HISTÓRIA DA CIÊNCIA E ENSINO DA GENÉTICA: UMA ANÁLISE

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Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
HISTÓRIA DA CIÊNCIA E ENSINO DA GENÉTICA: UMA ANÁLISE DOS ANAIS
DOS VII E VIII ENCONTROS NACIONAIS DO ENSINO DE CIÊNCIAS
Ana Paula Zampieri Silva
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP
[email protected]
Helenadja Mota Rios Pereira
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP
[email protected]
Nelio Marco Vincenzo Bizzo
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP
[email protected]
Resumo
Este trabalho tem como principal objetivo observar o quanto a pesquisa ou proposições de
modelos didáticos que trazem conhecimentos sobre a História da Ciência como elemento para
o ensino da genética ocupam um lugar de divulgação nas publicações das Atas do VII e VIII
ENPECs. Para execução do levantamento bibliográfico, foram realizadas a identificação, a
ordenação e a sistematização das informações, associadas ao processo de fichamento, de
categorização e de análise. Os descritores utilizados na pesquisa bibliográfica foram: “Ensino
de Genética”, “História da Genética”, “Aprendizagem de Genética” e “Genética”. Os
resultados deixaram evidente o quanto são raras as publicações que tratam da história como
elemento para o ensino da genética.
Palavras-chave: história da genética, ensino de biologia, ensino de genética.
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Introdução
Este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa sobre a
inclusão de elementos da História da Ciência (HC) no processo de ensino de genética (EG),
em trabalhos publicados nos Anais do VII e VIII Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação em Ciências (ENPEC). Os Anais dos encontros acadêmicos são publicações que
constituem um importante espaço de socialização das pesquisas em educação científica
realizadas no país, constituindo uma relevante fonte, tanto para o reconhecimento da área de
ensino de ciências, como também para evidenciar temas específicos, incluindo-se, entre eles,
o ensino de genética (GOLDBACH; MACEDO, 2007).
A presente pesquisa foi conduzida com base nas seguintes questões: Como a
circulação dos conhecimentos sobre a História da Ciência se faz presente no Ensino da
Genética na escola básica? Quais as características das pesquisas, realizadas no Brasil, que
incluem a História da Ciência como elemento de formação do professor de Biologia, neste
caso, o professor de genética?
A genética como campo de conhecimento tem vários níveis de complexidade que
podem tornar um desafio o ensino da disciplina nas salas de aula de Ciências. São evidentes
os grandes avanços científicos e tecnológicos que envolvem a área da genética, tornando-se,
portanto, essencial que esses avanços se aproximem do contexto escolar. No entanto, estudos
mostram que a maioria dos estudantes tem dificuldades para compreender os temas da
genética no ambiente escolar, o que pode dificultar o agenciamento desse conhecimento em
seu cotidiano, mostrando que há ainda muito a avançar na investigação sobre a aprendizagem
neste campo do conhecimento (GRIFFITHS, 1993; LEWIS; WOOD-ROBINSON, 2000;
SHAW et al., 2008). Pedrancini et al. (2007), ao investigarem o nível de conhecimento dos
alunos que finalizaram o Ensino Médio, observaram um baixo grau de compreensão sobre
assuntos como transgenia, sequenciamento do genoma, células-tronco, entre outros. Este fato
mostraria uma população despreparada cientificamente para participar de modo crítico e
democrático em debates sobre avanços tecnológicos. Segundo os autores, grande parte do
saber científico transmitido na escola é rapidamente esquecida, prevalecendo concepções de
senso comum, de certa forma estáveis e resistentes. Deste modo, Pedrancini et al. (2007)
questionam o papel desempenhado pela escola como mediadora do conhecimento produzido
pela comunidade científica, para sua apropriação pela sociedade.
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Segundo Bittencourt e Prestes (2011), o processo de ensino e aprendizagem do
conhecimento genético abarca temas complexos, com obstáculos epistemológicos próprios.
Os autores ressaltam que os conteúdos da genética tais como gene, cromossomo, DNA, entre
outras, requerem um alto grau de abstração dos estudantes. Para os autores, a História da
Ciência pode ser uma ferramenta de ensino que poderia auxiliar a transpor essas dificuldades
no ensino de genética.
As contribuições que a História da Ciência pode oferecer para o ensino são salientadas
por Matthews (1995):
humanizar as ciências e aproximá-las mais dos interesses pessoais, éticos, culturais e
políticos; tornar as aulas mais estimulantes e reflexivas, incrementando a capacidade
do pensamento crítico; contribuir para uma compreensão maior dos conteúdos
científicos,...; melhorar a formação dos professores contribuindo para o
desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, isto é,
a um melhor conhecimento da estrutura de ciência e seu lugar no marco intelectual
das coisas (MATTHEWS, 1995, p.164).
Desenvolvimento histórico dos conhecimentos em genética
O contexto histórico da genética, em resumo, é composto de idas e vindas, que
caracterizam o desenvolvimento científico em diversas áreas. Foram várias as mudanças de
paradigma que aconteceram ao longo da história da genética. Entre essas mudanças, o
saltacionismo, em que se rejeitava a ação da seleção natural, dominou a genética até 1915
(MAYR, 2001, 2005). Um distanciamento desta teoria se iniciou a partir do trabalho de T.H.
Morgan, em 1910, que, a partir de experimentos com Drosophila, mostrou que a maioria das
mutações era pequena o bastante para permitir uma mudança gradual nas populações; saltos
repentinos não seriam, portanto, necessários. Entre 1915 e 1932, Fisher, Wright e Haldane
mostraram que os genes com somente pequenas vantagens seletivas poderiam ser
incorporados, no tempo devido, no genótipo das populações. A evolução foi definida como
mudança nas frequências gênicas das populações, mudança essa ocasionada pela seleção
natural (MAYR, 1997, 2001, 2005). Entretanto, foi a partir das publicações de Dobzansky,
que os geneticistas e naturalistas passaram a encontrar compatibilidade entre suas teorias, e
passaram a considerar que seria possível obter uma síntese das duas principais áreas da
biologia evolutiva, o estudo da evolução filética em populações, denominada anagênese; e os
eventos de especiação, denominados cladogênese (DOBZANSKY, 1940, 1973; WRIGHT;
DOBZANSKY, 1945). Foi partir da segunda metade do século XX que a genética, com os
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seus recursos experimentais e métodos matemáticos, possibilitou a interpretação dos
mecanismos evolutivos sob uma nova perspectiva.
Um grande impulso dado à genética a partir da segunda metade século XX foi a
consolidação da biologia molecular. No entanto, a abordagem centrada no gene tem levado a
algumas discordâncias. A chamada evolução neutra, por exemplo, é considerada por muitos
biólogos moleculares como um modo importante de evolução, mas é ignorada por
naturalistas, uma vez que genes neutros não são visíveis no fenótipo. Os métodos da biologia
molecular forneceram, também, informações abundantes, o que permitiu uma reestruturação
revolucionária da filogenia de vários grupos de organismos e promoveu mudanças drásticas
na taxonomia. A partir dessas mudanças provocadas pela biologia molecular é que a
taxonomia atual, para muitos pesquisadores, está em crise e necessita ser revista.
Uma perspectiva não fragmentada da biologia, não reduzida ao estabelecimento de
taxonomias que não dialoguem com uma percepção mais ampla do desenvolvimento, pode
contribuir para que se estabeleça uma visão mais orgânica dos processos biológicos, uma
visão mais contextualizada dos seres vivos e sua adaptação ao meio. É importante ressaltar
que a história da genética é complexa e que a tematização no ensino, dessa complexidade que
compõe a historicidade, pode contribuir para um ensino que forme alunos críticos e
preparados para as discussões científicas e tecnológicas nesta área do conhecimento.
A presente pesquisa traz um panorama que poderá auxiliar na averiguação das
principais tendências que têm sido contempladas em propostas para o ensino de genética em
um contexto histórico, oportunizando uma reflexão sobre as pesquisas que vêm sendo
realizadas e publicadas em edições recentes do ENPECs, um dos principais encontros da área
de pesquisa em ensino de Ciência no Brasil.
Metodologia
O presente estudo se fundamenta em levantamento bibliográfico realizado com o
objetivo principal de identificar quais os tipos de pesquisa que vêm sendo realizadas sob a
perspectiva da história da ciência em sua relação com o ensino da genética. Buscou-se,
também, investigar o modo pelo qual os pesquisadores têm se posicionado acerca do tema.
O levantamento das produções bibliográficas que fazem referência ao uso da História
da Ciência no Ensino da Genética apoiou-se nos trabalhos catalogados no banco de dados das
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últimas edições dos Anais publicados do VII e VIII ENPEC (Encontro Nacional de Pesquisa
em Educação em Ciências) ocorridos no Brasil no período de 2009-2011. Considerando que o
evento acontece a cada dois anos, os Anais do IX ENPEC realizado em 2013 deveriam ter
sido contemplados na presente pesquisa, entretanto, os mesmos ainda não se encontravam
disponíveis para consulta no momento da coleta de dados. É importante destacar que, embora
tenham sido analisados apenas os anais de duas edições do ENPECS, enfatizamos a grande
circulação e representatividade deste evento, o que permite justificar a opção por se trabalhar
com este banco de dados.
Para execução do levantamento bibliográfico, foram seguidas as sugestões de Marconi
e Lakatos (1996), que estabelecem possíveis etapas que podem ser seguidas nesse tipo de
investigação: 1) a identificação, fase de reconhecimento do assunto pertinente ao tema em
estudo e que pode ser feita quando o pesquisador identifica e decide ao estudar se o conteúdo
da obra convém ou não ao seu trabalho; 2) reunião e sistematização das informações através
de fichamento, isto é, transcrição dos dados em fichas bibliográficas; 3) leitura e análise.
“Os descritores utilizados na pesquisa foram: “Ensino de Genética”, “História da
Genética”, “Aprendizagem de Genética” e “Genética”. Para análise dos trabalhos foi realizada
uma leitura interpretativa dos resumos a partir de um roteiro, o qual foi elaborado tendo em
vista as categorias adaptadas de Schirmer e Sauerwein (2011). A classificação dos trabalhos
foi realizada com base nas seguintes categorias:
1- Proposta didática implementada: que abarca trabalhos com propostas implementadas
em sala de aula em todos os níveis de ensino.
2- Proposta não implementada: que abrange propostas didáticas estruturadas, ou
minimamente organizadas para a sala de aula, mas não implementadas no ensino.
3- Subsídios e contribuições: que abarcam trabalhos sobre narrações de episódios
históricos, subsídios metodológicos ou epistemológicos e artigos que utilizam
referenciais epistemológicos para caracterizar aspectos da Didática das Ciências entre
outros.
4- Pesquisas em periódicos e eventos: que engloba levantamentos sobre trabalhos
apresentados em periódicos e eventos.
5- Pesquisas em Livros Didáticos: que abrange trabalhos que apresentam pesquisas em
livros didáticos (LD).
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6- Pesquisa sobre concepções: que abarca os trabalhos sobre pesquisas de concepções,
opiniões ou práticas de estudantes, professores ou outros atores do processo.
Resultados e Discussão
Os resultados obtidos a partir das pesquisas dos Anais dos VII e VIII ENPECs são
apresentados na Tabela 1.
Tabela 1: Relação dos trabalhos analisados na presente pesquisa incluindo a indicação do
ENPEC em que apresentada; os títulos, autores e instituições de origem; a inclusão da
História da Ciência* (HC) na pesquisa; e as categorias correspondentes.
EDIÇÕES
DO
ENPEC
VIII
TÍTULO – AUTORES – INSTITUIÇÕES
A divulgação científica como estratégia de ensino dos principais
conceitos básicos de genética.
HC*
CATEGORIAS
N
1Proposta
didática
implementada: que abarca trabalhos
com propostas implementadas em
sala de aula em todos os níveis de
ensino.
S
3- Subsídios e contribuições: que
abarcam trabalhos sobre narrações
de episódios históricos, subsídios
metodológicos ou epistemológicos
e artigos que utilizam referenciais
epistemológicos para caracterizar
aspectos da Didática das Ciências
entre outros.
N
5- Pesquisas em Livros Didáticos:
que
abrange
trabalhos
que
apresentam pesquisas em livros
didáticos (LD).
N
3- Subsídios e contribuições: que
abarcam trabalhos sobre narrações
de episódios históricos, subsídios
metodológicos ou epistemológicos
e artigos que utilizam referenciais
epistemológicos para caracterizar
aspectos da Didática das Ciências
entre outros.
N
4- Pesquisas em periódicos e
eventos: que engloba levantamentos
Autores: Resende, T.A.; Klatau-Guimarães, M.N.
Instituições: Universidade de Brasília
VIII
Análise do tratamento dado à história da genética pelos autores
brasileiros dos livros didáticos indicados à avaliação do pnlem2007.
Autores: Bittencourt. F.B.; Prestes, M.E.B.
Instituições: Universidade de São Paulo
VIII
Estão os livros didáticos de biologia incorporando questões
provindas do campo da pesquisa em ensino da área, como no caso
do ensino de genética?
Autores: Goldbach, T.; Bedor, P.B.A.
Instituições: Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do
Rio de Janeiro
VIII
O conceito molecular clássico de gene como obstáculo pedagógico
no ensino e aprendizagem de genética.
Autores: Silvério, L.E.R.; Maestrelli, S.R.P.
Instituições: Universidade Federal de Santa Catarina
VIII
Pesquisas em ensino de genética (2004-2010).
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Autores: Oliveira, T.B.; Silva, C.S.; Zaneti, J.C.
sobre trabalhos apresentados em
periódicos e eventos.
Instituições: Universidade Estadual Paulista
VIII
Temas da genética contemporânea e o ensino de ciências: que
materiais são produzidos pelas pesquisas e que materiais os
professores utilizam?
N
1- Proposta didática implementada:
que abarca trabalhos com propostas
implementadas em sala de aula em
todos os níveis de ensino.
N
3- Subsídios e contribuições: que
abarcam trabalhos sobre narrações
de episódios históricos, subsídios
metodológicos ou epistemológicos
e artigos que utilizam referenciais
epistemológicos para caracterizar
aspectos da Didática das Ciências
entre outros.
N
4- Pesquisas em periódicos e
eventos: que engloba levantamentos
sobre trabalhos apresentados em
periódicos e eventos.
N
1- Proposta didática implementada:
que abarca trabalhos com propostas
implementadas em sala de aula em
todos os níveis de ensino.
N
3- Subsídios e contribuições: que
abarcam trabalhos sobre narrações
de episódios históricos, subsídios
metodológicos ou epistemológicos
e artigos que utilizam referenciais
epistemológicos para caracterizar
aspectos da Didática das Ciências
entre outros.
N
3- Subsídios e contribuições: que
abarcam trabalhos sobre narrações
de episódios históricos, subsídios
metodológicos ou epistemológicos
e artigos que utilizam referenciais
epistemológicos para caracterizar
aspectos da Didática das Ciências
entre outros.
N
5- Pesquisas em Livros Didáticos:
que
abrange
trabalhos
que
apresentam pesquisas em livros
didáticos (LD).
Autores: Bonzanini, T.K.; Bastos, F.
Instituições: Universidade Estadual Paulista
VIII
Darwinismo ou neodarwinismo nas salas de aula: dificuldades
discentes ou ambivalências docentes?
Autores: Valença, C.R.; Falcão, E.B.M.
Instituições: Universidade Federal do Rio de Janeiro
VII
O que dizem os trabalhos dos anais dos encontros nacionais de
pesquisa em ensino de Ciências sobre ensino de Genética
Autores: Sardinha, R.; Fonseca, M.; Goldbach, T.
Instituições: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio de Janeiro
VII
Os modelos didáticos com conteúdos de genética e a sua
importância na formação inicial de professores para o ensino de
Ciências e Biologia.
Autores: Setúval, F.A.R.; Bejarano, N.R.R.
Instituições: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia;
Universidade Estadual de Feira de Santana; Universidade Federal da
Bahia
VII
Problemas e desafios para o ensino de genética e temas afins no
ensino médio: dos levantamentos aos resultados de um grupo
focal.
Autores: Goldbach, T.; Sardinha, R.; Dyzars, F.; Fonseca, M.
Instituições: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio de Janeiro
VII
A argumentação na produção escrita de professores de Ciências e
o Ensino da Genética
Autores: Valle, M.G.; Motokane, T.
Instituições: Universidade de São Paulo
VII
Reflexões e perspectivas a respeito das atividades experimentais de
genética propostas em livros didáticos.
Autores: Pedroso, C.V.; da Rosa, R.T.N.; Amorim, M.A.L.
Instituições: Universidade Federal de Santa Maria (RS)
VII
Uma abordagem do laboratório de Ciências à luz da epistemologia
genética.
1- Proposta didática implementada:
que abarca trabalhos com propostas
implementadas em sala de aula em
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Autores: Andrade, J.A.P.
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todos os níveis de ensino.
Instituições: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
A partir dos resultados obtidos na presente pesquisa, observa-se que, embora um
grande número de trabalhos tenha sido publicado nos Anais do VII e VIII ENPEC, é baixo o
número de trabalhos de pesquisa ou de propostas didáticas sobre o ensino da genética. Com
relação à inclusão de pesquisas que trazem uma perspectiva história para o ensino da genética,
este dado é ainda muito menor. Dentre os 13 trabalhos reunidos nesta pesquisa, apenas um
deles traz para a pesquisa elementos da história para o ensino da genética. Este dado pode
também ser reiterado com a constatação de que, nos Anais do VIII ENPEC em 2011, na
categoria em que são destinadas as publicações de História, Filosofia e Sociologia da Ciência
no ensino de ciências apresentam-se, no geral, 89 trabalhos publicados, sendo que nenhum
desses trabalhos contempla a história da ciência no contexto da genética.
Da mesma forma que a pesquisa científica, a história da ciência é uma fonte
importante para a definição de conteúdos e para a proposição de estratégias de ensino, em que
um dos eixos de fundamentos filosóficos e sociais envolve o conhecimento de história,
filosofia e metodologia da ciência (SCHEID e FERRARI, 2006). Para Bizzo (1991), a ciência
pode, e deve ser apresentada aos estudantes em sua dimensão mais viva e real; ela é obra de
homens e mulheres que foram influenciados por seu contexto histórico e social. É o saber
sobre esse contexto histórico que entendemos dever estar mais próximo dos estudantes.
Do total de 13 artigos selecionados para a presente pesquisa, 5 deles incluem-se na
categoria 3 onde foram agrupados os trabalhos que não somente trazem questões e narrativas
históricas como elementos para o ensino, mas também discussões acerca dos subsídeos
metodológicos ou epistemológicos para caracterizar aspectos da didática das ciências. Todos
esses 5 trabalhos mencionam o fato da dificuldade em aprender ou ensinar genética dada a
existência de uma barreira epistemológica própria à área, além do conhecimento fragmentado
e descontextualizado evidenciado por grande parte dos alunos e professores. Valença e Falcão
(2009), por exemplo, destacaram problemas de ensino-aprendizagem de evolução devido à
falta de integração desta teoria aos conceitos de genética.
Na categoria 1 foram incluídos 4 artigos que buscam contribuir com ferramentas
didáticos pedagógicas para o ensino da genética. Rezende e Klatau (2009), por exemplo,
propuseram aos estudantes do Ensino Médio uma atividade baseada no livro “Clonagem –
Fatos e Mitos”. De acordo com os pesquisadores, esta estratégia facilitou o aprendizado e
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permitiu a contextualização dos conhecimentos com as aplicações da clonagem e célulatronco.
Na categoria 4, incluem-se dois artigos que trazem levantamentos com base em Anais,
periódicos e eventos sobre o ensino da genética. Com base nos Anais dos eventos da área de
Ensino de Ciências sobre trabalhos relacionados ao ensino de genética e temáticas afins,
Sardinha, Fonseca e Goldbach (2009) puderam identificar três tópicos apontados por grande
parte das pesquisas e que merecem atenção especial para análise sobre ensino de genética: a
abordagem fragmentada, descontextualizada e desatualizada do ensino de genética e área
correlacionadas.
Na categoria 5, incluem-se dois artigos em que os objetos de análise são os livros
didáticos e materiais de apoio ao professor. Pedroso, da Rosa e Amorim (2009), com base nos
resultados da pesquisa realizada em livros didáticos aprovados pelo PNLEM (2007), sugerem
que os livros tragam mais propostas experimentais para a sala de aula, utilizem esquemas,
desenhos e ilustrações dos experimentos, de modo a facilitar a compreensão dos métodos para
a realização da atividade e que os livros didáticos tragam, também, proposições de temáticas
problematizadoras.
Com a presente pesquisa, observou-se que o único trabalho que traz a história da
ciência como elemento de ensino de genética é o de autoria de Bittencourt e Prestes (2011),
que está incluído na categoria 3, de acordo com a classificação descrita na metodologia do
presente trabalho. O episódio histórico analisado pelos autores refere-se à contribuição de
Gregor Mendel para a genética. O trabalho publicado por Bittencourt e Prestes (2011) aponta
alguns problemas quanto à maneira pela qual a história da ciência pode trazer uma visão
equivocada da ciência aos estudantes do ensino médio, quando muitas vezes abordada de
forma superficial, e caracterizando o cientista como sendo único e exclusivamente o
responsável por uma mudança de paradigma na ciência, tratado como um gênio que tenha
desenvolvido as suas ideias de forma linear e crescentemente progressiva.
É preciso observar a relevância do fato de que o único trabalho publicado nos Anais
do ENPEC a fazer referência à história da ciência tematiza justamente à hereditariedade.
Segundo Franzolin e Bizzo (2012), que realizaram pesquisa a respeito do ensino da genética
sob diferentes contextos sociais, curriculares e culturais, em pesquisa realizada junto a
docentes de Universidades brasileiras e estrangeiras, e professores de biologia do ensino
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básico em escolas paulistas, o tema hereditariedade foi o mais preponderantemente
mencionado como sendo básico para o ensino da genética.
Considerações finais
Vários pesquisadores têm ressaltado a importância de se considerar o contexto
histórico científico para a abordagem de questões relacionadas ao ensino. Partindo-se do
pressuposto de que conhecimento científico e conhecimento sobre história da ciência – no
presente caso, sobre história da genética – se configuram em elementos essenciais para a
formação do sujeito na contemporaneidade, faz-se necessário observar, portanto, de que modo
conhecimentos sobre a Genética impactam quando em contato com a realidade da educação
básica, uma vez que, enquanto teorias complementares, essa perspectiva traz em sua própria
constituição um princípio histórico, em que se fundamenta a própria possibilidade de se
observar a síntese do que, geralmente, é observado como áreas distintas, a exemplo da
Genética, Evolução, Ecologia entre outras.
Para Jamieson e Radick (2013), por exemplo, a história contrafatual possibilitou uma
reflexão sobre o trabalho de Mendel e sobre as propostas curriculares para o ensino da
genética. Os autores analisaram a obra de WFR Weldon (1860-1906), um manuscrito não
publicado e intitulado “Theory of Inheritance” (1904-1905), onde Weldon expressou
preocupações sobre a natureza dogmática do Mendelismo. Os autores combinaram a teoria
mendeliana com a biometria e rediscutiram a questão da dominância encontrando uma
explicação muito mais próxima ao defendido por pesquisadores contemporâneos. Com base
na história contrafatual, Jamieson e Radick (2013) propuseram uma reformulação no currículo
ao apresentar as questões de dominância e recessividade numa fase posterior, após os
estudantes já conhecerem as relações gene–ambiente e os processos do desenvolvimento.
Espera-se, portanto, que a presente pesquisa traga contribuições para um
amadurecimento das discussões sobre a melhor maneira pela qual os elementos da história da
ciência, em particular da história da genética, devem constituir-se como aliados no ensino da
genética, considerando-se as particularidades epistemológicas desta área do conhecimento.
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