Economia chinesa para principiantes

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Economia chinesa para principiantes
Marco Antonio Tourinho Furtado1
Observação: Este é um trabalho dedicado aos alunos do “Grupo livre de estudo de economia
chinesa e relações China-Brasil”, que funciona na Escola de Minas da Universidade Federal
de Ouro Preto. Ele surgiu da necessidade de alguns alunos que entram no grupo de estudo
com ele em andamento. Assim este texto serve de um mínimo de nivelamento de
conhecimento introdutório sobre a história econômica chinesa. Ele resultou de solicitação do
aluno Diego Barcellos, que viveu esta situação. A ele se deve a iniciativa deste texto.
1. Aspectos gerais: China como espaço físico, populacional.
A China é o terceiro maior país do mundo, com 9,526 milhões de quilômetros quadrados.
Tem um grande litoral de 32 mil quilômetros, e território que vai se afunilando em direção ao
oeste. A China é um grande país, maior que o Brasil (aproximadamente 1,12 vez nosso país, o
que seria um Brasil mais aproximadamente um estado do Pará). Mas por possuir um grande
litoral a China possui uma área jurisdicional marítima muito grande (quatro milhões e
setecentos mil quilômetros quadrados), e um mar territorial extenso (dois milhões e setecentos
e sessenta mil quilômetros quadrados). O país tem mais de 5.000 ilhas, e a proximidade com o
Japão e outros países tem levado a diferenças e fontes de tensão na interpretação de quem
teria a jurisdição e a posse de áreas do mar territorial.
O relevo da China é constituído do que denominam de três andares. Um primeiro junto ao
litoral, onde há planícies e pequenos montes que não ultrapassam a mil metros. Neste
primeiro andar se concentram a grande população da China, uma atividade agrícola e
industrial intensa, os portos e grandes cidades, como Shangai, Hong Kong, Tianjin, Pequim,
etc. Um segundo andar, em que se tem altitude entre um mil e quatro mil metros, onde há
planaltos como o de Yunann-Ghizhou, Bacia de Tanin, Jungjar, Ordos e Sichuan. Nele há
vales dos grandes rios, planaltos e uma grande densidade populacional. O terceiro andar onde
as altitudes se situam num patamar acima de quatro mil metros, localiza-se na margem oeste
do país, onde a densidade populacional é baixa, com presença de desertos e terras geladas e
cadeias de montanhas como as do Himalaia, Karakorum, Nayan Qantazhe. O país possui 28
montes acima de 8.000 metros de altitude (Himalaia, Karakorum, etc).
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Professor da Escola de Minas – Universidade Federal de Ouro Preto
2
Figura 1- Relevo da China - Fonte: www.chinatravel.com
A China é um país de características muito diferenciadas no grande espaço de mais de 9,6
milhões de quilômetros quadrados, e não só pelo relevo. Nela predomina o clima árido e
semi-árido. Os dois climas somam mais de 54% do território (ou mais de cinco milhões de
quilômetros quadrados). Possui alguns desertos como o de Taklimakano (segundo maior do
mundo), Gobi, e regiões onde a presença de água é escassa. Nas altas montanhas nascem os
grandes rios que atravessam a China de oeste para leste, ou que se dirigem ao sudeste asiático
(Vietnã, Camboja, Miammar, ou para a Índia). Mas é um país onde se pode dizer que a água é
escassa, com exceção da região ao longo dos grandes rios e do sul, onde o regime de monções
é o responsável por uma pluviosidade acima de 1.500mm ao ano, onde o clima é quente e
úmido.
Esses grandes rios que atravessam a China do oeste para leste, como o Yang-tsé (6.300Km,
sendo 2.250 navegáveis), Amarelo (Huang He com 5.464 Km), Pérola, Heilongjiang, e partes
de rios que se dirigem ao sudeste asiático como Mekong, Bramaputra são fontes importantes
de água. Também tiveram e tem importância como vias de transporte, sendo o Yang-Tsé um
rio com grande número de portos, que já estiveram sob o domínio de potencias ocidentais em
período recente, após a primeira Guerra do Ópio em 1840, quando ocorre a abertura da China
ao Ocidente, forçada pela Grã-Bretanha. A China possui também depressões, como a de
Tuipan, a 160 metros abaixo do nível do mar.
Fig 2: Principais rios da China: destaque para o Yang-Tsé - Fonte: www.chinamap.com
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Planalto da
Mongólia
interior
Pequim
Mar de Bohai
Mar
Amarelo
Bacia de
Tanin
Shangai
Himalaia
Mar do
Leste da
China
Planalto de YunanGuizhou
Vale do Yang- Tsé
Hong Kong
Mar do Sul
da China
Figura 3- China-Vista de satélite e alguns pontos
Fonte: www.geology.com/world/china-satellite-image.shtml
Figura 4 - Pluviometria: o contraste entre o oeste e o sudeste da China Fonte: www.images.nationmaster.com/images/motw/midell_east_and_asia/china_precip.jpg
Outra característica da China é a sua elevada população (1,3 bilhão de habitantes) e sua
distribuição populacional diferenciada ao longo do país. Há elevada densidade nas planícies
do leste e alguns planaltos e ao longo dos vales dos grandes rios, mas com baixíssima
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densidade no oeste, em regiões como no Tibet, regiões desérticas ou estepes, como na
Mongólia Interior.
A China tem atualmente um crescimento populacional de 0,9% ao ano, apesar de medidas que
foram tomadas há décadas visando a redução do crescimento populacional do país. Como o
Brasil cresce a 1,9% ao ano, a taxa brasileira é atualmente o dobro da chinesa. Mas convém
relembrar que a população da China de 1,3 bilhão gera um crescimento anual de 11,7 milhões
de habitantes, enquanto o Brasil com 184 milhões tem um crescimento de 3,49 milhões ao
ano, à taxa de 1,9% ao ano. Mas ambos os países tem percentuais declinantes de crescimento
de população.
A China tem política restritiva ao número de filhos, que é variada em função de fatores como
pertença ou não a minorias, morador de zona rural, ter tido um filho com deficiência, ou
cidades que hoje tem taxas de natalidade muitíssimo baixas, entre outros. Mas muitos
chineses urbanos e enriquecidos desrespeitam esta norma. Há cidades como Pequim e Shangai
onde o índice de nascimentos por mulher é inferior a um, e que tem preocupado as
autoridades, pois o envelhecimento populacional tornar-se-á um problema. Enfim não é
verdade quando a imprensa ocidental diz que na China vigora um único modelo de que todas
as famílias só podem ter um filho. Isto depende do local de moradia, se urbano ou rural, etc.
Figura 5- China: distribuição da população(densidade populacional) - Fonte: www.chinatravel.com
A figura acima demonstra bem como as áreas costeiras, vales dos grandes rios e alguns
planaltos tem elevada densidade demográfica, enquanto nas regiões áridas do oeste e regiões
de grande altitude e estepes esta densidade é baixa.
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1.1- O governo e indicadores
A China é uma república parlamentarista de partido único, com um congresso unicameral
(Congresso Nacional do Povo) com 2.979 membros eleitos para mandato de cinco anos, com
representantes de regiões, entidades, etc.
A organização do governo chinês passou por grandes mudanças após as reformas que se
iniciaram em 1978. Mas, principalmente, houve uma delegação e descentralização de muitas
iniciativas às províncias e governos locais.
A China tem 34 divisões administrativas, sendo 23 províncias, 4 municipalidades sob
jurisdição central, 5 regiões autônomas (com minorias étnicas) e 2 regiões administrativas
especiais (Macau e Hong Kong). O governo cunhou a expressão de “um país dois sistemas”,
em que coexistem os sistemas “socialismo de mercado” que vigora em toda a China, e o
capitalismo que vigora nas duas regiões especiais, Hong Kong e Macau. As províncias têm
populações que se aproximam de países médios, próximo de noventa milhões de habitantes ou
mais, como Henam, Sichuan, Shandong.
Províncias
Anhui
Fujian
Gansu
Guangdong
Ghizhou
Hainan
Hebei
Heilongjiang
Henan
Hubei
Hunan
Jianggsu
Jiangxi
Jilin
Liaoning
Qinghai
Shaanxi
Shandong
Shanxi
Sichuan
Yunan
Zhejiang
Municipalidades
Beijing
População
63,4
34,7
25,9
78,6
38,4
8
67,4
38,1
96,1
59,9
66,3
73,8
42,2
27
42
5,3
36,7
90,8
32.9
86,7
43,3
46,7
População.
14,2
Chongqing
31,1
Shangai
16,2
Tianjing
10,2
6
Regiões Autônomas
Guangxi Zhuang
Mongólia Interior
Ningxia Hui
Xinjiang Uighur
Tibet
Regiões Especiais
Hong Kong
Macau
População.
Nanning
Hohhot
Yinchuan
Urumqi
Lhasa
48,2
23,8
5,7
19,1
2,7
População.
6,99
0,58
Fonte: The State of China Atlas
A figura abaixo mostra as regiões administrativas da China, com províncias, regiões
autônomas, municipalidades e regiões especiais.
Figura 6: Divisão administrativa da China - Fonte: www.chinatravel.com
A China ainda é um país em desenvolvimento. Mesmo com grandes avanços, possui muitas
disparidades regionais e intra-regionais entre a população urbana e rural, e um nível de IDH
muito próximo do Brasil. Tem uma baixa taxa de analfabetismo (9 %, 2005), expectativa de
vida de 72,5 anos, mortalidade infantil de 22,12 crianças por mil habitantes.
É um país ainda rural, com maioria da população no campo (60%), mas com crescente
urbanização, com milhões de pessoas trocando o campo pelas cidades. Isto tem feito com que
o governo se preocupe com a migração, tentando limitar as concentrações urbanas, por meio
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da edificação de pequenas e médias cidades, e do controle do crescimento das cidades
grandes. Esta migração e a expansão urbana programada fez com que o país possua muitas
cidades (mais de 200) com população acima de um milhão de habitantes.
2- A Economia da China
2.1- Breve histórico
A China é um país que tem crescido sua economia de forma sustentada por um longo período.
Mesmo que mais recentemente este crescimento tenha se acelerado, o país passou por uma
grande transformação desde a revolução comunista em 1949, quando era um dos países mais
atrasados do mundo.
No período de 1949-1978, a China cresceu a uma taxa média de 5,9% a.a., mesmo tendo
vivido períodos difíceis como na década de 60, no chamado período da “Revolução Cultural”.
Para entender a China moderna talvez seja necessário se reportar à história mais recente de
um país e sua cultura milenar. Estudiosos afirmam que a China teve um nível de renda muito
maior que a da Europa no período anterior ao mercantilismo, e que nas grandes navegações
era uma nação mais avançada e de melhor nível de vida que o existente entre europeus.
Mesmo considerando a dificuldade de medir uma renda por habitante neste período, eles
estimam que os chineses tinham maior renda por habitante que a Europa.
A China moderna não se abriu ao comércio exterior e ao ocidente por uma decisão própria,
mas forçada pela Grã-Bretanha a partir da primeira Guerra do Ópio, em 1840. Antes dela o
país era muito fechado ao comércio exterior, que se realizava via Cantão (atual Gaungdong) e
Macau.
A guerra do ópio e a derrota do império foi um choque para os chineses. Os ingleses
impuseram exigências ao país, após ocuparem portos de Shangai e Cantão, através do Tratado
de Nanking, de 29/08/1842, que concedeu direitos aos ingleses como:
a) abrir os portos chineses ao comércio;
b) criar a extraterritorialidade (empresas e cidadãos britânicos são julgados no país de
origem);
c) conceder à Grã-Bretanha status de nação mais favorecida;
d) conceder aos britânicos o porto e cidade de Hong Kong;
e) criar tarifa única de imposto de importação de 5%;
Além disso, é claro, exigem liberdade de comércio para o ópio, que era o objetivo inicial da
disputa e cujo comércio era combatido pelo império chinês.
Logo a seguir, outras nações desejaram obter o mesmo status obtido pelos britânicos, como
França, Estados Unidos, etc. Durante décadas a China enfrentou países ocidentais que tomam
de assalto portos, se apoderar do comércio exterior, exigem parte do território, no que serão
seguidos pela Rússia, Japão. Invasões militares e interesses comerciais se mesclam nas muitas
guerras, invasões de portos e do território chinês.
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Com a segunda guerra do ópio, a corte da dinastia Qing se retira da capital. É o fim do
Império do Meio, mesmo que a dinastia continue governando. Mas a China passa a viver sob
influencia ocidental, em especial da Grã-Bretanha.
Ante o fracasso da China diante do poderio ocidental, vai surgir um movimento de
“ocidentalização” (movimento Yangzu Yudong), e que vê a necessidade de uma resposta
chinesa ao fracasso militar do país diante das potências ocidentais. Este movimento entende
que só o fortalecimento militar, absorvendo tecnologia e conhecimento militar ocidental,
poderia fazer com que o país fosse capaz de se contrapor à força ocidental. Tornar o país
militarmente forte é a meta. A China, então, investiu em instalações industriais militares, e
produz navios, armas, equipamento militar em geral. Mas a sua economia é dominada pelos
ingleses, que controlam os principais portos, e depois também por outras potências ocidentais
que também passam a controlar parte de portos chineses, inicialmente apenas no mar, e
posteriormente também no rio Yang-Tsé.
O país enfraquecido sofreu outras ameaças internas como revoltas, domínio de áreas pelos
senhores de guerra locais, etc., o que reforçava a necessidade de aumento do poderio militar
do país.
Este primeiro período de “ocidentalização” fez com que o país importasse indústrias militares
para produção destes equipamentos e criasse estaleiros modernos. Shangai, principalmente,
vai se tornar o centro desta indústria. Mas é o governo quem dirige o setor militar, instalando
doze fábricas militares em poucos anos, estaleiros, produzindo navios, canhões, armas.
Trazem tecnologia e até pessoal do ocidente para as fábricas militares. O setor privado é
supervisionado pelo governo, mas somente em 1878 é que se instala a primeira fábrica têxtil
em Shangai, mostrando que a preocupação militar vem antes da construção de uma indústria
civil.
Na época o grande comércio controlado pelos estrangeiros era a importação de ópio, produto
que chega a ter amplo consumo no país, inclusive em área rurais, e depois querosene, para
iluminação.
O movimento de ocidentalização baseado na busca de uma equiparação militar ao ocidente
fracassou, por muitos motivos, como as inúmeras guerras que o país enfrentou com invasões
de tropas estrangeiras. A derrota em guerras com outros países como: a invasão francesa de
1884; a guerra sino-russo-japonesa de 1894 na qual a China é obrigada a ceder Taiwan (ao
Japão) e as ilhas dos Pescadores, e reconhece a independência da Coréia, além de pagar 230
milhões de tales (a receita anual da China era de 90 milhões de taels), abrir portos aos
japoneses, direitos de comercializar, etc. Enfim, a cada derrota mais frágil se torna a China e
sua dinastia.
A situação do país vai se deteriorando ainda mais, e surgem rebeliões no país: de Niam, dos
islâmicos no noroeste, e de minorias no sudeste. Mesmo fracassando, o movimento de
ocidentalização foi um primeiro esforço de industrialização da China. Fracassou também
devido a uma fraca direção governamental (falta de metas, de liderança, recursos), devido a
guerras e conflitos externos e internos, entre outros.
Com o fracasso do movimento de ocidentalização surgem pressões por mudanças políticas,
muitos vêem na política os entraves a um progresso econômico. Fez-se um reforma que durou
cem dias, e a reação conservadora a fez fracassá-la.
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A precariedade da situação chinesa resultou, na década que se segue, na guerra sino-russojaponesa em que o país foi obrigado a entregar territórios a alemães, britânicos, japoneses. Em
1897-1898 enfrentou uma aliança de oito países que marcham sobre a capital em 1900.
Nova guerra sino-russo-japonesa ocorreu em 1904-5 e a China perdeu o controle de
províncias do nordeste, o que resultou em danos maiores que o da guerra do ópio. Além da
perda de território foi obrigada a pagar pesada indenização. O país, então, teve também os
maiores portos, ao longo dos rios, controlados pelos ocidentais (15 em 1870, 40 em 1900). A
China era o que poderíamos chamar de uma semicolônia, ou como uns denominam, o “doente
da Ásia” à época.
Com um estado que se enfraquece, o aumento de ocupações de portos por estrangeiros e as
imposições externas impedem o sucesso de quaisquer políticas voltadas a um fortalecimento
da economia. Entre as exigências oriundas dos países estrangeiros, a de extraterritorialidade,
na qual estrangeiros e investimentos estrangeiros tinham causas julgadas no país de origem,
prejudicaram muito os comerciantes e concorrentes chineses frente aos estrangeiros. Isto deu
um enorme poder aos estrangeiros e seus negócios na China. As perdas de territórios, as
indenizações pagas por guerras, os conflitos internos, a fraqueza militar e econômica, o
descrédito da política de ocidentalização, todos esses fatores levaram ao enfraquecimento da
dinastia Qing, e preparou a república, proclamada em 1911, através de uma revolução.
Entretanto, mesmo após o fim da dinastia Qing, seu legado perdurou com os senhores da
guerra/rurais dominando o país e o dividindo até 1920.
Em 1920, grande parte do país é reunificada com o governo do Kuomintang (ou Guomindang), KMT ou GMT, ou regime de Nanjing, para onde se transferiu a capital. Mas o
regime esteve sob um cerco de japoneses, que no início dos anos 30 anexou o Nordeste da
China e, depois em 1937, iniciou oito anos de guerra contra a China, que só terminou em
1945.
O regime do KMT se preocupou em fortalecer seu poder, e passou a sofrer oposição de
comunistas. O governo focou em combater comunistas, e não estrangeiros, o que lhe custou
apoio popular. Na economia, o governo tentou estabelecer algumas políticas como treinar
pessoas em finanças no ocidente, fazer uma reforma fiscal e financeira, com orçamento
unificado, etc.
Além disso, investiu em comunicações e transporte (algumas ferrovias foram implantadas) e
criou-se o transporte aéreo. O governo restaurou a soberania em matéria de taxas de
importação, recuperou alguns territórios cedidos a estrangeiros. Em 1943, USA e GrãBretanha devolveram alguns territórios como gesto de aproximação da luta comum contra o
Japão, e dão fim à extraterritorialidade.
Com a república, e ainda com a ocupação de portos por estrangeiros e seu domínio no
comércio e negócios diversos (bancos, etc), a China buscou uma industrialização que não se
limitou à questão militar. Novas indústrias se instalaram, principalmente na região de
Shangai. Mas governos fracos, as lutas internas e com senhores da guerra regionais, e
posteriormente novas invasões externas levam também ao fracasso a política republicana.
Nela o país teve ainda uma baixa taxa de investimentos por incapacidade do estado de
aumentar arrecadações e elevar esta taxa. Este investimento, de 5% do PIB, voltou-se para
transportes, e poucos setores mais. No período do Kuomintang a agricultura cresceu entre
1920-1936 (antes da invasão japonesa cresceu 17,5%; indústria 52,3%; transporte 97,5%).
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Mas a crise de 1929 reduziu o número de indústrias de um período numa situação de
industrialização incipiente.
O governo do Kuomintang sofreu de déficit crônico, o que levou a hiperinflação, e
desincentivo às indústrias. Mas os gastos militares e poder militar era grande, decorrente dos
problemas internos e externos. Após a invasão japonesa de 1937 (quando se iniciou a segunda
guerra mundial para os chineses), os comunistas e o Kuomintang se uniram para enfrentar a
invasão japonesa.
A figura abaixo demonstra como a China, ao longo da história, foi se distanciando da Europa,
o que explica como um império importante como o chinês se transformou no “doente da
Ásia”, e foi alvo de cobiça de território, de riquezas minerais, de portos e de domínio de
comércio exterior inicialmente por países ocidentais, e depois pelo Japão. Vê-se também o
crescimento da população nos dois territórios. Na China o maior incremento populacional se
deu entre 1400 e 1820 (maior incremento ocorre nos séculos XVI a XVIII)
Ano
Produto bruto por habitante
População milhões hab
Europa Ocidental (US$ 1985)
China (US$ 1985)
Europa Oc.
China
1400
430
500
43
74
1820
1034
500
122
342
1950
4902
454
412
547
Tabela 1: Evolução da população e da renda da população chinesa e da Europa Ocidental
Fonte: Aiguo, Lu 2000.
Por outro lado a tabela abaixo nos dá uma visão de como o comércio exterior da China
evoluiu no período final da dinastia Qing e do período republicano até a crise de 1929. Nela
podemos observar que no período republicano há um crescimento deste comércio.
Período
Exportação
Importação
Comércio
total
Por Hab.
% do
comércio
1871-84
102,5
106,2
208,7
0,58
1,3
Exportação
como % do
2,5
1885-1900
110,2
143,5
253,7
0,66
1,3
_____
1901-1914
201,0
293,8
494,8
1,19
1,5
_____
1915-19
521,2
570,8
1092,0
2,47
___
1920-1929
619,6
799,0
1418,6
_____
3,01
2,4
7,3
Tabela 2: Importação, exportação e comércio total da China: 1871-1929 (Milhões de dólares correntes)
Fonte: Aiguo, Lu 2000.
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No entanto mesmo com o crescimento do comércio exterior no período republicano, a renda
por habitante no país não cresceu, e ao contrário, o início do século XX foi um período de
redução de renda na China. Enquanto os países ocidentais e outros crescem a sua renda por
habitante, na China ocorreu o contrário.
País/área
1900
1913
1950
Média de 16
2374
2937
4693
China
539
498
454
Argentina
1724
2377
3121
Brasil
586
700
1441
México
872
1104
1570
Índia
508
536
482
Indonésia
67
710
650
Tabela 3: Renda por habitante de alguns países e da China entre 1900 e 1950 (US$/hab.)
Fonte: Aiguo, Lu 2000.
Obs: 16 países: Austrália, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda,
Noruega, Suécia, Suíça, Estados Unidos, Grã-Bretanha.
Por outro lado no período republicano os Estados Unidos crescem suas influencias no
comércio exterior chinês, o que de certo modo também reflete a crescente importância deste
país no mundo.
1929
1934
IMPORTAÇÃ
USA
18,02
26,16
Japão
25,22
12,21
Alemanha
5,23
8,99
Grã-Bretanha
9,30
12,21
Hong-Kong
16,74
2,86
França
1,42
2,16
USA
13,37
17,60
Japão
24,87
17,60
Alemanha
2,18
3,58
Grã-Bretanha
7,21
9,30
Hong-Kong
16,83
18,85
França
5,46
3,95
EXPORTAÇÃ
Tabela 4: Participação no comércio exterior da China em % - Fonte: Aiguo, Lu 2000.
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A estrutura da economia chinesa entre 1840-1949
Mesmo com a abertura da China ao comércio exterior, com a chegada de investimentos
estrangeiros e um início de industrialização, a China continuou um país muito pobre.
Os estrangeiros logo se voltaram para domínio do comércio exterior, atividade que
dominaram e se tornaram quase monopolistas. Eles financiavam o comércio exterior com seus
bancos, e dominavam o comércio através de portos sob seu domínio. Posteriormente os
bancos passaram a financiar a cadeia produtiva militar entre 1864 e 1894, permitindo a
aquisição de fábricas no ocidente.
Após a guerra sino-russo-japonesa de 1894, o Japão adquiriu o direito de instalar fábricas na
China, o que logo foi ampliado para outras nações.
Com a abertura a investimentos, os estrangeiros investiram em outros setores além do
comércio exterior e bancos. Eles construíram ferrovias, minas e estabeleceram fábricas em
muitos locais. Entre 1894 e 1914 os investimentos externos passam de 109 para 962 milhões
de dólares. Entre 1902 e 1930 os investimentos externos forma de 2 bilhões de dólares na
China. Shangai era o local predileto do investimento estrangeiro, recebendo mais da metade
dele, e 33% se situaram no nordeste do país.
Em 1900 os grandes investidores estrangeiros eram a Grã-Bretanha (374 empresas de um total
de 636 estrangeiras), seguido do Japão, Rússia e EUA. Eles dominavam o setor bancário,
pesca, ferrovias, mineração, energia. Em 1937, 60% do carvão do país era produzido por
empresas estrangeiras. Mas os investimentos estrangeiros estavam estabelecendo uma
economia dual, onde algumas poucas cidades eram modernas, mas o interior permanecia
apenas produtor de artesanato, muito forte na China inclusive o de tecelagem, e a agricultura.
Os portos se tornaram centros metropolitanos modernos, com Shangai sendo a maior deles.
De lá partiam 63% do comércio exterior da China. Eram também enclaves modernos numa
economia que tem a agricultura estagnada, com queda de produtividade.
Os investimentos estrangeiros tiveram pouco impacto no interior. A dicotomia interior e
cidades portuárias caracterizam a época. No interior as populações viviam de artesanato e
agricultura, e só em algumas cidades estavam localizadas as indústrias e o comércio com o
exterior, bem como o consumo de bens industriais. No interior a maioria da população
utilizava produtos artesanais. Este artesanato fazia com que a China fosse auto-suficiente em
muitos produtos, pois ele era barato e isso o mantinha como capaz de concorrer com produtos
industriais. Os únicos produtos não produzidos e consumidos no campo eram o ópio e o
querosene, que eram importados e de amplo uso nas áreas rurais.
O setor moderno da economia chinesa não era muito importante no conjunto do PIB, mas vai
crescendo ao longo do tempo. Era 4,9% da economia em 1920, 10,8% em 1936 e 17% em
1949. O artesanato representava 10,8 % em 1920, 20,5 % em 1936 e 23,1% em 1949. Isto
mostra que mesmo a indústria e a economia moderna crescendo, o artesanato não perdeu
importância. Pelo contrário, cresceu de importância. O sistema dual, de artesanato e produtos
industriais conviveram, e não foi barreira à incorporação da China ao mercado mundial.
No meio da década de 1930 a China começou a produzir bens de capitais, antes importados do
ocidente, e se iniciou uma substituição de importações.
13
No entanto destaque-se que, enquanto vigorou a extraterritorialidade, a competição entre
empresas chinesas e estrangeiras era desleal, pois chineses eram julgados por leis chinesas e
estrangeiros tinha extraterritorialidade, conforme vimos anteriormente. Os governos chineses
nunca deram proteção à industria chinesa devido aos acordos comerciais impostos pelo
ocidente, a contrário do que ocorreu em inúmeros países de industrialização tardia.
Questão acadêmica: ocidentalização da China foi positiva ou negativa?
Uma questão acadêmica é se a “ocidentalização” da China foi positiva ou negativa para o
país.
A primeira observação é que a “ocidentalização” foi um ato defensivo e não esforço para
alcançar o ocidente em todas as dimensões deste, mas apenas no sentido de defesa militar. A
China, que era uma economia maior que a da Europa até 1500, distanciou-se do ocidente após
esta data, e seu declínio relativo se deveu ao isolamento, crescimento muito forte da
população nos séculos XVI a XVIII e outros problemas internos. Isto fez com que a China se
tornasse um dos mais pobres países do mundo, na primeira metade do século XX, e a
ocidentalização não melhorou a situação. Pelo contrário, a inserção do país na economia
mundial agravou o declínio.
Na análise das razões pelas quais a inserção chinesa na economia mundial pós-1840 não
mudou a situação do país, estudiosos enumeram algumas razões:
a) falta de industrialização. Não há consenso sobre o por que a China não conseguiu se
industrializar.
b) sociedade permaneceu rural.
c) inércia social. Ocidentalização foi apenas um movimento superficial, mas a sociedade
demandava uma revolução que mudasse socialmente o país.
d) uns vêem no imperialismo ocidental uma barreira para o sucesso da ocidentalização.
e) outros comparam a China e o Japão e concluem que razões diferentes levaram ao fracasso
chinês e ao sucesso japonês. Na China o estado enfraquecido não pode desenvolver o papel
que o governo japonês teve, protegendo sua indústria, acumulando capital, etc. A própria
ascensão do Japão ocorreu ao mesmo tempo em que este passa a ter uma atitude agressiva
com vizinhos, e particularmente com a China, tomando territórios, obrigando a pagar
indenizações de guerra, etc.
g) outro motivo poderia ser a fraqueza da burguesia chinesa, que sempre foi muito fraca para
ter um papel destacado na industrialização.
h) a aliança entre donos da terra e governo sempre foi um dificultador do processo. Estes
proprietários não desejavam mudanças sociais.
Enfim, a China chega ao regime comunista como um país muito pobre, rural, de baixíssimo
nível industrial, com grande analfabetismo e como um país destroçado pelas guerras e lutas
externas e internas.
14
A China sob o regime comunista: Primeira fase-1949-1978
A experiência comunista passou por fases, mas as duas grandes delas podem ser inicialmente
distintas, sem que cada uma delas não possa ser sub-dividida em outras. A primeira se situa
entre 1949-1978, e a segunda após 1978. Numa primeira fase a China esteve praticamente
isolada do mundo dito ocidental, em comércio e relações políticas, sendo que esta foi
modificada em 1971-1972, quando os Estados Unidos decidiu reatar laços com a China.
A primeira fase se iniciou em 1949, quando os comunistas assumem o governo de um país
destroçado por anos de ocupação japonesa e guerra de libertação, e posteriormente por uma
guerra civil entre comunistas e não comunistas, estes chamados de nacionalistas republicanos.
Além de um país paupérrimo e arruinado (ver evolução da renda por habitante que cai em
virtude destes problemas na figura acima), tem de enfrentar logo a seguir outros problemas,
como o da guerra da Coréia.
A chegada dos comunistas com Mao Tsé Tung em 1949 trouxe aspectos positivos como:
a) o país estava unido, com exceção de Hong-Kong, Macau e Taiwan, e livre do
semicolonialismo de período 1840-1949.
b) o estado assume um desejo de caminhar para desenvolver a China, revitalizando o país.
c) desde o fim da dinastia Qing, o regime comunista é o primeiro governo realmente central.
E com credibilidade antecorrupção, autoritarismo e violência de donos da terra e senhores
regionais.
Mas ao regime comunista não traz apenas aspectos positivos. Ele tem de enfrentar desafios
que se mostram como:
a) o governo herdou um país em ruínas, oriundo de 12 anos de guerra contra o Japão e civil.
A infra-estrutura era precária, a agricultura estava estagnada, e o setor industrial
incipiente.
b) ao assumirem o poder, o país vinha de uma hiperinflação, com a falência financeira do
estado, e um caos social.
c) logo que assumem estoura a guerra da Coréia (junho de 1950) e EUA decretou o embargo
comercial à China. Fica vedado a qualquer país aliado dos Estados Unidos comercializar
com a China.
Os comunistas traçam sua estratégia baseada em:
a) criar capacidade administrativa governamental que fosse capaz de atingir todo o país, da
vila à cidade grande.
b) reforma agrária: atende pobres e reduz poder de proprietários rurais que exploravam
trabalhadores rurais.
c) ação voltada para grandes massas pobres, que deu respaldo político e social.
15
d) confisco de propriedades dos chineses que se aliaram a estrangeiros, especialmente aos
japoneses.
e) o país criou um exército forte, coisa que não ocorreu no período final da dinastia Qing
nem no período republicano. Este exército teve papel importante na restauração da ordem
e no aparato administrativo estatal, assumindo também funções produtivas, especialmente
de armas.
f) fins de guerras internas e do poder de senhores regionais.
g) Propriedade dos meios de produção pelo estado em grande maioria. Estabelece-se a
ditadura do proletariado e busca-se a renda de acordo com o trabalho.
h) inicialmente o programa previa restauração do comércio com as nações. O embargo vai
impedir esta opção
i) o embargo americano forçou autonomia em política externa. A China buscou então uma
estratégia de desenvolvimento autônomo e fora da ordem econômica capitalista mundial.
A guerra da Coréia criou um contexto difícil para o regime comunista. Muitos países rompem
relações diplomáticas e comerciais com a China. Além disso, ela aumenta a demanda por bens
urbanos e militares, e força a busca de apoio externo na URSS.
Ao longo do tempo o governo evoluiu no controle do processo produtivo e em 1956 já tinha o
controle da maioria da propriedade, até porque muitas indústrias se instalam após o regime
comunista e no âmbito do acordo de cooperação com a URSS, que passa a exercer uma
influencia nos rumos políticos e econômicos da China.
O embargo americano tem efeito decisivo no comércio exterior da China. Entre 1950 e 1956 o
comércio da China com países ocidentais cai de 36% para 8% do comércio exterior do país.
Os países sob influencia americana reduzem comércio com a China: Japão passa de 4,3% para
2,3%, Hong-Kong de 13,3 para 6%, países do ASEAN de 6,5% para 1,4%. A Malásia proibiu
comércio com a China, e o isolamento faz crescer ainda mais o comércio com a URSS, única
opção disponível para obtenção de equipamentos e bens de capital para instalação de
indústrias na China naquele contexto.
O acordo comercial entre a China e URSS, de fevereiro de 1950 falava em “30 anos de
aliança”. Com ele a URSS passou a apoiar o desenvolvimento da China, e o comércio da
China com países do Leste Europeu passa de 32% em 1950 para 72% do total do comércio
exterior em 1955.
Mas a “aliança” com a URSS durou pouco. O medo de ficar sob nova influencia externa levou
a China a romper com a URSS e ficar praticamente isolada no mundo. Neste isolamento
implantou um modelo de crescimento baseado em recursos internos e não em alianças e
apoios externos. Friedrich List, economista que inspirou a Alemanha no séc. XIX foi uma das
inspirações da formulação da estratégia do país, junto com Marx. A estratégia traçada para a
industrialização se voltou para a criação de uma base de indústria local desligado do mercado
mundial. Só depois seria possível abrir o país a mercados externos, quando a economia
estivesse mais forte para competir com países e indústrias mais antigas e fortes. Entretanto
políticas deste tipo exigem governos muito fortes, onde o governo vai ter um papel central na
16
capitalização para a industrialização. Só após o fortalecimento da economia é que então se faz
a abertura para o mercado externo, e se reintegra o país no sistema mundial.
A política econômica se voltou inicialmente para o pleno emprego em áreas rurais. A
coletivização das áreas rurais foi realizada com custo alto e conflitos, com a criação de
fazendas coletivas.
O governo comunista conseguiu o aumento da taxa de investimento no país, com o estado
desenvolvendo o papel de agente de apropriação de excedentes para aplicá-los na
industrialização. Esta taxa passou de 5% ao ano até 1949, a 10% logo após a revolução
comunista e atingiu 25% no plano 1953-57 (quinto). Durante a maior parte do tempo foi de
30% do PIB investido ao ano.
O aumento do investimento foi direcionado para setores industriais pesados e para uma
capacidade militar independente, diante do isolamento e clima de guerras dos anos 50-60.
Como a China não tinha acesso a recursos, investimento e financiamento externo, o
desenvolvimento só se fez através de recursos próprios, com os negócios conduzidos pelo
estado e com planejamento central. Num pequeno período houve crédito da URSS na década
de 50.
A política de auto-suficiência também influenciou internamente o país, e os grupos mais
radicais chegaram a advogar uma revolução cultural autônoma chinesa, que renegasse práticas
culturais precedentes.
A meta primordial econômica do país foi a de se industrializar rapidamente, com indústrias
pesadas, mas tendo a agricultura como o fundamento. O estado liderou a meta de
industrialização através da criação de empresas estatais industriais pesadas, não só como um
objetivo econômico, mas também militar, pois o contexto hostil da guerra da Coréia e da
guerra fria forçou investimentos na segurança do país, que a partir de uma indústria de base e
uma indústria bélica poderia fazer frente a possíveis invasões, fato que a China vivenciou nos
séculos XIX e XX, e que permanecia na consciência do povo e de suas elites.
Para atingir estas metas o planejamento central rígido foi instituído, e a execução era feita
pelo próprio estado. Além disto o regime adotou a política de manter custos de investimento
baixo através de taxas de juros baixas, preços de energia, de matérias primas e de câmbio
baixos. Assim em 1950 a indústria era 30% do PIB, mas só 5% era de indústrias pesadas. Isto
vai mudar radicalmente no período.
O planejamento era feito em vários níveis (nacional, regional, local), com o estado central
dirigindo, executando e fiscalizando. Os salários foram mantidos baixos (custos baixos) até
1978 para facilitar a industrialização pesada e o sistema comunal na agricultura garantia
emprego rural a todos com preços baixos dos bens de subsistência básicos.
Os serviços essenciais e renda eram distribuídos de forma igualitária. Nas áreas urbanas as
empresas deveriam atingir metas, mas lucros e eficiência não eram o determinante.
O país tinha um sistema bancário submetido ao Banco do Povo da China, que fazia um papel
de banco central. Mas existiam bancos setoriais (construção, agricultura e Banco da China).
17
A partir de 1953 o planejamento se torna mais rígido, com a alocação centralizada de
matérias-primas e bens industriais. As empresas não podiam comprar matérias-primas
diretamente do mercado. O estado é quem negociava, o que tornou o sistema ineficiente e
rígido.
O planejamento central levou a rápido crescimento inicial. Em 1957, a indústria chinesa era a
que mais crescia na Ásia. Em 1958, o excessivo otimismo levou o governo a criar um plano
muito ambicioso que se revelou desastroso. O governo foi obrigado então a rever seus planos,
e a economia se recuperou até 1963.
1 Plano
qüinqüenal
2 plano
qüinqüenal
1963-1965
3 plano
qüinqüenal
4 plano
qüinqüenal
1976-1978
Agricultura
Indústria leve
Indústria
pesada
Outros
7,1
6,4
36,2
50,3
11,3
6,4
54,0
28,3
17,6
3,9
45,9
32,6
10,7
4,4
51,1
33,8
9,8
5,8
49,6
34,8
10,8
5,4
49,6
33,7
Tabela 5: China: percentual de investimentos no período 1949-1978 - Fonte: Aiguo, Lu 2000.
1949
1980
70
24,6
Indústria leve
22,1
35,4
Indústria pesada
7,9
40,4
Agricultura
Tabela 6: Percentual de composição do PIB da China: 1949-1980 - Fonte: Aiguo, Lu 2000.
No período entre 1949-1978 a economia cresceu a uma taxa de 5,9% a.a., e o investimento
atinge 35% do PIB. O país pobre vai, aos poucos, saindo do caos do pós-guerra, e se tornou
auto-suficiente em alguns itens como energia, insumos diversos, e se desenvolve em aspectos
militares como a fabricação da bomba atômica, mísseis, etc. Continuou um país
eminentemente rural por opção, e sem possuir uma indústria leve voltada para o consumo de
massas. Mas atingiu desenvolvimento em itens industriais pesados como química, cimento,
fertilizantes, aço, energia, etc. A composição do PIB na figura acima mostra como a indústria
pesada se desenvolveu no período 1949-1980, passando a ser o maior item da economia do
país, num país em que os serviços não tinham a importância que ocorre na economia
ocidental, e só recentemente passam a ter expressiva composição do PIB do país (comércio,
bancos, etc).
18
No final dos anos 70 a indústria pesada era capaz de suprir o país com qualquer matéria-prima
necessária à industrialização leve, agricultura (fertilizantes, pesticidas, etc), materiais de
construção civil, indústria atômica, militar, etc. Mas a produção tinha padrões de eficiência
baixa. Faltavam incentivos e autonomia operacional para empresas, com gerenciamento muito
rígido.
Nesta época a população ainda vivia no campo. Como a industrialização pesada é capital
intensiva, mas absorve pouca mão de obra, isto ajudou a manter o país essencialmente rural,
pois a indústria pesada absorvia pouca mão-de-obra. Isto fez com que o planejamento central
mantivesse uma rigidez de deslocamento espacial de mão-de-obra. Para morar em cidades é
preciso ter o cartão que autoriza o cidadão a viver ali e obter emprego. Este fato, para um país
de 1,3 bilhão de habitantes reduziu os riscos de uma favelização, comum nos países em
desenvolvimento.
Neste período o papel do comércio exterior era secundário, pois o país esteve sob embargo até
1972, com destaque apenas para o período inicial de comércio com a URSS.
Como o processo de industrialização voltou-se para a indústria pesada, o país se desenvolveu
com um certo grau de igualitarismo de distribuição de renda em comparação a países de
mesmo nível de renda. A política de pleno emprego no campo mantinha uma renda mínima e
a aliança política com os camponeses era importante elemento. Como o crescimento
econômico não enriqueceu uma classe interna específica, nem foi expatriado por investimento
estrangeiro por remessas de lucros nem juros, isto permitiu uma renda aproximadamente
igualitária.
Interessante observar que a China manteve uma boa taxa de crescimento da economia mesmo
sob embargo ocidental imposta a partir de 1950. À época havia a visão de que o ocidente
viveria sem a China, mas a China não poderia viver sem o ocidente. Esta visão mostrou-se
equivocada, pois:
a) a China tinha sido introduzida no mercado mundial antes de 1949 (desde 1840), mas
foi tornado um país periférico do sistema mundial.
b) a implementação de uma estratégia de auto-suficiência e de desconexão com o sistema
mundial foi implementada com sucesso pelos chineses, o que permitiu um crescimento
industrial e econômico mesmo sob embargo.
c) a China pela primeira vez, nos tempos modernos, estava se tornando uma nação
moderna e poderosa e com um forte senso de vontade nacional. As hostilidades
externas apenas solidificaram esta vontade.
Assim, neste período o comércio exterior teve apenas a função de catalisar o desenvolvimento
com compra de instalações industriais necessárias, e fornecer divisas para pagar emergências
alimentares, de modo a não perturbar o mercado interno e de alguns outros produtos. Para isto
não era necessário um intenso comércio exterior. Mesmo assim, no período inicial do regime
comunista, o intenso comércio com o bloco soviético gerou déficits externos. No período
entre 1953-56 os chineses compraram 156 grandes plantas industriais na URSS, além de
assistência tecnológica e treinamento a chineses. Este déficit com o bloco soviético desafiava
a política de auto-suficiência.
Convém não esquecer que, mesmo neste período, os chineses mantiveram algum comércio
com outros países e em 1952 a China assinou um primeiro acordo de comércio com o Japão.
Mesmo com paises que não tinham relações diplomáticas e outros do ASEAN o comércio
cresceu 12 % a.a. entre 1950-58, em decorrência do próprio crescimento da economia.
19
Em 1960 culmina uma crise diplomática entre a China e a URSS, o que põe fim ao comércio
entre estes países. Uma orientação mais voltada para o mercado interno se seguiu, o que
prejudicou o comércio exterior. Após esta crise com a URSS, o país se voltou mais para o
Japão, com a assinatura de memorandum Liao Chengzhi-Takasaki Tatsumoto em 1960. A
partir daí a China passou a comprar fábricas inteiras do Japão, que se tornou o seu primeiro
parceiro comercial com 13% do comércio exterior do país. Mas, aos poucos, Hong Kong se
tornou também um entreposto da China, com grande crescimento de comércio (16% a.a.).
Como a política interna chinesa foi cíclica, ora com hegemonia de grupos mais radicais que
pregam maior auto-suficiência e independência do exterior, ora com a hegemonia de grupos
mais pragmáticos, isto se refletiu no comércio externo e na diplomacia chinesa. Nos períodos
de maior extremismo político advogava-se a saída do mercado externo, e elevar a política de
auto-suficiência ao extremo. Mesmo neste período ele não foi abandonado, e o comércio
exterior cresceu 5,3% ao ano entre 1966-1972.
O estado manteve durante toda a etapa do regime entre 1949-1978 um enorme poder de
planejamento, e este poder facilitou a etapa seguinte, em que o próprio estado vai administrar
as mudanças.
Um aspecto determinante das transformações que a China passaria a partir de 1978, foi a
abertura americana ao país, e fim do embargo comercial. Em 1971-72 os Estados Unidos
resolveram mudar sua política em relação à China, decretando o fim do embargo comercial,
estabelecem relações diplomáticas com os chineses e levam a China a ser membro da ONU e
do Conselho de Segurança. Os acordos China-EUA finalizam a situação de embargo e
“isolamento”. Em 15 de julho de 1971 os EUA anunciaram mudanças na sua política com a
China. Altos funcionários americanos foram até Pequim para conversações. Em outubro de
1971 a China é admitida na ONU. Em 1972 Nixon visitou a China e os EUA abandonam
embargo à China.
Os motivo desta guinada na política externa americana seriam vários. Há muitas
interpretações deste fato. Uma delas é que como foram os Estados Unidos que mudaram sua
política, e porque mesmo sob embargo a China cresceu a taxas expressivas, e buscando a
auto-suficiência. Há quem julgue que a China demonstrou que a sua política de autonomia e
auto-suficiência saiu vitoriosa. Outros associam a abertura americana a interesses estratégicos,
e principalmente aos lucros que comércio internacional China-Japão e triangulações, via
Hong Kong, davam a empresas destes locais bons lucros, pois os japoneses não estavam
seguindo o embargo americano. Estes lucros no comércio com a China poderiam ser obtidos
por empresas americanas a partir da abertura. Além disso, por sua política independente e
auto-suficiente, a China mantinha distancia de interesses soviéticos, o que poderia ser
interessante para os americanos em suas divergências e guerra-fria com a URSS. Além disso,
o crescimento da China em vários aspectos, como na fabricação de bomba atômica, dava ao
país um novo status que foi reconhecido pelos Estados Unidos.
O fim do embargo foi visto pelos chineses como vitória de sua política de auto-suficiência, e
em pouco tempo o comércio China-EUA cresce vertiginosamente.
20
Ano
Exportação dos EUA
para. China
Exportação da China
para. EUA
Saldo EUA
1972
66
32
34
1975
304
156
148
1980
3755
1059
2696
Tabela 7: Comércio China-Estado Unidos após fim do embargo americano (milhões de dólares correntes)
Fonte: Wu, Jinglian 2005.
Os dados acima demonstram que os americanos tinham boas razões comerciais para
colocarem um fim no embargo à China. Os saldos crescentes e bilionários que tiveram com a
nova política em relação a este país justificavam esta mudança de posição. A China, ávida de
tecnologia e bens que antes lhe era impossível obter, compraram nos Estados Unidos o que
precisavam.
Assim entre 1972-1978 a China começou a viver uma etapa de transição, com abertura
comercial ao exterior, volta ao sistema mundial através da ONU e Conselho de Segurança.
Internamente isto reforçou grupos menos radicais e levantou a questão da necessidade de uma
política voltada para a auto-suficiência, pois ela se tornou desnecessária com a nova inserção
chinesa no mundo.
Os resultados do período 1949-78 possibilitaram a discussão de uma nova política, pois o
estado chinês não era mais um estado fraco, ao contrário era um estado forte e as ameaças de
intervenções externas como aconteceram até 1945 não eram mais plausíveis. Além disto o
país dispunha de uma força armada grande e bombas atômicas; e a economia se fortaleceu em
indústria pesada que poderia servir de base para outro tipo de crescimento e novas prioridades
econômicas.
Assim, entre 1972-78 pode-se ver o crescimento do comércio exterior chinês, que passou de
4,8 bilhões de dólares em 1972 para 20,6 bilhões em 1978. Neste período há vários anos com
déficits externos e os chineses começam a se preocupar em ter produtos de exportação para
fazer frente a estes déficits.
Ano
Export.
Import.
Total
% cresc.
Saldo
1971
2636
2205
4841
-
431
1972
3443
2858
6301
30,2
585
1973
5819
5157
10976
74,2
662
1974
6949
7619
14568
32,7
-670
1975
7264
7487
14751
1,3
-223
1976
6855
6578
13433
-8,9
277
1977
7590
7214
14804
10,2
376
1978
9745
10893
20638
39,4
-1148
Tabela 8: Comércio exterior da China: 1972-1978 (valores em milhões de dólares USA)
Fonte: Wu, Jinglian 2005.
21
Um aspecto importantíssimo das reformas chinesas é que elas aconteceram enquanto a
economia crescia de forma vigorosa, diferentemente da URSS que quando decidiu introduzir
mudanças o fez em período de crise econômica. Isto fez com que a decisão de mudanças de
diretrizes econômicas e reformas na China acontecessem em clima muito mais favorável.
A China sob o regime comunista: segunda fase pós-1978
Já vimos que a China volta ao mercado externo. Logo a seguir adotou política de reformas e
abertura. Por que abertura e reformas? As respostas divergem:
a) há quem ache que foi porque faliu a estratégia da auto-suficiência.
b) outros pensam exatamente o contrário: foi o sucesso da industrialização do período da
busca da auto-suficiência que possibilitou a China a retornar ao mercado externo, agora com
nova posição, com melhor relação de troca.
A primeira característica importante das reformas chinesas é que elas nascem no estado, são e
continuam até aqui dirigidas por ele. Mesmo que o estado descentralize decisões e ações
econômicas, o estado é quem dirige o processo de mudanças. Ele direciona suas reformas para
maior eficiência econômica, para a indústria leve, a eficiência da produção agrícola, introduz
parâmetros de mercado, desenvolveu um setor econômico não estatal, estabeleceu parâmetros
de investimento externo, etc. É o estado o agente de mudanças e reformas, que acontecem de
modo gradual, monitorado e avaliado ao longo do processo.
Quando aconteceu a reintegração da economia chinesa ao mercado mundial ela não estava em
colapso como na URSS, pelo contrário, crescia. Críticos internos diziam que para evitar
problemas eram necessárias mudanças. E a China, então, percorre os caminhos da mudança
num contexto macroeconômico positivo.
Assim as reformas foram conduzidas sem desacreditar o planejamento central. Pelo contrário,
elas são, em grande parte, resultado da capacidade de planejar, mesmo que o plano fosse criar
um setor que crescesse “fora do plano”, com mais liberdade. As reformas visavam criar um
novo dinamismo na economia, que não se baseasse nos parâmetros de preços protegidos, que
geravam ineficiência econômica. Essas reformas são também decorrentes de uma geração
nova que substituiu a geração de Mao Tsé Tung. Era uma geração nacionalista, mas menos
marxista que a anterior.
A estratégia das mudanças era para criar condições para que o país crescesse como alguns
vizinhos, e possibilitar melhoria de condições da população. Alguns países dos NIC asiáticos
eram antigos países periféricos da China, e estavam se desenvolvendo a taxas maiores do que
ela. E aprender com vizinhos era importante. Daí vai surgir a estratégia de voltar economia
para exportação como eles fizeram (Japão, Coréia, Taiwan, Singapura, Hong Kong, etc).
As novas condições externas vão favorecer a reintegração da China, pois estreitou relações
com EUA, reintegrou no sistema internacional através da ONU. Interesses de empresas
americanas eram vender produtos e serviços para a China e se possível penetrar no seu
mercado. Isto favoreceu a reintegração da China ao sistema mundial, agora como um país
com status diferente da época em que fora o “doente da Ásia”.
22
A frase de Deng Xiaoping bem expressa esta necessidade de se reintegrar ao sistema mundial.
Afinal a história mostrou que na dinastia Qing a China esteve isolada do mundo, mas isto
acabou por lhe custar um preço elevado posteriormente nos séculos XIX e XX. “Se
mantivermos o protecionismo como nossa via maior de desenvolvimento da economia
nacional, nós certamente nos isolaremos do ciclo da economia mundial. Isto temporariamente
protege a indústria e o comércio nacional, mas é péssimo do ponto de vista do longo prazo”.
Para se lançar às reformas, a liderança chinesa tinha confiança na abertura em função dos
fundamentos macroeconômicos do país, que eram muito diferentes daqueles existentes em
1949.
Se a capacidade produtiva da indústria pesada chinesa era um estímulo à reinserção do país na
economia mundial, por outro lado um incentivo era a necessidade de desenvolver uma
indústria leve, para preencher o gap da indústria chinesa em termos de produtos leves,
praticamente inexistentes no país, e de melhoria de qualidade e eficiência da economia. Os
próprios déficits iniciais de comércio com os Estados Unidos eram estímulos a mais abertura,
pois era preciso exportar para fazer frente a estes déficits. Mas desenvolver novo padrão de
consumo, agora baseado a produtos de consumo de massa requereu inclusive mudanças de
padrão da população em termos de poder aquisitivo.
As reformas introduzidas tiveram algumas características gerais como:
a) não foi realizada como terapia de choque, mas gradualmente, setor por setor econômico.
Levou mais tempo para passar da economia planificada para a de mercado do que o
contrário.
b) envolveu macro e microeconomia.
c) incluiu a descoletivização da agricultura; descentralização das decisões econômicas;
encorajamento do setor não estatal; incentivos para que empresas se tornassem rentáveis
financeiramente; adoção de políticas fiscais e tributárias.
d) o processo foi e é conduzido e planejado pelo estado;
e) objetivo inicia: reformas e revitalização da economia através da introdução de elementos de
mercado;
f) transição lenta, mas muito ampla;
g) abrangeu todos os setores da economia
Se a revolução comunista teve no campo uma de suas prioridades e experimentou várias
tentativas distintas de organização da produção agrícola, também é no campo que as reformas
se iniciam. Elas se concentraram inicialmente na criação de uma produção agrícola mais
eficiente, com maior estímulo pessoal e familiar, criando-se unidades rurais familiares não
proprietárias da terra, mas que pagam arrendamento (por tempo determinado, podendo ser
renovado). Concedeu-se ampla liberdade de produção, de preços e extinguiram-se as comunas
agrícolas. Isto foi feito para aumentar eficiência e melhoria da atividade agrícola, com
incentivos individuais (às famílias).
As diferentes etapas de mudança no campo, tão bem descritas em vários estudos econômicos,
vão criando um clima favorável e aumentam a produtividade agrícola. Isto levou à criação de
indústrias rurais, muitas ligadas ao processo de produção da agricultura, as chamadas TVE
(Town Vilages Enterprises), que são descritas como empresas industriais rurais, a maioria
voltada ao processo de produção agrícola.
23
O crescimento da produtividade rural fez com que a economia como um todo se beneficiasse
deste processo. A disponibilidade de maior renda no campo estimulou novos investimentos, e
criou o primeiro ciclo de crescimento pós-reforma. O sucesso das primeiras reformas no
campo se revelou limitado. Mas o seu sucesso estimulou novas reformas, que se direcionaram
então para a criação de empresas urbanas voltadas para a indústria de bens de consumo leves.
Ressalte-se que a propriedade das terras permaneceu com as vilas, que as arrenda e muitas
vezes investe esta renda em indústrias de transformação de bens agrícolas. Esta vai ser a
maior conseqüência da reforma rural até meados dos anos 80.
Estas indústrias criadas nas vilas rurais foram responsáveis pelo declínio inicial da
importância do valor da produção industrial estatal, que passou de 80% do valor total
industrial em 1978 para 50% na metade dos anos 90, e 33% em 1997. Este declínio não se
deveu à estagnação do setor estatal, mas ao maior crescimento do setor não estatal.
Não são apenas as prioridades econômicas que mudam ao longo do tempo. Também as
instituições se transformaram, e o próprio estado se reformou no processo de reformas. Ele o
fez em sua estrutura institucional, suas empresas, sua economia. Delegou-se cada vez mais a
execução e operacionalização das atividades econômicas. Estimulou-se investimentos não
estatais, e cresceu o setor não governamental. Estimulou-se investimentos externos, jointventures, etc. O estado ainda hoje intervém, dirige, mas delega cada vez mais tarefas e
execução delas a terceiros públicos e não públicos, a províncias e cidades.
Após a reforma agrícola a ênfase de investimentos se direciona à indústria leve. Isto fica
evidente no período 1978-1992, quando a expansão de indústrias leves muda o perfil do
crescimento industrial, e a indústria pesada cresceu apenas dois terços da leve entre 19781992. Esta ênfase na indústria leve vai permitir maior eficiência energética no país, pois a
indústria leve é menos intensiva em energia, e ao mesmo tempo permitiu um amplo emprego
de mão-de-obra urbana, o que favoreceu à urbanização do país, absorvendo mão-de-obra que
migrou do campo para as cidades, inclusive as novas cidades criadas no período.
Um ponto relevante das reformas foi a redução do papel do estado na alocação de recursos,
com as empresas estatais passando a alocar recursos em função de princípios de mercado.
Elas passam a ter autonomia de investimentos, vendas, preços, compras, retenção e alocação
de recursos, salários e bônus, escolhas tecnológicas, etc. Estas funções descentralizadas foram
sendo delegadas gradativamente. A legislação de falência de empresas estatais força
mudanças gerenciais, e como qualquer empresa privada, as ineficientes fecham suas portas.
Isto não significou que o setor estatal fosse totalmente livre. Ele ainda desempenha papéis
desejados pelo estado, como no caso de organização das três empresas do setor petrolífero
chinês. Esta delegação reduziu o papel do planejamento trazido pela descentralização de
execuções a partir de metas traçadas.
As reformas introduziram estruturas de renda e de emprego mais diferenciadas e
estratificadas, muito menos igualitária. Surgiu amplo setor de empregados de setor não estatal,
donos de comércio, prestadores de serviços privados, empresários urbanos e rurais. Ainda há
proteção social no setor estatal, mas ele se vincula cada vez mais à performance da empresa.
As reformas incluíram mudanças no setor de comércio exterior que passou por reestruturação
e reforma. Decisões foram descentralizadas fez-se encorajamento do comércio externo.
Criaram-se trading companies e empresas de vários tipos. O câmbio manteve-se como área
24
sensível e sob controle governamental, mas aos poucos as empresas e bancos vão tendo
alguma liberdade de uso de recursos de exportação.
Também a política de preços foi sendo liberalizada. Em 1993, 93% dos preços do varejo eram
determinados pelo mercado, 90% dos preços agrícolas e 85% do atacado. O estado que era o
fixador de preços vai, aos poucos, se retirando desta tarefa, apesar de manter alguns sob
controle como energia, petróleo e seus derivados, etc, o que aliás acontece em muitos países
em desenvolvimento.
As reformas atingem a abertura de algumas cidades ao capital externo (inicialmente 14,
incluindo junto a Shangai, com a área de Pudong). Posteriormente novas cidades vão sendo
incorporadas a esta lista. Criaram-se parques tecnológicos para serem centros produtores de
inovação e produção de tecnologia, inclusive junto de universidades e centros de pesquisa.
Fez-se uma grande descentralização de ações para autoridades locais e provinciais, que são
encarregadas de buscarem investimentos. Com investimentos estrangeiros, empresas
estrangeiras abrem filias na China, bem como joint-ventures. Esse investimento atinge
atualmente o valor de 400 bilhões de dólares. Essas empresas estrangeiras e joint-ventures
têm papel destacado na exportação chinesa desde os anos 90, representando mais de 40% das
exportações. Tudo isto fez crescer o comércio exterior no período. Os dados a seguir o
demonstram:
Ano
Exportação
Importação
Saldo
1978
9,8
10,9
-1,1
1983
22,2
21,4
0,8
1988
47,5
55,3
-7,8
1993
91,7
104,0
-12,2
1996
151,1
138,8
12,6
Tabela 9: Comércio exterior da China1978-1996 (bilhões de USA dólar)
Fonte: Aiguo, Lu 2000.
O objetivo inicial do incentivo às exportações foi o de obter moeda forte para pagar
importações e ter acesso a altas tecnologias e equipamentos. Para isto o governo adota várias
ações, onde a entrada no comércio exterior foi facilitada a produtores e governos locais. Os
déficits iniciais levaram os governos à retenção de recursos, situação que se modifica
posteriormente à medida que cresceram os superávits de comércio exterior. Isto levou a maior
abertura e descentralização de ações de uso de recursos de exportação para empresas.
O comércio externo mudou de composição setorial, com redução da importância de
exportações primárias e crescimento de produtos industrializados na pauta exportadora.
25
1980
1990
2002
50,2
25,5
8,8
16,5
10,6
4,5
9,5
5,7
1,7
23,5
8,4
2,6
49,8
74,5
91,2
6,2
6,0
4,7
B2-Tëxteis
22,1
20,3
16,3
B3-Eletromec.
4,7
9,0
39,0
B4-Miscelanänea
(inclui roupas).
15,7
20,4
31,1
C-Outros não class.
1,2
18,7
0,02
A-Produtos.
Primários
A1-Alimentos
A2-Agricultura
A3-Combustíveis
fóssil
B-Produtos
acabados
B1-Química.
Tabela 10: Exportações da China: participação percentual de setores
Fonte: Wu, Jinglian 2005.
A mudanças na estrutura das exportações refletiu uma estratégia política do estado e criou
novas situações como:
a) empresas estrangeiras ou com fundos estrangeiros se beneficiaram de tratamentos
preferenciais, o que não era concedido a empresas estatais e que se tornou mais grave com o
tempo.
b) diferentes práticas trabalhistas na relação capital-trabalho, com participação do país na
divisão internacional do trabalho.
Os investimentos estrangeiros se concentraram inicialmente em 12 províncias da costa leste e
no sul, onde Guangdong e Fujian se destacaram. Entre 1979 e 1991, 85% dos investimentos
estrangeiros se concentravam na costa leste e sul, sendo 53% no sul, e 43% em Guangdong e
Fujian, que se beneficiaram da proximidade com Hong Kong e Taiwan fazendo a região sul se
tornar atrativa, especialmente para capitais destes locais. A partir de 1992 o governo se
empenhou em diversificar geograficamente os investimentos, com sucesso no nordeste do
país.
Com as reformas o governo continua a ter funções chaves, mas mudou de papel. Tanto na
China como em Taiwan o estado teve/tem papel central desenvolvendo políticas que visaram
sempre o longo prazo. Em ambos não se pergunta se estado devia ou não intervir, pois ele
sempre foi interventor, seja na República Popular da China (continente) ou em Taiwan,
capitalista.
Na reestruturação, o estado vai abandonando o papel de planejador central com funções
delegadas às províncias, ao poder local e às autoridades locais aumentam seu poder.
Posteriormente muitos problemas decorrem desta delegação às autoridades locais. Surgiu uma
concorrência entre províncias que dificultou a política fiscal. Províncias criaram barreiras e
taxas de produtos entre si. O planejamento se viu muitas vezes ultrapassado por ações
provinciais, o que se revelou grave quando o poder central desejou reduzir o ritmo de
26
crescimento nacional. Esta delegação das reformas criou poderes locais e provinciais
empreendedores, e uma geração de empreendedores públicos, que supriu o país de uma
deficiência da existência de empreendedores privados. As autoridades locais criaram serviços
de apoio aos empreendimentos como serviços financeiros, treinamento, coordenação, o que
facilitou o crescimento econômico de localidades e províncias, mas que também fortaleceu
seu poder de determinar o crescimento sem necessitar de apoios do governo central.
O estado central chinês passou a ter mais o papel de formulador de metas e de políticas gerais
e a usar políticas macroeconômicas mais clássicas na gestão da economia. No entanto muito
do poder passou para províncias e localidades. As iniciativas locais e provinciais acabaram
por criar ambiente de grande competição interna.
A reforma afetou também o papel produtivo do exército nacional, com suas empresas antes
voltadas para o setor militar. Ele se envolveu em novos negócios na economia, como
empresas lucrativas da indústria leve, com a reorientação do seu parque industrial militar.
Surgem inúmeras instituições de apoio a negócios, à criação e apoio a empresas, e a
atividades empreendedoras, desde escola a bancos de fomento locais e provinciais. São tantas
as ações privadas ligadas ao estado, províncias e localidades que se chega a um status de
“estado quase-business”, onde ficou difícil distinguir onde começa o estado ou a iniciativa
privada, pois o estado soma forças com setor produtivo. Economia e estado quase se fundem.
A enorme delegação às províncias e localidades se traduziu também nas reformas tributárias,
que reduziram o papel do estado central: a receita central caiu de 35,5% do PIB em 1978 para
12% em 1995. Isto se traduziu numa redução do investimento militar, mas não em outros
investimentos e na perda de poder do governo central, e crescimento do poder de províncias e
localidades que aumentaram muito a sua participação nas receitas. Muitos governos locais e
provinciais utilizaram esta receita para criar empresas e investir no desenvolvimento
empresarial provincial e local. Isto reforçou ainda mais a descentralização e o poder local e
provincial.
Há quem diga que se criou na China uma “rica localidade e uma pobre centralidade”. Há
movimentos no sentido de se recentralizar parte dos recursos, mas autoridades locais e
provinciais resistem a perderem receitas, e se tornaram fortes com grande lobby político.
As reformas, a diáspora chinesa e a economia.
Um aspecto importante é a aliança estatal com novos capitalistas, especialmente chineses do
exterior, da diáspora. Esta aliança vai trazer investimentos de chineses ricos do exterior ao
país. A existência de uma comunidade chinesa forte e rica no exterior favoreceu a rede de
negócios que se estabeleceu após as reformas. Esta rede foi determinante em três fatores: foi
fonte importante de recursos externos que foram investidos na China, fonte de experiência
gerencial capitalista, fonte de rede de relações em países com grande população chinesa
economicamente forte como em Singapura, Malásia, Indonésia, Filipinas. Também Hong
Kong, que reexportava entre 50 e 66% do que a China exportava para a cidade, era uma
espécie de entreposto de exportações chinesas. Com a abertura chinesa ela será um dos
grandes investidores na China, inicialmente em suas redondezas, e continua a exercer papel
importante nas exportações chinesas através destes investimentos.
27
Com as reformas Taiwan liberalizou exportações para China e o comércio com a China
cresceu com superávit para Taiwan. No fim dos anos 80 aumentou os investimentos externos
na China, e Hong Kong liderava, com 60% deles inicialmente, o que mostra a relevância do
papel da Hong Kong na fase inicial dos investimentos externos na China.
Aos poucos cresceram também os investimentos de Taiwan na China. Em 1993 ele foi
multiplicado por seis. Nos anos 90, 70% dos investimentos externos eram provenientes de
Hong Kong e Taiwan, e só 7% dos EUA, e 6% do Japão. Isto mostra como outros países
tiveram papel reduzido no estágio inicial de investimentos externos na China.
Gradualmente se criou uma rede de negócios entre a China, Hong Kong e Taiwan que se
tornou nós de uma rede de negócios, que abrange países do sudeste asiático como Tailândia,
Malásia, Filipinas, Indonésia.
A rede de negócios chineses da Ásia se iniciou no século XIX, com início de ocupação
capitalista da China. Postos de comércio em Hong Kong, Macau e outros locais, e depois a
separação de Taiwan pela ocupação japonesa, e de regime pró-ocidente em Taiwan após a
saída do Japão deste território, vão criar redes de comércio nestes locais. Com o início do
comunismo, a diáspora cresceu, com homens de negócio chineses indo para vários países
asiáticos. O poder desta população da diáspora é grande. No início de anos 90 o PIB de países
do leste asiático em mãos de chineses era estimado em 2 trilhões de dólares. Estudo da Forbes
mostrou que entre 1993-94 existiam 34 famílias chinesas no sudeste da Ásia com ativos que
valiam entre um e 6,5 bilhões de dólares, o que mostrava o potencial de investimentos destes
chineses da diáspora. Este potencial não foi desprezado pelo governo de Pequim, ao contrário,
o governo chinês se aproximou de grandes capitalistas chineses do exterior e os estimulou a
investirem na China.
Para isto o governo vai atrair capitalistas chineses de Hong Kong que sempre foram
discriminados pelos britânicos, que passaram a receber tratamento VIP na China. Laços
políticos estreitos se estabeleceram entre o Partido Comunista Chinês e importantes
capitalistas chineses do exterior. A criação de zonas especiais de investimentos junto a
Shangai (Shenzen), Macau (Zhuhai), Shantou e Xiamen e junto do estreito de Taiwan, vão
favorecer esta atração de capitais de Hong Kong e Taiwan. A quinta zona, também no sul da
China, foi Hainan, o que mostra como o sul da China e sua proximidade com Taiwan e Hong
Kong tiveram tratamento especial no início das reformas.
A grande presença de investimentos de Hong Kong, Taiwan e o baixo investimento de
multinacionais de outros países se explicam pela cautela destas, que não se lançaram em
investimentos e parcerias na China. Elas investiram o mínimo possível esperando
regulamentações, legislações mais favoráveis, etc. Isto abriu espaço para os chineses da
diáspora estabelecerem negócios na China. Além disto, a afinidade cultural, laços familiares,
hábitos e língua comum favoreceram a atuação de empresários chineses da diáspora a
investirem na China. Chegou-se a cunhar a expressão ‘chinesidade’, que não seria apenas
cultural, mas também uma chinesidade nos negócios.
Esta estratégia foi bem sucedida. Em poucos anos os lucros dos chineses do exterior e
crescimento de negócios foi muito grande, e em Guangdong 3 a 4 milhões de pessoas
trabalhavam para empresas de Hong Kong. A transferência de indústrias de Hong Kong para a
China fez com que mão de obra de Hong Kong, envolvida na produção industrial, caísse pela
metade em poucos anos, bem como levou a uma queda de salários em Hong Kong.
28
Mas o inverso também acontecia. A China também investiu em Hong Kong e algumas vezes
em Taiwan, mas o governo de Taiwan ainda proíbe investimentos de empresas chinesas em
seu território. No entanto subsidiárias chinesas do exterior passam a investir em Taiwan, e
investimentos chineses indiretos acontecem à revelia da legislação de Taiwan. Tudo isto
estreita a rede de negócios China-Hong Kong-Taiwan.
Alguns estudiosos, como Arrighi, explicam o processo chinês pelo modelo de Ozawa,
desenvolvido para explicar o crescimento asiático. Ele é um modelo hierarquizado, onde
setores intensivos em mão-de-obra vão migrando de um país para outro ao longo do tempo,
pois países que avançam tecnologicamente tendem a transferir setores mais intensivos em
mão-de-obra para outros menos desenvolvidos. Nele os Estados Unidos liderou o processo
regional decrescimento no pós-guerra, no segundo estágio o Japão teve a liderança. A China
se integraria neste modelo, bem como o Vietnã, como base da pirâmide. Na terceira fase o
governo chinês e a diáspora chinesa vão exercer a liderança da expansão da região e contraria
a expectativa de apenas se integrar como país exportador de produtos de baixa tecnologia. Da
liderança e aliança do governo chinês com capitalistas chineses da diáspora emerge um novo
centro regional de desenvolvimento, onde a unificação nacional assumiu um papel importante.
Agora se busca é uma unificação nacional através do business, econômica, a unificação
nacional política e territorial, poderá ocorrer mais adiante.
Deste modo a China também se tornou concorrente de outros países que estão em estágios
mais avançados de desenvolvimento no modelo de Ozawa, devido à sua estrutura produtiva.
Isto contestou o modelo de que a China só conseguiria ser competitiva em produtos de baixo
valor agregado e de mão-de-obra intensiva. Hoje ela concorre em níveis distintos de
tecnologia e de intensividade de mão-de-obra, exportando desde computadores e
semicondutores a confecções. A criação desta rede e as reformas introduzidas na China
fizeram com que o crescimento econômico do país atingisse um período longo de taxas
elevadas de crescimento econômico, e de crescimento do comércio exterior sem precedentes.
A figura abaixo demonstra com dados esta afirmação.
País
China
Índia
Indonésia
Filipinas
Coréia do Sul
Hong Kong
Singapura
Brasil
Am.Lat.
Caribe
Rússia
Países desenv.
México
18,1
5,1
10,1
2,2
7,3
____
9,2
1,7
Valor
export.
80-90
12,9
7,2
-0,3
3,9
15,0
16,8
9,9
5,1
Valor
export.
91-95
19,1
11,5
11,7
16,2
12,8
15,9
17,6
9,0
1,4
2,5
3,0
9,1
-9,8
------
-------
------
------
1,1
1,0
0,5
8,2
13,7
Pib 198090
Pib 199195
Indústria
80-90
Indústria
91-95
10,2
5,8
6,1
1,0
9,4
6,9
6,4
2,7
12,8
4,6
7,6
2,3
7,2
5,6
8,7
2,7
11,1
7,1
6,9
-0,9
13,1
____
5,4
2,0
1,7
3,2
1,9
1,0
Tabela 11: Crescimento do PIB, da indústria e exportações de alguns países e regiões.
Fonte: Aiguo, Lu 2000.
29
Para finalizar convém apresentar alguns dados do que significou o crescimento da indústria
leve chinesa, que no período dos anos 1980-1990 foi muitíssimo grande, transformando o país
num grande produtor de eletrodomésticos, com o surgimento de marcas chinesas fortes
exportadas para a Ásia e outros países. Deste modo a produção de fogões, geladeiras, arcondicionados, ventiladores e outros se transformaram em grandes produtos nacionais de uma
recente indústria leve.
A economia chinesa no período 2000-2007: a opção de desenvolver,
novamente, indústrias pesadas.
A economia chinesa a partir do ano 2000 passou por grandes transformações. Investimentos
crescentes foram feitos em setores antes não tão privilegiados, e voltou-se a investir de forma
intensa em indústria pesada, como a produção de aço, de não-ferrosos (especialmente
alumínio), cresceu enormemente a produção de energia e consequentemente de carvão.
Enfim, a indústria pesada, que não tinha sido prioridade no período pós-reformas, voltou a
desempenhar papel importante no crescimento chinês.
Esta nova realidade fez da China uma grande importadora de recursos minerais como o
minério de ferro, o que afetou o desempenho do setor no Brasil e as exportações brasileiras.
Nalguns casos, como o do alumínio, o país passou a exportador em anos recentes. Como as
indústrias pesadas são intensivas em energia, isto aumentou a demanda de energia no país, o
transformando num grande emissor de CO2 do planeta.
Estes investimentos chineses em indústria pesada levaram a uma enorme pressão sobre os
preços de commodities no mundo, que somado ao crescente consumo e importação de
alimentos, gerou uma pressão de aumento de preços destes itens.
Por que a China fez esta opção, se o setor de indústria pesada absorve pouca mão-de-obra, é
intensivo em energia e capital? Se a China precisa dar emprego à sua farta mão-de-obra,
quais as razões desta opção, aparentemente contraditória à sua farta disponibilidade de mãode-obra a custo baixo, de voltar a investir pesadamente em indústrias pesadas que são
intensivas em capital, mas que absorvem pouca mão-de-obra, recurso que o país tem em
abundancia? Muitas poderiam ser as respostas. Uma delas foram as crescentes importações do
país em bens oriundos de indústria pesada, como aço e outros itens, até o desejo de províncias
e localidades, onde existem jazidas de alumínio e outros minerais, de utilizar seus recursos
para seu desenvolvimento.
Mas não há dúvida de que o aceleradíssimo crescimento da indústria pesada chinesa nos anos
recentes gerou pressões em todo o mundo, especialmente de preços, e fez a alegria de
empresas produtoras como a Vale e BHP.
Talvez a razão principal dos investimentos em indústria pesada tenham sido as oportunidades
de lucros do setor, que cresceram mais do que a indústria leve chinesa recentemente. Também
a necessidade e demanda oriunda do grande esforço de criação de infra-estrutura que o país
tem feito. Neste setor a China tem investido muitíssimo, expandindo cidades, construindo
ferrovias, aeroportos, expandindo portos, além de desenvolver uma nova indústria
automobilística, que em 2007 produziu 8,8 milhões de veículos, sendo a segunda do mundo.
Em ferrovias investiu 71 bilhões de dólares entre 2003-2007, e prevê investimentos de 41
bilhões de dólares em 2008. Neste setor o país investe em 7.820km em 2008 e iniciará a
construção de trem bala Pequim-Shangai. No total a China colocará em uso mais 15.000km
de novas ferrovias em três anos, sendo 7.000 km apenas destinada ao transporte de
30
passageiros de alta velocidade. Em 2020 pretende atingir 120.000km de ferrovias. E em 2008
transportará 1,4 bilhão/dia de passageiros e mais de 3,3 bilhões de toneladas de carga, com
receitas de 49,5 bilhões de dólares. Tudo isto mostra que a infra-estrutura em construção é
muito elevada, exigindo bens minerais como aço, cobre e gerando elevado montante de
negócios e faturamento. Há ainda grandes investimentos em gasodutos, e apenas um deles, o
que vem do Cazaquistão, demandará 6 milhões de toneladas de aço.
Mas o consumo de aço não é apenas puxado pela construção civil e de ferrovias. Também em
setores como a exportação de navios a China passou a ter importância mundial, faturando
mais de 80 bilhões de dólares por ano, e como ele utiliza muito aço, acabou por ajudar a puxar
o consumo do produto. Enfim, são numerosos os fatores que tem elevado o consumo de bens
da indústria pesada chinesa, o que tem incentivado investimentos e aumentado o lucro do
setor. Tudo isto tem ajudado a manter altas taxas de crescimento do PIB e levar a China a se
tornar a segunda economia em PPP (ou PPC), apesar de ser a quarta em 2006.(Ver figura
abaixo)
US$ BILHÕES
As 15 Maiores Economias Mundiais - PIB Nominal
14
12
10
8
6
4
2
0
2006
2005
2004
2003
Estados Unidos
Japão
Alemanha
China
Reino Unido
Espanha
Índia
França
Brasil
México
Itália
Rússia
Austrália
Canadá
Coréia do Sul
Figura 7: As 15 Maiores Economias Mundiais – PIB Nominal
Fonte: Furtado, Marco A. T.; Morales, Denise K. 2007 a partir de dados do World Bank
Este crescimento, que em 2007 superou a taxa prevista de 9%, situando-se em 11,9%. O
crescimento econômico chinês é o mais longo, mais alto e sustentado da história econômica.
E mesmo tendo o governo chinês desejado reduzir este ritmo de crescimento, ele não tem tido
sucesso no seu intento de obter taxas menores de expansão da economia.
31
16
8
6
4,1
3,80
%
10
8,8
12
9,20
11,6
11,3
14
10,9
0
10,0
0
9,30
7,80
7,60
8,40
8,30
9,10
10,0
0
10,1
0
10,4
0
11,6
0
11,9
0
10,3
14,2
0
14,0
0
13,1
0
Crescimento (% ) do PIB Chinês (1986-2008)
4
2
20
08
*
20
06
20
04
20
02
20
00
19
98
19
96
19
94
19
92
19
90
19
86
19
88
0
* 2008 – Previsão
Figura 8: Crescimento (%) do PIB Chinês (1986-2008)
Fonte: Furtado, Marco A.T.; Morales, Denise K. a partir do China Statistical Yearbook
A comparação com o Brasil nos mostra este crescimento chinês e sua grande diferença com o
obtido por nosso país.
Mas as diferenças com o nosso país não se situam apenas nas taxas de crescimento. Também
a composição do PIB é distinta, com a indústria tendo um papel mais importante na China que
em nosso país. Apesar da China estar desenvolvendo um grande setor de serviços após as
reformas, a indústria continua sendo o grande setor da economia, com mais de 70% do PIB, o
que é muito diferente dos países ocidentais e em desenvolvimento. (Ver figura a seguir).
Taxa (% ) de Crescimento do PIB (1986-2007)
20
15
%
10
5
0
-5
1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006
-10
PIB_China
PIB_Brasil
Figura 9: Taxa (%) de Crescimento do PIB - China e Brasil (1986-2007)
Fonte: Furtado, Marco A.T.; Morales, Denise K. a partir do China Statistical Yearbook e Ipeadata
32
CHINA
BRASIL
4,82%
11,90%
24,76%
40%
48,10%
Agricultura
Indústria
70,42%
Serviços
Agricultura
Indústria
Serviços
Figura 10: Contribuições dos Setores para o PIB (Ano)
Fonte: Furtado, Marco A.T.; Morales, Denise K. 2007
Convém observar que em 2007 houve mudanças na metodologia do PIB brasileiro, bem como
ao fim de 2007 o mesmo se dá com o cálculo de PPP (Parity Power Purchase) do Banco
Mundial. Nestas mudanças o setor de serviços cresceu ainda mais de importância no Brasil, e
a China teve reduzido o valor de seu PIB em PPP. A China, que na metodologia anterior
ultrapassaria os Estados Unidos em 3-4anos, agora levará bem mais tempo para que isto
ocorra.
Este elevado crescimento da China se deve, em parte, ao investimento estrangeiro, que fez do
país o seu maior destino entre países em desenvolvimento. A figura que se segue mostra o
montante de investimento externo anual.
INVESTIMENTOS DIRETOS ESTRANGEIROS RECEBIDOS
PELA CHINA
80
70
60
50
40
30
20
10
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
0
EM BILHÕES DE DÓLARES
Figura 11: Investimentos Diretos Estrangeiros Recebidos pela China
Fonte: Furtado, Marco A.T. Morales, Denise K. 2007, a partir do China Statistical Yearbook.
Mas é interessante ver a origem destes recursos externos que investem na China. A figura que
se segue mostra a posição de países como origem de recursos externos.Apesar dos Estados
Unidos serem o maior investidor na China, os asiáticos como Japão, Taiwan, Singapura,
Hong Kong (que é parte da China hoje) e Coréia do Sul formam o grosso dos investimentos
externos. Este fato mostra como as economias da região estão se integrando, e formando uma
rede de negócios asiáticos de grande porte. Para se ter idéia deste fato, 75% dos containers do
mundo transitam hoje entre a China, Japão, Taiwan e Coréia do Sul. Isto tem levado alguns a
33
dizerem que está se formando uma “grande China”, a partir da integração da China à
economia mundial, e do elevado crescimento da economia chinesa e sua integração com seus
vizinhos.
Como vimos, a China hoje, é uma grande economia, cada vez mais pujante, e sua integração
no mundo após 1972 acabou por mudar as dimensões de nosso planeta, pois uma população
de 1,3 bilhões de pessoas passa a integrar o sistema mundial de produção e consumo.
Podemos, sem dúvida afirmar, que o mundo após 1978, com o retorno da China ao sistema
econômico e político mundial, adquiriu uma dimensão bem maior, com todas as
conseqüências que isto tem, seja em pressão sobre as matérias prima, seja em emissão de
gases responsáveis pelo efeito estufa que um maior nível de produção e consumo exerce sobre
o meio ambiente.
IDE China por origem - acumulado (1978-2002)
US$ bilhões
40,000
30,000
20,000
10,000
0,000
1
E.U.A.
Japão
Taiwan
Ilhas Virgens
Singapura
Hong Kong
Coréia do Sul
Reino Unido
Alemanha
Ilhas Cayman
Figura 12: IDE recebidos pela China por origem – acumulado (1978-2002)
Fonte: Furtado, Marco A T.; Morales, Denise K. 2007 a partir de Wu, Jinglian 2005
Bibliografia citada
Aiguo, Lin. China and the global economy since 1840. New York 2000,The United Nations
University- Palgrave.
China Statistical Yearbook (vários anos)
China: www.chinamap.com
China: www.chinatravel.com
China: www.images.nationmaster.com/images/motw/midell_east_and_asia/china_precip.
Donald, Stephenie Hemlryck; Benewick, Robert. The State of China Atlas. Berkeley, London,
Los Angeles 2005, University of California Press
Furtado M. A.T.; Morales, Denise K. Introdução à economia chinesa e à China como
produtora mineral. Palestra no Ibram 10 de setembro de 2007. Brasília
Geologia: www.geology.com/world/china-satellite-image.shtml
Wu, Jinglian. Understanding and interpreting chinese economic reform. Thomson, USA, 2005
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