IMPLICAÇÕES DO AQUECIMENTO GLOBAL NO BALANÇO HÍDRICO CLIMÁTICO NO AGRESTE DE PERNAMBUCO Ioneide Alves de Souza 1 ; José Roberto G. Azevedo 2 ; André Maciel Netto3 & Antonio Celso Dantas Antonino 4 RESUMO - O presente trabalho tem como objetivo investigar as perspectivas das condições hídricas em escala local, em decorrência do aquecimento global e suas implicações no balanço hídrico climático e nas atividades econômicas. Para avaliar o regime hídrico realizou-se o Balanço Hídrico Climático (BHC), segundo a metodologia de Thornthwaite e Mather (1955), para as condições médias e, posteriormente, usou-se os cenários de temperatura (T+1°C até T+4°) e precipitação mensal (Pmensal – 20% até +20%), para avaliar o comportamento do BHC em decorrência do aquecimento global. Usou-se serie climatológica de precipitação e temperatura do ar, da cidade de Caruaru localizada, no Agreste de Pernambuco. Constatou-se que, em condições normais à oferta de água proveniente da precipitação pluviométrica é insuficiente para atender as necessidades básicas do solo e das plantas. A deficiência hídrica predomina na maioria dos meses, exceto, nos meses de junho e julho quando ocorre a reposição hídrica. Os resultados obtidos com os cenários apontam situação critica para os recursos hídricos, caso estes cenários venham acontecer, a prática de culturas de subsistência (milho e feijão) serão inviáveis nestes municípios. Além de comprometer de um modo geral, a sustentabilidade da população e a conservação do meio ambiente. ABSTRACT - The objective of this work is to investigate the perspectives of water conditions in local scale as a consequence of the global warm process and its applications in climate water balance and in economic activities. In order to evaluate the water regime, the Climate Water Balance was performed (CWB) according to Thornthwaite and Mather Methodology (1955) to average conditions. After that, temperature and precipitation monthly scenarios (T from +1°C to +4ºC; P from -20% to +20%) were used to evaluate the CWB behavior. Climate series of air temperature and precipitation were used in the city of Caruaru in Agreste Region of Pernambuco. The analyses showed that water from precipitation was not enough to attend the basic requirements of soil and plants. The water deficiency predominates in most of months, except for June and July when the water reposition occurs. The results obtained with the scenarios tend to be a critical situation to water resources. If cases like that happen, the subsistence crops cannot be done because they are not reliable to those cities and they put under risk the population sustainability and the environmental conservation. Palavras Chaves: balanço hídrico, aquecimento global e alterações climáticas. 1 Bolsista do CNPq, aluna do curso de doutorado do PROTEN no Depto. de Energia Nuclear – CTG - UFPE, Av. Professor Luiz Freire, 1000, CEP. 50740-540, Cidade Universitária / Recife-PE. Tel. (81) 2126-8252, R. 333, Fax: (81) 2126 8250, e-mail: [email protected] e [email protected] 2 Professor Adjunto, Laboratório de Hidráulica - CTG - UFPE Av. Acad. Hélio Ramos s/n, CEP. 50670-901, Cidade Universitária / Recife-PE. Tel. (81) 2126 8709. E-mail: [email protected] e [email protected] 3 Professor Adjunto, Depto. de Energia Nuclear - CTG - UFPE, Av. Professor Luiz Freire, 1000, CEP. 50740-540, Cidade Universitária. Tel. (81) 2126-7972 Fax: (81) 2126 8250, e-mail: [email protected] 4 Professor Adjunto, Depto. de Energia Nuclear - CTG - UFPE, Av. Professor Luiz Freire, 1000, CEP. 50740-540, Cidade Universitária. Tel. (81) 2126-7972 Fax: (81) 2126 8250, e-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO O sistema climático terrestre é bastante complexo e difícil de ser compreendido pelos cientistas que investigam a magnitude, escala de tempo e impactos das mudanças climáticas em decorrência do aquecimento global. O planeta todo sofrerá com tais mudanças, mas certamente as populações mais pobres, dos países mais vulneráveis, serão as mais suscetíveis aos seus impactos negativos (Jenkin et al. 2005). A principal evidência do aquecimento global vem das medidas de temperatura de estações meteorológicas em todo o globo desde 1860. Os dados com a correção dos efeitos de “ilhas urbanas” mostram que o aumento médio da temperatura foi de +/- 0,6°C durante o século XX, os maiores aumentos foram em dois períodos: 1910 a 1945 e 1976 a 2000 IPCC (2001a). Ainda de acordo com os relatórios do IPCC (2001a e 2001b), há uma projeção de um aumento médio de temperatura do planeta entre 1,4 e 5,8 ºC entre 1990 a 2100. Em relação à precipitação, as previsões indicam que deve ocorrer um aumento na média anual, nas regiões de latitudes mais elevadas, assim como nas regiões equatoriais, em oposição a uma diminuição nas regiões sub-tropicais. Por outro lado, o fenômeno da seca e períodos de estiagens prolongados deve afetar as regiões áridas e semiáridas com maior freqüência alterando o ciclo hidrológico local e regional. Deste modo, um dos maiores desafios a ser enfrentado pela sociedade atual, seja ela em escala global ou local, diz respeito ao gerenciamento, recuperação e conservação da água, visto que esta é um elemento vital e com disponibilidade limitada. No Brasil, são mais de 40 milhões de habitantes que não têm acesso à água de boa qualidade e os rios estão sendo cada vez mais degradados e poluídos com dejetos industriais (Tundisi et al., 2006). Estas condições se agravam ainda mais nas regiões que apresentam vulnerabilidade climática como o Nordeste do Brasil, que freqüentemente enfrenta os problemas da seca e estiagens prolongadas dentro do período chuvoso (Nobre et al., 2001). Segundo Tucci (2003), o impacto do clima sobre os recursos hídricos é um fato de grande relevância social e ambiental, pois, em situação extrema pode comprometer a sustentabilidade da sociedade e a conservação ambiental. Portanto, neste trabalho pretende-se avaliar o comportamento do clima em escala local, por meio de algumas variáveis meteorológicas como: precipitação pluviométrica e temperatura do ar e parâmetros hidrológicos: deficiência e excedente hídrico, por meio do uso de cenários climáticos futuros da precipitação pluviométrica e da temperatura média mensal, com a finalidade de averiguar as conseqüências do aquecimento global no balanço hídrico climático. MATERIAL E MÉTODOS 2 Descrição da Área de Estudo A cidade de Caruaru está localizada, na microrregião do Vale de Ipojuca, no Agreste Pernambucano. A área do município é de 928 Km 2, com acesso pelas BRs 232 e 104. A cidade está situada sobre o maciço da Borborema, com altitude média de 555 m acima do nível do mar, seu clima é semi-árido, com precipitação média anual em torno de 634 mm, o principal período chuvoso concentra-se nos meses de abril a julho. O valor anual da evaporação é superior a da precipitação, a temperatura média varia entre 22° e 30°C sendo a média anual em torno de 24°C. Balanço Hídrico Climático Foram usados dados de precipitação pluviométrica, no período de 1963 a 2005, da cidade de Caruaru, obtidos através da antiga SUDENE e LAMEPE / ITEP e de temperatura do ar, obtidas pelo INMET, no período de 1963 a 1975, para a realização do Balanço Hídrico Climático (BHC) e simular os cenários futuros. O BHC foi realizado segundo a metodologia de Thornthwaite e Mather (1955), com estimativa da evapotranspiração potencial pelo método de Thornthwaite (1948), por intermédio do programa computacional Balanço Hídrico Normal, usando-se uma planilha eletrônica Excel elaborada por Rolim e Sentelhas (1999). Para esta etapa, foram necessários os dados mensais de temperatura média do ar, média mensal de precipitação pluviométrica, coordenadas geográficas, altitude e CAD (Capacidade de Água Disponível), esta define o armazenamento máximo de água no solo, a qual foi adotado em todos os cenários o valor de referência de 80 mm. Com estas informações básicas, o balanço hídrico permite deduzir a evapotranspiração real, a deficiência ou o excedente hídrico e o total de água retida no solo ao longo do ano. Cenários Climáticos Futuros Considerou-se que o aquecimento global implicará em um aumento de até 4°C na temperatura local, por isso, adotaram-se quatro cenários distintos de temperatura do ar com variação nos valores médios mensais de T+1°C até T+4°C. Em relação aos cenários de precipitação, considerou-se uma variação de - 20% até +20% nos valores médios mensais. Foram realizados os balanços hídricos para as condições médias e condições futuras a partir dos cenários pré-estabelecidos. RESULTADOS E DISCUSSÕES Análise da Precipitação Anual A análise do gráfico da Figura 1 nos mostra a distribuição anual da precipitação na cidade de Caruaru, a qual indica tendência no comportamento da precipitação. Entretanto, vale salientar que, se deve ter cautela em afirmar se está ocorrendo tendência no aumento ou redução da precipitação, 3 visto que, a origem das medidas meteorológicas pode conter incertezas de ordem pessoal (grau de maturidade do observador em registrar a informação meteorológica) ou da técnica empregada, esta devido à qualidade dos equipamentos utilizados. Deste modo, partindo-se do pressuposto que os dados meteorológicos usados neste estudo são verdadeiros, pode-se constatar através do gráfico da Figura 1, que há tendência de aumento de precipitação, nos últimos anos e também uma grande variabilidade na distribuição anual da precipitação, característica inerente ao clima semi-árido que predomina na maior parte do Nordeste do Brasil. Pode-se observar que os valores da variação anual da precipitação pluviométrica são superiores, na maioria dos anos analisados no período de 1963 e 2005, aos valores adotados nos cenários futuros, de modo que as variações de -20% até +20% podem ser consideradas “naturais” para o clima local. Por outro lado, resta saber se, com o aumento da temperatura a precipitação disponível será suficiente para atender a demanda hídrica do solo, da vegetação local e do abastecimento humano, visto que aumentará a evaporação e conseqüentemente, as perdas de água para a atmosfera serão maiores. 1200 200 120 1000 150 100 800 100 600 50 400 0 200 -50 20 -100 0 25,5 Precipitação (mm) Desvio relativo (%) Precipitação (mm) 25 24,5 24 80 23,5 60 23 22,5 40 22 21,5 21 05 02 99 20,5 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 20 20 96 19 93 19 90 87 84 Devios relativo (%) 19 19 19 19 81 78 Precipitação anual 19 72 69 66 75 19 19 19 19 19 19 63 0 Linear (Precipitação anual) Figura 1 – Distribuição anual da precipitação pluviométrica, no período de 1963 a 2005, na cidade de Caruaru - PE. Precipitação mensal Temperatura média do ar Figura 2 – Distribuição mensal da precipitação e da temperatura média do ar, na cidade de Caruaru –PE. Análise da Temperatura Média do Ar O gráfico da Figura 2 mostra o comportamento médio mensal da temperatura e da precipitação na cidade de Caruaru. Pode-se constatar que, embora a cidade tenha um clima semiárido, as temperaturas são amenizadas pela altitude do local, de modo que a temperatura média anual fica em torno de 24°C, sendo o mês de Julho o mais frio, com temperatura média em torno de 20,8°C e Dezembro o mês mais quente, com valores médios em torno de 25°C. Em relação ao comportamento mensal da precipitação e da temperatura não há correlação entre estas variáveis meteorológicas. 4 Análise do Balanço Hídrico Climático O gráfico da Figura 3 representa o resultado do BHC em condições médias, o qual indica que em praticamente todos os meses do ano ocorre deficiência hídrica, exceto no mês de julho quando há reposição hídrica, simultaneamente ocorre diminuição nas taxas de evaporação, visto que, nos meses de junho a agosto observa-se as menores temperaturas mensais do ano. Comparando-se os resultados da Figura 3 (condições médias) com os das Figuras 4 e 5 (cenários que representam o acréscimo de 20% na precipitação e de 1° e 4°C na temperatura média mensal), pode-se constatar que, as condições hídricas do solo tornam-se cada vez mais críticas em função do aumento de temperatura do ar, de modo que, mesmo com o aumento da precipitação estas são insuficiente para repor e manter a demanda hídrica do solo. 20 20 0 0 -20 -20 -40 -40 0 -20 -40 -80 mm mm mm -60 -60 -60 -100 -120 -80 -80 -100 -100 -120 -120 -140 Jan Fev Mar Abr Deficiência Mai Excedente Jun Jul Retirada Ago Set Out Nov Dez -160 -180 Jan Fev Reposição Mar Abr Deficiência Figura 3– BHC simulado com a média climatológica da precipitação e da temperatura do ar. Mai Excedente Jun Jul Retirada Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Reposição Mar Abr Deficiência Figura 4 – BHC com precipitação média acrescida de 20% e temperatura média acrescida de 1ºC. Mai Excedente Jun Jul Retirada Ago Set Out Nov Figura 5 – BHC com precipitação média acrescida de 20% e temperatura média acrescida de 4ºC. Através da comparação entre os resultados mostrados no gráfico da Figura 3 com os gráficos das Figuras 6 e 7 que representam o cenário, onde se simulou a redução de 20% da precipitação media. Pode-se constatar que, as condições hídricas do solo são bastante críticas, visto que, o déficit hídrico aumenta nos meses de junho e julho e intensifica-se no período de agosto a fevereiro. Embora pareça insignificante, a redução da precipitação em 20%, juntamente com o aumento de temperatura seja ele de 1°C ou 4°C, as conseqüências são negativas no regime hídrico e certamente ocasionará danos e perdas na capacidade de uso e manejo dos solos, no meio ambiente e na sustentabilidade da população. 20 0 0 -20 -20 -40 -40 -60 0 -20 -40 -60 -80 mm mm mm -60 -80 -80 -100 -100 -120 -100 -120 -140 -160 -180 -140 -120 Jan Fev Mar Deficiência Abr Mai Excedente Jun Jul Retirada Ago Set Out Nov Dez Reposição Figura 3– BHC simulado com a média climatológica da precipitação e da temperatura do ar. -200 Jan Fev Mar Deficiência Abr Mai Excedente Jun Retirada Jul Ago Set Out Nov Dez Reposição Figura 6 – BHC com precipitação media e redução de 20% e temperatura média acrescida de 1ºC. Dez Reposição Jan Fev Mar Abr Deficiência Mai Excedente Jun Retirada Jul Ago Set Out Nov Dez Reposição Figura 7 – BHC com precipitação media e redução de 20% e temperatura média acrescida de 4ºC. 5 CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES Diante do cenário atual das limitações dos recursos hídricos e das futuras alterações no regime climático em decorrência do aquecimento global, é importante atentar para as conseqüências que os nordestinos, em especial os sertanejos poderão enfrentar, pois, de acordo com os resultados obtidos neste estudo, referente à cidade de Caruaru – PE, pode-se concluir que um aumento de temperatura do ar seja ele de 1°C ou 4ºC ocasionará um grande impacto nas reservas hídricas (corpos hídricos superficiais e no lençol freático), visto que aumentará a evaporação, ressecamento nos solos e salinização. Por outro lado, se houver um acréscimo de 20% na precipitação media, esta ainda será insuficiente para atender as necessidades básicas do solo, da vegetação e da sociedade. AGRADECIMENTO Agradecimentos ao CNPq pelo aporte financeiro, referente à bolsa de Doutorado, processo 141788/2003-8. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CORTEZ, H. Série: Consciência e Meio ambiente - Aquecimento global e água, setembro 2004. 116p. IPCC (2001) Climate Change 2001: Impact’s, Adaptation and vunerability. A Report of working Group II of Intergovernmental Panel on Climate Change. JENKINS, G; B, R.; C. M.; G.D; L. J; W. R. Stabilising climate to avoid dangerous climate change - a summary of relevant research at the Hadley Centre. Hadley Centre, January 2005. REBOUÇAS, A. C; BRAGA, B. e TUNDISI, J. G. AGUAS DOCES NO BRASIL: Capital ecológico uso e conservação. 3. ed. – São Paulo: Escritura Editora, 2006. TUCCI, C.E. M e BRAGA, B. Clima e Recursos Hídricos no Brasil. Porto Alegre: ABRH, 2003. NOBRE, P. e MELO, A.B.C. Variabilidade climática intra-sazonal sobre o nordeste do Brasil em 1998 – 2000. Climanálise ,CPTEC/INPE, SÃO PAULO, Dezembro, 2001. ROLIM, G. S. & SENTELHAS, P.C. 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