MEDICINA CIÊNCIA A NOSSA CULPA SUPERFORTES Mutações genéticas tornam esses microorganismos mais potentes BACTÉRIASSUPER-RESISTENTES O HÁBITO DE TOMARMOS ANTIBIÓTICOS ESTÁ CRIANDO ESPÉCIES MAIS FORTES E COM CAPACIDADE MAIOR DE MATAR E m janeiro deste ano, a história da modelo Mariana Bridi ocupou os principais noticiários do País. Com apenas 20 anos e uma carreira aparentemente promissora pela frente, a jovem deu entrada no Hospital Estadual Dório Silva, no Espírito Santo, com queda na pressão arterial. Não demorou muito para que fosse diagnosti- 72 cada uma infecção urinária. Nos 20 dias em que ficou internada, a modelo lutou contra duas fortes bactérias: pseudomonas e estafilococos. Mas Mariana não resistiu e morreu de falência múltipla de órgãos. O caso chocou até especialistas, e a morte da modelo acabou levantando uma questão: o homem é capaz de vencer as bactérias de uma vez por todas? Cerca de 90 trilhões de micróbrios habitam os nossos corpos. Quando trabalham em harmonia, desempenham tarefas variadas e essenciais para o bom funcionamento do nosso organismo, inclusive o de combater aquelas bactérias rebeldes. Mas o uso inadvertido de antibióticos levou ao surgimento de uma nova geração de bactérias malignas capazes de resistir a todas as armas. “É uma guerra sem fim”, diz o infectologista Moacyr Silva Júnior, do Hospital Albert Einstein. Ao passo que as bactérias estão se tornando cada vez mais resistentes aos antibióticos, a comunidade médica não para de pesquisar novas formas de combatê-las. “Há cada vez mais relatos de infecções causadas por microorganismos contra os quais anda não existem opções terapêuticas adequadas”, escreveu no ano passado o microbologista Christian Giske, do Hospital da Universidade Karolisnka, em Estocolmo. Mas nada de chamá-las de “super”. “O termo que costumamos usar é bactérias multirresistentes. O super dá a impressão de que elas são imbatíveis. E não são", afirma Moacyr Silva Júnior. Diferentemente do que podemos pensar, no campo de batalha não estão apenas médicos. Qualquer um pode ajudar a evitar que novas e potentes bactérias continuem a surgir. Uma delas é não tomar antibióticos a troco de nada.“Não adianta achar que tem uma infecção e sair se medicando. É esse uso indiscriminado tanto dos hospitais quanto das pessoas que acaba criando bactérias multirresistentes.” Atualmente estima-se que metade das prescrições de antibióticos seja desnecessária. No Brasil, onde os antibióticos são GALILEU ESPECIAL VESTIBULAR 2009 7ESPVCIENCIA.indd 72 6/5/2009 11:48:44 COMO UMA BACTÉRIA VIRA “SUPER” 1 Ao interromper os antibióticos antes da hora ou ao tomá-los em quantidades menores que as prescritas, o medicamento acaba matando somente as bactérias mais “fracas” — ou aquelas que mantêm o equilíbrio do organismo. 2 O paciente acha que já apresentou melhora e não percebe que as bactérias mais resistentes acabaram ficando no organismo. 3 Assim que a resistência baixa, essas bactérias mais fortes começam a agir, causando infecções e outras doenças. Daí, nem sempre os antibióticos fazem efeito, uma vez que esses microorganismos já se tornaram imunes à medicação. Em alguns casos, pode até ser fatal. vendidos sem receita, a situação pode ser ainda mais grave. Tomar doses menores do que o necessário ou suspender o tratamento precocemente também são fatores que colaboram. Para tentar combater esses costumes, a diretora médica do Laboratório de Microbiologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, Flávia Rossi, alerta para a responsabilidade de cada um:“Quando uma pessoa toma um anti-inflamatório de forma inadequada, o problema é dela. Quando faz isso com um antibiótico, o problema é de todos nós”. Mas como é que surge uma superbactéria? “É darwiniano, uma questão de seleção”, diz Silva Júnior. As bactérias vivem em estado latente, ou seja, hospedadas no corpo, mas sem causar mal al© Divulgação; Shutterstock 7ESPVCIENCIA.indd 73 gum. Ao começar a tomar antibiótico, sem realmente precisar ou de forma negligente, o medicamento mata apenas os organismos mais fracos e acaba deixando vivos os mais fortes. Isso faz com que eles se reproduzam e colonizem aquele organismo hospedeiro. Mas para que essas bactérias sejam nocivas ao organismo elas precisam que haja uma queda de imunidade. E essa ação pode não ser necessariamente no organismo hospedeiro. As bactérias saem de uma pessoa e vão para outra. Paradoxalmente, os hospitais são locais propícios para isso. As pessoas já chegam com a resistência baixa, e às vezes um procedimento invasivo, como uma sonda ou um cateter, acaba permitindo que elas entrem no organismo. Silva Júnior também ressalta dois problemas típicos em centenas de hospitais brasileiros: a superlotação e a falta de higiene. Cerca de 80% dos casos de infecção hospitalar são causados por bactérias endógenas, ou seja, aquelas que já estão no próprio paciente. Quando há pacientes muito próximos um dos outros, aumentam as possibilidades de ocorrer a infecção pelo ar. E muitas vezes os médicos não lavam as mãos entre uma visita e outra. Se um deles tem uma bactéria na pele, por exemplo, isso pode ser um fator de risco. Os números das superbactérias 90 TRILHÕES É o número de micróbios que todos os humanos possuem no organismo. 5% do nosso peso é decorrente dos microorganismos que carregamos. As bactérias que causam doenças também entram nessa porcentagem. Por exemplo, se você pesa 60 quilos, seu corpo carrega 3 quilos só de microorganismos. VÁ FUNDO PARA LER • Dr. Bactéria: um Guia para Passar Sua Vida a Limpo, Roberto Martins Figueiredo. Editora Globo Microbiologia Prática – Roteiro e Manual: Bactérias e Fungos, Mariangela Cagnoni Ribeiro. Atheneu • 5% microorganismos PARA NAVEGAR • www.galileu.globo.com/vestibular2009 GALILEU ESPECIAL VESTIBULAR 2009 73 6/5/2009 11:48:46