Caderno 3 Entrevista (1/5/2007) “É muito fácil definir meu estilo: é simplesmente música” O gênio da guitarra: Lanny Gordin: ´conheço um pouco de tudo. Meu pai me ensinou que quanto mais estilos eu tocasse, melhor. Para ser um músico completo, versátil em tudo´ (Foto: ENRICO PORRO/ DIVULGAÇÃO) Deve ser difícil ser Lanny Gordin. Primeiro porque ele não cabe numa existência só: guitarrista da Tropicália, lenda da MPB, louco, gênio esquecido... Seu talento e sua mente parecem estar a anos-luz do tempo em que vivemos, este mesmo em que seu corpo goza, sofre e envelhece. Em entrevista exclusiva para o Caderno 3, o velho Lanny fala do novo disco - Lanny - Duos -, em que o músico fica lado a lado com artistas de diversas gerações da música brasileira. Na conversa, o guitarrista fala das parcerias que fez, da esquizofrenia que ainda o persegue, dos tempos de Tropicália e de sua busca por um estilo próprio. Eis aqui, as sagradas palavras de Lanny Porque você demorou tanto tempo para gravar um disco solo? Foi culpa do mercado que deixou de enxergá-lo ou uma escolha pessoal? Na verdade, fiquei meio parado por um tempo, porque estive doente com problemas mentais. Fui internado no sanatório e fiquei meio recluso lá. Só depois da minha recuperação é que encontrei meu produtor, o Glauber Amaral, da Barravento. Glauber me convidou para trabalhar com ele e arranjou esse disco para eu gravar. Esse encontro aconteceu há, mais ou menos, dois anos. O nome Lanny Gordin costuma ser associado a outros do passado da MPB. Porque, na hora de fazer um álbum solo, você, mais uma vez, optou pela parceria? Quem sugeriu isso foi o meu produtor. A idéia era gravar com outras pessoas, para matar as saudades dos velhos tempos. Também foram convidados artistas novos, para eu conhecer o que estava acontecendo, musicalmente, nos tempos atuais. Vanessa da Mata, Adriana Calcanhotto, Rodrigo Amarante, Edgard Scandurra... Todos convidados para que me tornasse mais atual. E me dei super-bem com eles. Foi muito bom: o encontro e o reencontro. Seu nome está bastante ligado à década de 1960, tanto por suas parceiras com os tropicalistas, quanto por suas influências. Qual sua ligação com a nova geração que te cerca nesse disco? Quase não ouço os artistas atuais. Estou me informando sobre eles só agora. Geralmente, ouço discos de artistas mais antigos, como o Larry Coryell, West Montgomery, Jimi Hendrix... Estes, eu ouço mais. Mas preciso me atualizar, para conhecer o que se faz atualmente. Dos artistas que apareceram dos anos 80 para cá, há alguém cuja música te chamou mais a atenção. Há algum que você coloque à altura dos clássicos? À altura dos clássicos? Não sei. Mas gosto muito de Fernanda Abreu, lá do Rio de Janeiro; de Chico Science... mas, na verdade, estou ouvindo muito pouco. Fico mais assistindo televisão. No começo da carreira, você tocou em bandas de rock e levou um pouco desse estilo aos discos de Gal e de Caetano. Porque o rock ficou de fora de seu novo disco? Eu conheço um pouco de tudo. Meu pai me ensinou que quanto mais estilos eu tocasse, melhor. Para ser um músico completo, versátil em tudo. Assim, procurei tocar mais os estilos misturados, de acordo com minha música que não tem um estilo específico. Nela, é tudo misturado: rock, jazz, blues, MPB, sei lá, valsa, tango, bolero... Procuro tocar como eu sinto na hora, sem me prender a estilo nenhum. Na gravação do disco, rolou mais improviso ou as músicas foram mais pensadas, ensaiadas? Eu simplesmente toquei o que achei que deveria tocar, o que senti. O disco fluiu muito naturalmente e, assim, procurei tocar estilo nenhum. Não um estilo qualquer, denominado comumente, mas meu estilo. O meu estilo, que é muito fácil definir: é simplesmente música. Há pouco, você falou da sua internação em um sanatório. Essa experiência tem alguma influência sobre a sua música? Na verdade, não. Cada músico tem a sua caixinha musical interior que é chamada de talento. Eu fui tirando o que não conhecia de dentro de mim, um estilo novo que, a meu ver, é muito particular da minha caixinha musical. Então, fui tirando formas musicais que não conhecia antes. Aquilo foi brotando em mim e fui aplicando na prática, sem influência nenhuma. Simplesmente fui tocando e deu certo. Fiquei muito contente com meu próprio talento, com minha própria criação. Por conta de seus problemas de saúde, quanto tempo você passou sem pegar em uma guitarra? Um ou dois anos. Estive pensando, e sentindo, que deixei um tempo a minha música porque tinha coisas mais importantes para resolver em minha vida. De acordo com minha evolução espiritual, vi que tinha que resolver aquelas coisas, deixar um pouco de lado a guitarra e resolver esses assuntos. Sempre que olhava para minha guitarra e meu violão, parecia que eles estavam dizendo: “olha, Lanny, vai resolver as suas coisas que a gente te espera. Estamos sempre com você, a nossa música está sempre com você”. Com isso fiquei mais tranqüilo, tanto que fui resolver essas coisas por alguns anos. Depois voltei, e comecei a tocar outra vez. Que coisas mais importantes eram essas? Problemas espirituais. Meus problemas psicológicos, de confusão mental, de esquizofrenia. Você também se refere a seu envolvimento com as drogas? Não. Eu já parei faz tempo. Isso faz parte do meu passado. Hoje, já superei tudo. Agora, não uso mais nada, nem bebida, nem nada. Só cigarro, né? Com o tempo, me foi revelado, através de meu deus próprio, que estou trilhando um outro caminho na minha vida. Com 55 anos, esta é uma nova fase para mim. Uma fase mais amadurecida, mais centrada na minha vida. E a estou vivendo normalmente, mais tranqüilo e mais consciente com a minha música, com a minha vida, com minha mulher, minha família, os meus amigos, com o mundo que me rodeia. É isso. Você está fazendo shows de divulgação desse disco? Fiz uns shows no auditório do Ibirapuera no lançamento do disco. Foram três dias: 30, 31 e 1° de abril. Nesses shows, o Glauber se impressionou comigo. Ele acha que tô melhorando cada vez mais. Ainda tem chão para chegar no ponto que quero para minha vida, mas acho que estou indo muito bem. Vou gravar mais discos futuramente. Tenho muitos projetos pela frente. Tudo que concerne à música. Quais as lembranças que se mantêm mais vivas da época da Tropicália? As minhas relações com Gil, Caetano, Gal, Macalé... Foi uma outra fase da minha vida que fluiu naturalmente. Eu simplesmente tocava e dava tudo certo. Mas, atualmente, toco e é muito melhor que antes. Dá mais que certo, porque a música está fluindo mais que antes. Estou dominando e criando um estilo particular, muito mais consciente,