O AGRONEGÓCIO E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NO SEMIÁRIDO: PETROLINA (PE), NA AMBIÊNCIA DA AMBIVALÊNCIA RURAL/URBANO Maria de Fátima Macêdo Landim Mestranda em Geografia pela UFPI. E-mail: [email protected] Maria Tereza de Alencar Orientadora. Professora Adjunta do Curso de Geografia da UESPI e UEMA. Doutora em Geografia pela UFS. Docente-Pesquisadora-Colaboradora do Mestrado da UFPI. E-mail: [email protected] RESUMO Desde a década de 1980, o espaço geográfico do semiárido nordestino, em alguns de seus vales úmidos, vem passando por significativas transformações face ao desenvolvimento da moderna agricultura, com incremento do agronegócio, reestruturando espaços rurais susceptíveis às condições de sobrevivência do capital, com o apoio de forças internas do lugar e atraídos por políticas de incentivos legitimadas pelo Estado. Paralelamente a esse processo no rural, vem se intensificando a urbanização das cidades em seu entorno visando atendimento de suas crescentes demandas de consumo, ampliando suas relações. É nesta perspectiva que algumas reflexões aqui inscrevem-se, circunscritas ao recorte espacial pernambucano de Petrolina que, com a fruticultura irrigada no Vale do São Francisco, tornou-se polo de desenvolvimento para o Estado e região, dinamizando a produção de seu espaço geográfico, rural/urbano. Palavras-chave: Agronegócio. Semiárido. Rural. Urbano. SEMIÁRIDO E AGRONEGÓCIO: PETROLINA NA AMBIÊNCIA DO RURAL Historicamente, a produção do espaço geográfico no semiárido nordestino, até os anos 1980, fez-se limitado tendo no determinismo climático uma de suas mais representativas justificativas, restringindo seu desenvolvimento socioeconômico caracterizado pelo estigma da pobreza, expresso na tessitura de suas paisagens, favorecido por todo um contexto histórico, econômico, político e social que lhes deu sustentação. Com uma economia débil determinada por componentes e comportamentos dos centros mais desenvolvidos, esse recorte espacial do Nordeste, teve sua dinâmica de organização marcada por avanços e recuos, em momentos históricos distintos, realizada sob o signo da dependência em escala regional, nacional e internacional, só podendo ser sua configuração atual compreendida à luz desse cenário. A configuração de mudanças na região fizeram-se proeminentes, a partir da década de 1980, com a inserção da agricultura científica e incremento do agronegócio, em alguns de seus vales úmidos, “pontos luminosos” (SANTOS, 1997), processando-se uma reestruturação nestes. São espaços onde o capital financeiro que explode supranacionalmente, buscando reprodução em qualquer lugar dentro de um processo de seletividade espacial, encontra condições de sobrevivência com apoio de forças internas do lugar e atraídos por políticas de incentivos legitimadas pelo Estado. Cumpre ressaltar que, a difusão da moderna agricultura nesses espaços áridos, dotados de luminosidade, foi viabilizada pela implantação de projetos públicos de irrigação, cujo processo embrionário remonta à década de 1950, quando foram criados o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste - GTDN - e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE. Conforme Filho (2001), marcos do planejamento regional no Brasil, visando a redução das disparidades interregionais, pondo fim a fase técnica do planejamento regional. Nesse processo, o semiárido pernambucano, foi pioneiro, principiado por iniciativas de pesquisa e apoio técnico às culturas irrigadas na região, com a implantação do Projeto Piloto Bebedouro em 1968, no município de Petrolina (Figura 1) localizado no Vale do São Francisco. Constituiu-se o projeto Bebedouro, em uma espécie de laboratório, para avaliar a viabilidade econômica da irrigação no semiárido. Sua instalação deu-se estrategicamente, com vistas à implantação de um polo irrigado na região do Vale fundado na produção agropecuária. A partir de então, começaram a ser difundidas culturas importantes para a região. De acordo com Silva (2001), foram introduzidas, entre outras, práticas de cultivo com o uso de fertilizantes e controle de doenças, destacando-se a videira, alvo de interesse das iniciativas pública e privada. É nessa perspectiva de inovação técnica e de exploração do potencial do Vale que foram gestadas as mudanças que viriam a se concretizar no rural de Petrolina, décadas depois, reconfigurando-o. Dando continuidade às mudanças no cenário rural petrolinense, em 1984, foi ali instalado o perímetro público irrigado Nilo Coelho, o maior em funcionamento no Brasil, transformando Petrolina, em um polo de desenvolvimento para o Estado e região, com a fruticultura irrigada, fomentando o agronegócio, força motriz de sua economia, elevando taxas de crescimento. Figura 1 – Localização Petrolina (PE) no Vale do São Francisco. Fonte/Base de dados: IBGE - Adaptado da PLANTEC, 2011. A construção do perímetro, em área de sequeiro, deu-se via ação do Estado através de políticas públicas, tendo como motivador o capital na sua expansão ampliada e beneficiário dos investimentos em infraestruturas advindas dessas mesmas políticas (SÁ, 1992). A partir de então, a região do Vale, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento regional, paulatinamente, teve traços geográficos alterados sendo acrescida por novos conteúdos com investimentos no setor de comunicações, construção do lago e da hidrelétrica de Sobradinho; diversificação e modernização do sistema de transportes. Destarte, o Nilo Coelho com a fruticultura irrigada promoveu a reestruturação do espaço rural de Petrolina, mudando o perfil da produção (Gráfico 1, 2) e do produtor (Gráfico 3,4), com produção de frutos tropicais destinados principalmente ao mercado internacional - Estados Unidos, Europa, Japão - inserindo o Vale no mercado global, recrudescendo sua participação na economia globalizada, alterando significativamente sua fisionomia, dando-se sob novas orientações. 3%3% 8% 7% 6% 37% 9% 94% principais fruteiras culturas anuais outras culturas Gráfico 1 - Área plantada por tipo de cultivo. 12% 21% manga goiaba coco demais culturas uva banana acerola Gráfico 2 - Área plantada por tipos de culturas. 2% 27% 13% 50% 23% 85% grande empresa / 85 grande empresa pequena e média empresa pequeno produtor média e pequena empresa / 267 pequeno produtor / 1.942 Gráfico 3 - Composição produtores Nilo Coelho Gráfico 4 - Distribuição produtores Nilo Coelho Fonte: Dados do DINC, 2012. A área do perímetro, outrora voltada ao pequeno agricultor, foi estratificada em grande, média, pequena empresa e lotes de pequeno produtor, cabendo a grande empresa os lotes de maior dimensão, estabelecendo-se assimétricas relações entre os produtores, com desdobramentos na produção, relações sociais e de trabalho. Vislumbram-se novas fronteiras, que não só a local, sem grandes rendimentos, elevando o valor da produção, levando o município a ocupar a 6ª posição no ranking nacional (IBGE), atraindo vultosos investimentos para Petrolina. Face aos elevados índices produtivos de milhões de toneladas de frutas por ano no perímetro, Petrolina redimensiona sua importância no contexto regional e nacional, intensificando o movimento migratório, revelando no período de safra elevada intinerância de atores sociais na região. Não obstante, o rural recodificou-se, paulatinamente, com a inserção de equipamentos urbanos, fomentando o surgimento de agrovilas (Figura 2) nos núcleos agrícolas, delimitados no entorno dos canais de irrigação, quando da implantação do perímetro Nilo Coelho. Figura 2 – Agrovila NM-7, perímetro Nilo Coelho, Petrolina (PE). Fonte: LANDIM, 2012 Nas agrovilas do Nilo Coelho, estima-se uma população fixa em torno de 50.000 habitantes (DINC, 2012), ínterpretes de um novo roteiro da história de um rural sertanejo estigmatizado pelo subdesenvolvimento que, acrescido de novos conteúdos seguindo a lógica e a necessidade de reprodução do capital, reconfigura-se “claramente como um processo orientado por um sistema de ações políticas carregadas de intencionalidades” (BARROS, 2009, p . 219). Impõe-se uma nova realidade aos saberes locais coletivamente construídos, reificando-os sob novos signos e arranjos territoriais articulados em redes. Conquanto, paralelamente a essas transformações no espaço rural vem ocorrendo uma reorganização do espaço urbano de Petrolina em função das crescentes demandas de consumo do rural reforçando a relação entre ambos. Registra-se na cidade o desempenho de uma diversidade de funções “durante as diferentes etapas do processo produtivo (safra e entressafra), sendo o período de safras o de maior fluidez revelando a especialização de cada cidade, afetando todos os setores econômicos [...]” (ELIAS, 2007, p. 121), (re)definindo padrões de organização e de comportamentos. PETROLINA NA AMBIÊNCIA DO URBANO No contexto da mecanização de seus espaços agrícolas, o espaço urbano de Petrolina é palco de profundas alterações. A cidade passou a monopolizar e polarizar na região do Vale muitos investimentos, refletindo dinâmicas de crescimento econômico determinadas por imperativos globais, produzindo impactos significativos e de toda natureza que não cessam de se manifestar na sua paisagem que recodifica-se, diversificando sua economia, expandindo-se por novos arranjos espaciais. Delinearam-se, desde a inserção da agricultura científica, novas configurações. Importantes obras foram edificadas, alterando formas, percursos, o cotidiano da cidade, ao mesmo tempo, consolidando bases para o desenvolvimento do complexo frutícola, do maior polo agroindustrial de Pernambuco, responsável pela geração de mais de 90.622 empregos diretos e indiretos, segundo a CODEVASF. A exemplo da criação do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido – CPATSA, em 1975; do Aeroporto Internacional Senador Nilo Coelho, em 1981, principal porta de escoamento da produção frutícola, um dos mais importantes do Nordeste, segundo portão de entrada, via aérea, do Estado. Destaca-se também a implantação da Universidade Federal do Vale do Vale do São Francisco (UNIVASF), dentre outras obras. A cidade pluraliza-se por diferentes culturas, atraindo migrantes em busca de novos investimentos ou ocupação no mercado de trabalho, concorrendo para o expressivo aumento do contingente populacional do município, registrando-se expressivo crescimento no período de 1980 a 2010, havendo um acréscimo de aproximadamente de 170% no número de habitantes. A população que era de 106.000 habitantes passou a 294.000 (IBGE, 2010). Esse crescimento possui um agravante, já que, 75% da população concentra-se no espaço urbano, que por sua vez, corresponde a apenas 2% da área total do município. Obviamente e empiricamente observável, esse adensamento populacional na cidade, tem provocado grande impacto na ocupação do solo urbano, que na maioria das vezes se dá informalmente e desacompanhado, concomitantemente, de políticas públicas. Agudizam-se as disparidades socioespacias, materializadas na morfologia espacial da cidade que, hierarquiza-se em espaços de elevado padrão (Figura 3) em detrimento de áreas de baixo poder aquisitivo (Figura 4), sucitando na pauta das agendas públicas novas demandas por serviços de infraestrutura. Figura 3 – Orla de Petrolina (PE) Figura 4 - Periferia Petrolina (PE) Fonte: LANDIM, 2012. Outro importante aspecto a ser considerado no urbano de Petrolina, em decorrência da dinâmica rural na região, é a proliferação de atividades comerciais específicas ligadas ao agronegócio (Figura 5, 6), como também da diversificação do setor de atividades econômicas corroborando para uma “urbanização terciária” (SANTOS e ELIAS, 2008) que impulsiona diversos setores da economia, destacando-se o de comércio e serviços, promovendo a refuncionalização de antigos espaços, reconfigurando formas, evidenciando um espaço em incessante movimento. Figura 5, 6 – Comércio especializado. Fonte: LANDIM, 2012. E assim, Petrolina consubstanciada na internacionalização da economia nacional, transforma substancialmente suas funções, ampliando e inovando atividades econômicas. A cidade cresce economicamente, ruraliza-se pela difusão do agronegócio e moderniza-se. Associada à ideia de progresso, tem apresentado expressivo crescimento urbano (Figura 7), ganhando maior expressividade a partir de 1980, ratificando a importância do perímetro irrigado Nilo Coelho como protagonizador da criação de novas tendências territoriais no semiárido nordestino. Figura 7 – Expansão urbana Petrolina (PE) - 1945/2005 Fonte: Secretaria Planejamento e Urbanismo de Petrolina (PE) Reflexos desse processo de modernização em Petrolina, são sentidos na sua heterogeneidade territorial, encerrando em si muitas contradições, acirrando discrepâncias socioespaciais em seu sentido plural. Face ao crescimento agroeconômico, o espaço urbano de Petrolina, indubitavelmente, tornou-se mais complexo, revelado pelo crescente movimento das novas tendências socioespaciais, evidenciando um espaço em permanente construção, um (re)fazer incessante. Pelo exposto, fica patente que, as inovações tecnológicas suscitaram transformações de grande magnitude nos espaços rural/urbano de Petrolina, fomentadas pela agricultura científica. Contudo a internalização desse processo se fez socioespacialmente excludente, colocando à margem, atores sociais que não se adaptaram à nova realidade. A reestruturação produtiva do campo promoveu novas dinâmicas territoriais em Petrolina, que aos poucos ruraliza seu espaço urbano, ao mesmo tempo em que, urbaniza o seu espaço rural. REFERÊNCIAS BARROS, M. de L. A função hegemônica globalizada do sistema de formas normativas no processo de mercadificação socioambiental do polo de fruticultura PetrolinaPE/Juazeiro-BA. In: Milton Santos e o universo (uno e diverso). Sá, A. J. de; Farias, P. S. C; Abano, G. P. (Orgs.). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2009. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - <www.ibge.gov.br> . Acesso maio/2012. CODEVASF - Superintendência Regional 3ª SR. 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