PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
Cristian Kiefer da Silva
O DIREITO COMO GARANTIA DE PACIFICAÇÃO E CONCILIAÇÃO DOS
CONFLITOS ENTRE RIVAIS NA ITÁLIA RENASCENTISTA:
uma análise da prática jurídica na tragédia “Romeo and Juliet” de William
Shakespeare
Belo Horizonte
2012
Cristian Kiefer da Silva
O DIREITO COMO GARANTIA DE PACIFICAÇÃO E CONCILIAÇÃO DOS
CONFLITOS ENTRE RIVAIS NA ITÁLIA RENASCENTISTA:
uma análise da prática jurídica na tragédia “Romeo and Juliet” de William
Shakespeare
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade Mineira de
Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Estado de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Teoria do
Direito.
Orientadora: Profª. Drª. Rita De Cássia Fazzi
Belo Horizonte
2012
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
S586d
Silva, Cristian Kiefer da
O direito como garantia de pacificação e conciliação dos conflitos entre
rivais na Itália renascentista: uma análise da prática jurídica na tragédia
“Romeo and Juliet” de William Shakespeare /Cristian Kiefer da Silva. Belo
Horizonte, 2012.
142f. : il.
Orientadora: Rita de Cássia Fazzi
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito.
1. Administração de conflitos. 2. Conciliação (Processo civil). 3.
Shakespeare, William, 1564-1616. Romeu e Julieta. 4. Direito e literatura. I.
Fazzi, Rita de Cássia. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 347.9
Cristian Kiefer da Silva
O DIREITO COMO GARANTIA DE PACIFICAÇÃO E CONCILIAÇÃO DOS
CONFLITOS ENTRE RIVAIS NA ITÁLIA RENASCENTISTA:
uma análise da prática jurídica na tragédia “Romeo and Juliet” de William
Shakespeare
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade Mineira de
Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Estado de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Teoria do
Direito.
_________________________________________________________
Profª Drª Rita de Cássia Fazzi (Orientadora) - PUC MINAS
_________________________________________________________
Prof. Dr. Lucas de Alvarenga Gontijo - PUC MINAS
_________________________________________________________
Profª Drª Maria Tereza Fonseca Dias - UFOP
_________________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno - PUC MINAS
Belo Horizonte, 08 de fevereiro de 2012
“O mundo inteiro é um palco. E todos os
homens e mulheres não passam de meros
atores. Eles entram e saem de cena. E cada um
no seu tempo representa diversos papéis”
(William Shakespeare).
“Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem
luta é melhor” (William Shakespeare).
“É mais fácil obter o que se deseja com um
sorriso do que à ponta da espada” (William
Shakespeare).
“A vida vai fazendo cada vez mais sentido. O
tempo vai sendo cada vez mais marcante. Olhar
para trás passa a ser um conforto, e olhar
adiante passa a ser a espera por um novo
amanhã. Com a serenidade estampada no
rosto, o sorriso volta a ser sincero. O corpo se
cansa, e às vezes padece, mas a capacidade de
sonhar, buscar, lutar e vencer ainda me permite
seguir, quase sem cessar” (Cristian Kiefer).
Dedico este trabalho à minha família, em
especial aos meus pais, pessoas nas quais
tenho enorme carinho e admiração, sobretudo
por serem exemplo de vida, de humanidade, de
humildade, de integridade e de honestidade.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força e apoio incondicional nos momentos difíceis de realização
deste trabalho.
À minha orientadora, Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi, pelo acolhimento
e cuidado na orientação, que além de exemplo e inspiração, sempre me dedicou
especial atenção. Meu eterno agradecimento!
Aos Professores Alexandre Travessoni Gomes, Júlio Aguiar de Oliveira, Lucas
de Alvarenga Gontijo, Fernando José Armando Ribeiro, Lusia Ribeiro Pereira, Antônio
Cota Marçal, Marcelo Campos Galuppo, André Karam Trindade, Lawrence Flores
Pereira e Lênio Luiz Streck pelos ensinamentos e provocações intelectuais, além da
disponibilidade em sempre ajudar.
Aos amigos da turma do Mestrado e Doutorado, especialmente, Juraciara Vieira
Cardoso, Adriano Olinto Meirelles, Ipojucan Ayala, Iara Alves Etti Fróes e Hugo Schayer
Sabino. Foi uma grande alegria, satisfação e honra conviver com todos vocês.
À minha família, em especial meu Pai e minha Mãe, pela confiança depositada e
por todo o apoio que prestaram quando necessário. Ao meu irmão Alex Kiefer, cuja
generosidade é do tamanho do mundo. Aos meus outros irmãos Patrick Kiefer e Kelly
Kiefer, pessoas nas quais tenho extrema admiração e respeito.
Às minhas avós Izabel Kiefer Parreiras (tão presente, mesmo tão longe) e Amélia
Florêncio da Silva, pelo encantamento da vida e orações, me fazendo sempre acreditar
que ser diferente é apenas uma possibilidade de ser.
Às minhas tias Tereza Kiefer (tão presente, mesmo tão longe), Fátima Kiefer e
Maria da Conceição, por existirem em minha vida. Devo muito a vocês!
Aos amigos e funcionários da Graduação e Pós-Graduação da PUC Minas
(Unidade Coração Eucarístico), por muitas vezes estarem onde eu devia estar.
Aos demais amigos e colegas, por toda a cumplicidade, carinho e respeito,
demonstrados cotidianamente, através de harmoniosa convivência.
A todos, que de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho.
LISTA DE SIGLAS
CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
STF - Supremo Tribunal Federal
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - William Shakespeare “The tragedy of Romeo and Juliet”.......................28
Figura 2 - "Casa de Julieta" em Verona na Itália .......................................................29
Figura 3 - Frontispício de “A trágica história de Romeu e Julieta”, 1562 ...............31
Figura 4 - Representação da famosa “cena da sacada” no quadro Romeo and
Juliet, por Frank Bernard Dicksee, 1884 .................................................35
Figura 5 - Primeiro Fólio publicado em 1623 .............................................................39
Figura 6 - Rainha Elizabeth I (Inglaterra) ....................................................................42
Figura 7 - Casa de Shakespeare em Stratford-upon-Avon (Inglaterra) ...................45
Figura 8 - William Shakespeare e a “Grande Cadeia do Ser”...................................54
Figura 9 - Representação de como eram os Teatros Isabelinos..............................58
Figura 10 - Um retrato da genialidade de William Shakespeare...............................60
Figura 11 - Law and Literature Movement (EUA), 1970 .............................................78
Figura 12 - Por que estudar Direito e Literatura? ......................................................80
Figura 13 - Uma visão abrangente do Direito e Literatura ........................................89
Figura 14 - O Teatro Elisabetano na Inglaterra ........................................................110
Figura 15 - Prince Escalus (Príncipe Escalo)...........................................................114
Figura 16 - Um retrato das batalhas sangrentas e violentas entre os Montague
(Montéquios) e os Capulet (Capuletos).................................................117
Figura 17 - Um retrato das batalhas sangrentas e violentas entre os Montague
(Montéquios) e os Capulet (Capuletos).................................................119
Figura 18 - Friar Lawrence (Frei Lourenço)..............................................................121
Figura 19 - Um retrato de Romeo (Romeu), Juliet (Juliet) e Friar Lawrence (Frei
Lourenço) por Henry Bunbury, 1792-1796............................................123
Figura 20 - A Reconciliação dos Montague (Montéquios) e dos Capulet
(Capuletos) diante da morte de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta), por
Frederic Leighton, 1855..........................................................................130
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o direito como garantia de pacificação e
conciliação dos conflitos entre rivais na Itália Renascentista com enfoque na obra
“Romeo and Juliet” de William Shakespeare. Pretende-se abordar os antecedentes
históricos da obra; o conto italiano e sua popularização na Europa; a narrativa dos
personagens em um cenário criativo e universalizante; o teatro elisabetano e sua
incrível mistura de tradições líricas, poéticas e retóricas; a relação existente entre o
Estado e a Igreja no contexto global da época; a aproximação entre o Direito e a
Literatura com o escopo de apreender o mundo simbólico e suscitar o levantamento de
questões de cunho ético-jurídico; e por fim, analisar os mecanismos de controle e
regulação social recepcionados pelo direito como fórmulas efetivas de solução de
conflitos na sociedade. Tal proposta premia a narrativa shakespeariana, estimulando o
resgate da dimensão transformadora e crítica do estudo jurídico. Nesta ótica, pode a
Literatura interpelar os aspectos do mundo jurídico trazendo uma reflexão acerca dos
pretensos saberes positivos sobre os quais o direito busca sustentar sua
fundamentação. Porém, a apresentação do encontro entre o Direito e a Literatura
demonstra uma relação dialogal entre dois conhecimentos que em um primeiro
momento podem parecer distanciados, mas sob um exame mais apurado revelam
pontos de contato e contribuição. Sendo assim, através da pesquisa busca-se visualizar
na obra shakespeariana os meios alternativos de solução de conflitos, com enfoque
principal na pacificação e conciliação, trazendo conceitos básicos, analisando no que
consistem, e quais as suas possibilidades de aplicação e efetivação. Todavia, tais
métodos são tidos pelo direito como ferramentas garantidoras de ordem social e
pacificação de litígios, facilitando o acesso à justiça. Com maestria, é elementar se valer
a pesquisa de uma interpretação jurídica e literária que comporte na tragédia épica
“Romeo and Juliet” pontos de apoio, de forma a absorver ao máximo todos os conceitos
e intenções originais do autor.
Palavras-Chave: Romeu e Julieta (William Shakespeare). Pacificação e conciliação de
conflitos. Direito e Literatura.
ABSTRACT
This paper aims to examine the law as a guarantee of peace and conciliation of disputes
between rivals in the Italian Renaissance with a focus on work "Romeo and Juliet" by
William Shakespeare. It is intended to address the historical background of the work, the
Italian tale and its popularization in Europe, the narrative of the characters in a creative
and universalizing scenario, the Elizabethan theater and its incredible mix of traditions
lyrical, poetic and rhetorical, the relationship between Church and State in the global
context of the time, the approach between law and literature with the aim of
understanding the symbolic world and raise issues of raising ethical and legal nature,
and finally, analyze the mechanisms of social control and regulation approved by right
and effective formulas for resolving conflicts in society. This proposal rewards the
Shakespearean narrative, encouraging the recovery of manufacturing and critical
dimension of the legal review. In this perspective, the literature can challenge the legal
aspects of bringing a reflection about the alleged positive knowledge upon which the law
seeks to buttress its reasoning. However, the presentation of the encounter between law
and literature demonstrates a dialogue relationship between two knowledge that at first
may seem distant, but on a closer examination reveals points of contact and
contribution. Thus, through the research seeks to view the work Shakespearean
alternative means of conflict resolution, with main focus on peace and reconciliation,
bringing basic concepts, which consist in analyzing, and what their possibilities of
application and effectiveness. However, these methods are seen as tools for the right
guarantors of social order and pacification of disputes, facilitating access to justice. With
mastery, is elementary if it be a legal interpretation of research and literature which
presents the epic tragedy "Romeo and Juliet" points of support in order to absorb the
maximum all the concepts and intentions of the author.
Keywords: Romeo and Juliet (William Shakespeare). Pacification and conciliation of
conflict. Law and Literature.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................25
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRAGÉDIA ÉPICA “ROMEO AND JULIET”
.......................................................................................................................................28
2.1 Antecedentes históricos de “Romeo and Juliet” na Literatura ............................ 29
2.2 A versão de William Shakespeare................................................................................. 32
2.2.1. A narrativa de “Romeo and Juliet”........................................................................... 33
2.2.2. A publicação de “Romeo and Juliet” ....................................................................... 37
2.3 A obra de William Shakespeare no contexto da época ........................................... 40
2.3.1 O Renascimento e o Maneirismo na Europa........................................................... 40
2.3.2. A Inglaterra de Elizabeth I e a obra de William Shakespeare ............................ 41
2.4 A realidade social, política e cultural retratada em “Romeo and Juliet” de
William Shakespeare: relações entre Estado, Direito e Literatura na
Renascença ...................................................................................................................... 46
2.4.1 O conto italiano e sua popularização na Europa................................................... 47
2.4.2. A Itália no universo shakespeariano e a proposta de discussão de Direito e
Literatura ........................................................................................................................ 48
3 UMA RELEITURA DO POTENCIAL HUMANO EM WILLIAM SHAKESPEARE: A
CAPACIDADE DE COMPREENSÃO DO SER NO CONTEXTO JURÍDICO-LITERÁRIO
.......................................................................................................................................52
3.1 Uma questão de autoria: o ser humano no imaginário shakespeariano............ 53
3.2 As referências incontestáveis de um período marcado pela ascensão
intelectual: a importância do teatro como tempero da vida (o mundo é um
palco) .................................................................................................................................. 56
3.3 A análise reflexiva a respeito do comportamento humano: independência,
dramaturgia e lirismo em “Romeo and Juliet”........................................................ 59
3.4 Pontos de apoio norteadores para a compreensão do ser no contexto jurídicoliterário ............................................................................................................................... 62
3.5 O universalismo shakespeariano: uma tragédia autêntica na visão do Direito 65
3.5.1 Homem ou personagem: produto das circunstâncias? ...................................... 68
3.5.2 Proposições fundamentais para uma observação de primeiro grau a partir do
diferencial shakespeariano ....................................................................................... 69
3.6 Os aspectos partilháveis do ser humano na história: por que Shakespeare?. 70
4 DIREITO E LITERATURA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DISCURSO JURÍDICO
EM SHAKESPEARE......................................................................................................73
4.1 Reflexões sobre o “Law and Literature Movement” ................................................ 76
4.2 Uma abordagem a respeito do estudo do Direito a partir da Literatura ............. 79
4.2.1 O Direito na Literatura: uma reflexão acerca dos pretensos saberes positivos
sobre os quais o direito busca sustentar sua fundamentação ....................... 82
4.2.2 O Direito como Literatura: caminhos possíveis a partir da analogia dos
fenômenos jurídico e literário................................................................................... 84
4.2.3 O Direito da Literatura: uma observação que se limita a cuidar das leis e das
normas jurídicas que protegem a atividade literária.......................................... 85
4.3 Um sentido claro para o Discurso Jurídico de William Shakespeare ................. 87
4.4 A possibilidade do estudo do Direito em William Shakespeare: indicativos sob
a ótica de um texto literário.......................................................................................... 92
5 DO TEATRO ELISABETANO AO DIREITO COMO GARANTIA DE PACIFICAÇÃO E
CONCILIAÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE RIVAIS NA ITÁLIA RENASCENTISTA:
UMA ANÁLISE DA PRÁTICA JURÍDICA NA TRAGÉDIA “ROMEO AND JULIET”....95
5.1 Shakespeare e a Lei: uma viagem através do tempo .............................................. 96
5.2 O Direito, a justiça e os métodos de solução de conflitos na obra “Romeo and
Juliet” de William Shakespeare................................................................................... 99
5.2.1 Mecanismos de controle e regulação: os conflitos sociais na esfera do
Direito ............................................................................................................................ 101
5.2.2 Pacificação: a busca pelo equilíbrio das relações sociais ............................... 103
5.2.3 Conciliação: uma forma efetiva de solução de conflitos .................................. 105
5.3 O Teatro Elisabetano no contexto geopolítico da Renascença .......................... 108
5.4 O Príncipe Escalo e o papel do Estado na solução de conflitos ........................ 112
5.5 Frei Lourenço e o papel da Igreja na solução de conflitos .................................. 120
5.6 Análise direta dos efeitos da intervenção jurídica no contexto da pacificação e
conciliação dos pares rivais na obra “Romeo and Juliet” ................................ 127
6 CONCLUSÃO ...........................................................................................................131
REFERÊNCIAS............................................................................................................134
25
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos os estudos na área de Direito e Literatura têm alcançado
uma grande importância na pesquisa jurídica, pelo fato de sua abrangência universal
permitir a compreensão da prática do Direito em épocas distintas da história, dadas as
informações contidas nos relatos literários que evidenciam sua influência no contexto
da organização cultural, política e econômica das sociedades. Talvez o aspecto que
melhor explique a importância de se relacionar Direito e Literatura seja o fato de que os
grandes clássicos da literatura universal guardam testemunhos da forma como se dava
a prática jurídica no contexto sócio-cultural de uma determinada época, o que é um
aspecto importante na compreensão das expressões legítimas do Direito no passado
histórico.
Dentro dos modernos estudos de Direito e Literatura ressaltam aqueles que se
atém sobre a obra de William Shakespeare (1564-1616), dramaturgo inglês e mais
renomado expoente do chamado “teatro elisabetano”, a maior expressão cultural da
renascença inglesa e uma das mais aclamadas. Suas peças, que englobam tragédias e
comédias, são extremamente representativas da realidade histórica da época,
retratando por vezes situações onde se percebe uma crítica aos valores culturais
vigentes ou sátiras de situações e personalidades, não só da Inglaterra elisabetana,
mas de toda a Europa renascentista no auge do século XVI.
Na área de Direito e Literatura, porém, talvez a maior contribuição de
Shakespeare foi demarcar no âmbito da sociedade inglesa da época a força que o
aparelho jurídico possuía dentro de uma sociedade hierarquicamente estabilizada e a
possibilidade de analisar os seus efeitos reguladores. Representativa de uma realidade
social, a obra “Romeo and Juliet” de William Shakespeare, retrata com fidelidade muitos
aspectos da prática jurídica. Contudo, tal produção literária apresenta-se como um
elemento importante por trás das tragédias e comédias, demonstrando os interesses de
classes e hierarquias no jogo do poder e sua manifestação em nível social, econômico,
político e cultural. Daí a ideia inicial de se analisar o Direito da época e a sua
capacidade de atuar diretamente e de forma eficaz na contenção de conflitos e disputas
sociais a partir do universo shakespeariano. A intenção seria mesmo a de analisar o
26
Direito como garantia de pacificação e conciliação de pares em conflito na sociedade, à
época do Renascimento, momento em que os padrões sócio-econômicos e culturais
estavam em plena efervescência e a política mercantilista dava lugar ao já superado
feudalismo medieval.
A escolha da obra “Romeo and Juliet” para esta análise se deu pelo fato de que
a tragédia possui todos os elementos necessários à compreensão da atuação jurídica
do Estado e sua capacidade de pacificar situações de conflito dentro da sociedade,
como se pode observar na trágica história de amor dos dois jovens amantes, separados
pelo clima de rivalidade e inimizade de suas famílias, mergulhadas em conflitos
sangrentos causados por vinganças e disputas de ambas as partes. A presença do
Estado, na figura do Prince Escalus (Príncipe Escalo), autoridade máxima da cidade de
Verona e representante da Lei é bem visível na obra. Paralelo à figura centralizadora do
poder estatal do Prince Escalus (Príncipe Escalo), também é evidenciado o papel
conciliador da Igreja Católica, representado pela figura de Friar Lawrence (Frei
Lourenço). Ambos os personagens se entrelaçam aos destinos de Romeo (Romeu) e
Juliet (Julieta) e são coparticipantes dos eventos que culminaram com a trágica morte
dos dois jovens, mas em planos distintos: o Príncipe de Verona representando a ordem
legal e Friar Lawrence (Frei Lourenço) representando a ordem moral. São os dois lados
da mesma moeda, cujos interesses são os mesmos: preservar a paz e a ordem social
em tempos conturbados.
Mais do que tentar explicar aqui as atitudes tomadas pelo Estado para se pôr um
fim no conflito, a pesquisa tenta ir mais fundo, buscando entender e explicar as razões
que motivaram os atos jurídicos narrados na obra e o alcance de seus efeitos. Nesse
contexto, a história da rivalidade entre os Montague (Montéquios) e os Capulet
(Capuletos) na cidade italiana de Verona, torna-se o pano de fundo para uma realidade
ainda maior, extensiva a toda sociedade da época. A sociedade de Verona de Romeo
(Romeu) e Juliet (Julieta) pode retratar tanto a sociedade inglesa quanto a italiana, país
onde tradicionalmente as fontes que serviram de inspiração a Shakespeare situam o
desenrolar da trama, bem como qualquer outra sociedade européia na época do
Renascimento.
27
Em sua sequência capitular, o estudo vai trabalhar três aspectos distintos, porém
relacionados entre si. Em primeiro lugar, o embasamento histórico da obra “Romeo and
Juliet” e do período renascentista de Shakespeare, relacionando para fins de
comparação a Inglaterra onde viveu o dramaturgo e a Itália onde se passou a tragédia.
Tal contraste é importante para oferecer uma visão abrangente das intenções do autor
a respeito dos limites e valores que ambas as culturas representaram para o enredo da
obra.
Em segundo lugar, o estudo vai se ater sobre a legitimidade do poder e o papel
do Estado e outras instituições, como a Igreja, por exemplo, no tocante à execução das
leis e sistemas de punição e recompensa em situações de conflitos entre inimigos
rivais, valendo-se nesse aspecto de estudos históricos complementados por bases
filosóficas entrelaçadas com noções de direito e justiça.
Em terceiro lugar, analisar-se-á o papel do direito na pacificação e conciliação
dos conflitos entre pares rivais com base nos próprios relatos literários contidos na obra
“Romeo and Juliet”, segundo a visão metodológica que permite relacionar e
compreender o Direito através da Literatura. O objetivo aqui é entender quais foram os
métodos de solução de conflitos adotados para pôr fim às contendas existentes e
instaurar a paz entre as duas famílias rivais. Entretanto, deverá ser avaliado até que
ponto a legislação e o aparelho jurídico representados por Escalus (Escalo), Príncipe de
Verona, foram eficazes nessa empreitada. Assim, interessante também é conhecer o
papel da Igreja na obra, cuja representação é evidenciada por Friar Lawrence (Frei
Lourenço), outro personagem importante no enredo trágico.
Não se propõe, no entanto, liquidar o assunto acerca da temática proposta com a
apresentação dos resultados, mas principalmente fomentar mais dados que possam
embasar e servir como referencial para discussões futuras, delineadas pela proposta de
analisar a expressão do Direito na Literatura.
28
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRAGÉDIA ÉPICA “ROMEO AND JULIET”
Ainda nos tempos modernos, a exemplo do que ocorre com outras famosas e
importantes obras da literatura mundial, ainda muito se tem escrito acerca da tragédia
épica de “Romeu e Julieta” (no original em inglês “Romeo and Juliet”) do dramaturgo
inglês William Shakespeare (1564/1616). O alcance universal da tragédia encontrou
eco na literatura, nas artes plásticas, na música, no teatro, no direito e em toda uma
gama de estudos acadêmicos que se inspiraram na fascinante história de amor dos
dois jovens veronenses. No que tange à análise da obra no âmbito dos estudos
acadêmicos, a história está alicerçada em pressupostos que entrelaçam lendas e
figurações com realidades históricas verídicas do período renascentista.
Pretende-se aqui apresentar os pressupostos históricos e fictícios que basearam
a composição da tragédia, situando-os no contexto do Renascimento inglês, época em
que foi escrita por William Shakespeare, bem como fundamentar o papel do Estado e
da prática do Direito na época e que, de forma tão latente, apresenta-se como aspecto
definidor dos destinos dos personagens no bojo de uma sociedade em conflito.
Figura 1 - William Shakespeare “The tragedy of Romeo and Juliet”
Fonte: Zeffirelli, 2011
29
2.1 Antecedentes históricos de “Romeo and Juliet” na Literatura
A história na obra “Romeo and Juliet”, ao contrário do que se pensa, não foi uma
criação exclusiva de William Shakespeare. Na verdade, o autor inglês se inspirou numa
série de lendas e histórias anteriores para compor a tragédia.
Conforme assinala Rainer Souza (2009), ainda se discute muito se Romeo
(Romeu) e Juliet (Julieta) de fato existiram e o que existe de verdadeiro na história. A
discussão, bastante antiga, encontra respaldo no relato de Giralomo della Corte, um
italiano contemporâneo a Shakespeare, que afirma que os dois amantes de fato haviam
existido e vivido um relacionamento em 1303. Embora a existência real de Romeo
(Romeu) e Juliet (Julieta) não possa ser comprovada, o mesmo não se pode dizer dos
Capulet (Capuletos) e dos Montague (Montéquios) que Shakespeare cita na tragédia.
Dante Alighieri, em “A Divina Comédia”, cita duas famílias rivais na política e no
comércio, os “Cappelletti” e os “Montecchio”, e existem documentos que comprovam a
autenticidade dos nomes, sem contudo esclarecer se viviam na Península Itálica ou se
eram mesmo rivais como aponta Dante Alighieri. O fato é que a cidade de Verona na
Itália incorporou de tal modo em sua história a fama do trágico romance, que lá existe
uma construção do século XIII, imortalizada como a famosa “Casa de Julieta”, ponto
turístico muito visitado por turistas do mundo inteiro.
Figura 2 - "Casa de Julieta" em Verona na Itália
Fonte: Scaligero, 2008
30
De todo modo, o tema remonta à antiguidade, compondo uma série de romances
trágicos que evidenciam o poeta Ovídio, que narrou a tragédia do casal Píramo e Tisbe
na sua obra denominada “Metamorfoses” e também Xenofonte de Efésios, que
escreveu uma história diferente nos seus “Contos Efésios”, citando muitos elementos
semelhantes aos que fizeram parte da tragédia de “Romeo and Juliet”, como a
separação dramática do casal de protagonistas e o elemento da poção miraculosa que
induzia ao estado de morte aparente (SOUZA, 2009).
As histórias narradas por Ovídio e Xenofonte são muito diferentes da forma
popular como hoje se apresenta a tragédia dos dois amantes, mas sem dúvida
alicerçaram toda uma literatura subsequente, explorando o tema da tragédia amorosa e
da qual “Romeo and Juliet” se tornaria uma das mais populares e famosas do mundo.
Nos tempos modernos, com certeza, a versão mais antiga da tragédia de dois
amantes separados por suas famílias e que também pode ter inspirado Shakespeare foi
o conto 33 de Masuccio Salernitano intitulado “Il Novellino”, publicado em 1476 e que
conta a história de Mariotto e Gianozza, dois amantes com uma história muito parecida
a de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta). Os mesmos eventos que Shakespeare utilizaria
muitos anos mais tarde na sua versão foram descritos por Masuccio, com exceção da
localidade, que ele situa em Siena, outra importante cidade italiana e do final, no qual
Mariotto é decapitado e Gianozza morre de profunda tristeza. O conto tornou-se muito
popular na Itália e baseou todas as versões que surgiram após ele.
Os nomes “Romeu” e “Julieta” (no original em inglês “Romeo” e “Juliet”) só se
tornaram conhecidos do público por volta de 1530, quando Luigi da Porto faz a sua
adaptação da história no conto intitulado “Giulietta e Romeo”, inserido na sua obra
“Historia novellamente ritrovata di due Nobili Amanti”, publicada no mesmo ano.
Para Alcebíades Martins Arêas e Délia Cambeiro (2009), foi Luigi da Porto que
contribuiu para a fixação da concepção moderna da tragédia, adaptando o conto de
Masuccio e transplantando-o para a cidade de Verona, contextualizando o drama dos
dois amantes na dinâmica de conflitos existentes entre os “Montecchio” e os
“Cappelletti”, duas famílias rivais e historicamente existentes na época, segundo a
menção de uma dissidência ocorrida entre ambas feita por Dante Alighieri no seu
31
“Purgatório”. De modo interessante, Luigi da Porto criou também três personagens que
vieram a inspirar “Mercutio”, “Tybald” e “Paris” na versão de Shakespeare.
Matteo Bandello, ao publicar o segundo volume de seu “Novelle”, em 1554,
incluiu nele também sua versão de “Giulietta” e “Romeo”, com algumas poucas
modificações da história de Luigi da Porto. Foi ele quem incluiu os personagens “Ama”
e “Benvoglio” (Benvólio). Esta obra de Matteo Bandello foi importante para popularizar a
história dos dois amantes, uma vez que foi traduzida para o francês por Pierre
Boaistuau e publicado em 1559 no primeiro volume de sua obra “Histories Tragiques”
(ARÊAS; CAMBEIRO, 2009).
Figura 3 - Frontispício de “A trágica história de Romeu e Julieta”, 1562
Fonte: Brooke, 1562
32
A história trágica de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) foi primeiramente
conhecida em língua inglesa por volta de 1562 com a publicação da obra “The tragic
story of Romeo and Juliet” (A trágica história de Romeu e Julieta) do poeta Arthur
Brooke, que a escreveu em forma de poema narrativo. Possivelmente o poema de
Arthur Brooke tenha inspirado também William Painter a escrever sua versão em prosa
da tragédia intitulada “The goodly history of the true and constant love of Rhomeo and
Julietta” (A formosa história do verdadeiro e constante amor de Romeu e Julieta) e que
acrescentou intencionalmente à sua coleção de contos intitulada “The Palace of
Pleasure” (O Palácio do Prazer), publicada em 1567 (GIBBONS, 1980, p. 36-37).
De acordo com Brian Gibbons (1980), acredita-se que foi a obra de Arthur
Brooke quem inspirou William Shakespeare a escrever sua versão de “Romeo and
Juliet”. O famoso dramaturgo certamente teve acesso à história e se inspirou nela para
escrever a peça, mantendo-se fiel à história, que dramatizou para os palcos. Convém
ressaltar o prestígio e popularidade que o teatro alcançou na Era Elisabetana, época
em que as apresentações teatrais atraíam grande público na Inglaterra, agradando
igualmente a nobreza e o povo. Tanto William Shakespeare quanto seu conterrâneo
Christopher Marlowe e outros se tornaram famosos por suas peças, que atraíam
multidões quando apresentadas por trupes de atores contratados.
2.2 A versão de William Shakespeare
É sabido que William Shakespeare se inspirou em uma série de contos
publicados anteriormente à sua época para compor a sua versão da tragédia intitulada
em inglês “Romeo and Juliet”. No entanto, a dimensão épica da versão de
Shakespeare, seu sucesso rapidamente alcançado e suas especificidades culturais e
filosóficas só podem ser evidentemente compreendidas no contexto da época e da
cultura renascentista que marcou a Europa, e mais precisamente a Inglaterra no
período.
É muito importante situar e contextualizar “Romeo and Juliet” no cerne da cultura
renascentista da Europa e também no ambiente cultural da Era Elisabetana, para num
33
segundo momento compreender melhor os aspectos concernentes ao debate sobre
Direito e Literatura com base no relato da tragédia, que é o objeto de estudo proposto.
O primeiro aspecto da análise deve buscar situar o universo shakespeariano no
contexto histórico e cultural do Renascimento europeu, que na Inglaterra coincidiu com
o governo da Rainha Elizabeth I, tido como o apogeu da nação e os fatores que
explicam a incorporação e plena aceitação de um conto italiano pela literatura inglesa.
Um segundo aspecto a se considerar é de que forma a versão de Shakespeare
para a história se difere das versões anteriores e que motivos a tornaram tão popular
em tão curto espaço de tempo. Nesse sentido, cabe analisar a trajetória da concepção
e da publicação da obra e as características que a tornaram tão apreciada pelo público.
Escrita na forma de roteiro teatral em cinco atos, “Romeo and Juliet” apresenta
uma história que mescla elementos de comédia e drama e que culmina numa tragédia
que envolve o casal de protagonistas.
Para contar de forma resumida a versão shakespeariana da tragédia, optou-se
aqui pela citação dos nomes dos personagens conforme a grafia de Shakespeare na
obra original e em parênteses a citação dos nomes como estes foram traduzidos para a
língua portuguesa. Trata-se de uma opção metodológica mais apropriada para narrar a
história com base no texto original.
2.2.1. A narrativa de “Romeo and Juliet”
A história épica da tragédia de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) intitulada em
inglês “Romeo and Juliet” foi escrita pelo dramaturgo inglês William Shakespeare
provavelmente no período compreendido entre 1591 e 1595, primórdios de sua carreira
literária e foi publicada originalmente em 1597, na forma de um quarto épico. Nesse
contexto, tornou-se uma das obras mais famosas da literatura mundial, imortalizada no
teatro, nas artes plásticas, na literatura, na música e mais recentemente, também no
cinema.
A história se passa na cidade de Verona, norte da Itália, numa época que
remonta ao Renascimento Italiano, como se pode deduzir da leitura da tragédia. A
cidade é palco de constantes rivalidades políticas entre pares rivais, principalmente o
conflito declarado entre duas das mais tradicionais famílias da nobreza local: os Capulet
34
(Capuletos) e os Montague (Montéquios). É neste ambiente de constante rivalidade e
violência que se desenvolve o drama de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta), dois
adolescentes que se apaixonam, mas são impedidos de consumarem seu feliz romance
dadas as circunstâncias de ódio e vingança que existem entre suas famílias. Isso
porque Romeo (Romeu) é filho único dos Montague (Montéquios), enquanto Juliet
(Julieta) é a filha única dos Capulet (Capuletos).
A narrativa se inicia com um desentendimento entre Capulet (Capuleto) e
Montague (Montéquio) nas ruas de Verona, o que leva o Príncipe Regente a intervir
instituindo um decreto de proibição dos conflitos e passível de punição a todos que
infringissem a ordem. Na sequência, após o conflito, o jovem Romeo Montague (Romeu
Montéquio), em companhia de seu primo Benvolio (Benvólio) e do amigo Mercutio
(Mercúcio) vão ocultamente a um baile no palácio dos Capulet (Capuletos). Romeo
(Romeu) estava à procura da jovem Rosaline (Rosalina), por quem nutria uma paixão
não correspondida. Mas uma vez no baile, o rapaz se depara com a bela Juliet (Julieta),
filha única do casal Capulet (Capuleto) e por ela se apaixona. Juliet (Julieta)
corresponde ao amor de Romeo (Romeu), desconhecendo o desejo de seu pai que
havia firmado o compromisso de casá-la com o Count Paris (Conde Páris), um parente
rico do Príncipe de Verona (Escalo). A própria mãe de Juliet (Julieta) insiste com a filha
para que ela aceite de bom grado a união, mas Juliet (Julieta) está apaixonada por
Romeo (Romeu).
Romeo (Romeu) descobre pela Ama da jovem que se tratava da filha única da
família rival, mas resolve lutar por ela. Naquela mesma noite, Romeo (Romeu) vê Juliet
(Julieta) na sacada do palácio e pula o muro para encontrar sua amada. Na famosa
“cena da sacada”, à luz do luar os dois jovens enamorados trocam juras de amor e
resolvem se casar, mesmo contra o ódio que separa suas famílias. No dia seguinte,
com a ajuda de Friar Lawrence (Frei Lourenço), que via na união do casal a
possibilidade de paz entre as famílias, os dois jovens se casam secretamente.
Romeo (Romeu) decide se retirar das batalhas entre as duas famílias, mas é
desafiado na rua por Tybalt (Tebaldo), primo de Juliet (Julieta), que o havia reconhecido
na festa. Romeo (Romeu) se recusa a duelar com ele, mas Mercutio (Mercúcio) toma
seu lugar e é mortalmente ferido por Tybalt (Tebaldo). Romeo (Romeu), irritado com a
35
morte do amigo, duela com Tybalt (Tebaldo) e o mata. Para completar a gravidade da
situação, o Príncipe de Verona (Escalo) decreta o exílio de Romeo (Romeu).
Figura 4 - Representação da famosa “cena da sacada” no quadro Romeo and
Juliet, por Frank Bernard Dicksee, 1884
Fonte: Dicksee, 1884
Juliet (Julieta) sofre muito ao saber do banimento do marido. Seu pai, julgando
que a filha está triste por causa da morte de seu primo Tybalt (Tebaldo), resolve
antecipar seu casamento com Count Paris (Conde Páris). Juliet (Julieta) recusa tal
36
destino e seu pai ameaça deserdá-la. Romeo (Romeu) a visita pela última vez antes de
partir e naquela noite os dois jovens consumam o casamento. Com grande dor se
separam prometendo lutar para ficarem juntos novamente.
Juliet (Julieta) procura mais uma vez Friar Lawrence (Frei Lourenço) e lhe expõe
seu drama pessoal. O religioso então arma um plano e a aconselha a aceitar o
casamento com o Count Paris (Conde Páris); no entanto, entrega-lhe um pequeno
frasco contendo uma poção que tinha a propriedade de provocar um sono semelhante à
morte. O frade explica-lhe que, no estado cataléptico, a família a julgaria morta e a
sepultaria, tempo suficiente que ele precisava para avisar o jovem Romeo (Romeu) que
estava no exílio. Quando o efeito da droga passasse Romeo (Romeu) a resgataria para
fugirem juntos. Juliet (Julieta) concorda com o ousado plano.
Ao retornar ao lar, a moça finge estar alegre com o casamento e aceita a
imposição dos pais, que se alegram com a súbita decisão da filha. Na noite anterior ao
casamento, Juliet (Julieta) bebe a poção e em poucos minutos cai ao chão,
aparentemente morta. A alegria então dá lugar à dor na casa dos Capulet (Capuleto),
que providenciam os funerais da jovem, desconhecendo que ela apenas dormia.
Enquanto isso, o mensageiro enviado por Friar Lawrence (Frei Lourenço) para
avisar Romeo (Romeu) não consegue alcançá-lo a tempo e a mensagem se extravia.
Desconhecendo o plano, Romeo (Romeu) é avisado pelo criado Balthazar (Baltazar) da
“pretensa morte” de Juliet (Julieta) e ele, desesperado, parte para Verona. No caminho,
porém, compra um frasco contendo veneno mortal para poder se unir à esposa no leito
de morte.
Romeo (Romeu) chega às catacumbas de Verona e encontra o corpo de Juliet
(Julieta), que repousa no mausoléu da família. Mas lá também se encontra com Count
Paris (Conde Páris), que havia ido se despedir da noiva. Julgando o rapaz um vândalo,
Count Paris (Conde Páris) duela com ele, mas é mortalmente ferido por Romeo
(Romeu). Com grande dor, Romeo (Romeu) se acerca da esposa e bebe o veneno,
morrendo ali mesmo, ao seu lado. Nesse momento, Juliet (Julieta) desperta e se depara
com Romeo (Romeu) morto ao seu lado. Friar Lawrence (Frei Lourenço), que havia
acorrido ali para impedir uma tragédia, tenta levar a moça para longe, subtraindo-a ao
37
castigo paterno. Mas Juliet (Julieta) se recusa. Tomando o punhal de Romeo (Romeu),
apunhala o próprio peito, unindo-se ao marido no leito de morte.
As duas famílias correm até a tumba e lá se deparam com os três mortos. Friar
Lawrence (Frei Lourenço) então conta toda a trágica história dos dois amantes e ali
mesmo Montague (Montéquio) e Capulet (Capuleto) prometem selar a paz,
reconciliando-se em nome da tragédia. A história termina com a elegia do Príncipe de
Verona (Escalo) imortalizando o exemplo dos amantes, unidos para sempre de forma
trágica na morte, como não o puderam fazer em vida.
2.2.2. A publicação de “Romeo and Juliet”
Não se sabe ao certo quando Shakespeare escreveu “Romeo and Juliet”, mas
acredita-se que entre 1591 e 1595. Foram feitos vários estudos tentando responder
esta questão, embora a teoria talvez mais aceita afirme que a peça foi um projeto
pessoal iniciado em 1591 e concluído em 1595 (GIBBONS, 1980, p. 26-27).
De acordo com Jay Halio (1998) o que se tem certeza é que “Romeo and Juliet”
foi publicado gradativamente na forma de quarto, numa primeira edição em 1597,
chamada Q1 e realizada por John Danter e numa segunda edição, chamada Q2,
impressa por Thomas Creede e publicada por Cuthbert Burby, em 1599, virtualmente
maior e melhor que a primeira. Esta segunda edição traz inclusive alguns apontamentos
do próprio Shakespeare, o que a torna fiel ao seu projeto original. A obra foi reimpressa
ainda em 1609 (Q3), 1622 (Q4) e 1637 (Q5). O interessante é que cada uma das
reimpressões acrescentava ou retirava detalhes da outra (na verdade, todas se
complementavam). A obra também foi editada nas coleções de obras de Shakespeare,
os chamados Fólios1, o primeiro deles publicado em 1623, que se baseou no Q3 e nos
anos posteriores, em 1632 (F2), 1664 (F3) e 1685 (F4).
Somente em 1709, com Nicholas Rowe e em 1723, com Alexander Pope é que
se delineia a peça como é conhecida hoje. Alexander Pope, principalmente, editou a
peça na forma de roteiro teatral, inserindo as entradas e saídas de palco e cena. Desde
1
Folha de um livro ou de um registro numerado no rosto e no verso; número de cada página de um livro,
de cada folha de um manuscrito. Generalizou-se, contudo, o termo fólio para designar as unidades de
qualquer dimensão de um caderno manuscrito. (GRANDE, 1971, p. 2816).
38
então, iniciando no Romantismo da Era Vitoriana e prosseguindo até os dias atuais, a
obra continua a ser editada com acréscimos de notas textuais ao longo da narrativa,
muitas das vezes com a intenção de explicar aspectos da cultura e das origens da peça
(HALIO, 1998, p. 1-2).
De todo modo, “Romeo and Juliet”, assim como aconteceu com outras peças de
Shakespeare, destacando-se “Macbeth”, “Othelo” e “Hamlet”, caiu no gosto do público e
foi encenada centenas de vezes. Seus maiores críticos divergiam sobre a qualidade da
obra e não chegavam a um acordo sobre o tema central da obra, embora a aclamação
popular fosse o mais importante e até nos dias de hoje ainda não se define um tema
específico, que tem no amor trágico apenas um fio condutor. Talvez tal dificuldade
encontrasse uma explicação na razão de ser do Maneirismo2, que mostrava a dualidade
no ser humano, por vezes bom, por vezes ruim, numa espécie de antítese (HAUSER,
1998).
2
Conjunto de tendências (refinamento, complexidade chegando frequentemente à extravagância,
alongamento das formas) que se manifestaram na pintura e na escultura dos séculos XVI e XVII na
Itália (Pontormo, Parmeggianismo, Giambologna), depois na França (escola de Fontainebleau), na
Espanha (El Greco), nos Países Baixos, etc. O maneirismo inclui-se entre a arte renascentista e a
barroca, mas a fronteira não está bem definida (Miguel Ângelo, artista renascentista, é, por suas
últimas obras, um dos representantes principais do maneirismo). Na literatura, o maneirismo precede
as tendências da poesia barroca (marinismo, gongorismo), preparando-as. O maneirismo é mais
estudado em suas manifestações na pintura, escultura e arquitetura da Itália, onde se originou, mas
teve impacto também sobre as outras artes e influenciou a cultura de praticamente todas as nações
européias, deixando traços até nas suas colônias da América e no Oriente. Tem um perfil de difícil
definição, mas em linhas gerais caracterizou-se pela deliberada sofisticação intelectualista, pela
valorização da originalidade e das interpretações individuais, pelo dinamismo e complexidade de suas
formas, e pelo artificialismo no tratamento dos seus temas, a fim de se conseguir maior emoção,
elegância, poder ou tensão. (GRANDE, 1971, p. 4235).
39
Figura 5 - Primeiro Fólio publicado em 1623
Fonte: Lion, 2007
40
2.3 A obra de William Shakespeare no contexto da época
É importante compreender o universo shakespeariano no contexto da sua época,
pois suas obras foram influenciadas pela dinâmica política, econômica e cultural do
período em que viveu, e por assim dizer, retratam tais aspectos em seus textos. Ao
mesmo tempo, tal assertiva se torna realmente necessária para favorecer a
compreensão mais apurada da relação entre Direito e Literatura que se quer apreender
por este estudo, visto que no caso de “Romeo and Juliet” o Direito aparece como
garantia de paz, ordem social e conciliação de pares em conflito, espelhando uma
tendência humanista que já encontrara campo no Renascimento com “Utopia” de
Thomas More e “O Príncipe”, de Maquiavel, que trazem implícitos em si a ideologia
política do bem estar social.
2.3.1 O Renascimento e o Maneirismo na Europa
Embora os autores modernos classifiquem o Renascimento3 como fenômeno
histórico tipicamente italiano, o certo é que também em outros países da Europa como
França, Inglaterra e Países Baixos os seus efeitos foram claramente visíveis, tanto no
aspecto artístico, quanto nos aspectos filosófico e político.
A Itália foi o berço do movimento renascentista, caracterizado pela filosofia
humanista e pelo florescimento das artes, das ciências e das letras, compreendido
entre os séculos XIV e XVII e que rompeu com a cultura tipicamente eclesial do
feudalismo na Europa. Mais do que um movimento artístico, ele extrapolou os padrões
filosóficos implantados pela Igreja Católica na Idade Média e instituiu um novo padrão
de pensamento baseado na valorização do homem e da natureza em oposição ao
3
Grande movimento de renovação das artes, das letras e das ciências. Movimento que procurou renovar
não só as artes plásticas e as letras, mas também a organização política e econômica da sociedade,
seguindo os exemplos e modelos da antiguidade greco-romana. Chamou-se "Renascimento" em
virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que
nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. O termo foi
registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no século XVI, mas a noção de Renascimento como
hoje o entendemos surgiu a partir da publicação do livro de Jacob Burckhardt “A cultura do
Renascimento na Itália”, onde ele definia o período como uma época de "descoberta do mundo e do
homem”. (GRANDE, 1971, p. 5751-5754).
41
divino e sobrenatural, e na releitura dos antigos padrões culturais da Antiguidade
Clássica, concomitante ao processo de substituição do poder econômico que se
transferiu da nobreza para a influente e nascente burguesia mercantil. E a Itália, por
reunir inicialmente as condições sociais e econômicas favoráveis a esta mudança de
paradigma cultural no bojo do século XIV, tornou-se o berço do movimento
renascentista (PROENÇA, 2003).
Da Itália, o Renascimento alcançou a França, a Alemanha, os Países Baixos e a
Grã-Bretanha, e em menor escala Portugal e Espanha. Num segundo momento
originou a tendência maneirista, mais sombria e marcada pela contradição e pelo
conflito, já evidenciando uma passagem para o Barroco.
De fato, é indiscutível a produção cultural do período revelando talentos do porte
de Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, El Greco, Hans Holbein, Thomas More,
Nicolau Maquiavel, Miguel de Cervantes, Christopher Marlowe e William Shakespeare,
dentre tantos outros. Mais do que o forte sentimento de busca e encontro da perfeita
noção de estética, a obra shakespeariana encontra um campo ainda mais vasto ao
explorar a psicologia humana em toda a sua profundidade. Além disso, na acepção
trágica, vasculha o interior do ser e expõe as amarguras e alegrias a que estão sujeitas
a fragilidade humana.
2.3.2. A Inglaterra de Elizabeth I e a obra de William Shakespeare
Longe de qualquer pretensão histórica a respeito, o trabalho propõe apenas
situar de forma genérica o contexto shakespeariano em um momento crucial da história
da Inglaterra, palco propício às discussões sobre a realidade política, cultural e social.
Por assim dizer, a Inglaterra que conheceu o talento de William Shakespeare é ainda a
Inglaterra da Dinastia Tudor, que se expande no despotismo. Primeiramente fora
Henrique VIII e na sequência seus filhos Edward, Mary e Elizabeth que consolidaram a
hegemonia e o grande poderio da Monarquia Inglesa, início do Império Britânico, ainda
que o processo tenha sido longo e violento. De modo concomitante, William
42
Shakespeare viveu durante o governo de Elizabeth Tudor, época do apogeu da
Monarquia Inglesa e por isso mesmo chamada de Era Elisabetana4 ou Era Dourada.
Figura 6 - Rainha Elizabeth I (Inglaterra)
Fonte: Cooper, 2008
4
O Período Elisabetano ou Período Isabelino é o período associado ao reino da rainha Isabel I ou
Elizabeth I (1558-1603) - filha de Henrique VIII e Ana Boleana, sucedeu a sua meia-irmã Mary Tudor e considerado frequentemente uma “Era Dourada” da história inglesa. Esta época corresponde ao
ápice da renascença inglesa, na qual se viu florescer a literatura e a poesia do país. Este foi também o
tempo durante o qual o teatro elisabetano cresceu e William Shakespeare, entre outros, escreveu
peças que rompiam com o estilo a que a Inglaterra estava acostumada. Foi um período de expansão e
da exploração no exterior, enquanto no interior a Reforma Protestante era estabelecida e defendida
contra as forças católicas do continente. (GRANDE, 1971, p. 3597).
43
De acordo com Arnold Hauser (1998), Elizabeth I, filha de Henrique VIII e Ana
Boleana e que subiu ao trono em 1559, após a morte de sua irmã Mary Tudor,
estabeleceu uma política forte que conduziu à formação do Império Inglês. Seu reinado
foi marcado pelo apogeu da política, da economia e da cultura inglesa, com o
fortalecimento da monarquia absolutista que tão soberanamente representou, a
exemplo do pai. Subindo ao trono, Elizabeth I encontrou uma Inglaterra dividida por
conflitos religiosos e uma nobreza praticamente destruída pela Guerra das Duas
Rosas5. O país clamava por paz, ordem e pelo fim da anarquia, visto que os governos
anteriores de Edward e Mary Tudor haviam sido fracos e permissivos, desgastando-se
por questões religiosas e conflitos civis. O diferencial do governo de Elizabeth I
encontra-se justamente na premissa de que ele foi forte o suficiente para estabilizar a
sociedade, organizar o estado inglês e elevá-lo à categoria de potência. Para Arnold
Hauser:
A nobreza tinha sido quase completamente destruída no final da Guerra das
Duas Rosas, mas a pequena nobreza, os pequenos proprietários rurais e a
classe média urbana queriam, acima de tudo, paz e ordem - pouco lhes
importava que espécie de governo tinham, desde que fosse suficientemente
forte para impedir a volta da anarquia. Imediatamente antes da subida de
Elizabeth ao trono, o país viu-se de novo atormentado com os horrores da
guerra civil; os antagonismos religiosos pareciam ter-se tornado mais
irreconciliáveis do que nunca, o orçamento nacional encontrava-se em situação
desesperadora, as questões de política externa estavam confusas e em perigo.
O próprio fato de a Rainha ter em parte eliminado e em parte se eximido a
esses perigos assegurou-lhe uma certa medida de popularidade em muitos
setores da população. Para as classes privilegiadas e ricas, seu reinado
significou, sobretudo, que estavam protegidas contra o perigo ameaçador de
movimentos revolucionários vindos de baixo. Todos os temores alimentados
pelas classes médias quanto ao aumento dos poderes da soberana foram
silenciados pelo apoio que tinham na monarquia para travar com êxito a guerra
de classes (HAUSER, 1998, p. 419-420).
É nesse contexto de aparente estabilidade social e econômica que emerge a
produção cultural de William Shakespeare, ele mesmo um membro da baixa
5
Guerra civil que opôs, entre 1450 e 1485, dois ramos plantagenetas que pretendiam a coroa, o York e o
Lancaster, cujos brasões exibiam uma rosa, branca para York, vermelha para Lancaster. A Guerra das
Duas Rosas foi uma série de longas e intermitentes lutas dinásticas pelo trono da Inglaterra, durante
os reinados de Henrique VI, Eduardo IV e Ricardo III. Em campos opostos encontravam-se as casas
de York e de Lancaster. As lutas pelo trono da Inglaterra entre famílias rivais dos descendentes de
Eduardo III devem o seu nome aos símbolos das duas facções: uma rosa branca para a Casa de York,
uma vermelha para a Casa de Lancaster (ambas de ascendência Plantageneta). (GRANDE, 1971, p.
2286).
44
aristocracia rural, mas que, segundo Arnold Hauser (1998) via o mundo através dos
olhos de um cidadão abastado, de mentalidade liberal, cético e, em alguns aspectos,
desiludido. Shakespeare é, por assim dizer, um humanista nato, mas sua produção
literária apresenta características maneiristas, que procura imprimir nos personagens de
suas histórias, que se apresentam em geral conflituosos e trágicos.
Durante a Era Elisabetana e tomando como exemplo a própria Rainha Elizabeth
I, que herdou do pai o talento para a escrita em prosa ou poesia, a produção cultural foi
fortemente protegida e incentivada, principalmente o teatro, as artes plásticas, a música
e a literatura. A Coroa Inglesa estimulava e favorecia tanto a prática do teatro, que ele
ficou conhecido como Teatro Elisabetano6 e a nobreza atuava como mecenas,
patrocinando as peças, que não eram só encenadas e assistidas, mas também
publicadas. No caso do teatro, William Shakespeare e Christopher Marlowe foram os
dois expoentes mais famosos da época.
Particularmente, Arnold Hauser (1998), como opção metodológica deste estudo,
é um dos autores que melhor situa a obra shakespeariana no contexto do
Renascimento, evidenciando a história da arte, das letras e da cultura em um período
marcado pelo sentimento de comunidade social. Todavia, a união das várias camadas
da sociedade no teatro foi possibilitada pela qualidade dinâmica da vida social.
Conforme ensina Arnold Hauser:
Shakespeare não escreve suas peças porque quer consolidar uma experiência
ou resolver um problema; não descobre primeiro um tema e procura depois uma
forma adequada e a possibilidade de representá-lo em público; primeiro vem a
demanda, e depois ele tenta satisfazê-la. Escreve suas peças porque seu teatro
necessita delas. É verdade que suas peças se destinavam, antes de tudo, a um
teatro popular, mas ele estava escrevendo numa era de humanismo na qual
muito era também lido. A grandeza de Shakespeare não pode ser explicada
sociologicamente mais do que pode sê-lo a qualidade artística em geral
(HAUSER, 1998, p. 432-433).
6
Em nenhuma outra época da história literária inglesa o teatro foi mais florescente do que sob o reinado
de Elizabeth I e de seus dois sucessores, Jaime I e Carlos I, desde 1576, ano em que foi construído o
primeiro teatro de Londres. Enquanto o drama renascentista italiano se desenvolvia com uma forma de
arte elitista, o teatro isabelino ou elisabetano resultava em um grande fascinador de todas as classes,
sendo assim um "nivelador" social. Às representações compareciam príncipes e camponeses, homens,
mulheres e crianças, porque a entrada estava ao alcance de todos. Comparecer ao teatro era um
costume muito arraigado na época. Por isso, todos os dramas deviam satisfazer gostos diversos: os
dos soldados que desejavam ver guerras e duelos, das mulheres que procuravam por amor e
sentimento, dos advogados que se interessavam pela filosofia moral e pelo direito, e assim com todos.
Inclusive a linguagem teatral reflete esta exigência, enriquecendo-se com registros muito variados e
adquirindo grande flexibilidade de expressão. (GRANDE, 1971, p. 2376-2377).
45
Figura 7 - Casa de Shakespeare em Stratford-upon-Avon (Inglaterra)
Fonte: Jones, 2007
Pois bem, Shakespeare, embora casado e pai de quatro filhos, provavelmente
por volta de 1492, deixou a família no campo, em Stratford-upon-Avon, sua terra natal e
foi se aventurar em Londres (Inglaterra), onde se tornou ator e dramaturgo, tornando-se
sócio da Lord Chamberlain’s Men, uma prestigiada companhia de teatro, mais tarde
conhecida como King’s Men durante o governo do Rei Jaime I, que sucedeu Elizabeth
no trono. Em pleno século XVI, o fato das obras para teatro também serem publicadas
e lidas contribuiu ainda mais para popularizar os trabalhos de Shakespeare, cujas
46
multidões lotavam o Globe Theatre7 em Londres, incluindo no grande público
praticamente todos os setores da sociedade. No caso de Shakespeare, foi o seu papel
como acionista na companhia que o tornou um homem rico, mais do que a
comercialização de suas peças (HAUSER, 1998).
2.4 A realidade social, política e cultural retratada em “Romeo and Juliet” de
William Shakespeare: relações entre Estado, Direito e Literatura na Renascença
Como visto anteriormente, de acordo com Arnold Hauser (1998), o teatro na
época de Shakespeare alcançou tanta popularidade que tornou-se um dos meios mais
eficazes de instrumentação ideológica junto às massas, pela fácil assimilação das
mensagens pelas categorias iletradas e mais desfavorecidas da população.
Relacionado à literatura e ao campo das artes, foi importante veículo da ideologia das
classes dominantes. Muitas das vezes tal ideologia se vincula ao aparelho jurídico do
Estado por representar a forma de efetivo controle da sociedade.
E é justamente nesse contexto que se torna favorável analisar o Direito sob a
ótica da Literatura, uma vez que a compreensão do discurso ideológico presente na
produção cultural de uma outra época diz muito acerca do comportamento e da
mentalidade do período. No presente estudo, tem-se que o aparato literário pode
auxiliar enormemente na compreensão da realidade social, cultural e política em que o
Direito se insere tanto na Inglaterra (terra natal do dramaturgo onde a obra foi lançada),
como na Itália (cenário da tragédia dos dois amantes).
Antes de tudo, é importante explicar o motivo pelo qual uma história alicerçada
na cultura italiana alcançou tanto prestígio na conservadora sociedade inglesa.
7
Globe Theatre ou The Globe é um teatro inglês construído em 1599 e destruído em 1613 por um
incêndio, sendo reconstruído em 1614 e fechado em 1642. O Globe original foi construído em 1599 por
Peter Street na época elisabetana, no borough de Southwark, numa área chamada Bankside, próxima
ao rio Tâmisa, com as estruturas do primeiro teatro inglês “The Theatre”, erguido em 1576 pelo ator
James Burbage e demolido em 1598 depois de ter sua licença cassada. William Shakespeare tornouse um de seus sócios, transformando-o em arena para as representações de peças como “Hamlet” e
“Rei Lear”. Fechado em 1642, após a vitória dos puritanos liderados por Oliver Cromwell na Guerra
Civil Inglesa (1642-1649), o teatro seria reconstruído e reinaugurado em 1996. A reconstituição das
características originais do Globe foi possível graças a pesquisas arqueológicas que em 1989
descobriram suas fundações e as ruínas do Rose Theatre, construção da mesma época. (GRANDE,
1971, p. 3080-3081).
47
2.4.1 O conto italiano e sua popularização na Europa
Fato comum não só a Shakespeare, mas também a outros autores, dramaturgos
e poetas da Renascença, é o desígnio do grande enfoque dado à cultura italiana na
composição de suas obras.
Os contos italianos, denominados novelles, sempre foram muito apreciados pela
população européia e serviram de inspiração a muitos dramaturgos e autores que se
basearam neles para compor peças teatrais, poemas, músicas e mais recentemente, no
século XIX, famosas óperas. O desenvolvimento primordial da cultura romana e depois
da cultura cristã legou à Itália centenas de mitos, lendas e contos, que versavam sobre
inúmeros temas, abrangendo a mitologia greco-romana, a biografia dos imperadores e
as vidas de santos, muito populares na Idade Média e também no Renascimento. A
fonte de inspiração era abundante numa Itália que já sobressaía na arte e já
imortalizava seus temas na pintura, escultura e literatura, embora esta última muitas
das vezes ainda ficasse restrita ao campo da oralidade.
Por outro lado, se a Itália foi capaz de produzir tanta cultura literária, por uma
série de fatores isso não aconteceu com o teatro, que lá não se desenvolveu, ao
contrário do que ocorreu na Inglaterra. Acerca disso, esclarece Arnold Hauser:
As categorias sociais isoladas estão menos nitidamente separadas umas das
outras na Inglaterra elisabetana do que em qualquer outro país da Europa
Ocidental; as diferenças culturais, sobretudo, são menores na Inglaterra do que,
por exemplo, na Itália da Renascença, onde o humanismo traçou linhas mais
decisivas de demarcação entre as várias seções da sociedade do que na
Inglaterra da era elisabetana, que tinha uma estrutura econômica e social similar
mas era um país “mais jovem”. Na Itália, portanto, nenhuma instituição cultural
com uma universidade comparável à do teatro inglês poderia ter esperanças de
prosperar. Esse teatro era o resultado de um nivelamento das mentes, algo
inaudito fora da Inglaterra. E, a esse respeito, a frequentemente exagerada
analogia entre o teatro elisabetano e o cinema é, de fato, instrutiva. As pessoas
vão ao cinema para assistir a um filme; educadas ou não, todas elas sabem o
que esperar. Com uma peça teatral, por outro lado, não é esse o caso hoje em
dia. Na era elisabetana, porém, as pessoas iam ao teatro como vamos ao
cinema, e concordavam essencialmente em suas expectativas a respeito da
performance, por muito diferentes que fossem suas necessidades intelectuais
entre outros aspectos (HAUSER, 1998, p. 433-434).
48
Foi justamente o nivelamento cultural que na Inglaterra aproximou as classes
mais baixas das classes médias, e, consequentemente, da nobreza (outro fator
preponderante na ampla repercussão que o teatro alcançou na era elisabetana). Ele foi
um fator de agregação das classes, que, embora se mantivessem distintas, ao mesmo
tempo estavam dialeticamente próximas.
2.4.2. A Itália no universo shakespeariano e a proposta de discussão de Direito e
Literatura
A cultura italiana, com seus ricos paradigmas renascentistas, foi amplamente
disseminada nos países da Europa Ocidental e absorvida por eles. Na Inglaterra podese ver sua grande influência no teatro, da qual Shakespeare foi o grande expoente.
Dentre os renascentistas, ele foi um dos principais autores a transpor para a língua
inglesa contos tradicionais da língua italiana e isso se verifica em grande parte de sua
produção literária e para o teatro. De acordo com Joseph Sobran (1997), diante das
várias peças teatrais, entre tragédias e comédias, muitas delas foram inspiradas por
contos italianos e cujas histórias são situadas na própria Itália: The Comedy of Errors
(“A Comédia dos Erros”, 1577), The Taming of the Shrew (“A Megera Domada”, 1579),
All’s Well That Ends Well (“Tudo Bem Quando Termina Bem”, 1579), The Merchant of
Venice (“O Mercador de Veneza”, 1579), The Two Gentleman of Verona (“Os Dois
Cavalheiros de Verona”, 1590), Romeo and Juliet (“Romeu e Julieta”, 1591/1595), Much
Ado About Nothing (“Muito Barulho Por Nada”, 1598), Othello, the Moor of Venice
(“Otelo, o Mouro de Veneza”, 1604), Measure for Measure (“Medida por Medida”, 1604)
e The Tempest (“A Tempestade”, 1611).
Mas o que explicaria tanto o gosto de William Shakespeare pela realidade da
Itália renascentista a ponto de retratá-la com tanta insistência em sua obra?
Mais do que representar a realidade mercantil e a florescente cultura artística
que ocorria nos principados italianos de seu tempo, ou descrever simplesmente suas
paisagens e monumentos nacionais, Shakespeare soube envolver uma nova sociedade
e, portanto, novas relações sociais em seu cotidiano. Qualquer um que estude mais
atentamente suas peças e escritos, percebe que ele contextualiza suas histórias dentro
49
da realidade social, econômica e política local, com traços marcantes e olhares na
Inglaterra. Este é o primeiro aspecto que nos permite identificar na obra de
Shakespeare uma discussão acerca de Direito e Literatura. Mas como isso se torna
possível?
Tal premissa pode ser verificada tanto em “Romeo and Juliet” como em outras
importantes obras shakespearianas, como “Othello”, “The Tempest” e “The Merchant of
Venice”, onde o dramaturgo entrelaça a lenda e a ficção com fatos históricos que
envolvem particularidades tais como disputas pelo poder, romance, rivalidades entre
facções políticas, moral religiosa, ética, direito, justiça, questões legislativas e
mercantis.
Todos estes elementos podem ser encontrados na tragédia “Romeo and Juliet”:
A disputa política entre pares rivais, os Capulet (Capuletos) e os Montague
(Montéquios); o papel da Igreja Católica e do Estado na conciliação e na pacificação de
conflitos; a moral social, a ética como doutrina da conduta humana, a justiça como
virtude, a união de dois jovens como alternativa de ligações políticas, dentre outros
aspectos. Um ponto comum que se verifica não só em “Romeo and Juliet”, mas também
em outras obras do dramaturgo inglês é o fato de que a lei se apresenta como
definidora dos rumos das tramas, ora favorecendo finais felizes, ora culminando em
tragédias.
Aqui se pode traçar um paralelo comparativo entre a realidade da Inglaterra e da
Itália. O governo forte e liberal de Elizabeth I havia consolidado a política e a economia
na Inglaterra, bem como estabilizado a sociedade que há décadas vivia em crise por
conflitos civis e religiosos. Esta realidade não ocorria em muitos outros países da
Europa, dentre eles a própria Itália, que não havia ainda se constituído como país,
apresentando uma configuração política de principados e cidades-estado.
Partindo do princípio de que o contexto social, político e cultural da Inglaterra
durante o governo de Elizabeth I era amplamente favorável ao desenvolvimento de uma
cultura que agradasse às massas, todas as formas de expressão da arte e do
pensamento eram instrumentos também favoráveis ao controle das mesmas.
Compreender de que forma as artes e mais especificamente a literatura servem ao
poder como instrumento de coerção social é algo importante em qualquer estudo de
50
época, ainda mais se tratando da época e da obra de William Shakespeare e seus
contemporâneos.
O fato de dramaturgos do porte de Shakespeare, Marlowe, Peele, Dekker e Ben
Jonson terem vindo originalmente de camadas mais pobres da sociedade inglesa e
terem adquirido fama e sucesso com um trabalho apreciado tanto pela nobreza como
pelas massas mostra bem esta tendência. Numa época em que a Inglaterra se
consolidava como potência, a composição de uma obra teatral que preconizasse a paz
e a ordem reforçava a noção de que o Estado, valendo-se do instrumento da lei, era
eficiente para pôr fim aos conflitos, estabelecer a ordem e conduzir a nação à
prosperidade.
Em seu país, William Shakespeare posiciona-se a favor da coroa e da nobreza,
associada à classe média a favor do progresso da nação, que eliminara totalmente toda
e qualquer influência do feudalismo. Ele procurou incutir no público esta noção de
ordem social que reinava na Inglaterra e apresentou a Itália, com sua configuração
política fragmentada e disforme, mas ao mesmo tempo capaz de sintetizar o
pensamento humanista próprio da Renascença, idealizando-a nas suas obras como
uma terra conturbada por inúmeros problemas, mas onde o amor e a virtude genuína
eram capazes de vencer, semelhante ao que aconteceu na Inglaterra.
Em outras palavras, conforme afirma Arnold Hauser (1998), tais valores em
sentido figurado representam o progresso do renascimento e da política liberal que
superam o atraso do feudalismo:
Os dramas históricos de Shakespeare deixam suficientemente claro que na luta
entre a Coroa, a classe média e a pequena nobreza, de um lado, e a
aristocracia feudal, de outro, o dramaturgo não se colocava, de maneira
nenhuma, do lado dos cruéis e arrogantes rebeldes. Seus interesses e
inclinações vinculavam-no às camadas sociais que englobavam a classe média
e a aristocracia de mentalidade liberal que adotara a concepção de vida da
classe média, e que formavam um grupo progressista, de qualquer modo, em
contraste com a antiga nobreza feudal (HAUSER, 1998, p. 423).
Isso explica porque Shakespeare era visto em seu país como o idealizador, o
expoente máximo de um “movimento renascentista inglês”, consagrado pelo público e
que espelhava o renascimento italiano. Convém ressaltar, no entanto, que o
dramaturgo não era muito apreciado no restante da Europa, criticado pela elite
51
principalmente na Alemanha e na França, por produzir uma cultura de apelo popular,
mas que servia também a nobreza britânica. Norbert Elias assim coloca a opinião de
Frederico, o Grande, da Alemanha, a respeito da popularidade de Shakespeare:
O que Frederico, o Grande, diz sobre Shakespeare é, na verdade, a opinião
geral da classe alta da Europa, que só se expressava em francês. Ele nem
“copia” nem “plagia” Voltaire. O que escreve é sua sincera opinião pessoal. Não
acha graça nos chistes rudes e incivilizados de coveiros e gente da mesma laia,
ainda mais se aparecem misturados com os grandes sentimentos trágicos de
príncipes e reis. Acha que nada disso tem forma clara e concisa e que são
“prazeres das classes baixas” (ELIAS, 1994, p. 33).
Até então a cultura francesa sempre fora vista como privilegiada em toda a
Europa, ao contrário da cultura inglesa, desprezada. Havia um forte sentimento contra a
bem sucedida política de Elizabeth I e este poderia ser um dos motivos que explicam
esta rejeição. Um aspecto que comprova esta teoria é que Shakespeare não situa
nenhuma de suas tragédias na França e na Alemanha, países que tradicionalmente já
haviam apresentado conflitos com a Inglaterra ao longo da história.
O estudo sobre Direito e Literatura tomando como parâmetro de análise as obras
de Shakespeare, mais especificamente “Romeo and Juliet”, deve se basear nessa
premissa de que seu discurso e a ilustração da tragédia ambientada na cidade de
Verona/Itália refletem as tendências politizantes no século XVI, na qual a lei, utilizada
como instrumento de ordenação social em períodos de crise preconiza as
possibilidades de progresso viabilizadas pelo Renascimento, em oposição ao
Feudalismo, processo este que simboliza a Inglaterra e sua consolidação como
potência na era elisabetana.
52
3 UMA RELEITURA DO POTENCIAL HUMANO EM WILLIAM SHAKESPEARE: A
CAPACIDADE DE COMPREENSÃO DO SER NO CONTEXTO JURÍDICO-LITERÁRIO
O dramaturgo inglês, William Shakespeare, é considerado por muitos um dos
maiores escritores e poetas da língua inglesa de todos os tempos. Não há duvida de
que todas as suas obras têm a capacidade de fundir o poético e o refinado a um forte
caráter popular, agradando às diversas classes sociais, de todas as épocas. É tão
notável o seu talento que este não recua ao realismo e humanismo, por mais grosseiro
que possa parecer, sendo que sua linguagem é rica, criadora e demasiadamente
autêntica. Ainda que se possa tecer longos comentários acerca de seu estilo literário,
sua ideologia impressiona pelo fascínio, uma vez que seus versos só exprimem as
ideias e sentimentos dos personagens, jamais do próprio autor, que nunca fala em
primeira pessoa, parecendo não possuir filosofia alguma, o que significa, numa
linguagem mais clara, o verdadeiro ser humano, com todos os ideais e sonhos juntos à
ambição, não havendo homem ou mulher inteiramente bons ou totalmente maus.
Em outras palavras, Shakespeare oportuniza a análise do próprio meio social, do
homem e seus valores, de suas ideias, de sua moral, de sua ética e de seu direito. Veja
que a exemplo de muitos outros autores, tanto da época de criação da obra como da
atualidade, é um autor que continua assustando por sua modernidade em tom elevado.
Além disso, é considerado um dos mais perspicazes observadores do subtexto da vida,
deixando-nos
entrever
as
motivações
veladas
de
seus
personagens.
Mais
especificamente, na obra “Romeo and Juliet,” são evidenciadas as chaves ocultas do
comportamento humano, tendo como aspecto revelador o hiato existente entre o
comportamento explícito e a motivação mascarada, caracteres preponderantes para o
estudo do ser humano no enfoque jurídico-literário da tragédia.
De fato, inúmeras são as possibilidades que emergem da dimensão oculta de
seu discurso, permitindo em primazia problematizar e contextualizar a leitura crítica
tradicional. No tocante a Shakespeare, o recurso teatral do travestimento vai muito além
da convenção trágica, passando a ser uma espécie de conceito idealizador para
questionar a noção de subjetividade e identidade na obra. Através desse recurso
esplendoroso, o mesmo consegue analisar as contradições e lacunas existentes no
53
modelo patriarcal de seu tempo, questionando as ortodoxias de sua cultura, porém,
respeitando sempre a autenticidade e o potencial humano.
3.1 Uma questão de autoria: o ser humano no imaginário shakespeariano
Nas palavras de Bárbara Heliodora, “se o bom teatro nos ajuda a melhor
compreender o ser humano, William Shakespeare o faz como ninguém” (HELIODORA,
2008, p. 8). No entanto, nada parece fascinar mais Shakespeare que a abrangência do
potencial humano, algo de destaque em seu imaginário intelectual. A capacidade de
investigar e compreender a fundo os processos do ser humano (uma viagem pelo corpo
e pela alma de seus personagens) revela sua tênue preocupação como indivíduo na
perspectiva social.
Ainda que se possa tecer longos comentários acerca de seu estilo, o “bem da
comunidade é o primeiro referencial de todas as obras teatrais shakespearianas, sejam
elas comédias, peças históricas ou tragédias” (HELIODORA, 2008, p. 8). Considerando
tais observações, em relação à grande quantidade de personagens retratados na obra
“Romeo and Juliet”, diante de cada ação, diante de cada atividade, Shakespeare nos
alerta para o fato de que o homem é também capaz de mais esta ou aquela ação ou
emoção, e que toda ação ou emoção tem consequências, sejam elas favoráveis ou
desfavoráveis.
À medida em que Shakespeare consegue expressar com bastante fluidez os
embates trágicos na obra “Romeo and Juliet”, enaltecendo a disputa por legitimidade
entre as duas famílias rivais, os Capulet (Capuletos) e os Montague (Montéquios), sua
impecável forma poética e literária vai se consolidando juntamente com o direito.
Todavia, a paixão sem limites pela humanidade é um contorno de sua realidade com
imensa força. Nesse sentido, Bárbara Heliodora afirma que:
Nas mãos de um autor tão profundamente dramático e teatral, o verso se
transforma em preciosa ferramenta de auxílio ao ator na execução de sua tarefa
de interpretação, pois seguir o ritmo e a música do verso significa encontrar a
essência do personagem e da situação (HELIODORA, 2008, p. 9).
54
Figura 8 - William Shakespeare e a “Grande Cadeia do Ser”
Fonte: Draeta, 2011
A projeção dos mundos possíveis em William Shakespeare é extraordinária, o
que dizer então de sua próspera ascensão social, depois de uma infância, adolescência
e juventude de muitos estudos e desafios. A maior prova desse sucesso é a literatura
elegante e o teatro, elementos marcantes de sua história. Segundo Bárbara Heliodora:
55
Shakespeare nasceu em um período privilegiado para o teatro. A Renascença,
que chega tarde à Inglaterra, as então recentes descobertas do Oriente e das
Américas e tudo o que estava acontecendo na ciência e na tecnologia se
transformaram em inquietações e curiosidades, e ao teatro coube o papel de
satisfazê-las. O teatro, aliás, para o elisabetano, era a caixa mágica onde se
podiam não só ver lindos espetáculos, mas um pouco de cada coisa. Com fartas
doses de imaginação, tinha-se ainda informações a respeito de lugares, fatos e
fenômenos estranhos em que o fantástico, o quase miraculoso e o malévolo
pululavam (HELIODORA, 2008, p. 9).
Embora Shakespeare expressasse os elementos essenciais da vida humana,
comum a experiência de todos, tais como, amor, saudade, dor, honra, dignidade,
desejo, decepção, juventude, velhice, morte e justiça, ele geralmente o fazia em termos
familiares à sua platéia original. Seu grande diferencial foi abordar a Grande Cadeia do
Ser, ou seja, tudo girava em torno das sociedades, das famílias e dos indivíduos,
enquanto esses conheciam seus deveres e mantinham-se firmes em suas posições
sociais. Mas de fato surge um questionamento: como os elisabetanos encaravam as
grandes mudanças sociais? Nas palavras de Laurie Rozakis:
Muitas pessoas se apegavam tenazmente aos tradicionais modos de interpretar
o mundo e compreender seu lugar. Quanto mais o mundo parecia estar
mergulhado no caos, mais os elisabetanos abraçavam aos antigos conceitos de
ordem. A palavra chave era “hierarquia”. [...] Os humanos estavam no topo da
cadeia, acima de todas as criaturas (ROZAKIS, 2002, p. 19-20).
Há um certo consenso em que o mundo estava em uma posição ordenada e
racional, onde cada pessoa ocupava um degrau específico na escala social. As
responsabilidades também dependiam de cada posição, pois cada um entendia e
aceitava essa hierarquia, que era constantemente reforçada na vida diária. Essa ordem
se estendeu a tudo e a todos no Universo. Cada elemento, criatura e ser espiritual
ocupavam um lugar fixo no Universo.
É, portanto, nesse espaço aberto para a conjugação de interpretações várias,
além das teatrais, que o homem comum podia ouvir os comentários diretos e honestos
sobre a vida. Na verdade, como afirma Laurie Rozakis, é isso que Shakespeare quis
dizer com tamanha maestria ao assinalar que os atores são a “breve crônica dos
tempos” (ROZAKIS, 2002, p. 28).
56
3.2 As referências incontestáveis de um período marcado pela ascensão
intelectual: a importância do teatro como tempero da vida (o mundo é um palco)
Todo o inesgotável acervo empírico da obra “Romeo and Juliet” é potencialmente
revelador. Conhecer os termos básicos referentes aos usos e costumes da época
representa muito para a transformação do enredo em arte e a arte em realidade. Mas
como Shakespeare fez isso? Ele uniu observações agudas sobre a condição humana a
dramas psicológicos e a uma poesia admirável. A julgar-se pelo bom senso do
dramaturgo, concluiu o escritor John Dryden citado por Laurie Rozakis, em 1668, que
“de todos os poetas modernos, e talvez de todos os antigos, ele era o homem que
possuía a alma mais generosa e compreensiva” (DRYDEN apud ROZAKIS, 2002, p.
46).
Contudo, entre as tantas inovações revolucionárias do alvorecer da economia de
mercado de seu tempo, o teatro8 evoluiu e teve imenso impacto social. A primeira
dessas tais condições foi devido à própria estrutura da sociedade. Shakespeare com o
seu notável talento soube cercar-se do que havia de melhor nos anos do reinado de
Elizabeth I, e ao longo de todo o período em que trabalhou pela consolidação e pelo
progresso do reino, propiciou a ascensão intelectual da sociedade e o fascínio pela vida
cênica.
De maneira assombrosa, a popularidade permanente do teatro e da obra
“Romeo and Juliet” alcançaram uma intensidade mítica com notória justificação social.
Mesmo sendo um homem do século XVII, a universalidade e contemporaneidade de
Shakespeare são incontestes. Em virtude dessa dualidade temporal, não podemos
dissociá-lo do contexto histórico de seu tempo, pois, segundo Antônio Cândido “as
obras se articulam no tempo, de modo a se poder discernir uma certa determinação na
8
O teatro, mais do que ser um local público onde se vê, é o lugar condensado das ambiguidades e
paradoxos, onde as coisas são tomadas em mais de um sentido. Camargo assim o define: “O vocábulo
grego Théatron (șȑĮIJȡȠȞ) estabelece o lugar físico do espectador, ‘lugar onde se vai para ver’ e onde,
simultaneamente, acontece o drama como seu complemento visto, real e imaginário. Assim, o
representado no palco é imaginado de outras formas pela platéia. Toda reflexão que tenha o drama
como objeto precisa se apoiar numa tríade teatral: quem vê, o que se vê, e o imaginado. O teatro é um
fenômeno que existe nos espaços do presente e do imaginário, nos tempos individuais e coletivos que
se formam neste espaço" (CAMARGO, 2005).
57
maneira por que são produzidas e incorporadas ao patrimônio de uma civilização”
(CÂNDIDO, 1981, p. 30).
Por sua vez, Shakespeare foi a figura chave na criação de um sistema de
significados, valores e regras implícitas próprio para a Renascença. Sutilmente, no
tocante à regulação do pujante teatro elisabetano, que cresceu com a energia e uma
estima pública sem precedentes, tudo era tolerado em “estado precário” e estava
sujeito ao controle das autoridades. Para Gustavo H. B. Franco e Henry W. Farnam, “O
controle do governo sobre a atividade teatral era absolutamente total, a começar pela
censura” (FRANCO; FARNAM, 2009, p. 58). Na verdade, em observância à letra da lei,
toda e qualquer atividade teatral destinava-se exclusivamente ao entretenimento da
corte, sendo que quaisquer outras apresentações precisavam ter autorização.
De qualquer modo, ao lado da ação humana, há, nos vários personagens que
Shakespeare inspirou, um retrato comum de seu tempo (rei, príncipe, aristocratas,
senhoras, criados, etc.). As cenas das peças do dramaturgo limitavam-se, em geral, à
Europa e ao Mediterrâneo, ou ao que os antigos chamavam de mundo civilizado. A
maioria das tramas também foi tirada de material já existente, seja da história antiga, da
inglesa, seja de histórias de autores italianos ou de outra origem. No caso em especial,
o desenrolar da tragédia em “Romeo and Juliet” teve como pano de fundo a cidade de
Verona na Itália. De acordo com Barbara Heliodora, ao enaltecer a importância do
mundo como um palco, assinala que “o segredo do teatro elisabetano foi ter
aproveitado o melhor de dois mundos, misturando a ação do teatro popular e a forma
do teatro romano” (HELIODORA, 2008, p. 13).
Sem teorias predeterminantes, em uma época na qual os profissionais do teatro
mal começavam a ser aceitos como membros mais ou menos respeitáveis da
sociedade, há mais documentação sobre a vida de Shakespeare do que sobre a de
qualquer de seus contemporâneos de profissão. Induvidosamente, os grandes
acontecimentos políticos, econômicos e culturais marcaram profundamente a vida do
dramaturgo, principalmente quando passou a viver em Londres (Inglaterra), onde
fervilhavam intrigas tanto no poder quanto no teatro.
58
Figura 9 - Representação de como eram os Teatros Isabelinos
Fonte: Madrid, 2007
De fato, é provável que o famoso temperamento gentil e cortês de Shakespeare
lhe abrisse portas para o diálogo com toda espécie de gente, tanto na cidade como no
campo. Na dramaturgia pré-shakespeariana, traço fundamental de sua literatura:
A rigidez da poesia e dos personagens fazia com que a grande escola da
interpretação fosse marcada por gestos encontrados nos manuais de retórica.
No entanto, com a verdade e a flexibilidade dos textos de Shakespeare, os
atores teriam de abrir mão dos gestos exagerados e definidores e prestar mais
atenção ao fluxo e ao conteúdo do que estava dizendo (HELIODORA, 2008, p.
26).
Nesse sentido, enfatiza Barbara Heliodora (2008) que o próprio Shakespeare
evoluiu, e muito, em sua dramaturgia. Todavia, a sua maior riqueza está em criar
personagens e se solidarizar com eles, utilizando como componentes de seu universo a
aparência e a realidade, a justiça e a misericórdia, o bom e o mau governo, a verdade
do amor e o valor da amizade, a covardia, a traição, o egoísmo e a generosidade.
59
Não se pode olvidar que Shakespeare conseguiu dar a seus leitores um espelho
fiel dos costumes e da vida prática, prova secular de seu mérito literário e artístico, mas,
em última análise, afirma Laurie Rozakis que:
Seus personagens não são modificados pelos costumes locais em particular,
estranhos ao resto do mundo [...] eles são a autêntica progenitura da
humanidade comum, a qual o mundo irá sempre suprir, e a observação, sempre
encontrar (ROZAKIS, 2002, p. 64).
3.3 A análise reflexiva a respeito do comportamento humano: independência,
dramaturgia e lirismo em “Romeo and Juliet”
Não é difícil identificar que Shakespeare deu tratamento diferente tanto às
comédias como às peças históricas e às tragédias, mas uma coisa é certa, seus
princípios eram válidos para todos os universos em que agiam seus personagens com
os quais ele investigava determinado aspecto do comportamento humano. A pergunta é
como ele havia feito isso e de que forma? Ora, de acordo com Bárbara Heliodora, “que
Shakespeare o tenha feito da forma que o fez, é sorte nossa e do público elisabetano
para o qual ele escreveu” (HELIODORA, 2008, p. 27).
A variedade de gêneros, a linguagem, as imagens e a estrutura da sociedade
eram aspectos significativos e marcantes para Shakespeare, haja vista ter vivido em
uma época de grande orgulho nacional. Em “Romeo and Juliet” as confrontações são
claras e tornam a obra do escritor inglês um marco universal atrativo para debates. O
mais intrigante na tragédia é que o escritor deixa claro que toda ação humana tem
consequências, e muitas das vezes, bem diferentes das esperadas.
Para refletir a respeito do comportamento humano, Harold Bloom (2001) ressalta
que em alguns casos Shakespeare recorre à presença de algum tipo de perigo, como
sofrimento, morte, misericórdia e discórdia para se aproximar da vida real. Uma leitura
cuidadosa do aparato comportamental na obra “Romeo and Juliet”, contudo, revela em
um primeiro rascunho das maiores tragédias, seu talento teatral incomparável. O
diálogo em tom trágico inconfundível tem uma graça que nos ajuda a acreditar em
todos os obstáculos e soluções possíveis. Nesse sentido, toda a graça depende de
informação e refinamento acima do exigido pelo corpo da obra, muito embora a ideia
60
dessa especificidade tenha base na existência de várias referências a pessoas e fatos
em um universo privilegiado.
Figura 10 - Um retrato da genialidade de William Shakespeare
Fonte: Ngan, 2011
Harold Bloom (2001) esclarece que Shakespeare, sábio escultor da natureza
humana, aproveita tudo o que o ambiente lhe oferece, usando sempre seus
personagens como porta-vozes da razão e da sensatez. Seus textos são elaborados
com uma quantidade exagerada de jogos de palavras, muita rima e as famosas
61
referências não identificáveis que emprestam à peça seu sabor especial. O aprendizado
do universo especial em Shakespeare torna acessível a elegância de boa parte das
falas e a complexidade da estrutura textual. A segura construção da tragédia
shakespeariana mostra o autor já pleno senhor de seu ofício, com cada personagem
claramente definido apenas pelo diálogo, ou seja, manipulando níveis variados de
aparência e realidade, com extrema personalidade autêntica e assumida.
O domínio do lirismo em Shakespeare é evidente em relação à língua como
instrumento dramático e trágico. A evolução do autor é vista nas sutilezas ao desvelar
os motivos e os sentimentos humanos nas mais variadas formas. Nenhuma outra peça
ilustra tão bem a capacidade do dramaturgo de tornar a sua história a sua verdadeira
fonte. Data de 1559 o poema “A trágica história de Romeu e Julieta”, de Arthur Brooke.
O poema é longo e tedioso, porém fez sucesso na época. Com originalidade, seguindo
de perto a história de Brooke, Shakespeare também abre a peça com um soneto que
expressa outra posição: Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) são vítimas do ódio entre
suas famílias, com o que a peça se torna ao mesmo tempo uma história de amor e um
sermão contra a guerra civil. Conforme identifica Bárbara Heliodora:
Nessa peça de aparente simplicidade e de imensa complexidade, Shakespeare
parece fazer uma assinatura geral de sua obra, reunindo nela todos os seus
grandes temas favoritos, aqueles que sempre serviram de lente por intermédio
da qual ele observava a humanidade que amou tanto e com tanta compaixão
(HELIODORA, 2008, p. 77).
Constata-se, pois, com dramaturgia e linguagem impecáveis, para não falar do
memorável uso do palco elisabetano, Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) é obviamente
obra de um autor que já vive há seis ou oito anos em Londres (Inglaterra), e as
alterações que introduz na ação confirmam sua crença na interdependência do
indivíduo com o quadro social e político em que vive. Os versos não perdem beleza
rítmica e sonora, apenas procuram ser em maior grau a imagem da fala humana.
Interessa ressaltar na obra o uso da língua ornada a princípio pelo tom conflituoso
existente entre as duas famílias, os Montague (Montéquios) e os Capulet (Capuletos),
frente à paixão que faz tanto Romeo (Romeu) quanto Juliet (Juliet) padecerem pelo
ódio de seus pares rivais.
62
Como se vê, na obra, os amantes são vítimas do ódio e do descontentamento de
ambas famílias rivais que não aceitavam a união do casal por diversas razões, e não
era só o Príncipe que condenava as brigas e o mal que faziam à comunidade. Os
chefes das duas famílias não se compraziam com os desfechos e tormentas idealizados
naquela época, fato este que os conflitos na maioria das vezes trágicos eram
pacificados por Escalus (Escalo, Príncipe Regente de Verona). O conflito entre o
particular e o público, a relação entre o Estado e a Igreja, e o contraste de
temperamento tornam a obra riquíssima e servida por uma linguagem que, em suas
imagens, não para de remeter as ações à sua relação com as dimensões do poder em
jogo. No caso, o poder não corrompe e não rende prazeres desmedidos, apenas
intensifica a noção de seriedade da tarefa que cabe ao monarca.
3.4 Pontos de apoio norteadores para a compreensão do ser no contexto jurídicoliterário
Magistralmente, Shakespeare deixou um legado fantástico, qual seja, entender o
ser humano em suas fraquezas, forças, felicidades, gozos e angústias. Certa impressão
não se trata apenas de entender o outro, mas a nós mesmos também. Quanto ao ser
humano, conforme salienta Nélson Jahr Garcia (2011), Shakespeare nos ensina algo
importante, senão fundamental, o homem não é bom ou mau, apenas homem.
Por sua vez, comungando a ideia da interdisciplinaridade, como ficará
evidenciado ao longo deste estudo, o conhecimento tratado pela ciência jurídica não é
um conhecimento autossuficiente, que se basta em si mesmo; ao contrário, de nada
serviria o Direito se seus operadores não ousassem excursionarem-se nos demais
continentes do saber. Nessa perspectiva, importante mencionar que o Direito não deve
ser entendido como uma “ilha isolada”, pois sua abordagem é sempre dependente de
outras instâncias cognitivas. Tal entrelaçamento se mostra necessário para a
compreensão do ser no contexto jurídico-literário.
De acordo com o jusfilósofo belga François Ost, ao tratar a Literatura como fonte
do imaginário jurídico, este lembra que "a Literatura não é alheia às normas e às formas
instituídas" (OST, 2005, p. 20), pois, mesmo ao fazer o registro de um personagem
63
individualmente, o alcance de sua percepção das nuances da Sociedade (inclusive de
seu Direito vigente) pode tomar proporções coletivas ou mesmo universais.
Embora considerando o declínio do positivismo jurídico9 e, sobretudo, os
desafios colocados pelo século XXI, repensar o Direito é o desafio que se impõe,
atualmente, aos juristas. E, dentre as inúmeras e mais variadas alternativas que se
apresentam, o estudo do Direito e Literatura adquire especial relevância. De um modo
geral, a interdisciplinaridade neste aspecto alcança posição de destaque na medida em
que se baseia no cruzamento dos caminhos do Direito com as demais áreas do
conhecimento, fundando um espaço crítico por excelência, através do qual seja
possível questionar os pressupostos, os fundamentos, a legitimidade, o funcionamento
e a efetividade do direito em determinado contexto.
Vê-se, portanto, que a possibilidade da aproximação dos campos jurídico e
literário favorece ao Direito assimilar a capacidade criadora, crítica e inovadora da
Literatura e, assim, superar as barreiras colocadas pelo sentido comum teórico, bem
como reconhecer a importância do caráter constitutivo da linguagem, destacando-se os
paradigmas da intersubjetividade10 e da intertextualidade11.
Logo, a tarefa de compatibilizar o estudo do Direito e Literatura, seja do Direito
contado na Literatura, seja do Direito entendido como narrativa, em que pese o
considerável prestígio, o espaço conquistado e a importância verificada, ao longo do
século XX, junto às faculdades, programas de pós-graduação, departamentos, cursos,
9
O positivismo jurídico é caracterizado pelo fato de definir constantemente o direito em função da
coação, no sentido que vê nesta última um elemento essencial e típico do direito. A sua tese básica
afirma que o direito constitui produto da ação e vontade humana (direito posto, direito positivo), e não
da imposição de Deus, da natureza ou da razão como afirma o Jusnaturalismo. O direito positivo é
aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente
de um modo ou de outro mas, uma vez reguladas pela lei, importa (isto é: correto e necessário), que
sejam desempenhadas do modo prescrito em lei. (BOBBIO, 1995, p. 147).
10
A Intersubjetividade é a relação entre sujeito e sujeito e/ou sujeito e objeto. Comunicação das
consciências individuais, umas com as outras, realizada com base na reciprocidade. Em diversas
linhas do pensamento contemporâneo, campo de interação comunicativa ou relação interpessoal que,
em oposição aos subjetivismos individualistas e solipsismos, constitui o sentido pleno da experiência
humana. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1100).
11
Pode-se definir a intertextualidade como sendo a superposição de um texto literário a outro. Influência
de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida, e que gera a atualização do
texto citado. Dependendo da situação, a intertextualidade tem funções diferentes que dependem muito
dos textos/contextos em que ela é inserida. Evidentemente, o fenômeno da intertextualidade está
ligado ao "conhecimento do mundo", que deve ser compartilhado, ou seja, comum ao produtor e ao
receptor de textos. O diálogo pode ocorrer em diversas áreas do conhecimento, não se restringindo
única e exclusivamente a textos literários. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1100).
64
centros e institutos de pesquisa norte-americanos e europeus, é uma prática
pedagógica ainda pouco comum na cultura jurídico-literária brasileira e latinoamericana, mas que tem se destacado pelo grande casuísmo e resultados.
Por aí já se pode inferir que as interfaces existentes entre o Direito e a Literatura,
a partir da análise de obras literárias, possibilitando a abertura de um novo campo para
a realização de estudos e pesquisas jurídicas apresentam-se como um diferencial para
a análise da realidade social. As soluções são demarcadas, em importância pelo ponto
de partida do reconhecimento do problema, relacionando-se o sistema jurídico e a
realidade social, de modo que o aprimoramento dos instrumentos e procedimentos
utilizados possa transcender reformas e o aperfeiçoamento efetivo de tais expectativas.
A difusão do conhecimento jurídico-literário, mediante o esforço e o diálogo entre
as comunidades acadêmicas do Direito e da Literatura representa um passo importante
na reflexão acerca da capacidade da narrativa literária auxiliar os juristas na árdua
tarefa de desvelar, através da ficção, a realidade social e jurídica.
Pelo exposto, pode-se seguramente inferir que o papel do Direito e da Literatura
são essenciais para a afirmação e compreensão do ser no contexto jurídico-literário. Do
mesmo modo, tanto o Direito como a Literatura devem possibilitar fudamentalmente
uma abertura para a realização de estudos e pesquisas científicas. Ademais, a
mentalidade inspiradora de Shakespeare na obra “Romeo and Juliet” revela que a
busca pela solução de conflitos individuais e sociais demarca a evolução dos tempos,
das sociedades, confundindo, em alguns momentos, com as próprias causas e fins de
transformações político-sociais que são historicamente importantes.
De maneira a aprofundar as interfaces existentes, é possível, não se tratando de
mera coincidência, encontrar traços jurídicamente marcantes nas peças teatrais de
William Shakespeare, em especial, “Romeo and Juliet”. Neste passo, partindo da
premissa fundamental de que o Direito é produto social, assim como as Artes, é
possível que o Direito se origine de qualquer fato social, inclusive se este fato se
encontrar em prosa, em verso ou ainda no texto de alguma peça teatral. Não obstante,
destacam Cláudia Damian Fernandes, Karine Miranda Campos e Cláudio Maraschin
que “a obra jurídica e a obra literária, de um modo geral, partem de um contexto que
poderíamos chamar de problemático, ou seja, enquanto o direito surge dos fatos
65
(realidade), a obra literária aparece a partir do contexto ficcional ou imaginário (ficção)”
(FERNANDES; CAMPOS; MARASCHIN, 2009, p.5).
Contudo, mesmo com a sociedade inglesa e as suas leis, Harold Bloom (2001)
explica que Shakespeare secularizou o teatro, humanizou o ser e dotou seus
personagens de características e sentimentos tão nobres e marcantes como qualquer
outro. Na visão do autor, às vezes, os personagens têm importância para terceiros;
porém, em última análise, sempre têm importância para si mesmos. Admiravelmente,
como ele próprio apreendeu, o valor de um personagem é conferido por outros, ou
através de outros, tudo movido pela esperança de cativar. Neste passo, afirma ainda
que a impressão que Shakespeare faz do humano é inigualável, apesar da noção
prevalente desde aquela época, de que os homens, mulheres e crianças, de certo
modo, são mais naturais do que outros personagens dramáticos e literários.
Pois bem, de acordo com Harol Bloom (2001), jamais se esgotará a perspectiva
plausível de análise do ser no universo shakespeariano, pois a grandeza e o
desprendimento do personagem na busca por novos ângulos interpretativos, mais do
que, meramente incorporá-lo à natureza, fazem-no com esta se confundir. Neste
aspecto, conclui-se que Shakespeare compreendeu como nenhum outro dramaturgo a
essência do ser, sendo um conhecedor aprofundado da tão complexa natureza
humana. Sua genialidade inconfundível a respeito do fantástico mundo do ser é
expressada na obra “A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca” por Nélson Jahr
Garcia, onde é possivel identificar:
Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade;
em forma e movimento, tão preciso e admirável, na ação é como um anjo; no
entendimento é como um Deus; a beleza do mundo; o exemplo dos animais
(GARCIA, 2000, p. 53).
3.5 O universalismo shakespeariano: uma tragédia autêntica na visão do Direito
Por que é importante estudar o ser no universo shakespeariano? Em
Shakespeare, a capacidade inquietante de atravessar os obscuros labirintos da mente
humana, desnudando paixões, iluminando desejos e apontando os grandes fantasmas
que perseguem o homem são claramente marcantes. A audaciosa intelectualidade de
66
Shakespeare vem desafiando estudiosos ao longo dos anos, isto porque, através de
sua obra “Romeo and Juliet”, o dramaturgo não apenas representou, mas efetivamente
inventou o homem. E é justamente por isso que Harold Bloom (2001) o identifica como
o “inventor do humano”.
Na verdade, a capacidade de evolução por uma relação consigo mesmo, e não
com Deus ou deuses, a habilidade em mergulhar na difícil e desafiadora viagem do
autoconhecimento pela reflexão têm profundamente revelado a incontestável riqueza de
seu mundo criativo. A invenção do humano é para ele um exercício infinito que nunca
se esgota, prescindindo sempre, conforme afirma Harold Bloom (2001), de um
“processo claro de descoberta do ser”.
Nesse sentido, compreende Harold Bloom (2001) que o universalismo
shakespeariano é uma circunferência que a tudo abrange. A noção essencial de
universalismo é muito complexa, global e multicultural, porém, não seria possível
conceber Shakespeare sem encontrar um meio de explicar sua presença ubíqua, nos
contextos mais improváveis (ao mesmo tempo, aqui, lá e em todo lugar). Tal visão
remete a uma constelação e a uma aurora boreal visível em um ponto de percepção
que a maioria de nós jamais conseguirá alcançar.
A representação da natureza e da personalidade humana sempre há de encerrar
um valor literário maior, seja no teatro, na poesia lírica ou na narrativa em prosa. Os
vitalistas12 heróicos não transcendem a vida; são a grandeza da vida. Shakespeare,
que em seu cotidiano parece não ter realizado gestos heróicos ou vitalísticos, criou
Romeo (Romeo) e Juliet (Julieta) como tributos da arte à natureza. Mais do que outros
prodígios shakespearianos, constituem a invenção do humano, ou melhor dizendo, a
instauração da personalidade conforme hoje a conhecemos.
Explica Harold Bloom (2001) que a ideia do personagem, do ser como agente
moral, têm diversas origens, mas a personalidade, no sentido aqui proposto é uma
invenção shakespeariana, e tal feito constitui não apenas a grande originalidade do
dramaturgo, mas, também, a razão maior de sua perene presença. Shakespeare foi
além de todos os precedentes e inventou o ser humano à medida de todas as coisas,
12
Doutrina fisiológica que admite um princípio vital distinto ao mesmo tempo da alma e do organismo, e
do qual dependeriam todas as ações orgânicas. (GRANDE, 1971, p. 7055).
67
valorizando eminentemente a imagem do ser de forma tão sublime e exuberante.
Conforme nos ensina Harold Bloom:
Shakespeare cria maneiras diversas de representar a mudança no ser humano,
alterações essas provocadas não apenas por falhas de caráter ou por
corrupção, mas também pela vontade própria, pela vulnerabilidade temporal da
vontade (BLOOM, 2001, p. 26).
Ora, mas o que a discussão a respeito da ideia do personagem tem a ver com o
Direito em Shakespeare? Esclarece Lawrence Flores Pereira que:
Nos personagens inúmeras perspectivas são observáveis: intenções repartidas,
pensamentos subliminares que podem ser deduzidos por um gesto linguístico
determinado, por pensamentos que se materializam na forma de solilóquios
meditativos, por processos complexos de reação a situações diversas que
imitam hesitações humanas assim como pela dialética dos personagens. [...] O
Direito, em Shakespeare, pode ser apontado, por outro lado, como um
complexo ideológico que serve de pano de fundo de suas peças, um aspecto
quase invisível delas. É a forma inconsciente das instituições que se inscrevem
no discurso dos personagens, nas leis “inconscientes” que regem seus
movimentos. Que se pense na ficção jurídica medieval do “direito divino dos
reis” que reaparece constantemente na cena de frente e também no cenário de
fundo de suas peças - uma ficção jurídica que estava, aliás, sendo reforçada por
Elisabete e que se tornaria quase uma obsessão tanto de James como de
Carlos I. Em um teatro onde os heróis e personagens vivem dilemas, questões
de direito surgem, por outro lado, sem se anunciarem claramente. Estão
interligadas, entrelaçadas e mesmo amalgamadas à observação psicológica,
numa espécie de overlapping estético. Assuntos legais podem até mesmo ser o
pano de fundo cultural de muitas peças, bruxuleando ao fundo, definindo
movimentos, sem que nem mesmo estejamos cientes de sua presença. São
elementos inconscientes que são considerados como “dados” (PEREIRA, 2010,
p. 1-23).
Desse modo, tendo em vista os caracteres fático-jurídicos e descritivos da
personalidade elencados, ao se abrandar a questão da tragédia (a morte dos dois
amantes) no final da obra “Romeo and Juliet”, cabe aqui destacar que tanto Romeo
(Romeo) quanto Juliet (Julieta) são os principais personagens graças à excepcional
capacidade de Shakespeare em representá-los além das explicações.
Com efeito, pode parecer estranho que o dramaturgo reserve para as duas
maiores personalidades, Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta), por ele próprio criadas o
68
oximoro13 da “boa morte”, mas que outra expressão poderíamos empregar? Por que
seus personagens parecem tão reais, e como ele conseguia criar tal ilusão de modo tão
convincente? As considerações históricas ou historicizadas não nos ajudam muito a
responder essas perguntas. O certo é que, os ideais tanto da sociedade como do
indivíduo, eram, talvez, mais importantes no mundo de Shakespeare do que em
qualquer outro lugar. É difícil descrever os metódos de representação na obra sem
recorrer a oxímoros, uma vez que a maioria desses métodos baseia-se em contradições
aparentes. Em última análise, destaca-se que o dramaturgo é sábio demais para se ater
a uma só crença, e, embora dê a impressão de tudo saber, celebra a vida, indo além da
tragédia.
3.5.1 Homem ou personagem: produto das circunstâncias?
A capacidade de criar formas mais reais que seres humanos vivos não parece
ser resultado de uma perplexidade entre o conhecimento pessoal e ideal. Ao ler as
peças escritas por William Shakespeare e, até certo ponto, ao assistir às encenações, o
procedimento mais sensato é deixar-se levar pelo texto e pelos personagens, e permitir
uma recepção que possa se distanciar daquilo que é lido, ouvido e visto, de maneira a
incluir quaisquer contextos relevantes. Neste aspecto, nos alerta Harold Bloom na obra
“Romeo and Juliet”, que “a dor é a origem primeira da memória humana” (BLOOM,
2001, p. 36). Procurando sempre edificar a figura do ser humano, não como um produto
das circunstâncias, mas como a de um ser consciente, o dramaturgo superou todos os
seus preceptores.
Acentua Harold Bloom (2001) que não é por mera ilusão e coincidência que os
espectadores encontram mais vitalidade nas palavras de Shakespeare e nos
personagens do que em qualquer outro autor. Tentativas de historicizar o impacto
teatral por ele causado continuam a fracassar diante da singularidade de sua grandeza.
As críticas que apenas seguem modismos não convencem, pois, no fundo, pretendem
tão-somente diminuir e distorcer a realidade social. Tal desmistificação se torna uma
13
Combinação de palavras contraditórias ou incongruentes, como “crueldade afável”, “terrível bondade”,
etc. É uma figura de linguagem que harmoniza dois conceitos opostos numa só expressão, formando
assim um terceiro conceito que dependerá da interpretação do leitor. (GRANDE, 1967, p. 865).
69
técnica inócua, se aplicada a um escritor que alcançou a própria autenticidade,
exclusivamente, ao representar terceiros.
Por sua vez, a relação entre a vida e a morte e o amor e o ódio está no cerne de
Shakespeare, tendo sido surpreendentemente por ele próprio inventada em seus
textos. Nas palavras de Harold Bloom (2001), a dor memorável ou a memória induzida
pela dor, emana de uma circunstância ao mesmo tempo cognitiva e afetiva,
prontamente engendrada por Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) na obra. Personagem e
peça misturam-se e dissolvem-se, e tudo o que resta é analisar a contumaz força do
“deixa estar” e “deixa ser”. Em um sentido bastante real, esses são os significados
realçados na produção literária shakespeariana, pois da união dos dois jovens muitas
reflexões são trazidas para o mundo dos fatos.
Sendo assim, conclui-se que os personagens shakespearianos são “repletos de
vida” e dotados de um conjunto impresso de sinais sobre uma página. Em termos
práticos, há pouca diferença entre o “personagem” e o “papel”, haja vista tais
atribuições serem tão factuais quanto a impressão de que alguns personagens
reforçam a concepção de pessoa, e outros não conseguem fazê-lo.
Todavia, Harold Bloom (2001) destaca o fato de se estudar a perene supremacia
do dramaturgo partindo da noção de que o mesmo é universalmente considerado o
autor que melhor representou o universo concreto. Muito se deve a Shakespeare por
isso, ainda mais sustentando a ideia de criação autêntica de seus personagens, uma
tentativa de reinvenção do próprio ser humano.
3.5.2 Proposições fundamentais para uma observação de primeiro grau a partir do
diferencial shakespeariano
Induvidosamente, com o passar dos tempos, a obra “Romeo and Juliet” de
William Shakespeare teve grande influência e repercussão universal, tendo em vista
principalmente a ascensão social e intelectual do dramaturgo. No universo
shakespeariano os personagens encenam suas dores, seus amores, assim como a
eterna busca de conhecimento de si, dos mistérios do imenso mundo que vêem à sua
frente, e dos meandros igualmente misteriosos do mundo interior.
70
Quanto à observação de questões essenciais, a palidez estudada do poeta pode
ter sido uma de suas tantas máscaras, algo que lhe garantisse autonomia, controle,
liberdade e originalidade tão vastas que, não apenas os contemporâneos, mas os
predecessores e sucessores foram por ele bastante ofuscados. Porém, as realizações
da literatura mudial, mais especificamente as tragédias de Shakespeare permanecem
intactas, revelando a extraordinária fertilidade de seu gênio.
Por mais “obscuras” que sejam as impressões de suas obras, todas advém da
multiplicidade de sentidos que parece estar sendo comprimida em palavras ou frases.
Com muita perspicácia, seu grande diferencial, todavia, está na capacidade de
introduzir em suas tragédias elementos que contribuem para a ação, ou mesmo são
indispensáveis a ela.
Particularmente, a questão dos conflitos entre pares rivais na tragédia “Romeo
and Juliet” apresenta-se como um marco pedagógico para o estudo do Direito na
Literatura. Embora Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) seja um triunfo do lirismo
dramático, o desfecho trágico ofusca os demais aspectos da narrativa, deixando
entrever conjecturas com relação à eventual responsabilidade dos jovens amantes em
relação à catástrofe.
De tal sorte, aventa-se a hipótese de que Shakespeare tenha-se interessado por
peças desse tipo depois de explorar largamente as paixões fatais dos homens,
buscando explorar temas complementares, que apontassem para algum tipo de
reconciliação ou restauração, mas o certo é que, são necessários esforços analíticos
ainda maiores para se interpretar a abordagem de suas perspectivas e colocar em
primeiro plano o personagem em contraste com a realidade.
3.6 Os aspectos partilháveis do ser humano na história: por que Shakespeare?
Certamente, a densidade e a riqueza imaginativa da obra de Shakespeare
podem explicar o fato de que cada geração volta a descobrir e a confirmar essas
qualidades, e, ao fazer isso, descobre a si própria. Nesse sentido, pode-se dizer que,
sem ter escrito filosofia no sentido estrito, Shakespeare foi um pensador às voltas com
os problemas fundamentais e aspectos eternamente partilháveis do ser humano.
71
A obra “Romeo and Juliet” é a expressão mais acabada do Renascimento,
incorporando tenazmente as tensões da época. Com certo rigor, proporciona uma visão
de mundo em particular, apresentando diversas passagens, às vezes mutuamente
ambíguas, mas devido a autenticidade, extraordinariamente inconfundíveis.
Com bastante simplicidade, Alípio Correia de França Neto e John Milton (2009)
sustentam que Shakespeare se revela um verdadeiro e supremo artista “impessoal”,
onde sua pujante “impessoalidade” embasa um valor literário expressivo, referindo
basicamente à faculdade de apresentar uma visão de mundo não mediada por algum
comprometimento declarado de ordem moral ou religiosa. Em razão da notoriedade
expressiva, nenhum outro autor até então havia empreendido um exame tão
aprofundado das relações de poder em sua época, e de sua obra podemos extrair
várias tendências sociais, políticas, ideológicas e normativas. Graças a essa
unanimidade literária em tom universalizante, Shakespeare logrou êxito e explorou
todas as situações partilháveis do ser humano na história, retratando as várias formas
de relacionamento entre as pessoas.
A esse respeito, Alípio Correia de França Neto e John Milton destacam que:
A propósito de pessoas, nenhum artista se compara a Shakespeare em termos
de poder de caracterização de personagens. Estas sempre apareceram em
cena perfeitamente individualizadas, inconfundíveis, com o registro da fala
adequado a sua condição social, seus hábitos linguísticos e humor peculiares,
compõem uma vasta galeria. Parecendo “reais”, personagens como Hamlet, Rei
Lear, Otelo, MacBeth e Romeu e Julieta, dentre tantos outros, acabaram por
fazer parte do imaginário ocidental (FRANÇA NETO; MILTON, 2009, p. 66).
Não se deve esquecer também que:
Sempre será um ato reducionista tentar arrolar, em poucas linhas, um número
satisfatório de expedientes de sua poética - ou seja, seu repertório de temas e
formas - por meio de que Shakespeare logrou no decorrer dos tempos essa
unanimidade universal. É possível, porém, atribuir com segurança uma parte
desta à variedade imensurável de temas: ao nos debruçarmos sobre sua obra,
temos a impressão de que o “bardo” - uma denominação que lhe foi concedida
com exclusividade - explorou todas as situações dramáticas possíveis (FRANÇA
NETO; MILTON, 2009, p. 66).
Ora, diante de tais considerações, por que Shakespeare então ajudou a
estabelecer as bases teóricas para a compreensão de uma realidade desde suas
estruturas mais profundas até a emergência de um sujeito a representar-se nos palcos
72
e a fazer vibrar nas mentes e nos corações do público novas metas para a expressão
humana? A resposta é simples. Não apenas criador de personalidades como também
de linguagem, Shakespeare desmancha e remodela a representação do ser, através da
linguagem e na linguagem. Ele não deve ter pretendido fazer de seus personagens e
público filhos seus, mas o fato é que o dramaturgo influenciou as culturas e gerações, e
não apenas a do teatro, nem mesmo apenas a da literatura e do direito, mas de alguma
forma tentou observar a realidade e procurou pensar os acontecimento além de sua
própria aparência imediata.
73
4 DIREITO E LITERATURA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DISCURSO JURÍDICO
EM SHAKESPEARE
A interface entre Direito e Literatura debruça-se na possibilidade de superação
do tradicional modelo positivista. Na visão de Germano Schwartz, esta pequena análise
a respeito da conexão existente entre Direito e Literatura tem por objetivo resgatar, se
ainda há, o senso de um tempo em que a justiça era poética, quando os debates
acadêmicos e sociais se desenvolviam em um ambiente de paixão, hoje, abandonado
pela crescente burocratização do papel desempenhado pelos pesquisadores em
nossas Universidades e pelos operadores do Direito na práxis jurídica. Tal
compreensão é salutar para o desenvolvimento de análises de obras literárias, cujas
abordagens encontram-se ligadas ao âmbito jurídico, onde a Literatura pode ser, do
ponto de vista da estrutura do Direito, uma grande e rica fonte de conhecimento
(SCHWARTZ, 2006, p. 15).
Na verdade, a questão da interpretação do Direito com outros campos do saber,
em especial a Literatura, permite a apreensão da realidade social. A partir da estrutura
de construção do texto literário que trabalha com a subjetividade do real, a Literatura se
torna um produto cultural de seu tempo. Entretanto, com a modernidade e o
desencantamento do mundo, o Direito não poderá ignorar esta nova face de
interdisciplinaridade, pois com ela é possível recriar a visão do homem sobre ele
mesmo. Tem-se, assim, conforme preceitua Germano Schwartz, que tal relação entre
Direito e Literatura aparece como uma forma diversa de abordagem da ciência do
Direito, calcada na superação do modelo positivista, procurando novas formas de
observação que possibilitem a constatação e a superação do já referido distanciamento
temporal para com a sociedade na qual se insere (SCHWARTZ, 2006, p. 18).
Nesse sentido, através da narrativa literária é possível chegar a determinadas
conclusões a respeito das relações político-sociais, representações jurídicas que vão
para além do imediato proposto e observável, trabalhando, em certo sentido, tanto com
a dimensão objetiva quanto a dimensão subjetiva. Quem sustenta esta possibilidade é
Ronald Dworkin ao recomendar que os juristas estudem não só a interpretação literária,
74
mas outras formas de interpretação artística, nas quais contribuem para a distinção
categórica entre descrição e valoração na teoria jurídica14 (DWORKIN, 2005, p. 221).
Para o jurista Germano Schwartz (2006), professor catedrático da disciplina
Direito e Literatura na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, a
Literatura humaniza o Direito. Em outras palavras, a Literatura ajuda a demonstrar que
o Direito não se desvincula da realidade social que o circunda. O poder colocar-se na
figura do outro é também uma das grandes contribuições que a Literatura pode dar ao
Direito, já que tal sensibilidade é escassa entre os operadores do direito na
“modernidade”.
Neste passo, a Literatura pode recuperar a humanidade do Direito, que anda tão
esquecida entre todos nós. A questão é como a Literatura pode contribuir para o
Direito? Pois bem, no universo jurídico, uma das formas é que ela pode programar o
Direito ao apresentar situações várias e futuras. E é certamente nesse aspecto que a
mesma pode ser usada pelo Direito no sentido de expandir a compreensão do que seja
legal ou ilegal, e também, justo ou injusto.
Em outro aspecto, a Literatura propicia referências à argumentação jurídica,
dando suporte ao Direito em vários sentidos da vida prática. A grande contribuição da
Literatura ao Direito é no sentido de sensibilizar os juristas, fazendo com que estes
percebam a dimensão do outro. Contudo, vale ressaltar que a análise de obras literárias
14
A priori, Ronald Dworkin aventa teses que ofereçam algum tipo de interpretação do significado de uma
obra como um todo. Para oferecer esse tipo de interpretação, Ronald Dworkin elabora a tese da
Hipótese Estética e da Intenção do Autor, partindo-se do pressuposto da dificuldade normal do
significado pretendido pelo texto, o que pode influenciar em questões maiores. Hipótese Estética:
Segundo essa tese, "a interpretação de uma obra literária tenta mostrar que maneira de ler (ou de
falar, dirigir ou representar) o texto revela-o como a melhor obra de arte" (DWORKIN, 2005, p. 222). A
interpretação de um texto tenta mostrá-lo como a melhor obra de arte que ele pode ser, e o pronome
acentua a diferença entre explicar uma obra de arte e transformá-la em outra. Isso é o que também
poderia ser chamado de teoria holística do direito. A principal tese da hipótese estética encontra-se no
seu poder explicativo e, particularmente, no seu poder crítico. A tese da Intenção do Autor supõe: "O
que é valioso numa obra de arte, o que nos deveria levar a valorizar uma obra de arte mais do que
outra, limita-se ao que o autor, em algum sentido estrito ou restrito, pretendeu colocar nela"
(DWORKIN, 2005, p. 229). É justamente desconstituindo a tese dos intencionalistas que Ronald
Dworkin fundamenta a importância de sua tese, pois um autor seria capaz de separar o que escreveu
de suas intenções e crenças anteriores, de tratá-los como um objeto em si. É por essa razão que é
importante a interpretação da intenção do autor em uma obra literária. Conclui Ronald Dworkin que as
intenções dos autores não são simplesmente conjuntivas, como a de alguém que vai ao mercado com
uma lista de compras, mas estruturadas, de modo que as mais concretas delas, como as intenções
sobre os motivos de um personagem particular em um romance, dependem de opiniões interpretativas
cujo acerto varia com o que é produzido e que podem ser alteradas de tempos em tempos.
75
inaugura um campo fértil para a realização de estudos e pesquisas, pois permite uma
reflexão acerca da realidade social e jurídica através da narrativa literária.
Seja como for, analisando a proposta metodológica do presente estudo, a
despeito das contribuições que a Literatura traz ao Direito, e reunindo as necessidades
mais prementes da atualidade para o estabelecimento de uma racionalidade prática
mais reveladora, esclarece Jackeline Cardoso Scarpelli que:
A tentativa de aproximação entre o Direito e outras áreas do conhecimento é
ensejada pelo movimento antipositivista que de maneira geral pretende
reconstruir o papel do estudo jurídico para além das categorias estritamente
dogmáticas e tecnicistas (SCARPELLI, 2008, p. 206).
Com relação a isso, tem-se que o descrédito dado hoje à verdade objetiva,
incomunicável e imutável reflete por consequência uma nova concepção de ciência.
Neste sentido, cabe aqui mencionar que o ponto central da intertextualidade entre
Direito e Literatura situa-se na linguagem, demonstrando claramente a fluidez com que
tais conhecimentos interagem e convergem entre si.
Todavia, acrescenta Jackeline Cardoso Scarpelli (2008) que para este desafio
são lançadas inúmeras respostas, dentre as quais uma se encontra perfeitamente
enraizada no constante exercício de interpretação. E é dentro desse contexto que o
enfoque dado ao âmbito narrativo revela o caráter criativo do Direito que não se
contenta em defender posições instituídas, mas exerce igualmente funções instituintes.
“O que supõe a criação imaginária de significações sociais-históricas novas e
desconstrução das significações instituídas que a elas se opõem” (SCARPELLI, 2008,
p. 214).
Por seu turno, categoricamente, Jackeline Cardoso Scarpelli assinala ainda que
é possível “traçar um panorama geral da relação entre o Direito e a Literatura,
abordando suas convergências e divergências; demonstrar a relevância de tal estudo
expondo os elementos trazidos pela Literatura que enriquecem a compreensão e
análise do Direito” (SCARPELLI, 2008, p. 206).
Além desses, tantos outros pontos de contato podem ser pertinentemente
levantados para o enriquecimento da análise em questão. Por sua vez, Joana Aguiar e
Silva citada por Jackeline Cardoso Scarpelli, adverte que a Teoria do Direito também:
76
Experimentou este deslocamento de enfoque dado aos elementos presentes no
processo interpretativo com destaque dado ao autor (intenção do legislador), ao
texto (no positivismo jurídico) e mais recentemente ao intérprete elevado à
categoria de coautor (SILVA apud SCARPELLI, 2008, p. 207).
Nesse sentido, chega-se à conclusão que criar ou sustentar uma linguagem seria
como criar ou sustentar um mundo. Ainda assim, conforme afirma Joana Aguiar e Silva
citada por Jackeline Cardoso Scarpelli, em linhas gerais, “o direito é um universo
discursivo, é uma linguagem histórica e culturalmente institucional. É uma forma de
pensar e de organizar a vida e o mundo” (SILVA apud SCARPELLI, 2008, p. 207).
Nota-se, então, conforme Jackeline Cardoso Scarpelli (2008), que a investigação
de obras de cunho puramente Literário com o escopo de apreender o mundo simbólico
do Direito e suscitar o levantamento de questões principalmente de cunho ético, tornase extremamente relevante. Assim, para eliminar tal descompasso porventura existente,
deve-se entender a linguagem não apenas como instrumento que liga o sujeito
cognoscente e o objeto do conhecimento, mas sim como parte constitutiva da própria
humanidade e da história.
Da mesma forma, ensina Jackeline Cardoso Scarpelli, que “o estudo da
linguagem vem ganhando importância com relevantes desenvolvimentos da Teoria da
Literatura e da própria Filosofia da Linguagem” (SCARPELLI, 2008, p. 208). De outro
lado, cabe observar também que o Direito não pode fechar-se a essas perspectivas, ao
contrário, deve se valer de suas contribuições. Estas, ao seu passo, podem estimular o
resgate da dimensão transformadora e crítica do estudo jurídico.
Portanto, pensar a respeito da linguagem do Direito é tarefa desafiadora, uma
vez que a atividade discursiva sempre comparece ao primeiro plano da prática jurídica.
Não é descabido afirmar que a linguagem é a “ferramenta” de interlocução entre os
atores sociais, e o Direito, uma forma de ler o mundo, de interpretá-lo, atribuindo um
significado a um significante.
4.1 Reflexões sobre o “Law and Literature Movement”
Como bem menciona Germano Schwartz:
77
A reconstrução de um novo sentido para o Direito passa por uma premissa
básica, a de que não é um organismo afastado das ocorrências do sistema
social. Pelo contrário, dele faz parte, atuando e interagindo com todos os
demais subsistemas componentes do todo societário, quaisquer que sejam eles
(SCHWARTZ, 2006, p. 79).
O “Law and Literature Movement”, iniciado nos anos 70 nos Estados Unidos, deu
impulso aos estudos de Direito e Literatura, sistematizando e organizando seu método
de estudo. O movimento conseguiu grande repercussão no velho continente e nos
países anglo-saxões, mas resta despercebido na cultura jurídica brasileira. Por assim
dizer, como afirma Germano Schwartz, importante destacar que o movimento “Law and
Literature” surge a partir da publicação de “The Legal Imagination”, obra em que James
Boyd-White15 discute o Direito com base em algumas peças literárias de autores tais
como Henry Adams, Ésquilo, Jane Austen, William Blake, Geofrey Chaucer, D.H.
Lawrence, Marlowe, Helman Melville, Milton, Molière, George Orwell, Alexander Pope,
Proust, Ruskin, William Shakespeare, Shaw, Shelley, Thoreau, Tolstoy e Mark Twain
(SCHWARTZ, 2006, p. 51-52).
Com efeito, frise-se que o estudo do Direito e da Literatura nos Estados Unidos
da América tomou corpo mesmo com certa ausência de metodologia. Com bastante
evidência, um dos grandes objetivos dessa proposta foi encontrar na Literatura, pontos
de apoio que forneçam ao Direito compreensões necessárias a serem amealhadas e
reprocessadas por sua lógica funcional, ou seja, sobre o bem e o mal, o justo e o injusto
e o legal e o ilegal.
Levando-se em consideração que o ato literário é um ato criativo, o acoplamento
entre
os
sistemas
sociais
(Direito
e
Arte-Literatura16)
é
possibilitado
pela
comunicação17, em suas mais variadas formas. Neste sentido, ambos, Direito e
15
16
17
BOYD WHITE, J. Law as Rhetoric, Rethoric as Law: the arts of cultural and communal life. Chicago:
Universidade of Chicago Law Review, n. 52, 1985.
A arte e suas manifestações são consideradas, também, como sistemas sociais autônomos. A
Literatura pode ser considerada como parte integrante do sistema social arte como um subsistema a
ele pertencente. Nesse sentido, consulte-se LUHMANN, Niklas. Art as a Social System. Stanford:
Stanford University Press, 2000.
Sobre o papel da comunicação em um sistema social, o melhor texto é, ainda, a obra central
luhmanniana. LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociales: lineamientos para una teoría general. México:
Anthoropos: Universidad Ibero-americana; Santafé de Bogotá: CEJA, Pontifícia Universidad Javeriana,
1998.
78
Literatura, são comunicação em estado puro, e, no caso específico, comunicação via
linguagem. Por conseguinte, Germano Schwartz assinala que:
O Law and Literature Movement faz com que esse estudo apareça, via de regra,
em uma divisão tripla: O Direito na Literatura, o Direito como Literatura e o
Direito da Literatura. Dessa tripartição, aceita também na Europa, exsurge o
formato de como se estudar o Direito com base na Literatura (SCHWARTZ,
2006, p. 52-53).
Figura 11 - Law and Literature Movement (EUA), 1970
Fonte: Posner, 1998
79
Em outro sentido, é justamente nesse ponto que o auxílio da Literatura pode ser
útil ao sistema jurídico. Nas palavras de Germano Schwartz:
Ela pode sensibilizar o hermeneuta, conjugando o seu conhecimento técnico ao
sentimento da humanidade que, conforme já referido, parece ter sido preterido
em uma época de riscos e de incertezas. Acaso isso se consiga, poderá se
reduzir a dicotomia entre o homem e seu mundo (SCHWARTZ, 2006, p. 75).
Desse modo, nas palavras de Ediliane Lopes Leite Figueiredo (2010), enquanto
a Literatura liberta as possibilidades, ou seja, coloca em desordem as convenções e
suspende nossas certezas, o Direito codifica a realidade. À luz dessas observações,
conduzidas pelo senso comum, o Direito decide entre os interesses em disputa,
cumprindo a sua função social de estabilizar as expectativas e tranquilizar as angústias,
mas, a Literatura, livre dessas exigências, cria, antes de tudo, a surpresa, pois a ela é
permitido liberar o tempo das utopias criadoras (FIGUEIREDO, 2010, p. 1).
4.2 Uma abordagem a respeito do estudo do Direito a partir da Literatura
Para fundamentar o valioso estudo do Direito a partir da Literatura, tema de
grande relevância para nós, antes de mais nada, é necessário apontar os argumentos
que permitiram um repensar do Direito via interdisciplinaridade. O “Law and Literature
Movement” suscita olhares intrigantes sobre a discursividade normativa, sendo uma das
maneiras de concretização do Direito como Arte, ou, na menos ambiciosa das
hipóteses, uma forma diversa de interpretação das normas a partir de outros
instrumentos externos (Arte-Literatura). Isso somente é possível por intermédio da
abertura cognitiva do Direito.
Nesse aspecto, enquanto uma obra literária tenta mostrar qual maneira de ler, de
falar ou de representar, o texto se revela como a melhor obra de arte (DWORKIN, 2005,
p. 222). Para tanto, Ronald Dworkin utiliza a interpretação literária como modelo para o
método central da análise jurídica, por entender que:
[...] quando uma lei, Constituição ou outro documento jurídico é parte da história
doutrinal, a intenção do falante desempenhará um papel. Mas a escolha de qual
dos vários sentidos, fundamentalmente diferentes, da intenção do falante ou do
legislador é o sentido adequado, não pode ser remetida à intenção de ninguém,
80
devendo ser decidida, por quem quer que tome a decisão, como uma questão
de teoria política (DWORKIN, 2005, p. 240).
Figura 12 - Por que estudar Direito e Literatura?
Fonte: Heil, 2010
Enfatizando o aspecto historicista, importante mencionar que a partir dos anos
60, muito antes da instauração do movimento nos Estados Unidos da América, diversas
correntes começaram a tratar academicamente a relação entre o Direito e a Literatura:
81
“law and society, critical legal studies, critical race theory” e “feminist jurisprudence”,
sendo a mais recente o movimento “law and literature”, que incentiva publicações e
oferece disciplinas específicas nas faculdades de Direito (JUNQUEIRA, 1998, p. 150175).
De acordo com Eliane Botelho Junqueira (1998), dois são os caminhos tomados
pelo movimento. O primeiro é o “Literature in Law”, no qual os textos jurídicos podem
ser lidos e interpretados como textos literários, possuindo uma linguagem e uma forma
própria de raciocínio. No contexto, as palavras e a linguagem jurídica têm sua própria
força simbólica e são passíveis de interpretação na sociedade. Já o segundo é o “Law
in Literature”, que examina obras literárias que abordam questões jurídicas, tais como
julgamentos, exercício profissional ou métodos legais de punição. Neste aspecto, o
conhecimento auxiliaria o profissional do Direito a entrar em contato com determinadas
experiências legais.
Por sua vez, em meados da década de 80, Luís Alberto Warat (1985), ao propor
uma nova forma de descoberta do ensino jurídico, afirmava que o espaço social onde
as palavras são produzidas:
[...] é condição da instauração das relações simbólicas de poder. A dimensão
política da sociedade é também jogo de significações. Isso supõe que a
linguagem seja simultaneamente um suporte e um instrumento de relações
moleculares de poder. Mas também um espaço de poder nela mesma. A
sociedade como realidade simbólica é indivisível das funções políticas e dos
efeitos de poder das significações (WARAT, 1985, p. 100).
Com esse fundamento, José Alcebíades Oliveira Júnior citado por Leonel Severo
Rocha, trouxe para o mundo uma visão diferenciada e inovadora do contexto jurídico,
passando a acentuar:
A importância da linguagem textual e da Literatura para a compreensão do
Direito, [...] sempre insistindo na crítica ao mito positivista da denotação pura, a
proposta, também pela primeira vez, de uma leitura psicanalítica dos discursos
do Direito (OLIVEIRA JÚNIOR apud ROCHA, 1998, p. 79).
Numa análise mais cognitiva, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy citado por Luis
Carlos Cancellier de Olivo, afirma que a Literatura pode fornecer tanto informações
quanto subsídios para que o meio social, onde o Direito se desenvolve, seja
compreendido, pois “ao exprimir uma visão de mundo, a Literatura traduz o que a
82
sociedade e seu tempo pensam sobre o Direito” (GODOY apud OLIVO, 2005, p. 23). Do
mesmo modo, sustenta que “é a relação entre Direito e Literatura, a propósito de como
essa focaliza aquele, até no esforço de melhor entendê-lo” (GODOY apud OLIVO,
2005, p. 23).
Igualmente, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy citado por Luis Carlos Cancellier
de Olivo, acredita ainda ser possível conhecer o Direito a partir da Arte, “embora sob
um âmbito evidentemente não normativo” (GODOY apud OLIVO, 2005, p. 23-24), na
medida em que a Literatura possibilita um enfoque de época e instituições, “captando o
jurídico, como produto cultural” (GODOY apud OLIVO, 2005, p. 23-24).
Além disso, a Literatura pode ser também considerada como uma boa fonte de
conhecimento do Direito, pois aborda dimensões do fenômeno jurídico que não são
tangidas pelos métodos pedagógico-jurídicos tradicionais. Por isso, entende Gary
Bagnall citado por Germano Schwartz e Elaine Macedo, que “o Direito é uma
empreitada artística” (BAGNALL apud SCHWARTZ; MACEDO, 2008, p. 1018). O
mesmo é por demais complexo para se restringir à normatividade. Já Paulo Ferreira da
Cunha citado por Germano Schwartz e Elaine Macedo, entende que o Direito é um
fenômeno que deve ser analisado a partir de uma perspectiva tríplice, qual seja:
técnica, ciência e arte, chegando à seguinte conclusão: “é a arte que comanda a vida
do Direito. Ciência e técnica são suas servidoras: mas, como tais, imprescindíveis”
(CUNHA apud SCHWARTZ; MACEDO, 2008, p. 1018).
4.2.1 O Direito na Literatura: uma reflexão acerca dos pretensos saberes positivos
sobre os quais o direito busca sustentar sua fundamentação
Fugindo de crenças em verdades absolutas, impositivas e incontestes, ”um dos
grandes motivos para se estudar o Direito na Literatura reside na interpretação”
(SCHWARTZ, 2006, p. 50). Como ambos são textos, Direito e Literatura reclamam uma
atividade que apure o sentido de suas construções, evidenciando a relação entre o
construtor/legislador e o destinatário/cidadão da norma jurídica. Com isto, retirar o fulcro
legalista da ciência do Direito é outra forma de se justificar o estudo do Direito baseado
na Literatura. De fato, o que os diferencia tem suporte na proposição de que do Direito
se espera o comando e da Literatura se aguarda o belo.
83
No entanto, como objeto principal de análise desse estudo, “reduzir essa
distância, permitindo o acoplamento entre o sistema jurídico e o sistema da arte, pode
restaurar a essência das coisas, visto que as leis nascem das letras” (SCHWARTZ,
2006, p. 50). Veja-se que o estudo do Direito na Literatura é aquele que se apresenta
como o mais construído e desenvolvido, pois o acoplamento entre o sistema jurídico e o
sistema da arte é latente, visto existir imbricações bastante óbvias possibilitadas pela
comunicação entre os textos. Não obstante, temos que o reprocessamento e a
influência entre os dois sistemas é algo constante e dinâmico, possibilitando a
construção e a aplicabilidade de um novo Direito a partir de paradigmas mais
conectados com a sociedade na qual se insere (SCHWARTZ, 2006, p. 50).
Parafraseando, a Literatura pode interpelar aspectos do mundo jurídico trazendo
uma reflexão acerca dos pretensos saberes positivos sobre os quais o direito busca
sustentar sua fundamentação. Como bem adverte François Ost, citado por André
Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (2008), entre o “tudo é possível” da ficção
literária e o “não deves” do imperativo jurídico, há, pelo menos, tanto interação quanto
confronto. Com base em tal entendimento, a inspiração comum em ambos é possível
ensejar importantes diálogos:
Para Ost é possível extrair três conclusões para o estudo do Direito na
Literatura; a) reduz o abismo aberto pelo pensamento analítico, desde Hume,
entre os mundos do ser e do dever ser - ou melhor, entre fato e direito -, tendo
em vista que o ser sempre aparece já interpretado; b) a experiência do contar
constitui, precisamente, a mediação entre o descrever e o prescrever; c) a
literatura deixa de ser considerada uma ornamentação, gratuita e exterior,
passando a ser entendida como o modo mais significativo de assumir essa
estrutura pré-narrativa da experiência comum e suas avaliações implícitas (OST
apud TRINDADE; GUBERT, 2008, p. 51).
Assim, compreende-se que os inúmeros contornos e detalhes a respeito da obra
“Romeo and Juliet” de William Shakespeare são essenciais para o estudo do Direito na
Literatura. O que chama mais atenção é o fato de o dramaturgo explorar com
considerável sucesso estilístico os procedimentos legais e os temas ligados à própria
essência do direito. Nesse sentido, graças ao enredo e a poética do caso, ao revelar os
motivos e os sentimentos humanos de cada parte no contexto, tal produção literária,
84
oferece, pois, ao sistema jurídico como um todo, uma observação diferenciada, porém
influenciada cognitivamente pelos fenômenos externos.
4.2.2 O Direito como Literatura: caminhos possíveis a partir da analogia dos
fenômenos jurídico e literário
A sociedade num movimento de constante evolução denota que “a linguagem é
uma das formas de comunicação que possibilita o contato entre os sistemas sociais”
(SCHWARTZ, 2006, p. 57). Em sendo assim, no caso do sistema jurídico e do sistema
da arte, resta claro que ela é decisiva na objetivação dos motivos pelos quais tais
sistemas são amplamente orientados.
Há um certo consenso para Germano Schwartz (2006) que o mundo das leis
compõem-se antes de palavras que de leis. Disso se extrai que a autoconstrução do
Direito é permitida pela comunicação (linguagem), seja ela auto-referencial, seja ela
uma influência externa amealhada por seu próprio código. Tem-se, assim, que o Direito
como Literatura é feito por intermédio da lógica do sistema da arte, e não mais do
sistema jurídico, o que não significa, objetivamente, que o sistema jurídico não possa
usufruir da autopoiese do sistema da arte.
Por outro lado, os avanços da teoria interpretativa possibilitaram a visualização
da pluralidade de sentidos que permeiam um texto. Ter a consciência de que cada texto
possui uma função específica, portanto, permite compreender os diferentes significados
que o Direito como Literatura possuem no mundo das letras. Pode-se objetar também
que por mais que um dos sentidos seja valorizado e tido como imediatamente correto,
essa relação vem quase sempre de um esforço interpretativo histórico que tende a
ressaltar uma determinada interpretação.
Diante de tais questões, importante destacar que “a prática jurídica é um
exercício de interpretação não apenas quando os juristas interpretam documentos ou
leis específicas, mas de modo geral” (DWORKIN, 2005, p. 217). Ronald Dworkin explica
que esse espaço aberto para interpretações pode ser facilmente explorado pelo Direito,
propiciando uma análise do que é a interpretação em geral. Veja que, a respeito dos
aspectos fundamentais entre Direito e Literatura, André Karam Trindade e Roberta
Magalhães Gubert apontam quatro pontos principais de descompasso, quais sejam:
85
a) O Direito é essencialmente formal, enquanto a Literatura atua no plano
criativo, imaginativo. b) A função do Direito é prática: estabilizar as expectativas
sociais; a Literatura como arte possui o escopo de inovar, criar, criticar, enfim
emocionar. c) O Direito é expressão de ordem, comando; da Literatura esperase o estético, seja este belo ou transgressor. d) Se, por um lado, o Direito voltase para a generalidade e abstração, normalmente atribuídas à lei; por outro, a
Literatura se atém ao particular e ao concreto, tendo em vista que todo enredo
mostra-se irredutivelmente singular (KARAM; GUBERT, 2008, p. 23).
Em tal aspecto, não há mais uma distinção categórica entre a interpretação,
concebida como algo que revela o real significado de um obra, e a crítica, concebida
como avaliação de seu sucesso ou importância. Por conta disso, existe uma grande
diferença entre dizer quão boa pode se tornar uma obra e dizer quão boa ela é.
Obviamente, a conexão existente entre Direito e Literatura é recíproca, valendo-se a
interpretação de grande empreendimento entre ambas.
Como se vê, as contribuições trazidas por uma maior problematização do
exercício hermenêutico são de grande importância, mas pelo próprio teor prático e
regulador do Direito encontram limites no texto da lei, uma vez que são possíveis
diversos sentidos; entretanto, alguns deles são vedados pela própria literalidade do
texto. De tal sorte, as contribuições da filosofia contemporânea, do estudo da linguagem
e da teoria literária são de grande valia para a própria interpretação do Direito,
entendido sob uma perspectiva mais alargada e crítica.
Por que então estudar Direito como Literatura? Nas célebres palavras de
Germano Schwartz (2006), ainda não se pode olvidar que o Direito é um “contar” de
histórias, mas, sobretudo, resulta factível que a observação do Direito como Literatura
pode trazer novos parâmetros de interpretação da “realidade” jurídica, sendo capaz de
inovar em um terreno que há muito carece de novas ideias.
4.2.3 O Direito da Literatura: uma observação que se limita a cuidar das leis e das
normas jurídicas que protegem a atividade literária
Nas palavras de Germano Schwartz:
86
O Direito da Literatura é o ramo do sistema jurídico que já recebeu as
informações necessárias advindas do sistema da arte e do sistema político. As
leis e normas jurídicas que protegem a atividade literária são objeto central da
observação nesse plano (SCHWARTZ, 2006, p. 60).
Tal preceito temático trata antes de mais nada de uma reorganização de
conteúdos e diplomas legais referentes à Literatura, e que há muito, são abordados nos
mais diversos subsistemas jurídicos. Pode-se concluir também que o Direito da
Literatura compreende:
a) as relações jurídicas do exercício literário; b) as normas que regulam a
criação e a difusão da obra literária e os direitos por ela gerados, tais como a
censura (proibição); a liberdade artística e de expressão; os delitos relativos à
liberdade de expressão e, por fim, o direito da propriedade intelectual
(SCHWARTZ, 2006, p. 61).
Neste passo, cabe esclarecer que o Direito da Literatura pode suscitar interações
frutíferas, conduzindo o debate relativo às possibilidades e limites da compreensão do
Direito. Neste sentido, Germano Schwartz (2006) identifica que o Direito da Literatura já
possui uma vasta teia de interesses estabelecida sob outros nomes e códigos, além de
pressupostos metodológicos e marcos teóricos que orientam a formação de um
fenômeno jurídico, contribuindo paulatinamente para sua interpretação.
O Direito da Literatura nada mais é do que uma abordagem mais estrita,
limitando-se a reunir questões específicas e pertinentes ao âmbito normativo, mediante
a investigação da tutela jurídica dada à Literatura. Há destaque aqui, portanto, para as
questões referentes à propriedade intelectual, responsabilidade do escritor (civil e
penal), o direito de imprensa, difamações e injúrias (direito penal) e direitos da
personalidade, bem como os direitos autorais.
Por fim, resta bastante claro que uma outra visão, vinda da Literatura, é capaz de
reduzir a dicotomia entre o homem e seu mundo. A Literatura terá o condão de ofertar
ao Direito uma comunicação bastante preciosa, ou seja, ela é um testemunho da
realidade. E é justamente nesse ponto que o auxílio da Literatura pode ser útil ao
sistema jurídico como um todo.
87
4.3 Um sentido claro para o Discurso Jurídico de William Shakespeare
Diante das três perspectivas analisadas no decorrer desse trabalho (Direito na
Literatura, Direito como Literatura e Direito da Literatura), optou-se por aprofundar na
obra shakespeariana o estudo do Direito na Literatura. Mas por que então estudar o
Direito na Literatura na obra “Romeo and Juliet”? É simples, a obra shakespeariana foi
escolhida por interessar ao Direito, e mais que isso, por analisar a questão do Direito
como garantia de pacificação e conciliação dos conflitos entre rivais na Itália
renascentista. Destaca-se que o estudo do Direito na Literatura é aquele que se
apresenta como o mais construído e desenvolvido, pois à Literatura é atribuído um
papel criador capaz de provocar mudanças ao interrogar determinados valores
estruturantes do Direito, auxiliando no sentido de redefini-los.
Essa conectividade entre Direito e Literatura é bastante reveladora na narrativa
literária, haja vista estar próxima de William Shakespeare na obra “Romeo and Juliet”.
Ao se analisar o “sentido adequado” na “intenção do falante”, que será reconhecido por
aquele incumbido da decisão, Ronald Dworkin (2005) abre espaço para o
atravessamento de conceitos oriundos da escola francesa da Análise do Discurso.
As temáticas a respeito da fala, do discurso, da linguagem, possuem sempre
sentidos plúrimos, dependendo de quem os realiza, em que momento, em que espaço,
em que contexto, em que tonalidade e em que forma. Veja-se que a Análise do
Discurso é um instrumental importante para compreender o sentido do discurso
shakespeariano e sua atualização contemporânea18. E isto ocorre basicamente porque,
como explica Germano Schwartz (2006), o estudo do Direito baseado na Literatura
retira o fulcro legalista da ciência do Direito. Partindo da premissa de que nas obras
18
A Análise do Discurso pode contribuir para revelar aspectos não percebidos do discurso de
Shakespeare e, em especial, do seu discurso jurídico, seja através da linguística, do materialismo
histórico ou da psicanálise. Buscou-se verificar se a Análise do Discurso é uma disciplina cuja
formatação teórica e metodológica fornece instrumental para se estudar, a partir de Shakespeare, as
relações existentes entre o Direito e a Literatura, independentemente a que escola se situe o autor
(Literatura in Law ou Law in literatura). É possível apreender do conjunto da obra informações
suficientes para debater qualquer caso em qualquer curso de Direito Civil, Direito Penal, Direito do
Estado, Direito Constitucional, Teoria da Justiça, Direito Comercial, História do Direito, Filosofia do
Direito, Hermenêutica, Processo Civil, Processo Penal, Direito Financeiro, Lógica Jurídica, Psicologia
Jurídica, Direito Jurisprudencial e tantas quantas forem às disciplinas que venham a integrar os
currículos das faculdades de direito, aqui ou em outro lugar (OLIVO, 2005, p. 60).
88
literárias é possível encontrar respostas pertinentes ao direito e à justiça, torna-se
necessário estabelecer como estudar o Direito a partir da Literatura.
É interessante notar que Harold Bloom disserta sobre duas maneiras de explicar
a grandeza de Shakespeare no contexto do Direito na Literatura. A primeira revela que:
[...] no entendimento dos que pensam ser a Literatura, basicamente, linguagem,
a primazia de Shakespeare é um fenômeno cultural, produzido a partir de crises
sociopolíticas. Sob essa ótica, Shakespeare não escreveu suas próprias obras:
estas foram escritas pela energia social política e econômica da época
(BLOOM, 2001, p. 42).
Do mesmo modo, ressalta que:
A outra maneira de estudar a perene supremacia de Shakespeare é bem mais
empírica: parte da noção de que Shakespeare é universalmente considerado o
autor que melhor representou o universo concreto, em todos os tempos. Tal
noção tem sido corrente, pelo menos, desde meados do século XVIII, e, embora
desgastada, permanece procedente, por mais banal que os teóricos do
ressentimento a considerem (BLOOM, 2001, p. 42).
Por outro lado, ao se examinar o contexto histórico, social, político e econômico
da obra “Romeo and Juliet”, é possível verificar que Shakespeare exerce sobre nós
uma influência bastante singular em termos de tempo e lugar. Na sequência, Harold
Bloom acentua ainda que “quase todo o conhecimento de Shakespeare, que parece
imensurável, foi gerado a partir dele mesmo” (BLOOM, 2001, p. 881), o que, em última
instância, justificaria a sua genialidade. Nesse sentido, é possível dentro da análise do
discurso jurídico compreender a universalidade e perspicácia de Shakespeare, em
especial sua capacidade inigualável e privilegiada de conhecer não só a história, mas o
momento vivido pelos atores de sua época.
Importante mencionar que Shakespeare contempla quase todos os conceitos
“tradicionais” de seu tempo, mas não se deixa levar por nenhum deles. Quem consegue
ler as peças e reflete sobre as montagens que assiste, dificilmente, chegará à
conclusão de que Shakespeare era protestante, ou católico, ou mesmo um cristão
cético. O poder de cognição de Shakespeare é o que há de mais difícil de ser
apreendido e admitido pelos estudiosos, pois apresenta suas reflexões de modo
oblíquo, raramente permitindo a presença de um representante ou porta-voz, entre seus
personagens.
89
Figura 13 - Uma visão abrangente do Direito e Literatura
Fonte: Medved, 2010
Portanto, torna-se claro identificar que a busca da produção do sentido no
discurso jurídico é mais uma possibilidade que se abre quando o objeto do estudo é o
texto literário. Com bastante evidência, Shakespeare revela ter a percepção de como
funcionam as articulações do poder, sejam movidas por sentimentos ou até mesmo
expectativas das mais variadas.
Com expressivo talento, Shakespeare foi audacioso em enumerar nas suas
obras vários conceitos a respeito da própria natureza humana. O dramaturgo viveu a
vida dos seus dias, com os acontecimentos historicizados. Diante de todas as
perplexidades vividas, não foi um recluso monge eremita que recebeu a iluminação dos
céus em momentos sublimes de revelação. Aprendeu a valorizar a Literatura com certa
beleza através dos encantamentos do mundo, produzindo assim, um cruzamento de
ideologias fundantes e essenciais. Nesse sentido, por retratar de forma lúcida os
diversos aspectos da vida humana, primordialmente na compreensão do indivíduo e de
90
suas paixões, ou seja, o pensar sobre situações possíveis e perspectivas realizáveis,
Shakespeare consegue ser interpretado em qualquer tempo.
Por seu turno, dentro da análise do discurso jurídico, reside uma explicação
possível por que tantos autores no campo jurídico, sociológico, político, filosófico ou
literário, conseguem interpretar Shakespeare séculos mais tarde. É certo que o próprio
dramaturgo historicizado possibilita que tribunais judiciários sentenciem hoje tomando
como referência fatos e proposições contempladas em suas obras.
Embora já afirmado, apesar do sentido da racionalidade inaugurada pela
modernidade, Shakespeare tem na ordem jurídica a sua mais elevada expressão
simbólica, pois os textos e obras do autor podem ser referenciados em um estudo como
o aqui proposto sobre o Direito na Literatura, que por sua vez guarda estreita relação
com outras ciências. No tocante à discursividade, o que está em questão é o sentido do
argumento que Harold Bloom encontra para explicar o preciosismo de Shakespeare. É
plausível, entretanto, que o fator possibilitador da atualização da obra shakespeariana
esteja em sua historicidade e sua cultura, sendo impossível compreendê-la fora do
contexto global de uma época.
Ora, mas uma dúvida remanesce: por que Shakespeare alcançou tanto sucesso
com a obra “Romeo and Juliet”? Seu sucesso foi à custa do que realmente se
encontrava e se encontra em sua obra, mas que nem ele nem seus contemporâneos
podiam, lucidamente, perceber e avaliar no contexto cultural da época. Afinal, o que
Shakespeare conseguiu foi captar as imagens e sentimentos do seu tempo, mais do
que isso, segundo Mikhail Bakhtin:
[...] os tesouros de sentidos colocados em sua obra foram elaborados e
acumulados no correr dos séculos, e até dos milênios; estavam ocultos na
língua - e não só na língua escrita, mas também naqueles estratos da língua
popular que, antes de Shakespeare, não haviam penetrado na Literatura ocultos na variedade dos gêneros e das formas da comunicação verbal, nas
formas poderosas da cultura popular (sobretudo na carnavalesca) que se
moldava ao longo dos milênios, dos gêneros do espetáculo teatral (mistérios,
farsas, etc.), nos temas que remontam a uma antiguidade pré-histórica, e,
finalmente, nas formas de pensamento. Shakespeare, como todo artista,
construía sua obra a partir de formas carregadas de sentido, repleta desse
sentido, e não a partir de elementos mortos (BAKHTIN, 1997, p. 365).
91
De forma brilhante, como pressuposto metodológico, Shakespeare na obra
“Romeo and Juliet” procura demonstrar que os atores podiam não apenas percorrer o
mundo, mas passar livremente do mundo da ação ao mundo das impressões interiores.
Com isso, deu-se vida aos personagens graças às metáforas extraídas do mundo
exterior, inclusive com aspectos distintivos entre eles. Sendo assim, conforme assinala
Vera Lúcia Gonçalves Felício, elementar transcrever que sua força teatral: “[...] foi a de
representar o homem sob todos os seus aspectos. Se o espectador se identificava
emocional e subjetivamente às situações e aos personagens, ao mesmo tempo julgava
a sociedade circundante, politicamente.” (FELÍCIO, 1992, p. 54).
Em outras palavras, o sentido para o discurso jurídico de Shakespeare parte por
um caminho nobre de construção de novos paradigmas, onde os valores e categorias
tradicionais do Direito necessitam de “releituras”. Nesse contexto, a Literatura ocupa um
papel essencial ao provocar a ciência jurídica a olhar para si mesma, revendo as suas
posturas formalistas. E é nesta perspectiva de produção de um conhecimento crítico e
reflexivo que o diálogo entre Direito e Literatura propiciam um estudo da sociedade em
seus múltiplos aspectos, permitindo, na esfera universal, um olhar específico para o
problema que se quer enfrentar.
Assim, diante da complexa interação entre homem e sociedade na obra literária
“Romeo and Juliet”, o estudo se cerca de objetivos mais específicos, visando uma
releitura da tragédia pela ótica do justo meio, possibilitando a compreensão do Direito
na Literatura, e sua prática no contexto global da obra. Além disso, desdobra-se o
levantamento dos aspectos concernentes à prática histórica do Direito, a natureza da
legislação criada para se conter os conflitos e seus resultados, a relação direta e mútua
existente entre o Direito e a política e a política e a sociedade, bem como a forma como
a literatura shakespeariana retrata as questões jurídicas a partir da ilustração de
situações contidas no relato principal da obra.
92
4.4 A possibilidade do estudo do Direito em William Shakespeare: indicativos sob
a ótica de um texto literário
Não é demasiado referir que, na grande maioria das peças escritas por William
Shakespeare, em especial “Romeo and Juliet”, encontram-se indicativos para o estudo
do Direito. Sendo um autor dramaturgo dotado de grandes virtudes intelectuais, a esse
respeito alude Arnold Hauser que a vida e a produção literária de Shakespeare podem
ser classificadas em quatro fases distintas.
Na solene fase inicial, o poeta se conforma com o gosto humanístico elegante e
escreve para os círculos palacianos aristocráticos. Em um segundo momento, com a
mutação para as ruas e para o teatro vivo, popular, Shakespeare amplia seu otimismo,
escrevendo as grandes peças históricas e políticas, nas quais a ideia de monarquia é
exaltada. Na passagem do século começa o terceiro e trágico período na evolução de
sua arte, onde ele escreve direcionado para o grande público. Por fim, ante o aumento
da violência e dos ataques promovidos por autoridades civis e eclesiásticas a toda e
qualquer atividade teatral, segue-se um período de resignação e de calma sossegada com tragicomédias (HAUSER, 1998, p. 532-542).
De acordo com a classificação proposta por Arnold Hauser, é possível situar o
contexto da obra “Romeo and Juliet” na segunda e terceira fases. Todavia, com
bastante evidência e visibilidade, entre o terceiro e o quarto período, Arnold Hauser
(1998) identifica a principal transformação ocorrida no modo de ver o mundo de
Shakespeare. Diz o historiador que na virada dos anos 1.500 para os 1.600:
[...] na época da completa maturidade e do mais alto êxito, a sua filosofia sofreu
uma modificação que, fundamentalmente, alterou todo o seu conceito da
situação social e os seus sentimentos para com os diferentes setores da
sociedade. A sua conformidade anterior com as condições existentes e o seu
otimismo, no que respeita o futuro, foram minados, e, muito embora ele se
mantivesse fiel ao princípio das ordens, aceitasse a estabilidade social e
rejeitasse o ideal heróico da cavalaria feudal, parece haver perdido a confiança
no absolutismo maquiavélico e numa economia de poder de compra implacável
(HAUSER, 1998, p. 537).
De qualquer modo, uma abordagem atualizada sobre os costumes, as relações
sexuais, a monarquia, o uso e o desuso das leis, a criminologia, dentre várias outras
acepções são constantes na literatura shakespeariana. Tanto para a Literatura quanto
93
para o Direito, a obra “Romeo and Juliet” é uma mina inesgotável de riquezas, pois não
apenas os críticos da Arte e Literatura, mas também os juristas e os economistas
puderam extrair dela dados e documentos da maior relevância.
Sob o prisma enriquecedor da possibilidade do estudo do Direito em
Shakespeare, é facilmente identificado na obra uma incalculável ordenação de
conceitos, significados, princípios, valores e regras. Para Harold Bloom (2001), a
influência de Shakespeare, espantosa na Literatura e no Direito, é ainda maior na vida
real, tornando-se, assim, algo precioso, valoroso, chegando a concorrer com as
escrituras sagradas (ocidentais e orientais), na formação do caráter e da personalidade
humana.
Outro detalhe importante a ser ressaltado é que em Shakespeare há sempre um
resíduo, algo não explorado, por mais magnífico que seja o desempenho, mais
perspicaz que seja a análise crítica, seja no estilo antigo ou audacioso da modernidade.
Porém, para compreender Shakespeare no sentido jurídico, alegórico, irônico, artístico,
político, social, privilegiando a história do Direito, será necessário um exercício sem fim,
uma “transcendência literária” onde qualquer pessoa ficará exaurida muito antes que os
conteúdos se esgotem.
A esse respeito, o debate proposto por Shakespeare na esfera do Direito é ainda
mais intrigante, pois ao analisarmos a prática jurídica na tragédia “Romeo and Juliet”
temos que a decisão do Prince Escalus (Príncipe Escalo) era suprema e legítima,
restando apenas apelação à sua misericórdia. Muito embora a Igreja possuísse uma
posição privilegiada e de destaque no contexto da obra, era o monarca, como chefe de
Estado, que geria a vida de todos os cidadãos veronenses. Através de um poder
supremo, buscava-se controlar a vida das pessoas num plano social, econômico e
político. Em outras palavras, era necessário levar em conta as regras de organização
social, tendo o monarca no topo da cadeia hierárquica, para a manutenção da
sociedade. Naquela época, Shakespeare tornou público o debate sobre as grandes
questões que envolviam a Itália Renascentista, quais sejam, o direito de expressão, o
poder, a rivalidade, a luta de classes, o bem, o mal, a hegemonia, a legitimidade, a
justiça e etc.
94
Pensar a respeito da possibilidade do estudo do Direito na obra shakespeariana
é abrandar a originalidade dos personagens idealizados pelo dramaturgo. A obra
“Romeo e Juliet” contêm um elemento transbordante, um excesso que vai além da
representação, um exemplo extraordinário de criação e de consciência do ser humano.
Em especial, os personagens não se revelam, mas se desenvolvem, e o fazem porque
têm a capacidade de se autorecriarem. Personagens shakespearianos são papéis a
serem representados por atores, mas são, também, muito mais, verdadeiros enigmas a
serem estudados e interpretados pelo Direito.
Todavia, é justamente nesse ponto que o Direito, ao contrário da Literatura,
assume a forma de um empreendimento político, cuja finalidade geral é coordenar o
esforço social e individual, resolver disputas sociais e individuais e assegurar a justiça
entre os cidadãos e entre eles e seu governo. Sobre esse tópico, não é demasiado
referir que assim como as obras literárias, as leis podem conservar sua relevância e
autorizar que os intérpretes atualizem o sentido de suas expressões conforme passem
a plasmar outros valores no contexto da mudança social.
Nesse sentido, acaso se consiga equalizar a distância entre Direito e Literatura,
poderá se reduzir ao máximo a dicotomia existente entre o homem e seu mundo. E
mais, o auxílio da Literatura pode ser bastante útil ao sistema jurídico, sensibilizando o
hermeneuta a conjugar o seu conhecimento técnico ao sentimento de humanidade. Por
isso, importa observar também que a Literatura é, antes de tudo, um modo de pensar a
vida que complementa o conhecimento prático e acadêmico, unindo o autor ao leitor e
vice e versa. No entanto, analisar a obra “Romeo and Juliet” de William Shakespeare no
contexto do Direito na Literatura torna-se algo mais ambicioso à medida em que a
Literatura tem (primariamente ou substancialmente) um propósito cognitivo.
95
5 DO TEATRO ELISABETANO AO DIREITO COMO GARANTIA DE PACIFICAÇÃO E
CONCILIAÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE RIVAIS NA ITÁLIA RENASCENTISTA:
UMA ANÁLISE DA PRÁTICA JURÍDICA NA TRAGÉDIA “ROMEO AND JULIET”
Dentro da vasta gama de possibilidades que a ciência do Direito oferece em
termos de objetos de pesquisa, a propósito, deve o Direito regular a vida humana em
sociedade, estabelecendo para esse fim normas de conduta que devem ser observadas
pelas pessoas. Na prática, tem por finalidade a realização da paz e da ordem social,
inclusive, atingindo as relações individuais das pessoas. Além disso, deve guardar
relação com as ocorrências históricas e fatos diversos, mostrando sempre sua evolução
através dos tempos.
Pois bem, partindo da tendência moderna inserida no contexto da grande
diversidade de temas que cercam a ciência jurídica, o estudo a respeito do Direito como
garantia de pacificação e conciliação dos conflitos entre rivais na Itália Renascentista,
mais especificamente na obra “Romeo and Juliet”, se mostra bastante interessante do
ponto de vista crítico e científico, pois permite identificar através de relatos
diferenciados das fontes tradicionais da época, os diversos modos como a prática do
Direito e seus aspectos filosóficos evoluíram ao longo do processo histórico.
Nesse contexto, os subsídios históricos têm de ser colhidos em fontes que na
maioria das vezes ultrapassam os simples documentos históricos e buscam outras
alternativas que tragam luzes a respeito da prática jurídica e da forma como se
estabeleceram ao longo do tempo. De modo interessante, são justamente os relatos
literários épicos, trágicos, dramáticos ou romanceados, tanto em prosa quanto em
poesia, que trazem indicações concretas e ilustradas a respeito da forma como o Direito
foi praticado ao longo da história.
Um estudo desse porte torna-se importante do ponto de vista da prática e da
filosofia jurídica, pois evidencia as situações concretas na qual o Direito encontra
aplicabilidade prática, permitindo ao mesmo tempo compreender até que ponto ele
também influenciou ou sofreu influência dos jogos políticos que se estabeleciam no
cenário socioeconômico em fins da Idade Média e início da era Moderna. Não obstante,
dentre os inúmeros estudos já realizados acerca da famosa obra literária “Romeo and
96
Juliet”, pouco ou nenhum deles se debruçou sobre a questão da prática jurídica e da
sua significância no contexto histórico da trama.
Assim, mais do que uma obra clássica, “Romeo and Juliet” fornece subsídios
para se desvendar, pela pesquisa científica, intrincadas situações relacionadas à
jurisprudência na época, importante para permitir o seu entendimento e compreensão.
Tal estudo permite identificar através da releitura da imortal tragédia shakespeariana
“Romeo and Juliet” a complicada situação de rivalidade existente entre os dois
importantes clãs familiares da cidade de Verona na Itália - os Montague (Montéquios) e
os Capulet (Capuletos) - e o papel assumido pelo Direito no contexto social da época
entre as partes envolvidas, numa proposta pacificadora e conciliadora do conflito
existente.
5.1 Shakespeare e a Lei: uma viagem através do tempo
No sentido legal, a tragédia épica “Romeo and Juliet” é para Shakespeare um
verdadeiro testemunho da prática judiciária de seu tempo. A obra aborda dentre muitos
outros fatores a questão da lei, da ordem autoritária, dos conflitos existentes e da
administração da justiça. Sob esta análise, em especial, o contexto de disputas envolvia
uma pluralidade de aplicações práticas que traduziam unicamente a motivação dos
atores sociais em estabelecer limites para a organização da sociedade.
A lei e a prática jurídica foram ao longo da história influenciadas pela maneira de
pensar e de fazer das sociedades, atribuindo-se ao Direito uma larga significação.
Nesse sentido, o mito da genialidade natural de Shakespeare, que o tempo provou ser
verdade, parece ser a resposta mais provável para explicar a sua relação tão íntima
com a lei. Desse modo, tem-se que as questões do poder (como governar), e da justiça
(como realizar o ideal de igualdade entre os súditos), são recorrentes em Shakespeare.
Constata-se, pois, um aspecto importante que pode ser deduzido conjuntamente na
obra “Romeo and Juliet”, deixando transparecer a existência de uma noção articulada
sobre os temas jurídicos, sobretudo os relacionados ao poder, à solução dos conflitos, à
forma de governo e à justiça, o que possibilitaria sustentar a tese segundo a qual há em
97
Shakespeare uma lei que reflete não apenas a sua época, mas anuncia o surgimento
de um Direito moderno, baseado na predominância da razão humana.
Na visão shakespeariana, a lei é em si uma forma de história, ou seja, um
registro do progresso civil da sociedade. Com bastante evidência, de todas as coisas
que o dramaturgo fazia para o seu público em geral, a mais surpreendente foi analisar o
sentido da lei no contexto da história. Para a compreensão de questões jurídicas em
suas peças, a lei era um de seus principais sustentáculos, pois envolvia em grande
medida diversos componentes numa somatória de atributos. Conforme afirma Andrew
Zurcher (2010), os primeiros estudiosos de Shakespeare, entre eles Edmund Malone,
George Steevens e Churton Collins, admitiram seu domínio às questões jurídicas
devido à sua precisão em revelar ao público em geral a importância da lei para a
sociedade.
Ora, como poderia alguém filho de um fabricante de artigos de couro e produtor
agrícola e de uma doméstica (ambos sem escolaridade), ter reconhecida formação
jurídica e saber tanto sobre a lei? Em verdade, conforme afirma Laurie Rozakis:
Shakespeare veio de uma sólida família de classe média. O seu grande sucesso
no mundo jurídico é fruto de uma objetividade impressionante, o tipo de
objetividade e equilíbrio que permite ao leitor encontrar uma variedade de
filosofias e posições nos escritos legais (ROZAKIS, 2002, p. 4-6)
A esse respeito, analisa Laurie Rozakis (2002) que o dramaturgo pintou mais
vivamente a majestade e o poder da lei e da justiça. A abrangência de seu pensamento
jurídico assentou em seu público uma receptividade para múltiplos pontos de vista.
Como um verdadeiro jurista em suas obras, os filamentos de seu pensamento são
surpreendentes em variedade, chegando a estabelecer para os seus inúmeros
argumentos uma composição de gênero fascinante. O uso de termos jurídicos como
metáforas é totalmente preciso, demonstrando o tipo ideal de compreensão mais
aprofundada com o seu uso. De fato, a interpretação da lei, da história e da filosofia
transcende a mera reescrita. Porém, tem-se que o principal objetivo da lei para
Shakespeare é a preservação da ordem num contexto tão amplo e variado, onde o
alcance da norma é considerado em função da realidade que a originou.
98
Na prática, em Shakespeare, a lei se mostra como o conjunto de instruções ou
de restrições para os atores (pessoas, grupos e instituições) que buscam objetivos,
compartidos ou divergentes. Assim, quanto mais o direito e o sistema de justiça se
transformam em órgãos de integração social, gerando subordinação recíproca e
opondo-se à alteração das regras, mais grave e generalizado tende a ser o impacto das
perturbações e dos deslocamentos de interesses que as mudanças costumam trazer
em seu âmago.
Por sua vez, Gary Watt e Paul Raffield (2008) privilegiam o pensamento
shakespeariano quando uma lei é feita, por ser uma solução de conflitos de interesse,
onde seu êxito depende da correspondência entre a sua vigência e as suas estruturas
sociais, como condição sine qua non de eficácia, permitindo novos sentidos ou
significados, mesmo quando mantidos inalterados as suas estruturas formais.
Havia naquela época, uma semelhança muito grande entre a representatividade
da cidade de Verona na Itália na obra “Romeo and Juliet” e a Inglaterra de
Shakespeare. Pois bem, qual seria então esta provável semelhança? A íntima relação
existente era que na Inglaterra a palavra da rainha Elizabeth I era a lei, assim como a
do Príncipe (Escalo) em Verona na Itália. De forma bastante simplificada, entendia-se
que a lei era a própria expressão da justiça ou do justo.
Nota-se, portanto, conforme esclarece Pedro Scuro Neto (2010), que passo a
passo o Direito desenvolve-se em Shakespeare no sentido da legalidade, nem sempre
de forma “justa” ou equivalente, mas paralela à evolução do caráter, dos objetivos e da
vontade da sociedade que o criou. Por seu turno, só assim é possível afirmar que “o
Direito emana do grupo social; as normas jurídicas expressam a maneira pela qual esse
grupo entende devam ser estabelecidas as relações sociais” (LÉVY-BRUHL, 1988, p.
38).
Porém, tomando por base os relatos históricos descritos pelo dramaturgo na sua
imortal tragédia, percebe-se nitidamente que a lei é tida como uma garantia de
pacificação e conciliação dos conflitos políticos existentes entre as duas famílias rivais
na cidade italiana de Verona no período Renascentista. Diante do quadro de
subversões e ações ambivalentes suplantadas no contexto da obra, premia-se a
relação existente entre os súditos, a Igreja e o Estado, expondo um verdadeiro
99
contraste vivido pelos organismos sociais na luta por legitimidade. De igual lado,
Shakespeare atribui à lei um ingrediente secreto ao estudo e prática do amor e da vida,
sempre em conformidade com a razão, com a integridade, com o direito e,
principalmente, com o justo.
5.2 O Direito, a justiça e os métodos de solução de conflitos na obra “Romeo and
Juliet” de William Shakespeare
Direito e justiça se manifestam por meio das pessoas e se perpetuam no tempo
devido às necessidades e demandas sociais. Dadas às complexidades do mundo
exterior, é imprescindível que as pessoas sejam reconhecidas em seus contextos
históricos e culturais de acordo com suas especificidades. Tanto o Direito como a
justiça exercem funções sociais específicas, estabelecem e mantêm as condições
genéricas de coercibilidade, controle social, consenso e interdependência, contribuindo
para a existência e a preservação do sistema social.
Por força dessas premissas, ressalta-se que não há como considerar qualquer
sistema jurídico divorciado da realidade social. As soluções são demarcadas em
importância pelo ponto de partida do reconhecimento do problema, relacionando-se
sistema jurídico e realidade social, de modo que possam transcender reformas que
respondam efetivamente aos anseios sociais. Em decorrência desses postulados, tais
sistemas devem preencher certas condições ou pré-requisitos necessários à
sobrevivência da sociedade.
Por assim dizer, Direito e justiça mediam entre interesses políticos e econômicos,
entre a ordem normativa da sociedade e a cultura, estabelecendo e mantendo
interdependência, e se constituindo em fonte de controle social, consenso e coerção.
Todavia, quanto aos resultados esperados, considera-se fundamental a superação de
obstáculos para a efetiva utilização do sistema jurídico estruturado em prol da solução
de conflitos e da garantia de direitos. Esse resultado é que permite, mais ou menos, a
promoção da justiça social e, por conseguinte, o fortalecimento do Estado.
100
Sob o prisma existencial do homem, Direito e justiça são conceitos correlativos e
abrangentes para a estruturação do consenso e preservação da ordem na sociedade.
Conforme afirma Goffredo Telles Júnior:
A sociedade vive sob uma constelação de normas, a imensa maioria das quais
normas jurídicas, que autorizam quem foi lesado a exigir, por meios
competentes, que as regras sejam cumpridas, o mal sofrido reparado, a
obrigação cumprida, as coisas repostas no estado em que estavam, ou, em
caso de crime, que uma penalidade seja imposta ao seu infrator (TELLES
JÚNIOR, 2001, p. 44).
A todo instante, geralmente sem perceber, o ser humano inspira-se em normas
que servem de guia ou de modelo. Todas as ações, desde os pensamentos e
sensações mais íntimas, até os gestos e atitudes mais evidentes submetem-se a regras
exteriores. A partir do momento em que vivemos uns ao lado dos outros, temos
necessidade de regras de conduta, pois não há sociedade possível sem haver uma
ordem. Para compreender o que é a regra de conduta é necessário conhecer o fim a
que ela se propõe. Este fim é permitir o bem-estar e a vida em sociedade.
Por extensão, a exemplo disso, a ideia inspiradora na ordem vislumbrada por
Shakespeare na obra “Romeo and Juliet” é bastante coerente, diante da diversidade de
situações empreendidas na época. Na realidade, o dramaturgo tenta de algum modo
proporcionar a felicidade social de seus personagens, isto é, satisfazer as necessidades
reconhecidas pela autoridade do Príncipe como necessidades dignas de serem
satisfeitas. Tais condições muito embora aparentemente idealizadas, são contrastadas
pela situação conflituosa existente no bojo da sociedade veronense.
Porém, paralelamente a isso, importante registrar que Shakespeare ao escrever
sua obra, estava inserido no contexto histórico da Inglaterra da “Época de Ouro”,
governada por Elizabeth I. Surgem, pois, não obstante, várias indagações que premiam
a obra do dramaturgo inglês. Nesse aspecto, qual seria a relação de Elizabeth I com a
obra que aqui se propõe? Como Elizabeth I teria influenciado Shakespeare ao ponto de
percebermos traços daquela monarca na vida de Shakespeare, dentro de uma tragédia
de amor deste autor? Ou melhor, teria essa monarca influenciado Shakespeare? E
mais, seria possível compreender o Direito como garantia de pacificação e conciliação
dos conflitos entre rivais na obra shakespeariana? Talvez Shakespeare julgasse
impossível criar algo melhor, mas Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) nessa linha lírica é
101
sublime, seja na própria obra, seja em toda a literatura mundial, como visão de um amor
recíproco e incondicional que perece por seu próprio idealismo, por sua própria
intensidade.
5.2.1 Mecanismos de controle e regulação: os conflitos sociais na esfera do
Direito
Os inúmeros embates sociais, as lutas de classes, as revoluções políticas, as
reformas em geral, os pactos constitucionais nascidos de crises e os conflitos
historicamente significativos, mostraram a vitalidade e o peso da relação entre a cultura
dos direitos e a pressão dos movimentos sociais para a criação de formas institucionais,
regimes, governos e processos democráticos ao longo da história.
Na base dessas constatações, as estruturas da sociedade diferem conforme o
status, a situação, a condição dos atores, assim como de acordo aos papéis e aos
estratos sociais, aos valores e interesses, comuns ou divergentes. De acordo com
Pedro Scuro Neto:
Esses elementos contribuem não apenas para diferenciar as estruturas, mas
também para expor os indivíduos e instituições nelas situados a pressões
diferenciadas, que os sujeitam de forma diversa ao potencial desorganizado e
às tendências desviantes da totalidade da estrutura. O ator, dependendo da sua
posição na estrutura social, é mais ou menos exposto às contingências da
conduta desviante e mais ou menos vulnerável às suas consequências (SCURO
NETO, 2010, p. 213).
Com efeito, explica Pedro Scuro Neto (2010) que o controle social é nessa
medida um conjunto de sanções positivas e negativas, especificadas durante o
processo de socialização e seus mecanismos, que agem desde cedo para incutir na
personalidade valores, normas e modelos normativos, conformando a capacidade
individual de estabelecer juízos morais. Os conflitos são inerentes ao convívio social e
cada grupo encontra uma maneira de resolvê-los.
Dentre as organizações formais que sustentam a ordem normativa, a derradeira
é o Estado. Como um órgão regulador, a ele compete garantir aos sujeitos o exercício
aos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Entretanto, para sustentar a ordem normativa,
102
o Estado regulamenta os atos que dela desviam ou possam colocar em risco a sua
estabilidade.
Nesse sentido, para minimizar os atritos existentes que inevitavelmente resultam
dessa seleção criteriosa em termos, o Estado propõe soluções de compromisso cuja
expectativa de existência pressupõe a resolução da controvérsia. De acordo com Hans
Kelsen:
Só uma ordem dessa espécie está em posição de assegurar a paz social numa
base relativamente permanente. E, apesar de o ideal de justiça em seu sentido
original [...] ser razoavelmente diferente do ideal de paz, isto é, ausência de
perturbação, existe uma tendência definida de identificar os dois [...] ou de, pelo
menos, substituir o ideal de justiça pelo de paz (KELSEN, 1992, p. 21).
Através dessa análise, Pedro Scuro Neto (2010) conclui que todas as
sociedades, sem exceção, são governadas por normas. Nas simples ou “primitivas”,
costumes, moralidade e Direito articulavam-se em uma unidade objetiva, formando um
só contexto homogêneo. Com bastante evidência, impregnado de moralidade e
costumes, o Direito era aplicado como se fosse uma vontade grupal; era um “estado da
consciência coletiva”, em quase nada divergindo do conjunto de crenças e sentimentos
comuns à média dos membros de uma mesma sociedade. Na verdade, a conduta
humana era coagida por normas que no geral e por definição correspondiam à “maneira
de pensar e de sentir” e que todos estavam “acostumados a obedecer”.
Paralelamente a isso, dentro da perspectiva sociológica durkheimiana, a
existência de uma sociedade só é possível a partir de um determinado grau de
consenso entre seus membros constituintes: os indivíduos. Neste aspecto, esclarece
Émile Durkheim (2004) que esse consenso se assenta em diferentes tipos de
solidariedade social.
A solidariedade mecânica prevalece naquelas sociedades ditas "primitivas" ou
"arcaicas", ou seja, em agrupamentos humanos de tipo tribal formado por clãs. Nestas
sociedades, os indivíduos que a integram compartilham das mesmas noções e valores
sociais tanto no que se refere às crenças religiosas como em relação aos interesses
materiais necessários à subsistência do grupo, sendo que essa correspondência de
valores assegura a coesão social.
103
De modo distinto, existe também a solidariedade orgânica que é a do tipo que
predomina nas sociedades ditas "modernas" ou "complexas" do ponto de vista da maior
diferenciação individual e social (aplicada às sociedades capitalistas). Além de não
compartilharem dos mesmos valores e crenças sociais, os interesses individuais são
bastante distintos e a consciência de cada indivíduo é mais acentuada.
Essa variabilidade de gêneros sociais sugere não uma única alternativa singular
ao Direito posto e imposto pelo Estado, mas uma diversidade de modos de ação
regulatória. Para a solução dos conflitos, cabe aqui elucidar a importância da
pacificação e conciliação, pois como se sabe, tais mecanismos são auxiliares e
indispensáveis ao Direito na solução de controvérsias.
5.2.2 Pacificação: a busca pelo equilíbrio das relações sociais
O Direito como um fenômeno social se manifesta face às necessidades e
demandas dos indivíduos e/ou grupos sociais. Normalmente, os conflitos surgem em
todos os sistemas sociais. Segundo Homero Reis (2011), os conflitos surgem quando
há a necessidade de escolha entre situações que podem ser consideradas
incompatíveis entre si e defendidas por pessoas distintas. Tais situações de conflito são
antagônicas e, por tal, perturbam o fluxo natural dos relacionamentos entre pessoas ou
grupos.
Contudo, indaga-se o seguinte: por que é importante estudar a pacificação na
obra shakespeariana? Sua relevância e tida como fundamental, pois a pacificação deve
ser analisada como uma garantia de harmonização das relações sociais, haja vista os
interesses em disputa. Nesse sentido, em especial na obra shakespeariana, deve o
Direito buscar a efetiva pacificação social das partes em conflito, fazendo desta sua
realidade concreta.
De qualquer forma, diante do desequilíbrio social, é preciso entender as causas
da divergência entre as partes para se solucionar um conflito de interesses. A esse
respeito, a busca pela compreensão do outro é característica fundamental na tomada
de decisões, tendo em vista que quando não se consegue entender aos anseios das
pessoas a decisão tomada será ineficaz. Conforme explica Maria Tereza Fonseca Dias:
104
Deve-se enxergar o Direito como um meio para que as pessoas possam
participar e inserir-se na sociedade. O Direito dever ser o instrumento para que
os cidadãos sejam atendidos em suas necessidades e resolvam seus
problemas de modo consciente (DIAS, 2010, p. 51).
De maneira geral, os conflitos uma vez dissecados passam por uma observação
gradual e analítica de compreensão mútua e valorização da alteridade. Entre outras
palavras, argumenta Maria Tereza Fonseca Dias que “O modelo tradicional de
resolução de litígios configura um recorte do conflito, o que significa abordar uma
situação prática e individualizada do cidadão a partir do mero enquadramento e
subsunção do fato à norma” (DIAS, 2010, p. 61).
No entanto, a pergunta ainda remanesce, o que é a pacificação? A pacificação,
como escopo primordial na obra “Romeo and Juliet”, nada mais é do que a paz pela
força. Em Shakespeare, o soberano detém e exerce o poder absoluto de
autodeterminação e auto-organização da sociedade. Seu poder é indivisível e
incontrastável, onde faz cumprir as suas decisões emanadas inclusive pela força, se
necessário. A vontade soberana apresenta-se e se manifesta através do denominado
poder absoluto. A grande figura que retrata este poder na obra shakespeariana é
Escalus (Escalo), Príncipe de Verona na Itália.
Além disso, etimologicamente, a palavra pacificação, de acordo com Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira significa: “restabelecer a paz; apaziguar; serenar,
tranquilizar, acalmar, abrandar” (FERREIRA, 1999, p. 1470). Por sua vez, significa
também harmonizar, apaziguar interesses, ideias, sentimentos opostos; restabelecer a
ordem; tranquilizar desentendimentos. Ainda assim, na visão de Fernando Horta
Tavares, a respeito do termo pacificação, destaca-se que “é muito mais salutar que se
encontrem fórmulas de consenso, para que a pretensão resistida chegue a bom termo,
atingindo o ideal de justiça das partes” (TAVARES, 2002, p. 17).
Para Norbert Elias (1994), a pacificação é a retirada da violência física das
relações interpessoais que passa a ser monopolizada de forma legítima pelo Estado
Moderno. Nesse sentido, esclarece que:
105
Tanto nos tempos feudais como nos modernos, a livre competição pelas
oportunidades ainda não centralmente organizadas ou monopolizadas tende,
através de todas suas ramificações, a subjugar e eliminar um número sempre
crescente de rivais, que são destruídos como unidades sociais ou reduzidos a
dependência; a acumular oportunidades nas mãos de um número sempre
menor de rivais; tende à dominação e, finalmente, ao monopólio. Além do mais,
o evento social da monopolização não se limita aos processos em que
pensamos normalmente quando se fala em "monopólios". A acumulação de
possibilidades que possam ser convertidas em somas de dinheiro, ou pelo
menos expressas dessa maneira, foi apenas uma mudança histórica entre
muitas outras que ocorreram no processo de monopolização. Processos
funcionalmente semelhantes, isto é, que tendem a formar uma estrutura global
de relações humanas, na qual indivíduos ou grupos possam, pela ameaça direta
ou indireta de violência, restringir e controlar o acesso de outros a certas
possibilidades contestadas - tais processos ocorreram, sob grande variedade de
formas, em pontos muito distintos da história humana. Nas lutas travadas em
ambos esses períodos, correu risco a existência social dos próprios
participantes. E é esta a compulsão por trás das lutas. E isso o que torna tais
combates, e seus resultados, inescapáveis desde que surge a situação básica
da livre competição. Tão logo a sociedade inicia um movimento desse tipo,
todas as unidades sociais existentes na esfera ainda não monopolizada - quer
se trate de famílias de cavaleiros feudais, empresas econômicas, territórios ou
Estados - enfrentam sempre a mesma opção (ELIAS, 1994, p. 133-134).
Em resumo, a pacificação no Direito deve ir além da dogmática, de maneira a
aproximar as pessoas, implementando e permitindo desenvolver sentimentos de
agradabilidade entre os diversos atores sociais. Nessa diretriz, o objetivo precípuo do
Direito deve ser, então, a garantia da paz e do equilíbrio das relações sociais,
resolvendo conflitos com fins de promover o desenvolvimento do grupo social
(sociedade) com redução das desigualdades existentes. É por demais evidente que ao
Estado, retratado na obra “Romeo and Juliet” por Prince Escalus (Príncipe Escalo),
compete a função de pacificar a sociedade, proporcionando dentre outras alternativas,
o fim dos conflitos entre as duas famílias rivais.
5.2.3 Conciliação: uma forma efetiva de solução de conflitos
É importante ressaltar que o Direito exerce na sociedade uma função
ordenadora, de modo a organizar a coletividade, coordenar os interesses e compor os
litígios que surgem na vida social. Para que isso ocorra, é necessário entender a
conciliação como uma forma de solução de problemas e conflitos na sociedade, haja
vista que as relações sociais estão cada vez mais complexas e, portanto, necessitam
106
de meios mais dinâmicos e adequados às complexidades para a resolução dos
problemas entre as pessoas em sociedade.
Da mesma forma que a pacificação, indaga-se também o seguinte: por que é
importante estudar a conciliação na obra shakespeariana? É simples. Novas soluções
precisam ser desenhadas na estrutura social, e para isso é preciso conscientizar-se da
existência de outras formas possíveis de dizer o Direito no aspecto decisório. No caso
de Shakespeare, a conciliação deve ser entendida como o ato pelo qual duas ou mais
pessoas, em desacordo a respeito de um determinado assunto, põe fim à divergência
amigavelmente. Pode-se dizer que é a harmonização de algo que se diverge, ou a
retirada da oposição havida a respeito de uma coisa ou um fato. Com segurança, o
Direito deve ser capaz de reconhecer as partes litigantes e promover as suas garantias.
Trata-se a conciliação de um meio alternativo de pacificação social. Lília Maia de
Moraes Sales a conceitua como:
[...] meio de solução de conflitos em que as pessoas buscam sanar as
divergências com o auxílio de um terceiro, o qual recebe a denominação de
conciliador. A conciliação em muito se assemelha à mediação. A diferença
fundamental está na forma de condução do diálogo entre as partes (SALES,
2003, p. 42).
Luiz Antunes Caetano define conciliação como:
[...] meio ou modo de acordo do conflito entre partes adversas, desavindas em
seus interesses ou direitos, pela atuação de um terceiro. A conciliação também
é um dos modos alternativos de solução extrajudicial de conflitos. Em casos
específicos, por força de Lei, está sendo aplicada pelos órgãos do Poder
Judiciário (CAETANO, 2002, p. 17).
Com a conciliação é possível aumentar o potencial comunicativo entre os
sujeitos para que se chegue a uma solução do problema de forma mais negociada e
menos coercitiva. Não obstante, importa em demasia a satisfação real dos interessados
nas questões levantadas e não uma decisão vertical impositiva. Deve-se ter em mente
o resgate do diálogo para a reparação ou criação de laços sociais, principalmente
quando a conciliação é realizada em setores de vulnerabilidade e exclusão social.
De forma pedagógica, a conciliação deve ser pautada no diálogo, na não
adversariedade, cooperação e confidencialidade, traços marcantes que delimitarão a
107
garantia efetiva de direitos. Isso porque é importante para que todos os sujeitos possam
compreender as situações uns dos outros, e ao final, chegarem a um consenso a
respeito da melhor alternativa de solução do caso proposto.
A missão nobre da conciliação aliada ao exercício da cidadania rende frutos
como a integração social e o restabelecimento do diálogo entre os sujeitos, além disso,
a valorização do indivíduo e dos aspectos mais específicos que o envolvem. Enxergar a
conciliação como um meio de solução de controvérsias em que as partes resolvem o
conflito, através da ação de um terceiro, o conciliador (sujeito que aproxima as partes,
aconselha e ajuda, fazendo sugestões de acordo), é de grande valia para o sistema das
decisões, pois há notável preservação de valores intrínsecos e extrínsecos das partes
em conflito.
Nesse contexto, resgatando a ideia do diálogo com a finalidade de um mútuo
entendimento com aproximação dos desejos ou integração dos interesses, entende
Jürgen Habermas que “a racionalidade dos fundamentos e das tomadas de decisão faz
com que os acordos sejam efetivamente válidos, pela intercompreensão e a
cooperação entre os envolvidos” (HABERMAS, 1983).
Diante de tais argumentos, o que seria então a conciliação? Etimologicamente, a
palavra conciliação de acordo com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira significa: “pôr
em boa harmonia; pôr de acordo; congraçar; reconciliar” (FERREIRA, 1999, p. 520). Em
outras palavras, entende-se como um meio alternativo de solução de conflitos em que
as partes confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproximálas e orientá-las na construção de um acordo. Veja-se que o conciliador é uma pessoa
que atua como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício
ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações
sociais.
Roberto Portugal Bacellar, a respeito deste terceiro, afirma que:
[...] deve o conciliador fazer-se apresentar de maneira adequada, ouvir a
posição dos interessados e intervir com criatividade - mostrando os riscos e as
consequências do litígio -, sugerindo opções de acordo e incentivando
concessões mútuas (BACELLAR, 2003, p. 76).
Certamente, no que concerne ao termo conciliação, de forma análoga, para que
se tenha ideia da importância desse método resolutório de conflito, a ex-ministra Hellen
108
Gracie Northfleet do Supremo Tribunal Federal (STF), no lançamento do Movimento
Nacional pela Conciliação ocorrido no dia 23/08/2006 declarou que:
A conciliação é o caminho para a construção de uma convivência mais pacífica.
O entendimento entre as partes é sempre a melhor forma para que a Justiça
prevaleça. O objetivo é uma sociedade capaz de enfrentar suas controvérsias
de modo menos litigioso, valendo-se da conciliação, orientada por pessoas
qualificadas, para diminuir o tempo na busca da solução de conflitos e reduzir o
número de processos, contribuindo, assim, para o alcance da paz social
(BRASIL, 2011).
Importante é perceber que, em “Romeo and Juliet”, Friar Lawrence (Frei
Lourenço) exerce o papel de conciliador, não obstante visto também como o catalisador
da esperança dos dois jovens, ameaçados pela situação de conflito familiar existente
que os impedia de se unirem. Na temática da obra, é bom frisar que o frade franciscano
atua mais como um conciliador, figura que tenta aproximar as duas famílias em conflito,
vendo a possibilidade na união de seus filhos.
Entretanto, como forma efetiva de solução de conflitos na sociedade, a
conciliação objetiva instituir uma nova mentalidade, a qual seja voltada à harmonização
dos
conflitos,
permitindo
que
as
desavenças
sejam
solucionadas
mediante
procedimentos simples e eficazes.
5.3 O Teatro Elisabetano no contexto geopolítico da Renascença
Embora William Shakespeare seja inglês, a tragédia “Romeo and Juliet” é
ambientada na cidade italiana de Verona, em meados do Século XVI, coincidente com
o reinado de Elizabeth I e Jaime I, ambos monarcas absolutistas da Dinastia Tudor19.
Foi um período de apogeu econômico, cultural e artístico da Inglaterra e que por isso
mesmo o denominou “Era de Ouro”. Importante símbolo desse período áureo da história
inglesa foi o Teatro Elisabetano.
Como dito anteriormente, tal deslocamento espacial se deveu ao fato da Itália
ainda guardar resquícios do feudalismo medieval, que na sua estrutura evidenciava a
19
Dinastia de monarcas britânicos que reinou na Inglaterra de 1485 a 1603. A família galesa governou a
Inglaterra num período relativamente pacífico, depois da sucessão de guerras com a Escócia, da
Guerra dos Cem Anos e da Guerra das Rosas. A economia e o comércio prosperaram apesar dos
conflitos internos que marcaram o período (GRANDE, 1971, p. 6786).
109
partilha do poder entre a Igreja e o Estado nascente, em meio a inúmeros conflitos
sociais e ideológicos. Convém lembrar que a Inglaterra havia saído de uma delicada
questão religiosa, ainda recente, que foi a frustrada tentativa de restauração do
catolicismo por Maria Tudor, antecessora de Elizabeth I.
Observa-se o fato de que o mais famoso produto cultural da “Era do Ouro”,
justamente o Teatro Elisabetano, alcançando uma dimensão espacial mais ampla,
extrapolou os limites de sucesso dentro e fora da Inglaterra, visto que as obras dos
dramaturgos, principalmente Shakespeare, alcançaram renome mundial. O Teatro
Elisabetano servia a uma função maior do que a própria cultura que ele preconizava,
fato este que também impulsionou seu sucesso em termos geopolíticos e era, talvez, a
maior propaganda do poderio real inglês pela Europa:
Não surpreende, portanto, que, por trás de boa parte de sua poesia e de muitas
situações dramáticas, escondido em muitas figuras de discurso, espreite um
pensamento que chamamos econômico, no sentido de que tem a ver com a
produção, troca, distribuição ou consumo de riqueza. Esse pensamento
raramente está na superfície. Ele funde-se com a ação, as imagens, as
emoções das peças. Precisa ser decantado por um processo que lembra a
metalurgia. Mas é rico, quando encontrado, e ocorre principalmente sob três
formas. Em primeiro lugar, várias das tramas possuem um contexto econômico.
Ou a própria ação adquire um significado econômico, ou envolve uma situação
econômica, um problema econômico, um abuso econômico.
O tema principal pode ser uma história de amor, e, no entanto, como tantas
histórias de amor da vida real, as condições econômicas podem desempenhar
um papel importante na sua realização ou frustração, determinando se a trama
acabará em comédia ou tragédia. Mais uma vez, o material econômico é oculto
em descrições casuais, em metáforas ou alegorias, ou mesmo em invectivas,
tiradas do comércio, das profissões, da agricultura, da tributação e da
distribuição de riqueza. Essas referências incidentais refletem o que
Shakespeare e seus contemporâneos pensavam sobre tudo isso e podem ser
agrupadas de acordo com o enredo econômico genérico que seguem. A maior
parte do que chamamos aqui de economia em Shakespeare deriva dessa fonte.
Por fim, há alguns casos em que encontramos uma discussão de teoria
econômica. Isso ocorre especialmente em relação a questões como juros e
distribuição de riqueza (FRANCO; FARNAM, 2009, p. 110).
Claro que o teatro, nessa escala espetacular e inusitada, representava um novo
fenômeno social, bem além das preocupações das autoridades, por conta da magnitude
da aglomeração e seu inédito potencial. Segundo Gustavo H. B. Franco e Henry W.
Farnam (2009), a ressonância social do teatro, multiplicada de forma avassaladora pela
maciça presença do público, multidão de proporções inéditas ordenada por uma nova
110
sociabilidade que as autoridades mal começavam a compreender, era inquietante em
seus aspectos de controle social, e fascinante pela explosão de subjetividade que
acabou ensejando.
Figura 14 - O Teatro Elisabetano na Inglaterra
Fonte: Palitot, 2009
Partindo do princípio de que o Teatro Elisabetano servia a Coroa Britânica como
instrumento ideológico por atingir a todas as camadas da sociedade, fica claro então
que o dramaturgo tinha a intenção de representar em suas peças a realidade política,
jurídica, social e econômica em que vivia, expandindo a noção de hegemonia da
Inglaterra inicialmente para a sociedade inglesa e depois para o restante do mundo.
Desse modo, surge uma questão intrigante em tal aspecto: seria possível Shakespeare
associar o comportamento do Príncipe na obra “Romeo and Juliet”, com a própria
rainha Elizabeth I? A resposta tem demonstrado ser em sentido afirmativo, muito
embora existissem algumas diferenças. A esse respeito Bárbara Heliodora explica que:
111
Shakespeare se voltava com infinita curiosidade para o que acontecia à sua
volta, mas, apesar do culto à soberana de longo e bem-sucedido reinado, não
podemos deixar de notar que nenhum outro poeta de seu tempo foi tão
conhecido e discreto em elogios a Elizabeth I (HELIODORA, 2008, p. 25).
Conforme assinala Célia Luiza Andrade Prado, o contexto em que Shakespeare
se insere nos permite compreender que:
Romeu e Julieta apresenta a sociedade bastante estratificada, como no caso da
Inglaterra elisabetana: o monarca, Príncipe Escalo, encontra-se no topo da
escala social. No primeiro ato da cena I, ele exerce sua autoridade, mesmo
sobre aqueles pertencentes à elite. O príncipe chama Montéquio e Capuleto de
“rebellious subjects, enemies to peace” e estabelece uma trégua instável
dizendo: “Once more on pain of death, all men depart”. Elizabeth I também
delibera sobre a vida de seus súditos. Para acabar com a conspiração contra
seu reinado, executa o Conde de Northumberland, o Duque de Norfolk e Mary
Stuart. Na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, a família “lato sensu”, que incluía
todos aqueles unidos pelos laços do casamento e mais os serviçais, era da
maior importância social. Dela irradiavam os princípios morais e materiais que
regiam a vida dos cidadãos na sociedade da época. O casamento não visava
exclusivamente à procriação e educação da prole [...]. A instituição do
casamento era, em todas as classes sociais: um foco importante para a
atividade econômica, tanto de produção, quanto de consumo e, sobretudo, o
lugar para o exercício da autoridade patriarcal e a reprodução da hierarquia
baseada na idade e no sexo. Sexo, poder e dinheiro achavam-se intimamente
ligados. O lar era considerado o “viveiro” da religião, que por sua vez era, na
visão do Estado, uma instituição política vital. Consequentemente, a corte e o
casamento não eram assunto puramente emocional ou pessoal, mas assumiam
uma importância pública. Essa relação entre o sagrado e o terreno, o público e
o privado, gerava tensão e conflitos entre gerações, gêneros e classes. Em
consequência, amor, sexo e casamento tornaram-se temas recorrentes na obra
de Shakespeare e de seus contemporâneos. Em Romeu e Julieta, a sociedade
se impõe e invade o mundo privado do casal, que, tragicamente, não escapa às
exigências das convenções. Na fala de Romeu na Cena I, Ato I, ouve-se um
anseio mais individual, de emoção mais pessoal: “Here's much to do with hate,
but more with love”, ou seja, o amor que sinto me causa mais sofrimento do que
essa contenda (PRADO, 2005, p. 6).
A obra “Romeo and Juliet” gira em torno de dois núcleos centrais: a rivalidade
entre as duas famílias de grande influência (de igual dignidade e de igual nobreza20), os
Montague (Montéquios, parentes de Romeu) e os Capulet (Capuletos, parentes de
Julieta); e o Governo da Itália, especificamente de Verona, representado pelo Prince
Escalus (Príncipe Escalo) que intervinha quando da constância de rivalidades que
20
Todos in Shakespeare, 1977, p. 6.
112
chegavam a perturbar a ordem e a paz da cidade, ação paralela à da Igreja Católica,
representada na peça por Friar Lawrence (Frei Lourenço).
5.4 O Príncipe Escalo e o papel do Estado na solução de conflitos
O real sentido ou a intenção de Shakespeare em escrever a tragédia “Romeo
and Juliet” não foi mostrar o amor superando o ódio das famílias, ou mostrar o quanto
Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) se amavam ao ponto de viverem uma paixão
inesperada. Pelo contrário, nas palavras de Luiz Mergulhão (2011), Shakespeare quis
mostrar o quanto um amor desordenado é perigoso, tão perigoso quanto o ódio das
duas famílias rivais. As desavenças existentes entre os Montague (Montéquios) e os
Capulet (Capuletos), tendo em vista os embates sangrentos, eram sinais claros de
desrespeito às leis do Estado e da Igreja.
Com Romeo (Romeo) e Juliet (Julieta), a obra de Shakespeare perdurou ao
longo dos séculos como uma referência da literatura dramática universal. Através de um
enredo habilmente construído, em que o amor e a morte se encadeiam numa sucessão
emocionante de encontros e desencontros, ódios e amizades, esperanças e
desesperos, surge a figura marcante do Prince Escalus (Príncipe Escalo), principal
representante do poder estatal na obra.
Nesse sentido, torna-se possível compreender o Direito como garantia de
solução dos conflitos entre os rivais na Itália renascentista, pois “a atuação de Escalus,
o Príncipe de Verona, mostra como Shakespeare encarava o poder político em meio a
uma situação de conflitos” (BUARQUE, 1998, p. 5).
Isto considerado, há que se observar o seguinte:
A Dinastia Tudor teve grande expressão no governo da Inglaterra nos séculos
XV e XVI. Henrique VIII foi o rei de maior destaque, uma vez que durante seu
reinado instaurou-se o Absolutismo e o Anglicanismo, transformando o
soberano num monarca único, divino e centralizador. Seu poder limitou a
atuação da nobreza, que se enfraqueceu devido às mortes ocorridas durante as
Guerras dos Cem Anos e das Duas Rosas. A elite até então dispunha dos
poderes estabelecidos pela Magna Carta, documento redigido nos idos de
1200, que restringia a atuação de João Sem Terra, líder de uma Inglaterra
feudal em decadência (BUARQUE, 1998, p. 7).
113
Ainda assim, verifica-se que:
Romeu e Julieta reflete a situação política e social do período. A instauração do
Absolutismo concedeu poderes ilimitados a Henrique VIII. O rompimento com a
Igreja Católica foi um artifício utilizado para manter-se no poder através da
Igreja Anglicana. Essa organização aceitou as condições impostas por ele e
acabaram firmando uma aliança que o favoreceu, pois o que antes era prestígio
apenas da Igreja passou a ser seu também: o controle da religião, das taxas
arrecadadas, além de poder unir-se com Ana Boleana, regularizando sua
ligação conjugal que não era aceita pela Igreja Católica, já que estava casado
com Catarina de Aragão e desejava separar-se dela. O Ato de Supremacia
legalizou sua situação pessoal e política em 1534, tornando-se lei depois da
aprovação pelo Parlamento Inglês (BUARQUE, 1998, p. 7-8).
Mas de que modo Romeo (Romeu) e Juliet (Juliet) pode nos auxiliar no fim a que
nos propusemos identificar?
Nas passagens onde aparece, nota-se que Escalus, o Príncipe de Verona é o
pacificador entre as duas famílias, tentando estabelecer a ordem através de seu
poder. Tem livre arbítrio para decidir entre o bem e o mal, independente da
opinião alheia, já que foi escolhido por Deus. O Príncipe é uma figura que
retrata a força política do rei na época Tudor. A peça mostra um perfil em que
ele, embora pacificador, possui autoridade o bastante para ditar as regras que
vigoram em Verona. Sua postura é distante do povo justamente para manter
sua posição superior perante seus súditos; sua linguagem é semelhante à de
um membro do clero, sempre citando palavras ligadas a religião, como
“perdão”, “sangue irmão”, “paz”, palavras fortes e convincentes que impõem
controle e obediência (BUARQUE, 1998, p. 8).
Seria possível fundamentar a partir de “Romeo and Juliet”, a premissa de que os
conflitos podem ser atenuados, ou quiçá solucionados de forma mais amistosa,
valendo-nos, para tanto, da figura do Prince Escalus (Príncipe Escalo)? Conforme já
assinalado, certamente que sim.
114
Figura 15 - Prince Escalus (Príncipe Escalo)
Fonte: Dawursk, 2011
O Príncipe de Verona (Escalo) aparece em momentos bem distintos da obra:
num primeiro momento, podemos citar a tentativa do monarca em conter a rivalidade
entre as duas Casas, quando Sampson (Sansão) e Gregory (Gregório) - criados de
Capulet (Capuleto); este pai de Juliet (Julieta) - tentam armar uma situação de legítima
defesa para agredir Abraham (Abraão) - criado de Montague (Montéquio); este pai de
Romeo (Romeu) - e Benvolio (Benvólio) sobrinho de Montague (Montéquio), e acabam
generalizando o conflito ao ponto de entrarem “vários indivíduos de ambas as casas” e
tomarem “parte na refuga”; além de entrarem cidadãos “com paus e partazanas21”:
21
Todos in Shakespeare, 1977, p. 11.
115
PRINCE: Rebellious subjects, enemies to peace, / Profaners of this neighborstained steel / Will they not hear? What, ho! you men, you beasts / That quench
the fire of your pernicious rage / With purple fountains issuing from your veins, /
On pain of torture, from those bloody hands / Throw your mistemper'd weapons
to the ground, / And hear the sentence of your moved prince. / Three civil
brawls, bred of an airy word, / By thee, old Capulet, and Montague, / Have thrice
disturb'd the quiet of our streets, / And made Verona's ancient citizens / Cast by
their grave beseeming ornaments, / To wield old partisans, in hands as old, /
Canker'd with peace, to part your canker'd hate; / If ever you disturb our streets
again, / Your lives shall pay the forfeit of the peace. / For this time, all the rest
depart away: / You Capulet; shall go along with me: / And, Montague, come you
this afternoon, / To know our further pleasure in this case, / To old Free-town,
our common judgment-place. / Once more, on pain of death, all men depart22
(SHAKESPEARE, 1977, p. 123-124).
O Príncipe de Verona (Escalo) deixa claro que se o conflito existente entre as
duas famílias não cessasse, os responsabilizados seriam punidos com a morte. Em
outro momento, deixa de aplicar a pena de morte a Romeo (Romeo), quando este mata
Tybalt (Tebaldo), sobrinho de Lady Capulet, a qual é mãe de Juliet (Julieta), que havia
matado a Mercutio (Mercúcio), parente do Príncipe e amigo de Romeo (Romeu),
entendendo ser mais conveniente a expulsão de Romeo (Romeu) da cidade:
PRINCE: And for that offence / Immediately we do exile him hence. / I have an
interest in your hearts' proceeding; / My blood for your rude brawls doth lie ableeding. / But I'll amerce you with so strong a fine / That you shall all repent the
loss of min. / I will be deaf to pleading and excuses; / Nor tears nor prayers shall
purchase out abuses. / Therefore use none. Let Romeo hence in haste, / Else,
when he is found, that hour is his last. / Bear hence this body and attend our will.
23
/ Mercy but murders, pardoning those that kill (SHAKESPEARE, 1977, p. 167).
22
23
Por se tratar de inglês arcaico, traduz-se: PRÍNCIPE: Oh, vassalos rebeldes, inimigos da paz, que
profanais essas lâminas de aço manchadas com o sangue dos vossos irmãos! O quê? Eles não
querem me ouvir! Que quer isto dizer? Oh, homens, oh, feras, que apagais o fogo da vossa raiva
insensata com os jorros purpúreos que brotam das vossas veias! Sob pena de tortura, que as vossas
mãos sanguinolentas arrojem ao chão essas armas mal apontadas, e ouvi a sentença de vosso
príncipe irritado. Por tua causa, velho Capuleto, e pela tua, Montéquio, já três rixas civis, nascidas de
qualquer frivolidade, perturbaram por três vezes o sossego das nossas ruas e obrigaram velhos
cidadãos de Verona a pôr de parte os seus graves e decentes vestuários para brandirem velhas
partazanas, corroídos pela paz, nas suas mãos tão velhas como elas, a fim de separarem o ódio que
vos corrói. Se mais alguma vez perturbardes o sossego das nossas ruas, as vossas vidas hão de
pagar o dano feito à paz. Por esta vez, que todos se retirem. Vós, Capuleto, vireis comigo; e vós
Montéquio, ide esta tarde à velha Vila Franca, no habitual lugar de justiça, para que conheçais o que
mais nos aprouver resolver sobre este assunto. Mais uma vez repito: que toda a gente se retire, sob
pena de morte.
Por se tratar de inglês arcaico, traduz-se: PRÍNCIPE: E por essa ofensa / nós exilamo-lo
imediatamente. / Eu próprio sou vítima do vosso ódio / Por causa das vossas brigas correu sangue
meu. / Mas hei de punir-vos com um castigo tão pesado/ Que haveis de penas tão severas de
arrepender-vos da perda que eu sofro. / Serei surdo a explicações e desculpas; / Nem lágrimas nem
rogos resgatarão os abusos/ Tudo isso é pois inútil. / Que Romeu se apresse a partir / A hora em que
116
Assim, conforme Adriana Buarque, é possível argumentar que:
O Príncipe toma uma posição central demonstrando força e influência perante
os súditos. No início da peça, os chefes de ambas as casas ao entrarem na
briga aprovam-na, posto que são responsáveis por tudo o que se segue. Os
membros mais jovens não davam muita importância a ela, com exceção de
Tebaldo. Com a reconciliação de Montéquios e Capuletos perante os corpos de
seus filhos, uma nova ordem surge em Verona. Escalus fala de uma paz que
reinará a partir de então como se tal fosse triste e escura, próxima da morte e
do desespero (BUARQUE, 1998, p. 9).
De fato, o Prince Escalus (Príncipe Escalo) representa, nesse contexto, o poder
institucionalizado do Estado, atuante na dinâmica de conflitos muito comuns à época.
Convém lembrar que as lutas entre facções Guelfas e Gibelinas24 do recente passado
medieval da Itália também necessitavam muitas vezes de personagens pacificadores
como Príncipes e nobres para pôr fim às sangrentas disputas e batalhas.
24
ele aqui for encontrado será para ele a última. / Levai daqui este corpo, e que a nossa vontade seja
cumprida. / A clemência seria assassina se perdoasse àqueles que matam.
Partidos italianos, cujos nomes vêm de famílias alemães rivais. Em 1198, Oto Von Braunschweig (um
Welf da Baviera) tornou-se rei da Germânia. Depois da batalha de Bouvines (1214), foi destronado por
Frederico II de Staufen (rei da Sicília). Em 1215 irrompeu uma disputa entre duas grandes famílias
florentinas, que fez os adversários apelar, uns para Otto (guelfos), os outros para Frederico (gibelinos).
Essas duas facções, logo em seguida, dividiam a nobreza de Florença e de muitas cidades da Itália.
Os partidários do papado se declararam guelfos, lutando contra os gibelinos de Frederico II. Os guelfos
levaram a melhor em Florença, Bolonha, Milão, Mântua, Ferrara e Pádua; os gibelinos em Cremona,
Pavia, Modena, Rimini, Siena, Lucca e Pisa. As guerras civis entre os dois só terminaram muito depois
da transferência do papado para Avignon. (GRANDE, 1971, p. 3227).
117
Figura 16 - Um retrato das batalhas sangrentas e violentas entre os Montague
(Montéquios) e os Capulet (Capuletos)
Fonte: Zacher, 2011
Somando-se a isso, é historicamente provado que os Montague (Montéquios) e
os Capulet (Capuletos) foram realmente ligados a estas duas facções políticas, mas a
história não guardou maiores informações que pudessem comprovar uma mortal
rivalidade entre ambas. Shakespeare podia bem ter se valido dessa informação para
118
construir o personagem atuante do Príncipe de Verona (Escalo), embora também não
se possa comprovar com rigor sua autenticidade histórica nem mesmo na lenda já tão
antiga. Talvez isso seja de difícil percepção para alguns, mas o certo é que o Príncipe
de Verona (Escalo), na obra “Romeo and Juliet” foi pacificador, entretanto, de um
Estado Absoluto, e não Democrático de Direito.
Pois bem, o que pretendia Shakespeare com a criação do Prince Escalus
(Príncipe Escalo) na obra shakespeariana? Shakespeare criou um personagem que era
a voz ativa do Estado, um líder para o povo, uma autoridade na cidade italiana de
Verona. A presença do personagem é marcante na medida em que pune os súditos
revoltosos, não por vingança, mas para restabelecer a paz. Nesse sentido, o Príncipe
representa a instância da lei, a ordem, o poder legítimo, implementado para proteger a
todos, reprovando e reprimindo os comportamentos violentos e reafirmando os valores
sociais enunciados pelo próprio Direito.
De todo modo, a participação do personagem é fundamental na tentativa de
pacificação da contenda existente entre os Montague (Montéquios) e os Capulet
(Capuletos), que só foi realmente obtida à custa da trágica morte dos dois jovens:
ESCALO REPRESENTA A LEI E A JUSTIÇA. Ele aparece nos três pontos
cruciais da peça: quando a rivalidade reaparece, na morte de Mercúcio e no
fatal clímax da morte dos amantes. [...] Chamando as duas famílias rivais à sua
presença, Escalo diz: “Vede o flagelo que caiu sobre vosso ódio e como os
céus acharam meios de, pelo amor, destruir vossas alegrias”. O próprio Príncipe
havia perdido dois parentes por não ter punido severamente as famílias rivais a
fim de fazê-las parar. Capuleto e Montéquio prometem fazer estátuas de ouro
dos filhos e apertam-se as mãos, comprometendo-se a acabar de vez com a
rivalidade. A peça termina com um tom melancólico de paz: “O sol não mostrará
seu rosto por causa do nosso luto” (ROZAKIS, 2002, p. 184-186).
Na peça, ao se retratar a cidade italiana de Verona, Shakespeare estava de
alguma forma dialogando com o seu público a respeito da realidade inglesa. Esse era o
grande diferencial do dramaturgo, motivo pelo qual sua história alicerçada na cultura
italiana alcançou tanto prestígio na conservadora sociedade inglesa. O teatro naquela
época demandava público para a sua sobrevivência, e este só pôde ser encontrado em
cidades prósperas e populosas. Por sua vez, Shakespeare também reforçava a ideia da
importância de um poder central que monopolizasse o uso legítimo da violência física, o
que, neste sentido, geraria espaços sociais pacificados. Todavia, o público que assistia
119
à peça shakespeariana, conseguia identificar nos personagens a sua própria
experiência com o Absolutismo da era Tudor; daí o grande sucesso da obra.
Figura 17 - Um retrato das batalhas sangrentas e violentas entre os Montague
(Montéquios) e os Capulet (Capuletos)
Fonte: Zacher, 2011
Assim, é possível compreender que o Prince Escalus (Príncipe Escalo)
representava o Estado e a instância da lei reguladora da moral cívica e mantenedora da
paz e da ordem, mas não era somente ele que cumpria este papel na cidade de
Verona/Itália em “Romeo and Juliet”. Havia uma outra força também muito importante
que atuava nos processos de conciliação, no campo da moral espiritual e que também
120
intervinha nos processos de restauração e regulação da ordem social: a Igreja.
5.5 Frei Lourenço e o papel da Igreja na solução de conflitos
William Shakespeare, embora não fosse religioso, conhecia bem o papel que a
religião (Igreja) exercia sobre a sociedade da época, definindo dentro dela não só
consciências, mas também aspectos culturais, morais e até mesmo políticos e
econômicos.
Os pesquisadores da vida e da obra do dramaturgo divergem com relação à sua
opção religiosa. Nascido no seio de uma família católica, Shakespeare viveu em uma
Inglaterra conturbada por conflitos religiosos entre anglicanos (a religião oficial),
puritanos e católicos. Declarar-se católico ou puritano era sinônimo de perigo em vista
da perseguição imposta pela Coroa e pela Igreja Anglicana e por isso os cultos,
principalmente católicos, tinham de ser realizados secretamente. Talvez por isso, a
grande incerteza quanto à fé praticada por Shakespeare.
No entanto, em relação a Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta), observa-se uma
grande preponderância do catolicismo agindo no contexto da trama. Isso se pode
explicar pelo fato de que a história original da tragédia que serviu de inspiração para a
peça se passava num período anterior às divergências religiosas da Reforma e ContraReforma e que a Igreja Católica era realmente a força mais poderosa atuante sobre a
sociedade, ao lado do Estado e da Lei.
O poder da Igreja é representado por Shakespeare em “Romeo and Juliet” pela
figura carismática e bondosa de Friar Lawrence (Frei Lourenço), ao que se pode
deduzir conforme esclarece Alban Butler, religioso da “Ordem dos Frades Menores,
ordem religiosa católica criada por São Francisco de Assis em 1223 e que se tornou
muito popular em toda a Europa, principalmente na Itália” (BUTLER, 1992, p. 49).
Na trama, o frade franciscano aparece como conselheiro dos jovens amantes e
tem papel fundamental no desenrolar dos fatos que levam ao casamento secreto de
Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) e, de certa forma, ao desfecho trágico do
relacionamento, quando ambos morrem por uma fatalidade do destino.
121
Figura 18 - Friar Lawrence (Frei Lourenço)
Fonte: Weller, 2006
A figura de Friar Lawrence (Frei Lourenço) aparece primeiramente na segunda
cena do segundo ato, quando, ao ouvir dos lábios de Romeo (Romeu) acerca de sua
súbita paixão pela jovem Juliet (Julieta), claramente põe em evidência a ideia de que a
união dos dois jovens pode representar o fim da mortal rivalidade entre as duas
famílias, num claro posicionamento a favor da conciliação, que tentará efetivar a todo
custo.
122
FRIAR LAWRENCE: Oh she knell well thy love did read by rote that could not
spell. But come, young waverer, come go with me; In one respect I’ll thy
assistant be, for this alliance may so happy prove to turn your households’
25
rancour to pure love (SHAKESPEARE, 1977, p. 109).
A partir daí, Friar Lawrence (Frei Lourenço) se torna o catalisador da esperança
dos dois jovens, ameaçados pela situação de conflito familiar existente que os impedia
de se unirem, aconselhando Romeo (Romeu) e consolando Juliet (Julieta) em suas
angústias. Na obra, o desfecho esperado pelos dois não se concretiza por uma
sequência de acontecimentos inusitados. Diante da colisão de princípios existentes
entre a “Religião Cristã” e a “Religião do Amor”, Adriana Buarque destaca um ponto
importante:
O clérigo faz de tudo para auxiliar o casal, nem que para isso tenha que
contrariar os princípios da Igreja, pois acredita que esse amor é mais importante
que tudo. Rompe os limites da obediência e da santidade de seu ofício quando
sugere a Julieta a simulação do suicídio a fim de dar um final feliz ao desenlace
dos dois amantes. Os princípios da Religião Cristã chocam-se com os princípios
da Religião do Amor, uma vez que é necessária a morte de uma crença para
que a outra viva, apesar de ambas buscarem um objetivo em comum: a
felicidade do amor pleno, superando todas as barreiras do mundo material
(BUARQUE, 1998, p. 30-31).
Historicamente, a Igreja sempre se manteve numa situação contraditória em
relação à política e à guerra, ora por vezes condenando conflitos, ora por vezes
favorecendo-os, como por exemplo, no caso das cruzadas26, que ela ajudou a financiar.
O derramamento de sangue era permitido e até incentivado, caso os inimigos da fé
cristã fossem julgados inveterados hereges ou infiéis.
25
26
Por se tratar de inglês arcaico, traduz-se: FREI LOURENÇO: Oh! Explica-se: é que ela bem sabia que
o amor era de cor, não soletrava. Mas vem contar-me esta paixão tão brava, meu jovem sonhador.
Vem, vem comigo: a respeito disso eu te assistirei, pois é possível que tão feliz aliança mude este ódio
em puro amor.
Nome dado às expedições que os cristãos do Ocidente fizeram, na Idade Média, à Terra Santa, para
dela expulsar os muçulmanos. Nas cruzadas medievais, à ideia da guerra santa juntou-se a de
peregrinação aos Lugares Santos, que era necessário livrar do jugo muçulmano. Os que se engajavam
nas cruzadas e costuravam sobre sua vestimenta uma cruz de pano como sinal do voto de
peregrinação a Jerusalém, beneficiavam-se da proteção especial da Igreja em relação a sua pessoa e
seus bens. (GRANDE, 1971, p. 2010).
123
Figura 19 - Um retrato de Romeo (Romeu), Juliet (Juliet) e Friar Lawrence (Frei
Lourenço) por Henry Bunbury, 1792-1796
Fonte: Bunbury, 1792-1796
Por outro lado, as chamadas Ordens Mendicantes que surgiram no ambiente
eclesial da Europa, no início do século XIII, principalmente a Ordem dos Frades
Menores (também chamados Franciscanos) e a Ordem dos Frades Pregadores (ou
Dominicanos) iam na contramão desse pensamento. Por conseguinte, a Ordem dos
Frades Menores, pelo fato de adotar uma concepção estrita de pobreza, segundo a
regra do fundador São Francisco de Assis (1182-1226) que não aceitava posses de
nenhuma natureza, propunha a paz e a conciliação contra os valores de ódio e
vingança que geravam e alimentavam os conflitos na sociedade.
Isso talvez explique o fato de que o representante religioso de Verona/Itália na
obra de Shakespeare fosse justamente um frade franciscano. Curiosamente, em
“Romeo and Juliet” não se observa nenhuma outra representação religiosa de maior
124
dignidade, como um Bispo ou mesmo o Papa. Não se faz referência a nenhuma outra
figura religiosa que não Friar Lawrence (Frei Lourenço), o que é curioso, pois ele
certamente não devia ser o único franciscano do lugar, visto que os Frades Menores
viviam em comunidade, criando mosteiros com mais ou menos cerca de dez a quinze
confrades.
Um outro aspecto importante a salientar é que em muitos momentos da história a
Igreja criou mecanismos para propor a conciliação de pares em conflito, principalmente
no que tange ao conflito armado instaurado entre Guelfos e Gibelinos na Itália, que
muito se assemelha à rivalidade entre os Montague (Montéquios) e os Capulet
(Capuletos):
Em termos políticos, havia os conflitos entre os guelfos e os gibelinos, que
investiam também no plano religioso, envolvendo as autoridades eclesiásticas,
além das famílias fiéis ou contrárias ao papado. Agravavam esse clima de
turbulências comuns às sociedades eclesiástica e civil, as lacerações
consequentes ao “cativeiro de Avignon”, somente terminado com o retorno a
Roam de Gregório XI, em 1374. Nem se podia considerar superado o trauma
daquela mortificação que havia levado grandes mulheres, como Catarina de
Siena e Brígida de Upsala, a enfrentarem o Papa, instando-o a ser “homem viril,
intimorato” a primeira; amedrontando-o com predições de morte se não voltasse
para Roma a segunda, ao dizer-lhe: bem pouco poderá ajudá-lo a ciência dos
médicos [...] Nem lhe será confortável o bom ar de sua terra para alongar-lhe a
vida (CUOMO, 2000, p. 24).
De acordo com Franco Cuomo (2000), tais mecanismos de solução de
contendas, que procuravam atuar junto à legislação local para reprimir e acabar com os
conflitos entre Guelfos e Gibelinos estavam centrados na chamada Irmandade da
Pacificação, atividade civil colocada no bojo da sociedade, amparada pela lei dos
homens e pela lei divina. Em sua obra intitulada “Santa Rita degli impossibili”, Franco
Cuomo (2000) estuda cientificamente e de forma pormenorizada a vida de Rita Lotti
(1381-1457), elevada aos altares católicos como Santa Rita de Cássia, uma das mais
famosas pacificadoras de sua época. O autor analisa a grande importância que a
Irmandade dos Pacificadores tinha perante a sociedade em conflito:
Às hostilidades de caráter religioso e civil se sobrepunham as de caráter
familiar, motivadas por enormes interesses econômicos. E aumentaram
vertiginosamente, nesse clima de sobrefacção, os conflitos de ordem social,
colocando os ricos contra os pobres, os nobres contra os plebeus, os artesãos
de uma corporação contra os de outra. Pode-se bem compreender o grau de
importância que acabaria por assumir, nesse crescendo de ódio e de rancor, o
125
papel dos “pacificadores”, pessoas investidas do dever de acabar com os
litígios por meio de uma obra de persuasão e arbitragem. Era uma tarefa
delicada e complexa, que demandava uma avaliação atenta dos interesses a
conciliar e, sobretudo, dos sentimentos sobre os quais se fundamentava a
discórdia. Tratando-se de um ofício público, os que eram chamados a
desempenhá-lo deviam oferecer garantias de probidade e dispor de um
patrimônio que pudesse defendê-los da tentação de deixar-se corromper.
Pertenciam, pois, a famílias abastadas, de condições mais burguesas, mas nem
sempre na aparência. Eram voluntários, mas não quer dizer que não houvesse,
em certos casos, uma contrapartida nessa sua atividade. É lícito, todavia, julgar
que fossem animados por idealismos cristãos, além de por um senso cívico
profundo, o que os fazia parecer, aos olhos do mundo, “bons anjos da paz” [...]
Pode-se facilmente intuir quanta necessidade de paz tinha Cássia, na época em
que Rita nasceu, se considerarmos o zelo com que as leis da República
estimulavam essas “pacificações fora dos tribunais”, com o objetivo de livrar-se
do peso dos processos a julgar. Para induzir os ânimos à composição
extrajudicial dos litígios, prometiam-se sensíveis reduções das penas
monetárias. De tal modo sensíveis que, com o tempo, o erário público sofreu
um “rombo” tão grande que levou o fisco a rever e limitar as bonificações
(CUOMO, 2000, p. 25-27).
Como se pode ver aqui, tanto a conciliação como a pacificação, enquanto
estratégias paralelas aos processos judiciais são anteriores à época de Shakespeare.
Em termos de história, muitos santos na Itália se lançaram a esta missão, fossem ou
não da Irmandade dos Pacificadores. Pode-se citar além de Santa Rita de Cássia,
também Santa Catarina de Siena, São Francisco de Assis, Santo Antônio de Pádua,
Santa Brígida de Upsala, Santa Catarina da Suécia, dentre muitos outros.
Na realidade, embora a figura de Friar Lawrence (Frei Lourenço) não remeta ao
caso das pacificações entre Guelfos e Gibelinos, ela é bastante expressiva, inclusive
pelo temor de vingança das famílias ressentidas caso a Igreja manifestasse seu apoio
ao romance secreto de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta). Friar Lawrence (Frei
Lourenço) não representa o poder instituído do Estado, como o Prince Escalus
(Príncipe Escalo), mas representa sim uma autoridade eclesiástica, legitimada por um
poder divino que intervinha nas relações sociais. Por isso atua mais como um
conciliador, figura que tenta aproximar as duas famílias, vendo a possibilidade na união
de seus filhos.
Um aspecto preponderante a considerar acerca da obra “Romeo and Juliet” é o
posicionamento da Igreja, sempre cautelosa, que não vai contra a lei civil em se
tratando da regulação dos processos sociais, mas sim apoiando-a, na maioria das
vezes. Pode-se observar pela fala de Friar Lawrence (Frei Lourenço) na cena III do
126
terceiro ato, quando dá a notícia a Romeo (Romeu) acerca da decisão de Escalus
(Escalo) de puni-lo, banindo-o de Verona/Itália pelo crime de ter matado Tybalt
(Tebaldo), primo de Juliet (Julieta):
FRIAR LAWRENCE: O deadly sin! O rude unthankfulness! Thy fault our law
calls death, but the kind Prince, taking thy part, hath rushed aside the law, and
turned that black word “death” to “banishment”. This is dear mercy, and thou
27
seest it not (SHAKESPEARE, 1977, p. 177-179).
Ao elogiar a iniciativa do Prince Escalus (Príncipe Escalo) de comutar a pena de
morte para degredo, Friar Lawrence (Frei Lourenço) demonstra também estar
submetido a esta mesma lei e tenta amenizar o sofrimento de Romeo (Romeu),
alegando ter sido a melhor opção para ele.
Tal atitude encontra reflexo na realidade da Inglaterra elisabetana. Ao fundar a
Igreja Anglicana, o Rei Henrique VIII submeteu o clero católico às leis civis, como forma
de erradicar o catolicismo da nação e manter o controle de suas posses confiscadas.
Na sociedade renascentista européia, na maioria dos países católicos, a Igreja
se encontrava separada do Estado, mas em muitos casos, também submetida à lei civil.
Os clérigos, pertencentes ou não às ordens religiosas, também tinham muitos aspectos
de sua conduta regulados pela mesma lei que regulava a vida dos civis. Certamente,
Shakespeare retratou na figura de Friar Lawrence (Frei Lourenço) este traço da
sociedade clerical de seu tempo e expressado na afirmação dita a Romeo (Romeu) sua
aparente submissão à lei instituída.
De fato, o que então poderia significar o fracasso de Friar Lawrence (Frei
Lourenço) em conciliar as duas famílias? Na visão de Shakespeare, a posição
conciliatória de Friar Lawrence (Frei Lourenço) é moralmente ambígua, pois tentava
corrigir o erro (dos pais) com o erro (dos filhos). Porém, tais erros não são equivalentes,
embora mantivessem uma relação causal. Em guerra civil, as casas dos Montague
(Montéquios) e dos Capulet (Capuletos) jamais planejaram uma paz duradoura, tanto é
verdade que, desde o baile, pensando em casar Juliet (Julieta), o pai de Juliet (Julieta)
pensava em Count Paris (Conde Páris), parente do Príncipe, como o melhor
27
Por se tratar de inglês arcaico, traduz-se: FREI LOURENÇO: Oh pecado mortal! Oh rude e absurda
ingratidão! Nossas leis dão o nome de morte à tua falta. Mas o benigno Príncipe, tomando teu partido,
a lei pôs de lado, logo, e em exílio mudou o escuro termo. É graça, e grande, e tu não queres vê-la!
127
pretendente, não se vislumbrando a possibilidade do jovem Romeo (Romeu).
Nesse sentido, Friar Lawrence (Frei Lourenço) tenta fazer com que as intenções
indecorosas e indiscretas de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta), circunstancialmente
desculpáveis pela juventude e pela rivalidade de suas famílias, tenham um efeito
político eficiente, ou seja, a paz em Verona na Itália. Todavia, no plano narrativo da
peça, não há espaço moral para o êxito de seu artifício, pois seria o mesmo que
transformar em meios políticos as intenções de dois jovens que representavam
deformações do princípio de autoridade e das hierarquias sociais.
Por seu turno, a conciliação praticada por Friar Lawrence (Frei Lourenço) é mais
uma tentativa pessoal de se acabar com os conflitos apoiado na moral cristã do amor e
do perdão vencendo o ódio, não se tratando de uma conciliação instituída como aquela
praticada pela Irmandade dos Pacificadores. No caso da obra “Romeo and Juliet”, em
termos de conciliação, não se apela ao Tribunal Eclesiástico e nem ao Direito
Canônico, é realizada de forma espontânea. Entretanto, todas essas considerações
representam um ingrediente a mais para a análise da obra, e nos ajudam a refletir
sobre a atuação de Friar Lawrence (Frei Lourenço) no contexto jurídico-literário da
tragédia.
5.6 Análise direta dos efeitos da intervenção jurídica no contexto da pacificação e
conciliação dos pares rivais na obra “Romeo and Juliet”
A natureza da história deixa entrever que o conflito entre as duas famílias, os
Montague (Montéquios) e os Capulet (Capuletos), era algo que realmente punha em
perigo a paz e o frágil equilíbrio da sociedade veronense, pois incluía duelos e batalhas
sangrentas, descritas com maestria por Shakespeare. No que concerne às intenções do
autor, talvez o bardo inglês não estivesse se referindo a uma situação particular
ocorrida na cidade de Verona/Itália, mas estivesse propondo uma discussão de cunho
universal relativa ao processo de desenvolvimento civilizacional com a criação do
Estado e sua luta pelo monopólio legítimo da violência. Por outro lado, o certo é que as
leis da cidade procuravam coibir os abusos e as intolerâncias, punindo sempre os
conflitos existentes.
128
Nesse contexto é que se insere a análise do Direito, pois as intervenções do
Príncipe de Verona (Escalo), na qualidade de regente e soberano ilustram em muitos
momentos a preocupação que tais conflitos civis provocavam na cidade. Inúmeras
vezes a obra é pontuada com exemplos da intervenção do Príncipe de Verona (Escalo),
soberano absoluto, na questão do conflito de rivalidade. Num apontamento mais
específico, analisam-se as citações observando a natureza do ato e a extensão do seu
poder de coerção ao longo de todo o relato, sublinhando a força da lei como uma
garantia jurídica e sua capacidade de pôr ou não fim aos conflitos, estabelecidos os
interesses políticos em questão.
Os efeitos diretos da aplicabilidade prática da lei pelo Príncipe de Verona
(Escalo), conforme relatos da obra literária em estudo, demonstram o alcance da
influência legislativa do governante em um período de crises. O soberano ao
estabelecer regras para o convívio social na cidade de Verona/Itália, expressa sua
respeitável autoridade para a solução dos conflitos que se seguiam em um período de
guerra civil entre as duas famílias. Ambas, por muitas vezes quebrarem a paz local na
luta por legitimidade, dando causa a batalhas sangrentas, acabaram sendo punidas
pelo Príncipe de Verona (Escalo). Com a intervenção do soberano, dotado de força
estatal e fibra indispensáveis ao bom governo, a paz de alguma forma se estabeleceu
entre os súditos.
Como pacificador em um período marcado por crises sociais, o Príncipe de
Verona (Escalo) cessou conflitos elevando sua voz numa forma, valendo-se de um dos
meios possíveis das leis de Verona/Itália, ou, como tão bem apontou Adriana Buarque,
tentando “estabelecer a ordem através de seu poder” (BUARQUE, 1998, p. 8). Força e
influência são descrições deste monarca em relação aos súditos.
Por outro lado, há quem diferencie, mas a figura de Friar Lawrence (Frei
Lourenço) como o conciliador é de elementar importância no desfecho da obra. É
evidente a boa vontade de um clérigo bem-intencionado que julgou ver no casamento
de dois amantes a oportunidade para conciliar as duas famílias historicamente inimigas.
O problema é que, por uma série de mal-entendidos, a paz só se fez tragicamente, com
a morte dos dois amantes (na verdade, já marido e mulher), não com o casamento. Os
desencontros que se seguiram ao casamento secreto é que ditaram o rumo trágico da
129
história. Nota-se, pois, na tragédia épica, que a Igreja, através de Friar Lawrence (Frei
Lourenço), exerceu papel político de importância no trato com o Príncipe de Verona
(Escalo), tendo em vista seu próprio poder temporal na região da península diretamente
governada pelo monarca.
A temática envolvendo o Estado e a Igreja, a busca por legitimidade e os
conflitos existentes são marcantes na obra “Romeo and Juliet” de William Shakespeare.
O dramaturgo vê na ocasião para a denúncia da guerra civil, o mal e o ódio que as lutas
entre facções poderosas dentro de uma mesma comunidade podiam trazer ao todo,
destruindo a possibilidade da existência da paz. Afinal, na trama, a espada estava
sendo empunhada banalmente por questões privadas e, em vez de assegurar a justiça
e a paz, tornou-se apenas um instrumento sujo da exibição da força de súditos
revoltosos, cuja insensatez provocava a ruptura periódica dos laços vicinais de
amizade.
Por fim, Shakespeare além de demonstrar certa preocupação em descrever e
analisar o comportamento humano diante dos conflitos existentes, também concedeu
importância às questões do poder (como governar), e da justiça (como realizar o ideal
de igualdade entre os súditos). Nesse aspecto, o dramaturgo não se torna importante
apenas para o Direito e a Literatura, mas também para o crescimento intelectual;
intelectualidade tal que se faz essencial para a compreensão de um novo sistema de
valores, regras e princípios, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais do homem possam desempenhar um papel central na abordagem e
busca pelo bem comum através da norma.
130
Figura 20 - A Reconciliação dos Montague (Montéquios) e dos Capulet
(Capuletos) diante da morte de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta), por Frederic
Leighton, 1855
Fonte: Leighton, 1855
131
6 CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações abordadas, emblematicamente, o dever de
obediência da lei por parte dos cidadãos e o dever de garantir o cumprimento da lei por
parte das autoridades, como pressupostos de existência ou efetivação do Direito, são
lembrados por Shakespeare em “Romeo and Juliet”. Se essa ideia parece ser
audaciosa, a inobservância da lei representa um risco permanente de se enfraquecer a
ordem normativa, comprometendo-se, portanto, o próprio desenvolvimento da
sociedade.
Contudo, analisando o movimento teatral e seus reflexos no período elisabetano,
chega-se à conclusão que a preocupação maior de Shakespeare passa a ser a
segurança jurídica, a despeito do conteúdo que ela realize. A justiça, em linhas gerais,
afastada de seus preceitos substanciais, é identificada, pois, como a força capaz de
garantir o cumprimento da lei ou do pacto protegido pela lei. Todavia, em razão disso,
ter a oportunidade de conhecer a história de Romeo (Romeu) e Juliet (Julieta) na
perspectiva do Direito e Literatura, é uma tarefa pretensamente valiosa.
Em outros termos, fica evidente que o dramaturgo constrói um texto
performativo, no qual os elementos constitutivos, tais como convenções, regras,
elementos formais e as próprias palavras formam vozes de um complexo argumento
que lhe permitiram interrogar os padrões de sua cultura e questionar as atitudes
propulsoras de seu tempo. O percurso shakespeariano não é o do regresso, mas o da
reconstrução de valores e de ideias, apoiada na expectativa e na esperança do novo,
como caminho para lidar com a ruptura e afirmar a paz e a ordem.
Pois bem, se o homem só pode desenvolver suas potencialidades racionais e
éticas através da vida em sociedade, é inegável que a sua realização plena depende da
construção democrática e da observância de normas de comportamento, sem as quais
a vida em sociedade não seria possível. De acordo com Ronald Dworkin, assim como a
interpretação literária pode nos revelar qual é a melhor obra de arte, no Direito também
é possível buscar uma interpretação que seja a mais adequada. Na obra, esta
vinculação ao tema pode ser traduzida pela idéia de justiça shakespeariana não como
uma construção pública da igualdade (análise da cidadania como o direito a ter direito),
mas sim como proporcionalidade e partilha.
132
Por este viés, é possível perceber da narrativa shakespeariana que uma
sociedade autônoma, vale dizer, não alienada de si mesma, é aquela em que suas
regras estão permanentemente em questão; onde, em outras palavras, a ordem está
em questão. Sempre que se garanta esta possibilidade, mesmo diante dos mecanismos
conhecidos de apropriação privada e excludente do poder e das riquezas, é sabido que
estes mesmos mecanismos estarão sob uma oposição de Direito. O Estado
Democrático de Direito, entretanto, ultrapassa esta condição por experimentar direitos
que ainda não lhe estão formalmente incorporados. Afinal, qualquer ação humana de
edificação deve se tornar um consciente e simultâneo ato de autodeterminação, pois,
caso contrário, o mecanismo da guerra civil estaria sempre engatilhado contra qualquer
possibilidade de forma estável de vida social.
Em Shakespeare, o que se deve reconhecer é que os personagens somente
desenvolvem as suas virtualidades como pessoas, isto é, de homens capazes, quando
vivem em sociedade. É preciso não esquecer que as qualidades eminentes e próprias
do ser humano no contexto literário, tais como a razão, a capacidade de criação
estética e o amor, são essencialmente vinculantes. A substância da natureza humana é
histórica, isto é, vive em perpétua transformação, pela memória do passado e o projeto
do futuro. A especificidade da condição humana, aliás, não se esgota na mera
transformação do mundo circunstancial, com a acumulação da “cultura objetiva”, mas
compreende também uma alteração essencial do próprio sujeito histórico.
Todavia, é neste sentido que se propõem o desvelar acerca da questão do direito
como garantia de pacificação e conciliação de conflitos entre rivais na obra. A sua
validade deve assentar-se em algo mais profundo e permanente. Tudo isto significa, a
rigor, que a afirmação de autênticos direitos garantidores é incompatível com uma
concepção positivista do direito. O positivismo contenta-se com a validade formal das
normas jurídicas, quando todo o problema situa-se numa esfera mais profunda,
correspondente ao valor ético do direito.
Nesse sentido, a questão da obediência à lei não se resolve pela força, como
afirma a tradição, mas sim pela opinião e pelo número daqueles que compartilham o
curso comum de ação expresso no comando legal. Em síntese, a pergunta essencial
não é por que obedece à lei, mas porque se apóia a lei, obedecendo-a. Na obra
133
“Romeo and Juliet”, o Príncipe de Verona (Escalo) é a autoridade soberana que busca
estabelecer uma escala de harmonia nas coisas do governo de forma a evitar que seu
principado se perca em guerras civis. Para tanto, é fundamental que as duas principais
famílias de Verona/Itália, abaixo da autoridade principesca e, portanto, intermediárias
de seu poder, cessem as suas guerras. Não se pode, por outro lado, negligenciar o
papel da Igreja e dos frades da época na conciliação das famílias, que era realmente
efetivo.
Na verdade, de instituição máxima da lei e de protetor de todos os habitantes de
seu território, o Estado legitimado em Shakespeare se torna instrumento da sociedade
e tem de priorizar os seus interesses, visto que o Direito passa a ser o que é bom para
a comunidade. Em contrapartida, o Direito pode ser lido e visto na sua dinâmica social,
contemplado nos aspectos literários, nas narrativas e nas descrições de condutas
sociais de uma determinada época ou período histórico e pode, também neste sentido,
reintroduzir-se no seio social, muitas vezes, refletido e reavaliado.
Por fim, a interação obra/leitor não pode ser desvinculada do devir histórico em
que está inserida, uma vez que se anularia a natureza dialética que a caracteriza, pois
a leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora, na medida em que
permite ao indivíduo penetrar o âmbito da alteridade, sem perder de vista sua
subjetividade e história. O amor trágico e desmedido de Romeo (Romeu) e Juliet
(Julieta) parece instaurar um arquétipo de um amor ideal, muitas vezes, distante das
experiências afetivas cotidianamente experimentadas. Shakespeare foi um gênio que,
nas suas peças, ousou antecipar, através do drama de seus personagens, muitas
reflexões teóricas, que seriam examinadas muito adiante do seu tempo. Percebemos
nele uma certa “atitude pedagógica” de buscar o esclarecimento dos comportamentos
humanos, através de uma variada mescla de gêneros e temas, como um tipo de
representação da própria condição humana, pois, segundo suas próprias palavras,
vivemos num grande palco, somos atores e representamos vários papéis ao longo da
nossa história.
134
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