ARTIGO DE REVISÃO Metabolismo da glutamina na célula tumoral. METABOLISMO DA GLUTAMINA NA CÉLULA TUMORAL A.M.C.R.P. da F. Martins Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal, Instituto Biológico, Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO Neoplasias são doenças com alterações no DNA, provocadas por diversos eventos.Sua origem é monoclonal e com desenvolvimento e instabilidade gênica, novos clones surgem. Os atributos neoplásicos (cariótipo, invasibilidade, suscetibilidade a anti-neoplásicos, ritmo de crescimento, suscetibilidade hormonal, capacidade metastática) são heterogêneos, exigindo fluxo energético alto, macromoléculas e nitrogênio. Assim, as vias metabólicas nessas células garantem-lhes precursores para a síntese de lipídeos estruturais e reguladores, DNA e RNA. Célula tumoral usa qualquer substrato como fonte energética: glicose, lipídeos, corpos cetônicos e aminoácidos, competindo com o hospedeiro pela glicose. Glutamina e alanina são dois transportadores de nitrogênio e esqueleto carbônico entre os diferentes tecidos.O íon amônio é extremamente tóxico às células devendo ser carreadas por aminoácido.Portanto, a glutamina torna-se a principal fonte de nitrogênio das células tumorais, acarretando profundas mudanças no metabolismo do hospedeiro pelas crescentes necessidades de glutamina pelas células. Glicólise e glutaminólise não são essenciais a neoplasias, são antes oportunidades estratégicas favoráveis á sobrevivência e proliferação em circunstâncias de carência de nutrientes e oxigênio. Nas células tumorais ocorre a expressão de glutaminase P-dependente mitocondrial e de malato-NAD(P)-dependente descaboxilase mitocondrial,enzimas que oxidam piruvato e acetil CoA. Conversão de glutamina à lactato, é chamada glutaminólise e tem a função de produzir energia, glutamato,citrato e aspartato.A concentração da glutamina é inversamente proporcional ao crescimento da neoplasia, com aumento da glutaminase e diminuição, prescindível nos tumores, da glutamina sintetase. O estudo das vias metabólicas das células tumorais oferece subsídios ao combate às neoplasias. Como os tumores também sintetizam menos aminoácidos que as células normais e (necessitam receber suplementos em aminoácidos do fluido extracelular e carbono,) tornam-se vulneráveis aos bloqueadores de transporte de aminoácidos sendo esta uma base de terapia contra o câncer. PALAVRAS-CHAVE: Glutamina, glutaminase, metabolismo, neoplasia. ABSTRACT METABOLISM OF GLUTAMINE IN THE TUMOUR CELL. Neoplasms are illnesses with alterations in the DNA, caused by various events. Their origin is monoclonal and, after development and genic instability, new clones appear. Neoplasic attributes (cariotype, invasiveness, antineoplasic susceptibility, growth rate, hormonal susceptibility, metastatic capability) are heterogeneous, demanding high-energy flow, macromolecules and nitrogen. Thus the metabolic ways in these cells give them the premises for the synthesis of structural and regulating lipides, DNA and RNA. A tumorous cell uses any substratum as an energy source: glucose, lipids, cetonic bodies and amino acids, competing with the host for glucose. Glutamine and alanine are two nitrogen and carbon framework carriers in various tissues. Ammonium ion is extremely toxic to cells, having to be carried by amino acid. Therefore glutamine results to be the main nitrogen source for tumorous cells, causing deep changes in the metabolism of the host, through an increasing need of glutamine by the cells. Glycolysis and glutaminolysis are not essential to neoplasms, they are primarily strategic opportunities of survival and proliferation under circumstances of lack of nutrients and oxygen. In tumorous cells the expression of mitochondrial P-dependent glutaminase and mitochondrial Pdependent malato-NAD decaboxylase, enzymes which oxidate pyruvate and acetyl CoA, occurs. Conversion of glutamine into lactate is called glutaminolysis; its function is to produce energy, glutamate, citrate and aspartate. The glutamine concentration is inversely proportional to the neoplasm growth, with an increase of glutaminase and a decrease, dispensable in tumours, of glutamine synthetase. The study of the metabolic ways of tumorous cells provides a support in the struggle against neoplasms. Since tumours also synthesize less amino acids than normal cells (they Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, n.2, p.231-237, abr./jun., 2003 231 232 A.M.C.R.P. da F. Martins need to receive supplementary amino acids from the extracellular fluid and carbon) they become vulnerable to a blockage of amino acid carriers, this being the base of a therapy against cancer. KEY WORDS: Glutamine, glutaminase, metabolism, neoplasm. Breve histórico dos estudos envolvendo metabolismo em células tumorais 1889 - Muller, E. constata uma grande perda de nitrogênio em um elevado número de pacientes com câncer (PARRY-BILLINGS et al., 1991). 1926 - Warburg, O. demonstra que a glicólise aeróbica é característica em uma grande variedade de tumores (MEDINA et al.,1990). 1930 - Warburg, O. propõem que a taxa glicolítica aumentada nas células tumorais deve-se a menor capacidade respiratória dessas células, como no efeito Pasteur (MATSUNO, 1987). 1951 - Mider,H. demonstra que os tumores assimilam o nitrogênio proveniente tanto da dieta quanto das proteínas do hospedeiro (MEDINA et al.,1990). 1960 - Kvamme, E. & Svenneby, G. descobrem que, em condições aeróbicas, as células ascíticas de Ehrlich podem metabolizar a glutamina rapidamente (MEDINA et al.,1990). 1961 - Cole, E.R. & Johnstone, I.L. demonstram que a metabolização de glutamina nas células ascíticas de Ehrlich tem como principais produtos: glutamato, aspartato, NH4+ e CO2(MEDINA et al.,1990). 1979 - Reitzer, L. demonstra que a oxidação da glutamina pode prover quase toda a necessidade de energia das células tumorais HeLa (MATSUNO, 1987). 1980 - Eigenbrodt, E. constata que os tumores apresentam metabolismo de carboidratos alterados (MAZUREK et al., 1997). 1982 - McKeehan, W.L. postula que a quebra da glutamina leva a um aumento de piruvato na mitocôndria, em um processo linear (MEDINA et al.,1990). 1984 - Moreadith, R.W. & Lehninger, A.L.concluem que existe compartimentalização citosol/mitocôndria dos processos glutaminolíticos (MEDINA et al.,1990). 1986 - McKeehan, W.L. finalmente estabelece que a glutaminólise ocorre no interior da mitocôndria, como processo compartimentalizado (MEDINA et al.,1990). 1987 - Matsuno, T. sugere uma possível interação entre o carreador de glutamina para o interior da mitocôndria e o processo de hidrólise do grupo amido sem, no entanto, esclarecer tal interação (MATSUNO, 1987). 1988 - Medina, M.A. confirma a glutamina como substrato respiratório das células tumorais, enquanto o aspartato é o principal produto glutaminólise quantitativamente (MEDINA et al.,1990). 1988 - Quesada, I. purifica a glutaminase P-dependente, enzima que inicia a catalização da glutamina, a partir de células ascíticas de Ehrlich (MEDINA et al.,1990). Célula tumoral As neoplasias são consideradas doenças a partir de alterações à nível de DNA que podem ser provocadas por diversos "eventos". Têm origem monoclonal e com seu desenvolvimento e instabilidade gênica novos clones podem surgir. Peres Tamayo em 1987 definiu neoplasia como uma proliferação anormal de tecido novo com três características singulares: a) é descontrolado; b) não tem finalidade; c) é agressivo ao hospedeiro (COTRAN et al., 2000). Todas as neoplasias, benignas e malignas, possuem dois componentes básicos: 1) células neoplásicas em proliferação que constituem seu parênquima. É possível encontrar células grandes e outras extremamente pequenas, com aspecto primitivo. Caracteristicamente os núcleos contém grande quantidade de DNA (hipercromatismo) e a relação núcleo citoplasma aproxima-se de 1:1; 2) estroma de apoio formado por tecido conjuntivo e vasos sangüíneos (COTRAN et al., 2000). Na maioria dos casos, a distinção entre neoplasias benignas e malignas pode ser feita com considerável certeza pois seus comportamentos são coerentes. Assim, as distinções são dadas pela: A) Diferenciação refere-se ao grau de semelhança das células parenquimais neoplásicas às células correspondentes normais, morfológica, funcional e bioquimicamente (COTRAN et al., 2000). Em geral, os tumores benignos são bem diferenciados e os malignos variam de bem diferenciados à anaplásicos. A Anaplasia (indiferenciação) é característica fundamental da transformação maligna (COTRAN et al., 2000). Quanto maior a diferenciação, mais completa será a conservação das funções celulares. Descendo na escala de diferenciação, as enzimas e vias especializadas do metabolismo são perdidas ou alteradas e as células sofrem simplificações funcionais (COTRAN et al., 2000). Portanto, células neoplásicas anaplásicas podem assemelhar-se mais umas às outras, independente do tecido que lhes deram origem, ocorrendo o fenômeno da convergência bioquímica (COTRAN et al., 2000). Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, n.2, p.231-237, abr./jun., 2003 233 Metabolismo da glutamina na célula tumoral. Fig. 1 - Cascata metastática- Ilustração esquemática das etapas de seqüenciais na disseminação hematogênica de um tumor (ROBBINS et al.,2000). B) Ritmo de crescimento: generalizando, a maioria dos tumores benignos cresce lentamente por períodos de vários anos, enquanto os cânceres o fazem rapidamente com ritmo inconstante, disseminando-se e matando o hospedeiro (ROBBINS et al., 2000). C) Invasão local: quase todos os tumores benignos crescem como massas expansivas e compactas, permanecendo no local de origem. Não invadem, infiltram ou metastizam. Os malignos crescem por infiltração progressiva, invasão e destruição do tecido circundante (ROBBINS et al., 2000). D) Metástase: implantes tumorais sem continuidade com o tumor primário e caracteriza de modo inequívoco uma neoplasia maligna. As células tumorais na circulação têm a capacidade de promover a adesão de plaquetas ao seu redor, permanecendo protegida do ataque de linfócitos. E quando ancora dentro de um capilar, forma-se ao redor uma malha de fibrina que a protege, através dos receptores de laminina (COTRAN et al., 2000). Parece que, como acontece com vários outros atributos (cariótipo, invasibilidade, suscetibilidade a antineoplásicos, ritmo de crescimento, responsividade hormonal), a capacidade metastática é heterogênea também (COTRAN et al., 2000). Durante a cascata metastática as células tumorais (Fig 1) terão que penetrar na MEC. A primeira barreira é a membrana basal do órgão, depois penetrar na matriz extracelular e acessar a circulação, passando pela membrana basal vascular. O mesmo ocorre quando as células deixam a árvore vascular e se instalam na MEC de órgão distante. Portanto um importante tributo da célula tumoral é: aderir, digerir, degradar e penetrar na matriz extracelular (COTRAN et al., 2000). Tais processos exigem um fluxo de energia constante, macromoléculas e nitrogênio (MEDINA etal.,1992). A divisão celular, por exemplo, exige uma alta produção de macromoléculas. Assim, as vias metabólicas predominantes nessas células devem garantir-lhes o fornecimento de precursores para a síntese de lipídios estruturais e reguladores, DNA e RNA (CURI et al., 1994). MEDINA et al.,1992 citam vários trabalhos os quais mostram que a célula tumoral é capaz de usar qualquer substrato como fonte energética: glicose, lipídeos, corpos cetônicos e mesmo aminoácidos. Glicose e ácidos graxos de cadeia longa diminuem a taxa de utilização de glutamina, indicando que células tumorais dão preferência aos primeiros se presentes (MEDINA et al.,1990). As células tumorais competem com o hospedeiro pela glicose levando à uma progressiva hipoglicemia e depleção do glicogênio hepático; competindo, também, pelo nitrogênio, levando a um balanço negativo com acentuada perda de peso, com um recíproco aumento de nitrogênio tumoral (MEDINA et al.,1992). Glutamina Oxigênio Carbono Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, n.2, p.231-237, abr./jun., 2003 Nitrogênio Hidrogênio 234 A.M.C.R.P. da F. Martins Em MEDINA et al.,1992) vemos que a alanina e a glutamina são dois eficientes transportadores de nitrogênio e esqueleto carbônico entre os diferentes tecidos no organismo vivo. O íon amônio é extremamente tóxico à maioria das células, a menos que seja carreado por um aminoácido. Assim, a glutamina (Quadro 1) torna-se a principal fonte de nitrogênio das células tumorais. Isso acarreta profundasmudanças no metabolismo do hospedeiro, acomodando-o às necessidades crescentes de glutamina do tumor tanto como fonte de energia como para síntese de novos componentes nitrogenados, inclusive purinas e pirimidinas. Assim, o tumor leva à respostas específicas do metabolismo do nitrogênio, de modo que todo o organismo hospedeiro é mobilizado para que a taxa circulante de glutamina aumente (MEDINA et al.,1992). Em condições normais, a concentração plasmática de aminoácidos livres mostra níveis constantes no balanço de nitrogênio. No entanto, esse equilíbrio é alterado na presença de neoplasias por: a) variação na ingestão de proteínas; b) mudanças na absorção intestinal; c) alterações na biossíntese de aminoácidos não essenciais no fígado; d) mudanças na quebra oxidativa tecidual de aminoácidos; e) diferenças entre síntese de proteínas e atividade proteolítica tecidual; f) demanda tumoral de aminoácidos essenciais e não essenciais durante a proliferação de células neoplásicas. Em estudos com carcinoma ascítico de Ehrlich sobre a concentração de aminoácidos plasmáticos e em fluidos ascíticos, mostrou-se que a concentração de glutamina plasmática era mais alta que a do fluido, em camun- dongos. A baixa concentração de glutamina no fluido ascítico indica intensa captação desse aminoácido pelas células tumorais. No entanto, o consumo de glicose e aminoácidos por células tumorais é muito superior às próprias necessidades metabólicas, aparentemente um desperdício sem proveito (MEDINA et al.,1990). Essas células, portanto, são consideradas seqüestradoras de glicose e nitrogênio(MEDINA et al.,1992). Glicólise Nos últimos anos, muito tem se estudado as interações do metabolismo da glicose e da glutamina em diferentes tipos celulares. Sendo que, em alguns casos, o metabolismo da glicose interfere no da glutamina e vice-versa (MEDINA et al.,1990). Aparentemente nenhuma das duas vias é essencial à formação de neoplasias. Representam oportunidades estrategicamente favoráveis à sobrevivência e proliferação em circunstâncias de carência de nutrientes e oxigênio. Normalmente é aceito que neoplasias altamente malignas "cresçam" com pouca vascularização, portanto, altas taxas glicolíticas e glutaminolíticas suprem essa falta de vascularização, permitindo que o tumor sobreviva em áreas de hipóxia (MAZUREK et al., 1997). As células malignas são menos coesas que as correspondentes normais e a locomoção pode ser resultado, em grande parte, dos fragmentos quimiotáticos da degradação da MEC (Matriz Extracelular). Além disso, alguns tumores podem Quadro 1 – Glutamina e seu metabolismo em diferentes tipos celulares. A glutamina é um aminoácido bastante versátil que junto com a alanina representam 50% dos aminoácidos exportados pelo músculo esquelético a partir de outros aminoácidos, produzidos pela glutamina sintetase (MEDINA et al.,1992). O carreador da glutamina não caracterizado, é provavelmente um mecanismo unicarregador neutro, podendo ser inibido pelo mersatyl (bloqueador de grupo sulfidril) (MATSUNO, 1987). O fígado saudável apresenta níveis altos de atividade da glutamina sintetase e glutaminase, em equilíbrio, dependendo das condições metabólicas. Representa, portanto, o principal regulador da homeostasia da glutamina, estando a glutamina sintetase no citosol de hepatócitos e a glutaminase na membrana interna mitocondrial. Por isso, fala-se em compartimentalização do metabolismo da glutamina (MEDINA et al.,1992). Em alguns animais, inclusive em cães, macacos e no homem há consumo renal de glutamina; animais como cobaia produzem a glutamina e outros, como os ratos, produzem e consomem muito pouco a glutamina. Essa diferença é pela variação dos níveis de glutamina sintetase. Por exemplo, está ausente em rins de homem, cobaia, cães e gatos (MEDINA et al.,1992). No SNC, a glutamina é precursora do glutamato e GABA (neurotransmissores). Sua importância reside no fato de ser a única via capaz de eliminar íons de amônio, altamente tóxico ao SNC. A glutamina sintetase localiza-se principalmente em astrócitos e a glutaminase em terminações nervosas (MEDINA et al.,1992). O intestino delgado tem papel importante na circulação da glutamina. Cerca de 30% do nitrogênio usado na síntese da uréia deriva de produtos do metabolismo da glutamina. Além disso, a glutamina é o principal substrato energético e respiratório das células do intestino delgado (MEDINA et al.,1992). Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, n.2, p.231-237, abr./jun., 2003 Metabolismo da glutamina na célula tumoral. secretar fatores que estimulam sua própria motilidade por mecanismos autócrinos (COTRAN et al., 2000). A glicólise é importante na migração das células tumorais. Já a glutaminólise não é essencial a migração; portanto a migração somente ativa a via glicolítica e não a glutaminolítica. Essa ligação entre a mobilidade celular e a atividade de enzimas glicolíticas pode ser resultado da ligação destas enzimas diretamente com a actina. Como a migração das células é fator crucial para o processo metastático, não é surpresa que enzimas superexpressas em células tumorais e que se liguem a actina estejam correlacionadas com a metástase (MAZUREK et al., 1997). Muitas causas combinadas podem explicar a glicólise aeróbica característica das células tumorais. Uma delas poderia ser a alteração no controle da expressão de certas isoenzimas glicolíticas. Como conseqüência, haveria a redução no transporte de H + para o interior da mitocôndria, o que levaria a maior reoxidação de NADH no citosol via lactato desidrogenase (MAZUREK et al., 1997). As células diferenciadas, quando em presença de oxigênio suficiente, ajustam a produção de piruvato a seus níveis de consumo de acetil CoA e de energia. Essa regulação ocorre como resultado da inibição da fosfofrutoquinase pelo ATP que leva a diminuição da taxa de conversão da frutose-6-fosfato à frutose-1,6bifosfato. Os níveis de equilíbrio da frutose-1,6bifosfato são baixos, porquanto este metabólito é rapidamente convertido à piruvato pela alta atividade na parte inferior da via glicolítica ou convertido a frutose6-fosfato pela frutose-6-fosfatase. Além disso, o hidrogênio resultante da reação da gliceraldeido-3-fosfato desidrogenase no citosol é transportado para a mitocôndria pela enzima glicerol 3- fosfato desidrogenase e pela lançadeira malato-aspartato. A frutose-1,6-bifosfato, também, não se acumula devido a inibição da reação do gliceraldeido-3-fosfato desidrogenase (MAZUREK et al., 1997). Baixos níveis de frutose-1,6-bifosfatase não são suficientes para superar a inibição da 6-fosfofruto-1quinase pelo ATP. Esta última inibição, por sua vez, leva ao acúmulo de glicose-6-fosfato que bloqueia a neoglicogênese ao nível da hexoquinase. Portanto, a produção mitocondrial de ATP é que comanda a seqüência da glicólise, principalmente via inibição da 6-fosfofruto-1-quinase (efeito Pasteur) (MAZUREK et al., 1997). A lançadeira glicerol-3-fosfato estando desativada leva à uma redução do transporte de hidrogênio para a mitocôndria. Assim, na célula tumoral o NADH citosólico é reoxidado pela lactato desidrogenase. A inativação da lançadeira glicerol-3-fosfato é induzida pela redução ou perda total da glicerol-3-fosfato desidrogenase, cuja atividade varia de acordo com o tipo de neoplasia. A lançadeira malato–aspartato 235 pode ser ativada ou desativada dependendo do fluxo glicolítico e da expressão da isoenzima malato desidrogenase. Células tumorais com alto fluxo glicolítico apresentam superexpressão da malato desidrogenase mitocondrial levando a uma retenção no citosol do precursor dessa enzima provavelmente por interação com a proteína anexina II (MAZUREK et al., 1997) Nas células tumorais o aumento da atividade da hexoquinase, da 6-fosfofruto-1-kinase e da piruvato kinase garantem a alta capacidade glicolítica. Piruvato kinase tipo M2 está na forma dímera inativa (tipo tumor). A frutose-1,6-bifosfato é convertida em piruvato lentamente até que os níveis de frutose-1,6bifosfato excedam a concentração necessária para superar a inibição da piruvato kinase tipo M2. A frutose-1,6-bifosfato acumulada, por sua vez, ignora o controle mitocondrial da glicólise. A hexokinase ativada ligada a mitocôndria (não inibida pela glicose1,6-bifosfato) junto com a 6-fosfofrutokinase e a piruvato desinibidas leva ao aumento da taxa glicolítica. Desde que a atividade da frutose-1,6bifosfato esteja reduzida nas células tumorais, os níveis de frutose-1,6-bifosfato e taxas glicolíticas permanecem elevadas. As células tumorais, ao contrário das normais, podem usar constantemente sua capacidade glicolítica total, indiferentes à tensão de O2. (MAZUREK et al., 1997) Glutaminólise Metabolismo da glutamina Imagem obtida: http://www.doe-mbi.ucla.edu/ ~gaston/gs/sgs/sgsplan.html Nas células tumorais ocorre a expressão de glutaminase P-dependente mitocondrial e da malatoNAD(P)-dependente descarboxilase mitocondrial, enzimas que levam a oxidação de piruvato e acetil CoA a ser reduzida em favor da oxidação da glutamina. A conversão da glutamina à lactato, a semelhança da glicólise, é chamada glutaminólise e sua principal Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, n.2, p.231-237, abr./jun., 2003 236 A.M.C.R.P. da F. Martins função é regenerar a energia, produzindo glutamato, citrato e aspartato. O citrato é necessário para a síntese de acetil CoA citosólico, isoprenóides e ácidos graxos. O aspartato é necessário para a síntese de pirimidinas ( MAZUREK et al., 1997). A oxidação do acetil CoA é diminuída pela inativação da aconitase e da isocitrato dehidrogenase mitocondrial. Ambas enzimas são inativadas por radicais superóxidos (O2-). A oxidação da acetil CoA é muito sensível aos radicais livres do oxigênio, mas não a da glutamina (MAZUREK et al., 1997). A glutaminólise tem a vantagem de manter os níveis de glutamina constantemente altos nos tecidos e tumores sólidos (cerca de 2 nM) e de possibilitar a sobrevivência e proliferação de muitas células neoplásicas em condições de boa oxigenação mas com aporte de glicose limitado (MAZUREK et al., 1997). Existem muitos relatos sugerindo que a glutaminólise e a respiração mitocondrial são necessários à transformações morfológicas específicas, como a formação de focos e proliferação em ágar leve (in vitro). Evidências sugerem que os peróxidos produzidos durante a respiração glutâmica possam ser essenciais à expressão do fenótipo alterado. Uma superexpressão da enzima peróxido-manganês dismutase em células MCF-7 reduz os níveis de peróxido, inibe as transformações específicas morfológicas e altera a necessidade de piruvato (MAZUREK et al., 1997). Peculiaridades metabólicas nas células tumorais e suas implicações A concentração tumoral de glutamina é inversamente proporcional ao crescimento da neoplasia. Desse modo, em hepatomas com rápido crescimento verificou-se uma concentração baixa de glutamina, atribuída em parte ao grande aumento da atividade da enzima glutaminase e uma diminuição da enzima glutamina sintetase. De fato, a glutamina sintetase é prescindível ao tumor, estando escassa no mesmo enquanto a glutaminase é a mais importante enzima do metabolismo da glutamina nos tumores (MEDINA et al.,1992). Localizada na membrana interna de mitocôndrias, catalisa a hidrólise da glutamina produzindo glutamato e íons amônio. A alta concentração de fósforo inorgânico presente nas mitocôndrias pode explicar a alta atividade da glutaminase in vivo. Nesse contexto sugeriu-se que o transporte à mitocôndria e a hidrólise do grupo amido poderiam estar interrelacionados (MEDINA et al.,1992). Propôs-se também que a enzima málica mitocondrial tivesse um importante papel na produção de piruvato a partir da glutamina em células de crescimento rápido, de modo que o esqueleto carbônico e o nitrogênio da glutamina pudessem ser incorporados ao citrato e a alanina durante o metabolismo da glutamina e da glicose se as lançadeiras malatoaspartato e malato-citrato estivessem operantes (MEDINA et al.,1992). Muitos relatos mostraram que, nas células neoplásicas inicialmente a glutamina é oxidada na mitocôndria exclusivamente pela via que envolve a glutamina-oxalacetato transaminase, uma vez que, a atividade da glutamina desidrogenase é indetectível ou está diminuída nessas células (MEDINA et al.,1992) No organismo são existe um ciclo glicoseglutamina entre órgãos gliconeogênicos e órgãos e tecidos glutaminogênico, que é alterado pelo tumor. Em diversos experimentos foi mostrado que há aumento da secreção de glutamina logo após o transplante da neoplasia. Em ratos com tumor de Walker256 a concentração arterial de glutamina aumenta em 23% (MEDINA et al.,1992). No carcinoma ascítico de Ehlrich, durante os primeiros dias, verifica-se aumento da concentração de glutamina plasmática, níveis estes diminutos no plasma, fígado e rins nos últimos dias de vida do hospedeiro. O aumento inicial reflete a modulação simultânea entre a glutamina sintetase e a atividade da glutaminase no fígado e rins (MEDINA et al.,1992). Não há mudanças significativas da glutamina sintetase hepática, mas há uma diminuição da glutaminase, o que leva a um aumento da glutamina hepática. Levando, assim, a uma produção "em série" de glutamina nos tecidos hospedeiros, observada em camundongos com tumor de Ehrlich ( MEDINA etal.,1992). Nos rins ocorre um aumento da glutamina sintetase e uma diminuição de glutaminases logo após a inoculação do tumor. Nos últimos dias do hospedeiro, entretanto, a glutamina sintetase está diminuída e a glutaminase renal aumentada o que pode explicar a amoniaconemia detectada nos camundongos com células ascíticas de Ehrlich (MEDINA et al.,1992). O músculo esquelético apresenta aumento da glutamina sintetase nos primeiros dias da inoculação tumoral. Entretanto, a síntese de proteínas diminui logo após o implante tumoral antes mesmo que o metabolismo tumoral possa causar um impacto direto sobre o suprimento de substrato do tecido hospedeiro(MEDINA et al.,1992). Após a implantação do tumor ocorrem várias alterações em outros órgãos do hospedeiro, porém não há dados suficientes (MEDINA et al,1992). Aplicações clínicas O estudo das vias metabólicas em células tumorais não é o único meio de combatê-las, mas está claro, oferecerá subsídios para os estudos futuros. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, n.2, p.231-237, abr./jun., 2003 Metabolismo da glutamina na célula tumoral. As células tumorais sintetizam menos aminoácidos a partir de esqueletos de carbono que as células normais. Por isso, os tumores precisam receber suplemento de aminoácidos do fluido extracelular. Isso torna as células tumorais vulneráveis aos bloqueadores de transporte de aminoácidos. Esse fato pode constituir-se na base de terapias contra o câncer. Essas terapias, em geral, utilizam análogos da glutamina. Como exemplos podemos citar: azarina, azotomicin (N-(N-gamaglutamil-6diazo-5-oxo-norleucina)-6-diazo-5-oxonorleucina), DON (6-diazo-5-oxo-L-norleucina) e acivicin (α,S,5S,) α- a m i n o - 3 - c l o r o - 4 , 5 - d i h i d r o - 5 - á c i d o isoxazoleacético) (MEDINA et al.,1992). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS C URI , R. Metabolismo do linfócito e sua regulação. Rev. Ciên. Tecn., v. 3, n.5, p.43-66, 1994. MATSUNO, T. Bioenergetics of tumor cells: glutamine metabolism in tumor cell mitochondria. Int. J. Biochem., v.19, n.4, p.303-307, 1987. 237 MAZUREK, S.; BOSCHEK , C.B.; EIGENBRODT, E. The role of phosphometabolites in cell proliferation, energy metabolism, and tumor therapy. In: J. BIOENERG. & BIOMEMB. v.29 n.4, p.315-330, 1997. MEDINA, M.A. & C ASTRO , I.N. Glutaminolysis and glycolysis interactions in proliferant cells. Int. J. Biochem., v.22, n.7, p.681-683, 1990. 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