Detecção precoce de câncer de pulmão

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tórax
Detecção precoce
de câncer de pulmão
D
OENÇA RARA E DIGNA DE POUCA ATENÇÃO NO
INÍCIO DO SÉCULO
20, O CÂNCER DE PULMÃO
João Claudio Cote
TORNOU-SE NAS ÚLTIMAS DÉCADAS UM DOS
Fernando C. Abrão
Médico do Núcleo Avançado de
Tórax do Hospital Sírio-Libanês
Riad N. Younes
Professor livre-docente da
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo;
Coordenador do Núcleo Avançado
de Tórax do Hospital Sírio-Libanês
Contato: [email protected]
tipos mais frequentes – e de maior mortalidade –
de câncer no mundo. Em 2002, foram estimados
169.400 novos casos e 154.900 mortes por câncer
de pulmão nos EUA, representando 25% dos óbitos
por câncer naquele país.
Em 2008, a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC), da Organização Mundial
da Saúde, estimou 12,4 milhões de casos novos e
7,6 milhões de óbitos por câncer no mundo.
Destes, o mais incidente foi o câncer de pulmão
(1,52 milhão de casos novos). Devido ao mau
prognóstico, ele também foi a principal causa de
morte (1,31 milhão), seguido por câncer de estômago (780 mil óbitos) e fígado (699 mil óbitos).
Para América do Sul, Central e Caribe, foram estimados naquele mesmo ano cerca de 1 milhão de
casos novos de câncer e 589 mil óbitos. Em
homens, o mais comum foi o câncer de próstata,
seguido por pulmão. Em mulheres, o mais frequente foi o câncer de mama, seguido do de colo
do útero, cólon e reto, estômago e pulmão (World
Cancer Report, 2008).
No Brasil são esperados 28 mil novos casos de
câncer de pulmão em 2011.
Mesmo com a diminuição do tabagismo, influenciada por campanhas governamentais e da sociedade civil no mundo todo, a população de risco
para câncer de pulmão continua elevada. Em 2007,
cerca de 90 milhões de pessoas nos EUA relatavam
história de tabagismo, sendo que metade fumava
constantemente. Portanto, apesar da redução da incidência do tabagismo, a população de ex-fumantes, cujo risco de apresentar câncer de pulmão é
alto se comparada àquela nunca exposta ao tabagismo, permanece elevada.
Esse cenário mostra que o câncer de pulmão
continuará a ser um dos problemas de saúde pública nas próximas décadas que poderia se beneficiar de um programa de screening efetivo.
O câncer de pulmão permanece ao longo dos
anos como uma doença extremamente letal. Apesar
dos avanços no estadiamento e no tratamento, a sobrevida não é animadora. Nos países desenvolvidos, de 13% a 21% dos portadores de câncer de
pulmão apresentam uma sobrevida de cinco anos
– índices que caem para 7% a 10% em países em
desenvolvimento.
O diagnóstico precoce tem um papel fundamental na sobrevida: a sobrevida em cinco anos em
pacientes em estádios iniciais (IA) chega a 70%, enquanto pacientes em estádio IV (metástases a distância) apresentam sobrevida de 2%. No cenário
atual, no entanto, cerca de 75% dos pacientes com
câncer de pulmão apresentam-se em estádios
avançados ao diagnóstico, limitando muito as
chances de cura.
Nesse contexto, e cientes de que a única forma
de melhorar o prognóstico é tratar os pacientes em
estádios mais precoces, a prevenção e a detecção precoce ganharam espaço dentro da comunidade médica
envolvida no tratamento do câncer de pulmão.
Diagnóstico precoce
O objetivo do diagnóstico precoce, foco deste artigo, é detectar a doença em estádio passível de cura
ou controle. O rastreamento deve identificar a
doença em pessoas assintomáticas com risco de
câncer de pulmão (não há padronização nos estudos sobre alto risco, mas geralmente são alocados
pacientes maiores de 55 anos, com carga tabágica
maior que 20 maços/ano) e, após instituição do
tratamento, deve ocorrer modificação da evolução
da doença com diminuição da mortalidade.
Desde os anos 1960 são realizados estudos para
definir se há benefício no rastreamento do câncer
de pulmão. Alguns fatores, no entanto, foram identificados como fontes de confusão na interpretação
de tais pesquisas, independentemente do exame
usado, como o viés de lead time e length time.
Lead time é o período entre a detecção precoce
do câncer após o teste de rastreamento e a detecção
do câncer após aparecimento dos sintomas. Nesse
caso, porém, apesar do diagnóstico e do tratamento
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precoce, pode-se não saber se houve mudança na mortalidade se comparado a um paciente que recebeu o mesmo tratamento sem ser submetido a screening.
Length time é o período de crescimento do tumor, portanto a probabilidade de detecção da doença está relacionada à sua velocidade de
crescimento. Tumores indolentes, de melhor prognóstico, têm crescimento lento e, portanto, serão maioria nos pacientes submetidos à detecção precoce, produzindo aumento aparente de incidência. O
comportamento indolente também pode levar a uma maior sobrevida.
Nesse contexto, questiona-se o fato de que tumores agressivos não seriam detectados no rastreamento e, ainda, que muitos desses tumores
indolentes não teriam relevância clínica (overdiagnosis), podendo não
afetar os pacientes.
A maneira mais fidedigna e clara de eliminar tais fatores de confusão é através de estudos randomizados controlados, em que as mortalidades dos dois grupos do estudo (screening X grupo controle)
possam ser comparadas. Esse dado mostraria o real benefício (ou não)
de um programa de rastreamento para câncer de pulmão.
Entre os métodos já avaliados para detecção precoce encontram-se
radiografia de tórax, citologia de escarro, tomografia computadorizada
de baixa dosagem (TCBD) e marcadores biomoleculares. Hoje, o principal foco dos estudos são TCBDs envolvendo grandes ensaios, sendo o
mais promissor o exame de rastreamento. Com menor impacto, temos
os estudos de marcadores biomoleculares.
Estudos antigos e atuais
Os primeiros grandes estudos de screening para câncer de pulmão
ocorreram nos anos 1970. Estudos dos centros norte-americanos Memorial Sloan-Kettering e Johns Hopkins avaliaram citologia de escarro
e radiografia de tórax anual, mas nenhum deles mostrou diferença de
mortalidade em relação ao grupo controle. Um terceiro estudo, realizado pela Mayo Clinic (The Mayo Clinic Project), examinou 9.211
participantes de forma randomizada, através de radiografia associada
a citologia de escarro, também sem mostrar benefício do braço intervencionista. Outro grande estudo daquela época, realizado na antiga
Tchecoslováquia, comparou radiografia e citologia de escarro a cada
seis meses por três anos, e a cada ano após esse período, versus os
mesmos exames apenas anualmente. Esse estudo também não mostrou
diferença de mortalidade entre os grupos avaliados.
Esses quatro estudos foram conduzidos numa época em que a
maior prevalência era de carcinomas epidermoides, que geralmente
são centrais e, portanto, de identificação mais difícil em radiografia
simples. No entanto, nas últimas décadas, o adenocarcinoma, que se
apresenta frequentemente na periferia do pulmão e de identificação
mais fácil em radiografia, se transformou na maior incidência entre os
carcinomas broncogênicos. Métodos aplicados há décadas seriam, portanto, mais eficazes atualmente.
Com o advento da TCBD, no entanto, a radiografia de tórax perdeu
espaço nos estudos de screening de câncer de pulmão. Utilizando
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menor dosagem de radiação, que possibilita repetição com maior frequência, fundamental para um exame de rastreamento, essa tomografia
permite a aquisição de imagens de baixa resolução do parênquima pulmonar. Ela possibilita também a visualização de nódulos muito pequenos (estádio precoce IA), com consequente avaliação de seus
aspectos e avaliação de crescimento.
Estudos prévios já demonstraram que esse exame detecta nódulos
até três vezes menores do que a radiografia. A ausência de estudos randomizados completos com grupo controle analisando esse exame,
porém, limita a interpretação baseada nos fatores de confusão anteriormente descritos.
Merecem destaque os seguintes estudos não randomizados de TCBD:
- O estudo I-ELCAP, em 2006, publicou o resultado do rastreamento de 31.567 participantes com risco de câncer de pulmão. Esse
rastreamento resultou no diagnóstico de 484 casos de câncer de pulmão, dos quais 85% em estádio I. O estudo, porém, não permitiu conclusões sobre mortalidade, já que não havia grupo controle. Isso
acabou por impossibilitar a exclusão do viés de lead time.
- Em 2010, no Journal of the American Medical Association (JAMA),
um estudo de caráter longitudinal avaliou 3.246 participantes provenientes de três séries (Mayo Clinic e Moffitt Cancer, nos EUA, e Instituto Tumori Milano, em Milão, Itália). Os resultados mostraram
aumento da incidência e das ressecções, porém os casos avançados e
a mortalidade não foram alterados. A interpretação desses resultados
merece cautela, também devido ao desenho do estudo, não controlado
e randomizado, além do número pequeno de pacientes.
Atualmente estão em andamento dois estudos randomizados e controlados avaliando a TCBD na detecção precoce de câncer de pulmão.
Trata-se do National Lung Screening Trial, nos EUA, que já apresenta resultados iniciais animadores, e do NELSON Trial, na Europa.
O National Lung Screening Trial, que envolveu mais de 50 mil pacientes, transformando-se no maior estudo de screening de câncer de
pulmão na população de alto risco, é um estudo randomizado e controlado comparando TCBD e radiografia simples de tórax. Esse estudo
avaliou fumantes com carga tabágica elevada e ex-fumantes. Oficialmente aberto em setembro de 2002, a pesquisa recrutou 53.456 pacientes até abril de 2004, quando a seleção de pacientes foi encerrada.
Cada participante foi randomizado e submetido imediatamente ao
exame de screening. Esse mesmo exame foi repetido anualmente por
dois anos e o desfecho primário foi mortalidade por câncer de pulmão.
O último ciclo de exames foi em meados de 2007, com os
seguintes desfechos secundários: incidência de câncer de pulmão e
morbidade relacionada ao screening e ao tratamento por ele desencadeado. A avaliação de custo benefício e qualidade de vida será
realizada posteriormente com a mesma amostra de pacientes.
Segundo os autores, a radiografia de tórax foi incluída no grupo
controle por não estar claro na literatura seu real papel no screening de
câncer de pulmão, o que poderia tornar sua exclusão um motivo de
questionamento de possíveis resultados positivos relacionados a TCBD.
Em relação à estrutura desse estudo, algumas considerações merecem citação. O estudo envolveu 33 centros médicos dos EUA e o recrutamento dos pacientes foi feito através de cartas e veículos de
comunicação de massa. Os interessados foram triados para avaliação
quanto aos critérios de elegibilidade: 55 a 74 anos; carga tabágica
maior ou igual a 30 maços/ano; ex-fumantes que cessaram o uso de
tabaco há menos de 15 anos. Uma vez elegíveis, os pacientes eram
agrupados (em grupos de seis a oito) baseados em sexo, idade e centro
médico de origem. Todos os tomógrafos tinham multidetectores (quatro detectores, no mínimo) e a aquisição das imagens foi feita numa
única inspiração do paciente.
Os resultados finais desse estudo ainda não foram divulgados.
Porém, devido ao resultado inédito e positivo em relação a TCBD, os
autores publicaram, em novembro de 2010, os dados de mortalidade,
que mostram redução de 21% no grupo submetido a TCBD como
screening. Apesar de o estudo ainda não ter sido totalmente concluído,
essa publicação inicial mostra algo novo e promissor em relação à detecção precoce de câncer de pulmão. Outro aspecto importante sobre
esse resultado inicial é a abertura de novas perspectivas relacionadas
aos estudos de marcadores moleculares associada a pacientes rastreados com TCBD (nacional).
Igualmente randomizado e controlado, o estudo NELSON vem
sendo realizado na Holanda, na Bélgica e na Dinamarca, envolvendo 20
mil pacientes randomizados entre TCBD e grupo controle sem nenhum
exame de screening. Não houve publicação de resultados sobre mortalidade até o momento. No entanto, foi observado que a incidência de
câncer de pulmão no grupo TCBD é maior do que no grupo controle.
Apesar de pouco lembrado, deve-se ressaltar que o rastreamento
por exames de imagem não é desprovido de complicações. Alguns estudos mostraram que a taxa de falso positivo não é desprezível. Na
série da Mayo Clinic, por exemplo, dos 51% dos indivíduos rastreados
com nódulo, apenas 14% eram câncer de pulmão. Portanto, o acom-
panhamento prolongado associado à ansiedade gerada pelo diagnóstico de nódulo pulmonar deve ser levado em consideração.
Outro método promissor, mas ainda com resultados menos concretos, é o rastreamento por marcadores biomoleculares. Vários estudos incluindo análise de escarro, rastreamento de compostos orgânicos
exalados na respiração e alteração de DNA estão sendo conduzidos
para identificar possíveis técnicas menos invasivas de rastreamento.
Ainda sobre essas técnicas, existe uma estratégia de rastreamento
em estudo que avalia o uso da análise proteômica como instrumento
de detecção precoce do câncer de pulmão. Essa técnica identifica
padrões de alterações protéicas no sangue que poderiam ser compatíveis com câncer de pulmão. No entanto, os estudos de marcadores
biomoleculares não têm resultados aplicáveis atualmente. Não há estudos de custo-benefício para screening de câncer de pulmão.
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Recomendações finais
O rastreamento precoce de câncer de pulmão é estratégia promissora
para diminuir mortalidade, principalmente após a publicação inicial,
em novembro de 2010, dos resultados iniciais do National Lung
Screening Trial. Portanto, a aplicação individualizada pode ser feita
atualmente, desde que o paciente esteja ciente e de acordo com as possíveis angústias que possam ocorrer durante o rastreamento. Da
mesma forma, o médico deve estar ciente de algumas características
que envolvem o screening, citadas abaixo:
- Os pacientes candidatos ao rastreamento devem ser fumantes ou
ex-fumantes que cessaram tabagismo há menos de 15 anos, com carga
tabágica maior ou igual a 30 maços/ano, e idade entre 55 e 74 anos.
- O rastreamento por TCBD pode ter resultados falso-positivos e
falso-negativos.
- A probabilidade de outras avaliações, incluindo métodos invasivos, serem necessárias em consequência do rastreamento é relativamente alta.
- O tratamento agressivo é necessário para que se obtenha benefício da descoberta do câncer de pulmão.
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