teoria econômica ricardiana das
vantagens comparativas voltada para o exterior.
Esses enclaves econômicos criaram uma economia local e oligárquica antinacional
administrada por famílias tradicionais que se beneficiaram da privatização da coisa pública,
formando um patronato pessoal que se confundia com a burocracia estatal.
3 – A Geografia também serve para fazer guerras: Território, Poder e o caso das FARCs.
A ciência geografia utiliza-se de algumas categorias para construir as explicações que dão
inteligibilidade à realidade ao nosso redor. Uma dessas categorias é o território.
De acordo com Raffestin (1993), o território é o espaço onde se projeta um trabalho, seja
energia ou informação, que mostra relações de poder. Para ele, o espaço é a “prisão original” e o
território é a prisão que os homens constroem para si.
A categoria território encaixa-se perfeitamente na ideia de soberania estatal entendida como
o agrupamento coletivo de indivíduos que tomam para si um determinado espaço e possui um
governo em comum.
Se o sistema internacional é constituído por várias soberanias em forma anárquica, dentro
das coletividades humanas atualmente agrupadas em Estado(-Nações) a anarquia não ocorre, pois,
caso contrário, a burocracia racional que dá vida a eles deixaria de existir e causaria o seu
desaparecimento.
Para que a anarquia não ocorra o soberano utiliza, quando necessário, o uso legítimo da
força que é visto como a concretização do poder estatal desde que o Estado esteja em situação de
estabilidade política. Quando este monopólio é questionado por grupos insurgentes, milícias,
terroristas, paramilitares, dentre outros grupos que tem como objetivo construir uma nova ordem e
ainda não chegaram ao poder, o Estado e suas funções tal qual se conhece começa a se
desestabilizar e pode ser fragmentado em pequenos territórios dominados por outro poder que não o
do soberano. Este é o caso atual da Colômbia, considerado por muitos acadêmicos como um Estado
Frágil. É sob esse bruit du found que o Estado colombiano foi formado.
Alguns acadêmicos afirmam, baseando-se na teoria clássica da construção estatal, que a
Colômbia se encontra imersa em conflitos intratáveis justamente porque o papel da guerra na sua
construção territorial não foi utilizado para eliminar os rivais internos2. Pode-se citar aqui as ideias
de Charles Tilly, mesmo sendo eurocêntricas visto que faz o estudioso das R.I pensar o que houve
de errado com os Estados “anormais” que não se encaixam na “receita de bolo” de um verdadeiro
Estado europeu.
Por outro lado, ao delimitar uma trajetória “padrão” europeia, sua visão fornece um
parâmetro de comparação que não deve ser utilizada para detectar “desvios” ou “falhas”, mas para
mostrar que a expansão das instituições da sociedade internacional europeia ao se tornarem global
no século XX formou semelhanças e contrastes de acordo com o tipo de sociedade que a aderiu.
Segundo a visão de Charles Tilly, haveria três arquétipos diferentes em que, devido à
disponibilidade de riqueza, a coerção foi mais ou menos necessária para a extração de recursos. São
eles: a) a trajetória de capital intenso; b) a trajetória de coerção intensa; c) a trajetória da coerção
capitalizada.
Para os fins deste artigo dialogar-se-á com a trajetória de coerção intensa visto que a
ausência de concentração de capital teria levado as elites a aplicarem a coerção em níveis mais
elevados, a fim de extraírem mais recurso. Esta trajetória encaixa-se no perfil colombiano. A
ausência de capital obrigou as elites, ao serem confrontadas pela guerra, a depender das
aristocracias rurais, que extorquiam os camponeses (Tilly, 1996 apud Schneider, 2010). Foi uma
construção às avessas feita de cima para baixo, sem ainda se ter construído o povo colombiano e
tendo um comércio exterior sem a economia nacional ainda ter se consolidado. A transição destes
tipos de Estados mais próximos dos Estados nacionais se deu via revoluções.
2
Contudo, é preciso ressaltar que para a formação dos Estados latino-americanos o direito internacional
clássico e as lutas de emancipação tiveram um peso maior do que as guerras interestatais.
Concomitante com a Revolução Industrial no século XIX, a Revolução Francesa trouxe às
colônias novos pensamentos e valores e deram “maturação” ao pensamento social dos colonizados e
resultaram nos processos de independências de diversos países americanos. Com a difusão de novas
ideologias, antigas pulsões difusas, obscuras e profundas se desencadearam e se organizaram em
“forças profundas”. Estas resultaram em um longo e lento processo de transformação da
“inaceitável” submissão dos colonos para uma situação “insuportável” graças à “tomada de
consciência” destes perante o papel de explorados que desempenhavam dentro do sistema colonial.
O século XIX foi acompanhado por uma brutalidade de guerras civis que se transformou
num corolário de “uma história de 200 anos de tentativas mal sucedidas por parte das oligarquias de
forjar um Estado-nação moderno, sem abrir mão de sua posição política dominante” e numa
“manifestação da incapacidade histórica das oligarquias para simular a unidade nacional e a
estabilidade, desde a Independência da Espanha, em 1820”. (Browitt, 2001) apud (Alves, 2005).
Posteriormente aos conflitos causados pela independência nacional houve ainda “oito guerras civis
nacionais, quatorze guerras civis locais, várias pequenas revoltas, duas guerras com o Equador e
três golpes de Estado”. (Simons, 2004) apud (Alves, 2005).
Uma segunda onda de “tomada de consciência” por parte da população gerou e fortaleceu os
grupos guerrilheiros em meados de 1960, quando o panorama revolucionário no país já estava
formado, facilitando a consolidação das guerrilhas. Seria o nascimento da “esquerdização” como
uma terceira-via no processo decisório da política colombiana que sempre se revezou entre os
Liberais e Conservadores.
Em 1964, houve a Primera Conferencia Guerrillera onde as FARCs emergiriam como
resquício do confronto entre os adeptos dos partidos Liberal e Conservador que ficou conhecido
como La Violência (1948-1957) tendo as reformas agrárias e a distribuição de renda como pano de
fundo para o seu surgimento, fortalecimento e a expansão territorial.
Em 1982 foi ratificada a Sétima Conferência com objetivos de longo prazo que incluía o
acelerado recrutamento de militantes, a formação de novas frentes, a urbanização do conflito e a
estratégia de ataque militar. Este encontro, de acordo com muitos autores, marcou um turning point
na história do grupo guerrilheiro. A partir de então houve o aumento acelerado em número de
frentes e a expansão sem precedentes de suas atividades armadas. A organização saiu de 10 frentes
no final da década de 1970 para 26 durante os primeiros três anos da década de 1980.
(Sánchez&Palau, 2006)
Também é preciso perceber que o aumento da influência das FARCs nos anos de 1980 foi o
reflexo da política do governo Belisario Betancur (1982-1986) que desencadeou uma reação
conservadora dos latifundiários e pecuaristas quando estes se viram sitiados por aquele grupo de
insurgentes que praticavam sequestros e extorsões. Como resposta, as elites regionais passaram a
incentivar financeiramente e alguns se tornaram até mesmo membros das forças armadas. Entre
1994 e 1997, os grupos sofreram uma unificação e se tornaram a Autodefesas Unidas da Colômbia
(AUC).
A AUC, utilizando as mesmas táticas violentas dos grupos insurgentes, começou a agir em
zonas econômica e militarmente estratégicas para as FARC, tal como as regiões de plantações de
coca em Urabá, Putumayo e o sul de Bolívar e cidades como Barrancabermeja e Cúcuta (fronteira
com a Venezuela). Para controlar estas zonas a AUC realizou assassinatos e massacres com a
eliminação de grupos sociais que davam suporte aos grupos insurgentes. (Sánchez&Palau, 2006)
A Expansão das ações das FARCs (1985-2000)
Fonte: (Sánchez&Palau, 2006)
A Expansão das ações das AUC (1995-2000)
Fonte: (Sánchez&Palau, 2006)
4 – O Intractable Conflict como uma questão de segurança regional: algumas ponderações
O conflito interno na Colômbia tornou-se ainda mais complexo e difícil de ser resolvido
quando se associou ao narcotráfico a partir dos anos 1980. Desde então, os conflitos intranacionais
da Colômbia tem tido um maior perfil internacional devido ao seu efeito spillover que desestabiliza
e ameaça os países fronteiriços.
Em tempos de interdependência complexa entre as nações, a globalização trouxe nos anos de
1970 uma terceira revolução industrial que permitiu às sociedades se conectarem em redes
financeiras e de telecomunicações e a criarem múltiplos canais de interação entre os Estados e
outros atores internacionais não-estatais e governamentais.
Logicamente que os efeitos da globalização, principalmente a financeira, não seria diferente
com o narcotráfico. Ela também facilitou a conexão dos cartéis de drogas entre si e das suas
transações bancárias que tem permitido a sustentação de suas atividades mediante compra de armas
e treinamentos dos grupos guerrilheiros3.
O fenômeno da transnacionalização não apenas diminuiu a importância dos Estados nas
relações internacionais como também alargou o leque de ameaças que potencializam a sensibilidade
e/ou vulnerabilidade deles com questões que vão além de suas respectivas fronteiras. Este é o caso
do fenômeno das drogas nas Américas, especialmente na região andina, que se alimenta da falta das
instituições estatais devido a não ocupação territorial da densa Floresta Amazônica.
A região amazônica é um domínio morfoclimático e fitogeográfico que envolve oito países
independentes (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela) e uma
colônia (Guiana Francesa) que, em termos geoestratégicos, vem ganhando importância regional e
internacional graças aos novos temas nas conferências internacionais que vão desde as ameaças ao
Meio Ambiente até a questão das ameaças das drogas e do terrorismo internacional.
A falta de fiscalização e de presença estatal nas mais diversas áreas ajudou no incremento do
comércio das drogas e das atividades táticas das guerrilhas nas fronteiras entre a Colômbia, Brasil e
Venezuela e criou um fluxo intenso e informal de comércio, mercadorias e pessoas entre estes
países. Além disso, existem verdadeiras cidades-fronteiras e laboratórios de cocaína móveis prontos
para serem desmantelados e seguirem para o interior da Floresta Amazônica sem se preocupar com
as fronteiras nacionais.
O caso das cidades de Tabatinga (Brasil) e Leticia (Colômbia) representa um exemplo do
efeito spillover do Intractable Conflict e da economia do narcotráfico. Entre estas duas cidades há
600 km de selva virgem em que vivem inúmeros e dispersos colombianos, de todas as etnias e de
todos os departamentos, em grande abandono e imersos nos conflitos que tentam fugir atravessando
as fronteiras internacionalmente delimitadas pela imaginação da comunidade internacional. Estes
são os desplazados internos da Colômbia.
Outros exemplos são as províncias fronteiriças do Equador, especialmente Esmeraldas,
Carchie e Sucumbíos que vem sofrendo as consequências do Plano de Segurança Democrática do
governo Alvaro Uribe (2002-2010) que incrementou a presença militar colombiana com o intuito de
debilitar as Farcs e tirar deles o controle dos departamentos de Meta e Huila. O fato causou o
3
Basta recordar que um dos mais importantes traficantes de drogas brasileiros, Fernandinho Beira-Mar, foi
preso em 2001 na Colômbia onde supostamente mantinha contatos com as FARC. Além disso, tanto os grupos
guerrilheiros quanto os paramilitares adquiriram uma grande quantidade de armas por ocasião dos conflitos na América
Central dos anos de 1980 assim como do mercado de armas fora da América Latina (Bulgária, Rússia, Ucrânia,
Jordânia, EUA, China, Israel dentre outros).
deslocamento do grupo para o sul na zona de Putumayo e Nariño. Além disso, a política do Plano
Colômbia de fumigações aéreas de cultivos de coca obrigaram os cultivadores de coca a buscar
novas terras do outro lado da fronteira. (IDMC, outubro 2009)
Em Sucumbíos não há serviços estatais e mais da metade da população sobrevive com
menos de U$ 1 dólar por dia, o acesso a educação é substancialmente inferior da média nacional, a
disponibilidade de camas hospitalares é a metade da média nacional e a mortalidade infantil é a
mais alta do país. A incidência de pobreza na província é de 68,4% - definida como a pobreza de
consumo, quer dizer, renda mínima abaixo dos exigidos para adquirir bens e serviços básicos.
(IDMC, outubro 2009).
Nota-se que alguns fatores têm propiciado as vantagens competitivas para a expansão da
economia do narcotráfico na Colômbia: i) a geopolítica do território fragmentado; ii) a selva como
meio de ocultamento das atividades dos grupos guerrilheiros e paramilitares; iii) a cultura política
da violência como meio de resolução dos conflitos, iv) deslegitimação das instituições do país, v)
pobreza e corrupção
É também importante constatar a falta de diligência por parte do Estado colombiano em
prevenir a violação dos direitos humanos, principalmente da população mais pobre. Esta violação é
derivada das disputas de poder dos grupos em conflito e recaí sob a responsabilidade do Estado
colombiano a culpabilidade dos atos, por omissão ou ação, sendo ele obrigado pelo Sistema
Interamericano a comprovar que não se cometeu a violação.
A própria história do país mostra que a dignidade da pessoa humana e a segurança humana
(que leva à segurança regional e internacional) não estiveram como prioridade nas políticas públicas
da Colômbia. Afirma-se isso ao perceber a quantidade de migrações forçadas de colombianos que
não são protegidos pela Colômbia, mesmo sendo um dever do Estado adotar as medidas que forem
necessárias para a proteção dos direitos e liberdades da pessoa humana que são garantidos pelos
artigos 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).
No que tange ao Direito Internacional Americano, caso fosse possível destacar apenas uma
consequência do efeito spillover do Intractable Conflict, talvez o mais perigoso tenha ocorrido em
1º. de março de 2008 na chamada Operação Fénix.
Esta operação realizada através da tática de target killing, muito criticada pelo Direito
Internacional Humanitário, causou uma crise diplomática entre a Colômbia, Equador e Venezuela
uma vez que o primeiro havia invadido a soberania do segundo.
O ataque resultou na morte de Luis Edgar Devia Silva, conhecido como Raúl Reyes, do
ideólogo da guerrilha Julián Conrado e de outros 15 rebeldes em um acampamento em território
equatoriano de Sucumbíos durante o ataque aéreo da Colômbia.
O caso feriu gravemente o Direito Internacional Americano (artigos 18, 19 e 20 da Carta da
Organização dos Estados Americanos), fato que potencializou e internacionalizou ainda mais a
ameaça de guerra na América do Sul.
As discursões e fatos tratados neste artigo fazem pensar que se no século XIX a região
platina foi uma questão prioritária nas agendas diplomáticas de muitos países sul-americanos para a
formação do sub-complexo regional sul-americano, o final do século XX e início do XXI tem
trazido consigo uma maior atenção ao sub-complexo regional andino. 4
Por complexo regional de segurança segue-se o pensamento de Buzan&Wæver, 2003:
um conjunto de unidades cujos principais processos de securitização, dessecuritização ou
ambos, são tão interligados que seus problemas de segurança não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos
5
de maneira independentes umas das outras
Desde que foi lançado a “Guerra às Drogas” ainda na administração de Ronald Reagan
(1981-1989) a política externa norte-americana vem securitizando este tema nas conferências
internacionais através da prática do Speech Act (Ato de Fala).
O esforço em combater o comércio internacional das drogas é atribuído ao alto consumo em
território americano de cocaína nos anos de 1980 que instigou os EUA a tratar o tema como um
caso de segurança nacional para o país.
Em 1986, a administração Reagan editou um National Security Decision Directive, criando
o Decreto de Segurança Nacional 221 (National Security Decision Directive – NSDD-221) que
iniciaria a sua Guerra às Drogas. Desta forma, o governo oficializava o discurso sobre o novo
inimigo externo que, juntamente com o “terrorismo” dos grupos de esquerda, deveriam ser
combatidos pelos EUA e pelo hemisfério ocidental.
A declaração em janeiro de 1986 sobre a “certeza” de Reagan da combinação desses males
internacionais consubstanciaria as diretrizes da conduta da política externa norte-americana em
relação ao tema.
(...) a ligação entre governos aliados aos soviéticos, tais como Cuba e Nicarágua, e o
tráfico internacional de narcóticos e o terrorismo está ficando cada vez mais clara. Estes gêmeos diabólicos – tráfico
de drogas e terrorismo – representam, hoje, a mais insidiosa e perigosa ameaça para o hemisfério. (grifo do autor
6
utilizado)
Tal política aumentou as pressões diplomáticas, principalmente através de sanções
econômicas e da política de certificação; a presença político-militar na América Latina através da
4
BUZAN & WÆVER (2003). Regions and Powers – The Structure of International Security. New York:
Cambridge University Press. Para os autores, tanto o sub-complexo do Cone do Sul quanto o Andino formam o
Complexo Regional Sul-Americano. Este juntamente como o Complexo Regional Norte-Americano dividem as
Américas em duas áreas de influência que foram sendo construídas desde a expansão da sociedade internacional
europeia e de suas instituições (balanço de poder, direito internacional, diplomacia, guerra e grandes potências).
5
Tradução livre.
6
Rodrigues, Thiago (2009: 268)
extraterritorialidade de suas Forças Armadas a partir de assinaturas de acordos para o fornecimento
de equipamentos, treinamentos, orientação das forças militares e policiais e, por fim, a presença de
agências do país em Estados congruentes com a política antinarcótico de sua agência
governamental, DEA (Drug Enforcement Administration). (Guzzi, 2008)
Através da retórica dura de securitização das drogas durante a administração George H.
Bush (1989-1993), chegou-se a retirar do poder e julgar em solo americano o presidente Manuel
Noriega, Chefe de Estado do Panamá e antigo aliado dos EUA, e a partir desse fato criou-se a
Estratégica Andina (Bolívia, Colômbia e Peru) de combate às drogas.
Na administração de Bill Clinton (1993-2001) e de George W Bush (2001-2009) têm-se a
militarização do tema a partir do Plano Colômbia e o Plano Patriota, ambos aperfeiçoaram ainda
mais os meios de penetração e condução das políticas internas dos países andinos no que tange à
economia do narcotráfico.
Com o Plano Colômbia, o que antes era considerado um grupo subversivo passou a ser
visto como um grupo de narcoguerrilheiros onde o combate à produção de entorpecentes se daria
através do extermínio de seus territórios com plantações de coca e seria justificado em nome da
guerra às drogas.
Logo após ao 11 de setembro de 2001, o combate às guerrilhas ganharia a roupagem do
terrorismo internacional, o novo inimigo do Ocidente, e ficaria conhecida como uma guerra aos
“narcoterroristas” graças ao Plano Patriota da administração George W. Bush e da Política de
Segurança Democrática do governo de Álvaro Uribe Vélez (2002-2010).
5 – Conclusão
Os conflitos internos na Colômbia e a crescente securitização do narcotráfico nas Américas
ameaçam não apenas a Defesa Nacional dos países da região, como também o Sistema de Proteção
dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Direito Internacional
Americano e põe em xeque a Responsabilidade Internacional do Estado colombiano em proteger
sua própria população.
Se o combate à pobreza, o desenvolvimento integral e a democracia, que são princípios
estabelecidos pelo capítulo 3 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e que
deveriam guiar a conduta de todos os Estados-signatários, fossem de fato realizados pela Colômbia,
esta diminuiria as fraquezas institucionais que ameaçam colapsá-la.
Entretanto, esses ideais continuam não sendo implementados porque pela própria história da
formação e ocupação territorial da Colômbia a sociedade política polarizada entre os Liberais e
Conservadores utilizou-se das instituições políticas para manter-se no poder utilizando-se
frequentemente da violência política.
O tipo de relação do Estado colombiano com seus próprios órgãos e cidadãos e a
fragmentação geográfica da população dificultam a construção da ideia de nação e a implantação do
monopólio legítimo da força por todo o país (o atributo de poder estatal moderno) e facilita o
exercício da força física indiscriminada onde ele está ausente gerando ondas de revoltas por parte da
população.
Unindo-se aos fatores internos encontra-se a conduta da política externa colombiana que têm
se associado às diretrizes norte-americanas de militarizar o combate ao narcotráfico ao invés de
enfrentar esse fenômeno dentro do âmbito político e sócio-econômico.
O Intractable Conflict não é apenas um conflito entre questões tangíveis (território,
população e economia), mas também entre questões intangíveis (ideias como capitalismo X
comunismo; Guerra às Drogas e a securitização; terrorismo. São ideias que dependem do respaldo
da sociedade para conseguir êxito).
Com o fim da Guerra Fria, o intratável conflito na Colômbia continua longe de chegar ao
fim, ainda mais com o retorno da velha ordem liberal - que tem difundido não apenas riquezas e
pobrezas entre as nações como também novas ameaças, como a da economia do narcotráfico, e que
vem se interconectando com questões de segurança humana e nacional e tem feito os países
mudarem suas visões do que seria uma segurança internacional e quais fatores a ameaça.
6 – Referências Bibliográficas
 Livros
Buzan & Wæver (2003). Regions and Powers – The Structure of International Security. New
York: Cambridge University Press
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Tradução de Ane Lize Spaltemberg de Seiqueira Magalhães, Brasília: Edunb.
Raffestin, Claude (1993). Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática.
Rodrigues, Thiago (2009). Política e drogas nas Américas. São Paulo: EDUC.
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Guzzi, André Cavaller (2008). As Relações EUA-América Latina: Medidas e Consequências da
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(PUCSP/UNESP/UNICAMP) de Mestrado em Relações Internacionais. (Orientador: Profa. Dra. Suzeley
Kalil Mathias).
Schneider, Luíza Galiazzi (2010). O papel da guerra na construção dos Estados Modernos: o
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 Tese
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 Documento Eletrônico:
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Disponibilidade: 30/10/2012.
 Documentos Oficiais:
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publicado
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[http://www.oas.org/dil/port/tratados_A41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.htm].
Disponibilidade:
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[http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm].
Disponibilidade:
30/10/2012.
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