Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 HISTÓRIA DA CIÊNCIA E ENSINO DA GENÉTICA: UMA ANÁLISE DOS ANAIS DOS VII E VIII ENCONTROS NACIONAIS DO ENSINO DE CIÊNCIAS Ana Paula Zampieri Silva Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP [email protected] Helenadja Mota Rios Pereira Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP [email protected] Nelio Marco Vincenzo Bizzo Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP [email protected] Resumo Este trabalho tem como principal objetivo observar o quanto a pesquisa ou proposições de modelos didáticos que trazem conhecimentos sobre a História da Ciência como elemento para o ensino da genética ocupam um lugar de divulgação nas publicações das Atas do VII e VIII ENPECs. Para execução do levantamento bibliográfico, foram realizadas a identificação, a ordenação e a sistematização das informações, associadas ao processo de fichamento, de categorização e de análise. Os descritores utilizados na pesquisa bibliográfica foram: “Ensino de Genética”, “História da Genética”, “Aprendizagem de Genética” e “Genética”. Os resultados deixaram evidente o quanto são raras as publicações que tratam da história como elemento para o ensino da genética. Palavras-chave: história da genética, ensino de biologia, ensino de genética. 517 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Introdução Este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa sobre a inclusão de elementos da História da Ciência (HC) no processo de ensino de genética (EG), em trabalhos publicados nos Anais do VII e VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC). Os Anais dos encontros acadêmicos são publicações que constituem um importante espaço de socialização das pesquisas em educação científica realizadas no país, constituindo uma relevante fonte, tanto para o reconhecimento da área de ensino de ciências, como também para evidenciar temas específicos, incluindo-se, entre eles, o ensino de genética (GOLDBACH; MACEDO, 2007). A presente pesquisa foi conduzida com base nas seguintes questões: Como a circulação dos conhecimentos sobre a História da Ciência se faz presente no Ensino da Genética na escola básica? Quais as características das pesquisas, realizadas no Brasil, que incluem a História da Ciência como elemento de formação do professor de Biologia, neste caso, o professor de genética? A genética como campo de conhecimento tem vários níveis de complexidade que podem tornar um desafio o ensino da disciplina nas salas de aula de Ciências. São evidentes os grandes avanços científicos e tecnológicos que envolvem a área da genética, tornando-se, portanto, essencial que esses avanços se aproximem do contexto escolar. No entanto, estudos mostram que a maioria dos estudantes tem dificuldades para compreender os temas da genética no ambiente escolar, o que pode dificultar o agenciamento desse conhecimento em seu cotidiano, mostrando que há ainda muito a avançar na investigação sobre a aprendizagem neste campo do conhecimento (GRIFFITHS, 1993; LEWIS; WOOD-ROBINSON, 2000; SHAW et al., 2008). Pedrancini et al. (2007), ao investigarem o nível de conhecimento dos alunos que finalizaram o Ensino Médio, observaram um baixo grau de compreensão sobre assuntos como transgenia, sequenciamento do genoma, células-tronco, entre outros. Este fato mostraria uma população despreparada cientificamente para participar de modo crítico e democrático em debates sobre avanços tecnológicos. Segundo os autores, grande parte do saber científico transmitido na escola é rapidamente esquecida, prevalecendo concepções de senso comum, de certa forma estáveis e resistentes. Deste modo, Pedrancini et al. (2007) questionam o papel desempenhado pela escola como mediadora do conhecimento produzido pela comunidade científica, para sua apropriação pela sociedade. 518 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Segundo Bittencourt e Prestes (2011), o processo de ensino e aprendizagem do conhecimento genético abarca temas complexos, com obstáculos epistemológicos próprios. Os autores ressaltam que os conteúdos da genética tais como gene, cromossomo, DNA, entre outras, requerem um alto grau de abstração dos estudantes. Para os autores, a História da Ciência pode ser uma ferramenta de ensino que poderia auxiliar a transpor essas dificuldades no ensino de genética. As contribuições que a História da Ciência pode oferecer para o ensino são salientadas por Matthews (1995): humanizar as ciências e aproximá-las mais dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos; tornar as aulas mais estimulantes e reflexivas, incrementando a capacidade do pensamento crítico; contribuir para uma compreensão maior dos conteúdos científicos,...; melhorar a formação dos professores contribuindo para o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, isto é, a um melhor conhecimento da estrutura de ciência e seu lugar no marco intelectual das coisas (MATTHEWS, 1995, p.164). Desenvolvimento histórico dos conhecimentos em genética O contexto histórico da genética, em resumo, é composto de idas e vindas, que caracterizam o desenvolvimento científico em diversas áreas. Foram várias as mudanças de paradigma que aconteceram ao longo da história da genética. Entre essas mudanças, o saltacionismo, em que se rejeitava a ação da seleção natural, dominou a genética até 1915 (MAYR, 2001, 2005). Um distanciamento desta teoria se iniciou a partir do trabalho de T.H. Morgan, em 1910, que, a partir de experimentos com Drosophila, mostrou que a maioria das mutações era pequena o bastante para permitir uma mudança gradual nas populações; saltos repentinos não seriam, portanto, necessários. Entre 1915 e 1932, Fisher, Wright e Haldane mostraram que os genes com somente pequenas vantagens seletivas poderiam ser incorporados, no tempo devido, no genótipo das populações. A evolução foi definida como mudança nas frequências gênicas das populações, mudança essa ocasionada pela seleção natural (MAYR, 1997, 2001, 2005). Entretanto, foi a partir das publicações de Dobzansky, que os geneticistas e naturalistas passaram a encontrar compatibilidade entre suas teorias, e passaram a considerar que seria possível obter uma síntese das duas principais áreas da biologia evolutiva, o estudo da evolução filética em populações, denominada anagênese; e os eventos de especiação, denominados cladogênese (DOBZANSKY, 1940, 1973; WRIGHT; DOBZANSKY, 1945). Foi partir da segunda metade do século XX que a genética, com os 519 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 seus recursos experimentais e métodos matemáticos, possibilitou a interpretação dos mecanismos evolutivos sob uma nova perspectiva. Um grande impulso dado à genética a partir da segunda metade século XX foi a consolidação da biologia molecular. No entanto, a abordagem centrada no gene tem levado a algumas discordâncias. A chamada evolução neutra, por exemplo, é considerada por muitos biólogos moleculares como um modo importante de evolução, mas é ignorada por naturalistas, uma vez que genes neutros não são visíveis no fenótipo. Os métodos da biologia molecular forneceram, também, informações abundantes, o que permitiu uma reestruturação revolucionária da filogenia de vários grupos de organismos e promoveu mudanças drásticas na taxonomia. A partir dessas mudanças provocadas pela biologia molecular é que a taxonomia atual, para muitos pesquisadores, está em crise e necessita ser revista. Uma perspectiva não fragmentada da biologia, não reduzida ao estabelecimento de taxonomias que não dialoguem com uma percepção mais ampla do desenvolvimento, pode contribuir para que se estabeleça uma visão mais orgânica dos processos biológicos, uma visão mais contextualizada dos seres vivos e sua adaptação ao meio. É importante ressaltar que a história da genética é complexa e que a tematização no ensino, dessa complexidade que compõe a historicidade, pode contribuir para um ensino que forme alunos críticos e preparados para as discussões científicas e tecnológicas nesta área do conhecimento. A presente pesquisa traz um panorama que poderá auxiliar na averiguação das principais tendências que têm sido contempladas em propostas para o ensino de genética em um contexto histórico, oportunizando uma reflexão sobre as pesquisas que vêm sendo realizadas e publicadas em edições recentes do ENPECs, um dos principais encontros da área de pesquisa em ensino de Ciência no Brasil. Metodologia O presente estudo se fundamenta em levantamento bibliográfico realizado com o objetivo principal de identificar quais os tipos de pesquisa que vêm sendo realizadas sob a perspectiva da história da ciência em sua relação com o ensino da genética. Buscou-se, também, investigar o modo pelo qual os pesquisadores têm se posicionado acerca do tema. O levantamento das produções bibliográficas que fazem referência ao uso da História da Ciência no Ensino da Genética apoiou-se nos trabalhos catalogados no banco de dados das 520 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 últimas edições dos Anais publicados do VII e VIII ENPEC (Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências) ocorridos no Brasil no período de 2009-2011. Considerando que o evento acontece a cada dois anos, os Anais do IX ENPEC realizado em 2013 deveriam ter sido contemplados na presente pesquisa, entretanto, os mesmos ainda não se encontravam disponíveis para consulta no momento da coleta de dados. É importante destacar que, embora tenham sido analisados apenas os anais de duas edições do ENPECS, enfatizamos a grande circulação e representatividade deste evento, o que permite justificar a opção por se trabalhar com este banco de dados. Para execução do levantamento bibliográfico, foram seguidas as sugestões de Marconi e Lakatos (1996), que estabelecem possíveis etapas que podem ser seguidas nesse tipo de investigação: 1) a identificação, fase de reconhecimento do assunto pertinente ao tema em estudo e que pode ser feita quando o pesquisador identifica e decide ao estudar se o conteúdo da obra convém ou não ao seu trabalho; 2) reunião e sistematização das informações através de fichamento, isto é, transcrição dos dados em fichas bibliográficas; 3) leitura e análise. “Os descritores utilizados na pesquisa foram: “Ensino de Genética”, “História da Genética”, “Aprendizagem de Genética” e “Genética”. Para análise dos trabalhos foi realizada uma leitura interpretativa dos resumos a partir de um roteiro, o qual foi elaborado tendo em vista as categorias adaptadas de Schirmer e Sauerwein (2011). A classificação dos trabalhos foi realizada com base nas seguintes categorias: 1- Proposta didática implementada: que abarca trabalhos com propostas implementadas em sala de aula em todos os níveis de ensino. 2- Proposta não implementada: que abrange propostas didáticas estruturadas, ou minimamente organizadas para a sala de aula, mas não implementadas no ensino. 3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre outros. 4- Pesquisas em periódicos e eventos: que engloba levantamentos sobre trabalhos apresentados em periódicos e eventos. 5- Pesquisas em Livros Didáticos: que abrange trabalhos que apresentam pesquisas em livros didáticos (LD). 521 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 6- Pesquisa sobre concepções: que abarca os trabalhos sobre pesquisas de concepções, opiniões ou práticas de estudantes, professores ou outros atores do processo. Resultados e Discussão Os resultados obtidos a partir das pesquisas dos Anais dos VII e VIII ENPECs são apresentados na Tabela 1. Tabela 1: Relação dos trabalhos analisados na presente pesquisa incluindo a indicação do ENPEC em que apresentada; os títulos, autores e instituições de origem; a inclusão da História da Ciência* (HC) na pesquisa; e as categorias correspondentes. EDIÇÕES DO ENPEC VIII TÍTULO – AUTORES – INSTITUIÇÕES A divulgação científica como estratégia de ensino dos principais conceitos básicos de genética. HC* CATEGORIAS N 1Proposta didática implementada: que abarca trabalhos com propostas implementadas em sala de aula em todos os níveis de ensino. S 3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre outros. N 5- Pesquisas em Livros Didáticos: que abrange trabalhos que apresentam pesquisas em livros didáticos (LD). N 3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre outros. N 4- Pesquisas em periódicos e eventos: que engloba levantamentos Autores: Resende, T.A.; Klatau-Guimarães, M.N. Instituições: Universidade de Brasília VIII Análise do tratamento dado à história da genética pelos autores brasileiros dos livros didáticos indicados à avaliação do pnlem2007. Autores: Bittencourt. F.B.; Prestes, M.E.B. Instituições: Universidade de São Paulo VIII Estão os livros didáticos de biologia incorporando questões provindas do campo da pesquisa em ensino da área, como no caso do ensino de genética? Autores: Goldbach, T.; Bedor, P.B.A. Instituições: Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro VIII O conceito molecular clássico de gene como obstáculo pedagógico no ensino e aprendizagem de genética. Autores: Silvério, L.E.R.; Maestrelli, S.R.P. Instituições: Universidade Federal de Santa Catarina VIII Pesquisas em ensino de genética (2004-2010). 522 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Autores: Oliveira, T.B.; Silva, C.S.; Zaneti, J.C. sobre trabalhos apresentados em periódicos e eventos. Instituições: Universidade Estadual Paulista VIII Temas da genética contemporânea e o ensino de ciências: que materiais são produzidos pelas pesquisas e que materiais os professores utilizam? N 1- Proposta didática implementada: que abarca trabalhos com propostas implementadas em sala de aula em todos os níveis de ensino. N 3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre outros. N 4- Pesquisas em periódicos e eventos: que engloba levantamentos sobre trabalhos apresentados em periódicos e eventos. N 1- Proposta didática implementada: que abarca trabalhos com propostas implementadas em sala de aula em todos os níveis de ensino. N 3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre outros. N 3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre outros. N 5- Pesquisas em Livros Didáticos: que abrange trabalhos que apresentam pesquisas em livros didáticos (LD). Autores: Bonzanini, T.K.; Bastos, F. Instituições: Universidade Estadual Paulista VIII Darwinismo ou neodarwinismo nas salas de aula: dificuldades discentes ou ambivalências docentes? Autores: Valença, C.R.; Falcão, E.B.M. Instituições: Universidade Federal do Rio de Janeiro VII O que dizem os trabalhos dos anais dos encontros nacionais de pesquisa em ensino de Ciências sobre ensino de Genética Autores: Sardinha, R.; Fonseca, M.; Goldbach, T. Instituições: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro VII Os modelos didáticos com conteúdos de genética e a sua importância na formação inicial de professores para o ensino de Ciências e Biologia. Autores: Setúval, F.A.R.; Bejarano, N.R.R. Instituições: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; Universidade Estadual de Feira de Santana; Universidade Federal da Bahia VII Problemas e desafios para o ensino de genética e temas afins no ensino médio: dos levantamentos aos resultados de um grupo focal. Autores: Goldbach, T.; Sardinha, R.; Dyzars, F.; Fonseca, M. Instituições: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro VII A argumentação na produção escrita de professores de Ciências e o Ensino da Genética Autores: Valle, M.G.; Motokane, T. Instituições: Universidade de São Paulo VII Reflexões e perspectivas a respeito das atividades experimentais de genética propostas em livros didáticos. Autores: Pedroso, C.V.; da Rosa, R.T.N.; Amorim, M.A.L. Instituições: Universidade Federal de Santa Maria (RS) VII Uma abordagem do laboratório de Ciências à luz da epistemologia genética. 1- Proposta didática implementada: que abarca trabalhos com propostas implementadas em sala de aula em 523 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 Autores: Andrade, J.A.P. V Enebio e II Erebio Regional 1 todos os níveis de ensino. Instituições: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A partir dos resultados obtidos na presente pesquisa, observa-se que, embora um grande número de trabalhos tenha sido publicado nos Anais do VII e VIII ENPEC, é baixo o número de trabalhos de pesquisa ou de propostas didáticas sobre o ensino da genética. Com relação à inclusão de pesquisas que trazem uma perspectiva história para o ensino da genética, este dado é ainda muito menor. Dentre os 13 trabalhos reunidos nesta pesquisa, apenas um deles traz para a pesquisa elementos da história para o ensino da genética. Este dado pode também ser reiterado com a constatação de que, nos Anais do VIII ENPEC em 2011, na categoria em que são destinadas as publicações de História, Filosofia e Sociologia da Ciência no ensino de ciências apresentam-se, no geral, 89 trabalhos publicados, sendo que nenhum desses trabalhos contempla a história da ciência no contexto da genética. Da mesma forma que a pesquisa científica, a história da ciência é uma fonte importante para a definição de conteúdos e para a proposição de estratégias de ensino, em que um dos eixos de fundamentos filosóficos e sociais envolve o conhecimento de história, filosofia e metodologia da ciência (SCHEID e FERRARI, 2006). Para Bizzo (1991), a ciência pode, e deve ser apresentada aos estudantes em sua dimensão mais viva e real; ela é obra de homens e mulheres que foram influenciados por seu contexto histórico e social. É o saber sobre esse contexto histórico que entendemos dever estar mais próximo dos estudantes. Do total de 13 artigos selecionados para a presente pesquisa, 5 deles incluem-se na categoria 3 onde foram agrupados os trabalhos que não somente trazem questões e narrativas históricas como elementos para o ensino, mas também discussões acerca dos subsídeos metodológicos ou epistemológicos para caracterizar aspectos da didática das ciências. Todos esses 5 trabalhos mencionam o fato da dificuldade em aprender ou ensinar genética dada a existência de uma barreira epistemológica própria à área, além do conhecimento fragmentado e descontextualizado evidenciado por grande parte dos alunos e professores. Valença e Falcão (2009), por exemplo, destacaram problemas de ensino-aprendizagem de evolução devido à falta de integração desta teoria aos conceitos de genética. Na categoria 1 foram incluídos 4 artigos que buscam contribuir com ferramentas didáticos pedagógicas para o ensino da genética. Rezende e Klatau (2009), por exemplo, propuseram aos estudantes do Ensino Médio uma atividade baseada no livro “Clonagem – Fatos e Mitos”. De acordo com os pesquisadores, esta estratégia facilitou o aprendizado e 524 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 permitiu a contextualização dos conhecimentos com as aplicações da clonagem e célulatronco. Na categoria 4, incluem-se dois artigos que trazem levantamentos com base em Anais, periódicos e eventos sobre o ensino da genética. Com base nos Anais dos eventos da área de Ensino de Ciências sobre trabalhos relacionados ao ensino de genética e temáticas afins, Sardinha, Fonseca e Goldbach (2009) puderam identificar três tópicos apontados por grande parte das pesquisas e que merecem atenção especial para análise sobre ensino de genética: a abordagem fragmentada, descontextualizada e desatualizada do ensino de genética e área correlacionadas. Na categoria 5, incluem-se dois artigos em que os objetos de análise são os livros didáticos e materiais de apoio ao professor. Pedroso, da Rosa e Amorim (2009), com base nos resultados da pesquisa realizada em livros didáticos aprovados pelo PNLEM (2007), sugerem que os livros tragam mais propostas experimentais para a sala de aula, utilizem esquemas, desenhos e ilustrações dos experimentos, de modo a facilitar a compreensão dos métodos para a realização da atividade e que os livros didáticos tragam, também, proposições de temáticas problematizadoras. Com a presente pesquisa, observou-se que o único trabalho que traz a história da ciência como elemento de ensino de genética é o de autoria de Bittencourt e Prestes (2011), que está incluído na categoria 3, de acordo com a classificação descrita na metodologia do presente trabalho. O episódio histórico analisado pelos autores refere-se à contribuição de Gregor Mendel para a genética. O trabalho publicado por Bittencourt e Prestes (2011) aponta alguns problemas quanto à maneira pela qual a história da ciência pode trazer uma visão equivocada da ciência aos estudantes do ensino médio, quando muitas vezes abordada de forma superficial, e caracterizando o cientista como sendo único e exclusivamente o responsável por uma mudança de paradigma na ciência, tratado como um gênio que tenha desenvolvido as suas ideias de forma linear e crescentemente progressiva. É preciso observar a relevância do fato de que o único trabalho publicado nos Anais do ENPEC a fazer referência à história da ciência tematiza justamente à hereditariedade. Segundo Franzolin e Bizzo (2012), que realizaram pesquisa a respeito do ensino da genética sob diferentes contextos sociais, curriculares e culturais, em pesquisa realizada junto a docentes de Universidades brasileiras e estrangeiras, e professores de biologia do ensino 525 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 básico em escolas paulistas, o tema hereditariedade foi o mais preponderantemente mencionado como sendo básico para o ensino da genética. Considerações finais Vários pesquisadores têm ressaltado a importância de se considerar o contexto histórico científico para a abordagem de questões relacionadas ao ensino. Partindo-se do pressuposto de que conhecimento científico e conhecimento sobre história da ciência – no presente caso, sobre história da genética – se configuram em elementos essenciais para a formação do sujeito na contemporaneidade, faz-se necessário observar, portanto, de que modo conhecimentos sobre a Genética impactam quando em contato com a realidade da educação básica, uma vez que, enquanto teorias complementares, essa perspectiva traz em sua própria constituição um princípio histórico, em que se fundamenta a própria possibilidade de se observar a síntese do que, geralmente, é observado como áreas distintas, a exemplo da Genética, Evolução, Ecologia entre outras. Para Jamieson e Radick (2013), por exemplo, a história contrafatual possibilitou uma reflexão sobre o trabalho de Mendel e sobre as propostas curriculares para o ensino da genética. Os autores analisaram a obra de WFR Weldon (1860-1906), um manuscrito não publicado e intitulado “Theory of Inheritance” (1904-1905), onde Weldon expressou preocupações sobre a natureza dogmática do Mendelismo. Os autores combinaram a teoria mendeliana com a biometria e rediscutiram a questão da dominância encontrando uma explicação muito mais próxima ao defendido por pesquisadores contemporâneos. Com base na história contrafatual, Jamieson e Radick (2013) propuseram uma reformulação no currículo ao apresentar as questões de dominância e recessividade numa fase posterior, após os estudantes já conhecerem as relações gene–ambiente e os processos do desenvolvimento. Espera-se, portanto, que a presente pesquisa traga contribuições para um amadurecimento das discussões sobre a melhor maneira pela qual os elementos da história da ciência, em particular da história da genética, devem constituir-se como aliados no ensino da genética, considerando-se as particularidades epistemológicas desta área do conhecimento. 526 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 REFERÊNCIAS ANDRADE, J. A. P. Uma abordagem do laboratório de Ciências à luz da epistemologia genética. Anais do VII Encontro nacional de pesquisa em ensino de ciências, 2009. BITTENCOURT, F. B.; PRESTES, M. E. B. Análise do tratamento dado à história da genética pelos autores brasileiros dos livros didáticos indicados à avaliação do PNLEM-2007. Anais do VIII Encontro nacional de pesquisa em ensino de ciências, 2011. BIZZO, N. Ensino de Evolução e História do Darwinismo. 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