uma análise de Retrato em branco e preto

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[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano I - número 2 - teresina - piauí – setembro/outubro de 2009]
artigo
Articulação entre melodia e
prosódia na canção popular
brasileira: uma análise de
Retrato em branco e preto
Alfredo Werney 1 – UFPI
RESUMO
Este trabalho pretende realizar uma análise da canção “Retrato em branco e
preto”, de Chico Buarque e Tom Jobim, no que se refere à articulação entre
letra e música (mais especificamente entre prosódia e melodia). Partirmos
dos estudos de semiótica da canção, desenvolvidos por Luiz Tatit, e
investigamos o processo de construção do texto e da melodia da referida
composição. Através da audição seletiva e da leitura da obra de Tom Jobim e
Chico Buarque, procuramos perceber os efeitos de sentidos engendrados
pela associação entre o sistema de signos literários e o sistema de signos
musicais.
Palavras-chave: semiótica da canção, Chico Buarque, Tom Jobim, prosódia,
melodia.
ABSTRACT
This work intends to conduct an analysis of the song "Retrato em branco e
preto" by Chico Buarque and Tom Jobim, regarding the relationship between
lyrics and music (more specifically between prosody and melody). From the
studies of semiotics of the song, developed by Luiz Tatit, and investigate the
process of construction of the text and the melody of the composition. Through
selective hearing and reading the works of Tom Jobim and Chico Buarque, we
understand the effects of meaning engendered by the association between the
system of signs literary and musical system of signs.
Keywords: Semiotics of the song, Chico Buarque, Tom Jobim, prosody,
melody.
1 Alfredo Werney é arte-educador, músico e professor. Autor, juntamente com
Wanderson Lima, do livro “Reencantamento do mundo: notas sobre cinema”.
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I - INTRODUÇÃO
A canção popular, um sistema híbrido de comunicação artística,
se tornou a forma musical que se consolidou na história de nossas
sonoridades. Ademais, é um importante veículo de expressão do nosso
imaginário popular. Embora esta forma tenha sido abordada com
assiduidade pelos estudos de música, ainda percebemos muitas
lacunas no que se refere à articulação da dimensão textual (prosódica)
com a dimensão musical (melódica). A música popular brasileira
desempenhou um papel central na formação sócio-cultural do povo e,
desta maneira, tornou-se um
interessante campo de estudos
sociológicos, antropológicos e históricos. Entretanto, é importante
afirmarmos que ainda são incipientes os estudos poéticos/ musicais
direcionados para a análise estilística da nossa canção.
Dessa maneira, o nosso objetivo é realizar uma análise - com
base nos estudos da semiótica da canção desenvolvidos por Luiz Tatit
- no campo da prosódia e da melodia, da canção Retrato em branco e
preto, de Tom Jobim e Chico Buarque. Ainda observaremos as
constantes estilísticas no processo de composição dos autores
supracitados e buscaremos compreender os efeitos de sentido
engendrados pela associação de letra e música.
Os
compositores
selecionados
são
dois
cancionistas
responsáveis pela modernização e pela expansão de significados da
canção brasileira: Tom Jobim e Chico Buarque. O primeiro destes
músicos - consagrado como um dos estruturadores da “bossa-nova” imprimiu nas suas composições uma linguagem pouco explorada pela
chamada MPB: melodias com saltos intervalares pouco comuns,
harmonias dissonantes e com constantes modulações, arranjos de
grande expressividade com a utilização reduzida de notas, dentre
outros. O segundo alargou a dimensão poética da relação música/
palavra, através da composição de melodias e letras ao mesmo tempo
complexas e comunicativas, inseridas numa relação equilibrada entre
as hierarquizações prosódicas e melódicas.
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A parceria de Chico Buarque e Tom Jobim se deu a partir de
1968, com a canção Retrato em Branco e Preto, antes intitulada
Zíngaro (uma peça instrumental de autoria apenas de Tom Jobim).
Além desta canção, os compositores cariocas compuseram várias
outras em parceria, a saber: Meninos eu vi, Eu te amo, Piano na
Mangueira, A violeira, Anos dourados, Olha Maria (com o auxílio de
Vinícius de Moraes), Sabiá, Imagina e Pois é.
II - SEMIÓTICA MUSICAL: NOVOS PROCESSOS DE ANÁLISE DA
CANÇÃO
A análise da canção popular tornou-se mais abrangente e coesa
após o surgimento dos estudos de semiótica musical. Carmo (2007)
nos mostra os princípios norteadores de um trabalho que toma por
base a semiótica musical:
a) Toda melodia é uma espécie de texto;
b) Logo, deve existir uma afinidade estrutural elementar entre
(pelo menos) dois domínios semióticos: o verbal (logos) e o
musical (melos);
c) Podemos e devemos nos servir da meta-linguagem da
lingüística para apreender essa afinidade estrutural; (p. 13)
A partir de tais conceitos, torna-se possível compreendermos a
música como um discurso (discurso este compatível com o verbal) e
não como um amontoado de notas abstratas que não nos transmitem
nenhum significado. Neste sentido, o conceito de melodia que ora
adotamos vai além do que se compreende ordinariamente. Este
elemento musical é explicado usualmente como sendo uma seqüência
de sons dispostos de maneira sucessiva - o que é correto, porém
incompleto se tomarmos a música como um discurso musical que
engendra significados diversos. Carmo (2007) argumenta que:
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Uma melodia não se confunde com uma cadeia qualquer de
notas musicais. Uma criança de dois anos que martela notas
ao piano produz uma cadeia qualquer de notas musicais, e
certamente ninguém sustentará que temos aí uma melodia.
Falamos em melodia apenas quando reconhecemos essa
cadeia como um produto de ato semiótico que faz ser o
sentido, instaurando uma relação entre uma expressão e um
conteúdo (p. 15)
Desta forma, a melodia é uma sucessão de sons, mas não uma
sucessão aleatória (pelo menos no que se refere à música tonal). Uma
seqüencia de notas tocadas (aleatoriamente) ao piano por uma criança
não produz um efeito de melodia porque é “arrítmica, desordenada,
desconexa, incoerente, não direcional e, conseqüentemente, não pode
apresentar transformações” (Carmo, 2007, p. 16).
A teoria de base dos estudos de semiótica da canção foi
desenvolvida por Luiz Tatit. A teoria deste músico-pesquisador está
centrada em torno de duas categorias do plano da expressão musical:
“tessitura” (que está relacionado à altura) e o “andamento” (que está
relacionado com a duração). A tessitura pode ser concentrada
(durações curtas) ou expandida (durações longas) e o andamento
acelerado ou desacelerado. Luiz Tatit (1994), tomando por base as
categorizações da semiótica de Greimas, elencou e analisou inúmeras
canções populares do Brasil e dividiu-as em três modelos de
configuração, os quais serão de grande valor para nosso estudo. São
eles:
1. Canções tematizadas – trata-se de canções que possuem
andamento acelerado e tessitura concentrada.
2. Canções passionalizadas – trata-se de canções que são o inverso
das tematizadas: possuem andamento desacelerado e tessitura
expandida.
3. Canções figurativizadas – trata-se de canções em que há a
predominância dos elementos emergentes da fala. A oralidade
ocupa um lugar central nestas canções, em detrimento dos
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elementos
discutidos
anteriormente
como
“tessitura”
e
“andamento”.
A teoria da semiótica da canção propõe uma análise isotópica
dos elementos do plano do conteúdo e do plano da expressão, desta
forma melodia e letra são tomados como elementos de estruturas
equivalentes. Luiz Tatit, em seus estudos, relacionou os aspectos do
plano da expressão com os do plano do conteúdo. Nas canções
tematizadas o pesquisador observou que o conteúdo das letras está
relacionado, na maioria dos casos, a estados de conjunção entre
“sujeito” e “objeto”. Geralmente o sentido das letras está ligado a
momentos de euforia e de satisfação com a vida. O quê que a baiana
tem?(de Dorival Caymmi) é um exemplo.
Nas canções passionalizadas as melodias verticalizadas se
coadunam com estados de disjunção entre “sujeito” e “objeto”. Dessa
maneira, o que se observa nestas canções é o efeito de sentido inverso
das canções tematizadas: disforia, fechamento e insatisfação. Tatit
(1994) nos mostra que:
A passionalização é este tempo de espera ou de lembrança
(...) essa duração que permite o sujeito refletir sobre os seus
sentimentos de falta e viver a tensão da circunstância que o
coloca em disjunção imediata com seu objeto em conjunção
à distância com o valor do objeto. (p.99)
Nas canções figurativizadas, o que se observa é a tentativa do
sujeito de chamar atenção para o conteúdo de sua fala. Neste sentido,
observamos
que
os
elementos
prosódicos
sobrepõem-se
aos
elementos melódicos. Um exemplo sempre citado é a canção
“Conversa de Butequim”, de Noel Rosa.
É importante ressaltar que estas classificações correspondem a
situações típicas, mas geralmente estas tipologias se mesclam e todas
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elas podem estar presentes numa mesma canção. O que há, de fato, é
a predominância de um dos aspectos na construção de uma música.
III – ENTRE A PAUTA E A PENA: ARTICULAÇÃO ENTRE PROSÓDIA
E MELODIA NA OBRA DE TOM JOBIM E CHICO BUARQUE
A melodia e a prosódia são dois elementos basilares na
construção de sentido de uma canção. A tensão entre estes dois
elementos é um fator de grande importância para compreendermos o
discurso musical do compositor. Segundo Luiz Tatit (1994), o
compositor de canções é exatamente aquele que possui a habilidade
específica para descobrir compatibilidades entre melodia e letra (neste
plano é que se aplicam os estudos de prosódia musical).
Em relação à Prosódia musical, adotaremos o conceito de
Reginaldo
Carvalho.
O
autor
cataloga
três
importantes
(e
complementares) conceitos:
Emissão fusionaria da palavra (que diz) com a música (que
age) respeitando-se precipuamente a tonicidade primeira em
consenso com a ação fluxionária da segunda;
Fusão da palavra com a música.
Ajuste rítmico entre o apoio (sílaba tônica) vocabular e apoio
musical.
(pg. 26)
Para uma compreensão mais abrangente do fenômeno da
canção popular é importante que saibamos de que forma se ordenam
essa fusão da palavra com a música. De uma maneira geral, prosódia
e melodia são dois componentes da canção que se estruturam a partir
de um equilíbrio tenso, em que ora há um predomínio de um sistema
de signos, ora de outro. Em virtude disso, podemos afirmar que o
compositor convive dialeticamente com os dois ofícios: a composição
das estruturas melódicas e a composição da palavra. Trata-se de um
combate entre melos e logos – combate este existente desde a Grécia
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Antiga, quando ainda nem mesmo havia uma distinção clara entre
poesia e música.
José Roberto do Carmo (2007), em sua tese “Melodia e
Prosódia: um modelo para a interface música fala com base no estudo
comparado do aparelho fonador e dos instrumentos reais e virtuais”,
nos mostra que:
É possível concluir que numa canção atuam duas forças
opostas: a hierarquia melódica (coesão rítmica e coerência
harmônica) e a hierarquia prosódica (otimidade rítmica e
fluência segmental – elisão, degeminação, ditongação etc.).
Numa canção temático-passional prevalecem os princípios
da hierarquia melódica, numa canção figurativa prevalecem
os princípios da hierarquia prosódica. (p.125).
No que se refere à obra de Tom Jobim e Chico Buarque –
embora os compositores tenham composto poucas canções em
parceria - é possível concluirmos que se trata de uma obra que
abrange muitas técnicas de composição melódica e prosódica.
Observamos, com certa constância, nas canções destes compositores
cariocas, o uso ostensivo de recursos como: mudanças na acentuação
prosódica, figurações no som das palavras, o texto comentando
aspectos da música strictu senso (no plano da letra); ostinatos
melódico-rítmicos, cromatismos, modulações (no plano da música). A
riqueza composicional da obra dos referidos músicos nos leva a afirmar
que para percebermos os seus efeitos estilísticos necessita de uma
análise cuidadosa da estrutura poético-musical e do percurso de
geração de sentido do texto.
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IV – MELODIA E LETRA EM RETRATO EM BRANCO E PRETO
Retrato em branco e preto
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho,
E sei também que ali sozinho,
Eu vou ficar tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto,
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto,
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos,
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo,
Procurar o desconsolo,
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto,
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração
(Fonte: Songbook I de Tom Jobim)
Chico Buarque de Hollanda, desde suas primeiras composições,
nos revela uma preocupação de empreender uma articulação
equilibrada entre melos e logos. Em geral, suas composições são
comunicativas e, de certa maneira, simples, se observarmos apenas a
sua estrutura aparente. Essa facilidade paradoxal – se é que assim
podemos colocar – está presente em grande parte da obra
buarqueana, sobretudo em sua fase dita mais lírica. Entretanto, se nos
propusermos a analisar cuidadosamente essas canções, verificaremos
uma estruturação complexa nos seus aspectos lingüísticos e musicais.
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Chico Buarque nos apresenta um universo de signos organizados de
maneira rigorosa. Cada palavra é medida, balanceada e pensada nos
seus aspectos fonoestilísticos, com o intuito de que letra e melodia
formem “um só nó luminoso e inextricável” (termo utilizado por José
Miguel Wisnik em seu ensaio “O artista e o tempo”).
“Retrato em branco e preto” (1968), em parceria com Tom
Jobim, pode seguramente ser citada como uma das canções mais bem
realizadas, no que se refere ao encontro da palavra com a música, ou,
mais precisamente, à articulação das “hierarquizações prosódicas com
as melódicas” (o termo é de José Roberto do Carmo). Esta composição
não nos apresenta a ingenuidade poética de “A banda”, por exemplo,
mas sim a consciência de um amor trágico, que “volta sempre a
maltratar”. Esse espírito de desilusão amorosa está impresso nas
estruturas da melodia de Tom Jobim, que compôs primeiramente a
música. Trata-se de uma melodia cromática com repetições (ostinatos)
incisivas e harmonia dissonante. Essa espécie de “vai-e-vem” da
melodia (que nos remete aos passos nervosos de uma pessoa) nos dá
a sensação de que estamos rodando insistentemente sem chegar a
nenhum lugar. Efeito que também se observa no plano da letra:
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
A letra dessa canção como um todo é uma tentativa de
expressar sonoramente a sensação de impedimento, desilusão e
repetição:
Vou colecionar mais um soneTo
OuTRo ReTRaTo em bRanco em pReTo
A maltTRaTar meu coração
Em toda a canção percebemos a presença ostensiva de “R” e
“T”, fonemas que exprimem dureza e quebram o fluxo melódico. Em
geral, a consoante linguodental “T” funciona como um componente
sonoro que instaura a rispidez e interrompe o efeito de continuidade de
um verso. Na interpretação convincente de Elis Regina, presente no
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disco “Elis e Tom”, este efeito de sentido se torna mais claro, já que a
cantora acentua e articula “sílaba por sílaba” os finais de cada frase
musical. Através da interpretação de Elis Regina podemos sentir
nitidamente a sensação de maltrato e dor do eu lírico através deste
significativo efeito acústico provocada pelas consoantes oclusivas.
Chico Buarque utilizou vários métodos estilísticos para transmitir
com palavras (plano da letra) o que Tom Jobim fizera com notas
musicais (plano da melodia). Dessa fusão, como já foi colocado, é que
se delineia o sentido da canção. Consoante com os estudos de Luiz
Tatit, sabemos que há vários outros elementos que são responsáveis
pela geração de sentido na canção. Dentre eles: arranjo, interpretação,
métodos de gravação. Porém, nos voltaremos mais especificamente
para a conjugação entre melodia e letra. Dessa forma, já podemos
então visualizar a relação (isotópica) entre os elementos musicais e
literários de “Retrato em branco e preto”:
Plano do conteúdo:
a) A consciência de um amor trágico, que “não vai dar em nada”
b) A experiência de um tempo cíclico, no qual o sujeito sempre
volta a sofrer as mesmas desilusões.
c) Incapacidade de disjunção do sujeito em relação ao objeto.
Plano da expressão:
a) Melodias com ostinatos (com padrões de repetição).
b) Ritmo repetitivo, circular.
c) Intervalos dissonantes, que provocam tensão.
Esse paralelo entre texto musical e texto poético nos revela que
“Retrato em branco e preto” possui uma predominância de recursos
típicos de uma canção passionalizada. É claro que o tipo de
interpretação e arranjo dado à canção interfere na análise. É
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importante colocarmos, entretanto, que as classificações propostas por
Luiz Tatit se interpenetram e se mesclam. Não se trata, pois, de
categorizações rígidas e fechadas.
De uma maneira geral, na obra de Tom Jobim e principalmente
Chico Buarque as tensões do mundo amoroso, político, cultural se
revelam na forma do conteúdo da letra e na construção melódica da
música. Uma dialética do “social”, do “amoroso” com o “formal”. Nesse
sentido, podemos afirmar que Chico Buarque, em especial, não é
apreciador de trocadilhos e truques poético-musicais gratuitos e
artificiosos, sem riqueza cognitiva - comuns na canção popular
brasileira da atualidade. De uma maneira parecida, Tom Jobim “não
tolera os excesso de notas e timbres. Preocupa-se com o que
realmente soa no plano do ouvinte. Utiliza o essencial para caracterizar
a função harmônica de acorde e elimina as notas de reforço” (TATIT,
2007, pg. 164).
É possível ainda inferir que os dois compositores cariocas foram
influenciados pela poesia moderna brasileira e, assim, aprenderam a
retirar os excessos e depurar a forma de suas composições musicais.
Para tanto, foram basilares: Manuel Bandeira, João Cabral de Melo
Neto e Carlos Drumonnd de Andrade. Essa influência pode ser
constatada nas melodias com poucas notas (porém muito expressivas),
na voz cantada sem dramatismos e exageros (A bossa-nova é um
exemplo), na capacidade de síntese poética das letras e na inserção do
“cotidiano” e do “prosaico” no conteúdo das composições.
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
As canções de Chico Buarque de Hollanda e Tom Jobim
ocupam um lócus privilegiado em nossa música popular brasileira. Elas
alargam o universo de possibilidades existentes na relação texto/
música, pois buscam explorar os variados recursos da nossa língua e
as variadas sonoridades da música popular brasileira e mesmo
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estrangeira. Desta maneira, a obra desses compositores é um exemplo
de que a análise da canção popular é possível (e coerente) quando
podemos visualizar os efeitos gerados pela conjugação dos dois
sistemas de signos: o literário e o musical. Como nos afirmara Sylvia
Helena Cyntrão “a leitura independente da letra de uma canção pode
provocar impressões diferentes da que provoca sua audição” (pg. 121).
Em síntese, podemos concluir que melodia e prosódia na
canção Retrato em branco e preto formam um texto e juntas geram
vários efeitos de sentidos. Tais efeitos de sentidos são gerados a partir
da articulação equilibrada entre letra e música, mais precisamente
entre “prosódia” e “melodia”. Trata-se de elementos que devem ser
analisados
conjuntamente,
para
que
percebamos,
de
forma
substancial, a capacidade de expressão e comunicação que possui a
nossa música popular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARMO Jr, José Roberto do. Melodia e Prosódia: um modelo para a
interface música fala com base no estudo comparado do aparelho
fonador e dos instrumentos reais e virtuais. São Paulo: FFLCH/ USP,
2007 (tese de doutorado).
CARVALHO, Reginaldo
Teresina, s/d.
de.
Prosódia
Musical.
(mimeografado).
CHEDIAK, Almir. Songboock I de Tom Jobim. 4º ed. Rio de Janeiro:
Lumiar Editora, 1999.
CYNTRÃO, Sylvia Helena. Como ler o texto poético: caminhos
contemporâneos. Brasília: Plano Editora, 2004.
TATIT, Luiz. A semiótica da canção: melodia e letra. 3ª ed. São Paulo:
Editora Escuta, 2007.
__________. O cancionista. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2002.
WISNICK, José Miguel. O artista e o tempo. In: Songboock I de Chico
Buarque (Org. Almir Chediak). Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1999.
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setembro outubro 2009
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