Ambiente musical com bebês: estudo e mapeamento de experiências

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Ambiente musical com bebês: estudo e
mapeamento de experiências
Lucimar Izabel de FARIA1
Juliane RANIRO2
Resumo: Tendo em vista que experimentos qualificados e sistematizados de
atividades com música para bebês ainda são escassos, esta pesquisa objetivou
buscar possibilidades, vivências estratégicas exitosas com bebês por meio
de relatos de experiências legitimadas no meio acadêmico, no sentido de
valorizar essa prática tão nobre, visualizando o que já se tem feito, refletindo
suas contribuições e eventualmente colaborando com aqueles que pesquisam
sobre o tema. Inúmeras pesquisas demonstram a importância da exposição de
crianças pequenas a um ambiente musical e, quanto mais cedo isso ocorrer, mais
alicerces musicais ela terá estabelecido para seu desenvolvimento musical. Este
artigo compartilha seis tipos de experiências musicais em ambientes formais e
não formais de aprendizagem, contribuindo para a ampliação do olhar sobre as
possibilidades significativas com bebês, além de trazer uma reflexão sobre os
resultados obtidos à luz de suportes teóricos musicais, especialmente observando
as contribuições de Edwin Gordon, autor da teoria da aprendizagem musical para
crianças desde a primeira infância.
Palavras-chave: Educação Musical. Bebê. Experiências.
Lucimar Izabel de Faria. Especialista em Educação Musical pelo Claretiano – Centro Universitário
e em Psicopedagogia Institucional pela Faculdade da Aldeia de Carapicuíba (FALC). Graduada em
Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Fundação Santo André e graduada em Pedagogia pela
Uninove. E-mail: <[email protected]>.
2
Juliane Raniro. Doutoranda em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp) e Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Especialista em Linguagens das Artes pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Pedagogia
e Música. Docente do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.
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Musical environment with babies: study and
mapping of experiences
Lucimar Izabel de FARIA
Juliane RANIRO
Abstracts: Considering that skilled and systematized experiments in music
activities for infants are still scarce, this research aimed to meet possibilities and
successful strategic experiences with babies, through the reports of experiences
legitimized in the academic environment, in the sense of valuing this practice
as noble, visualizing what has already been done, reflecting their contributions
and eventually collaborating with those who research the subject. Numerous
researches demonstrate the importance of exposing young children to a musical
environment, and the sooner this occurs, the more musical foundations it has
established for its musical development. This article shares six types of musical
experiences in formal and non-formal learning environments, contributing to
the broadening of the gaze on significant possibilities with infants, as well as
reflecting on the results obtained in the light of theoretical musical supports,
especially observing the contributions by Edwin Gordon, author of the theory of
musical learning for children from an early age.
Keywords: Musical Education. Babies. Experiences.
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1.  INTRODUÇÃO
Embora exista um crescente interesse em pesquisas na área
do desenvolvimento musical na primeira infância, verifica-se que
experiências qualificadas e sistematizadas de atividades com música para bebês ainda são pequenas. Dessa forma, nosso objetivo
foi buscar possibilidades de experiências estratégicas exitosas com
bebês por meio de relato de experiências legitimadas no meio acadêmico.
Encontramos certa dificuldade em localizar diversidade de
práticas musicais publicadas com essa especificidade. Nossas pesquisas também evidenciaram que ainda é restrita a oferta de recursos
estratégicos direcionados à essa faixa etária. Os cursos específicos
oferecidos são muito caros. Do mesmo modo, foi para nós penoso
localizar cursos de especialização para profissionais que queiram
trabalhar especificamente com bebês em ambientes acadêmicos.
Inúmeras pesquisas demonstram a importância da exposição
de crianças pequenas, desde ou antes do seu nascimento, a um ambiente musical: “Quanto mais cedo uma criança estiver em contato
com experiência musicais, mais alicerces ela terá estabelecido para
sua aprendizagem musical futura” (GORDON, 2008, p. 5).
A primeira infância é um período de extrema importância,
é fato que o período mais importante da aprendizagem acontece
desde (ou antes) do nascimento de uma criança até os 18 meses
(GORDON, 2008). O potencial de aprendizagem é muito elevado
quando a criança nasce e, a partir daí, esse potencial diminui gradativamente. É preciso uma tomada de consciência em relação a isso.
Muitos profissionais, como neurologistas, biólogos, pediatras
e psicólogos, concluíram que “[...] os períodos críticos associados
ao estabelecimento de conexões neurológicas e sinapses ocorre antes do nascimento e durante a primeira infância” (GORDON, 2008,
p. 6). Sabendo disso, é preciso haver esforços para que as crianças
sejam estimuladas musicalmente, da mesma forma como o são para
a linguagem materna.
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Em minha experiência educacional, observo que, com crianças pequenas, principalmente bebês, as atividades de música nas
escolas regulares são reduzidas a canto coletivo e poucas vezes à
exploração de objetos sonoros. Enquanto musicista e educadora,
minha inquietação instigou-me a aprofundar o tema. As leituras sobre ambiente musical na primeira infância causam-me encantamento e uma ansiedade em contribuir de alguma forma na educação
qualitativa nessa especificidade etária.
Pensando nisso, este artigo tem a intenção de mapear alguns
trabalhos acadêmicos publicados nessa área, em ambiente formais
ou não formais de aprendizagem, sobre práticas relacionadas à musicalização para bebês, por meio do compartilhamento de experiências, com vistas a ampliar o olhar sobre possibilidades significativas, romper paradigmas e refletir sobre os resultados obtidos junto
a aportes teóricos musicais.
A metodologia utilizada é pesquisa bibliográfica, com uma
breve revisão teórica sobre a relevância da musicalização para bebês. O tema deste artigo foi desenvolvido em três partes, sendo que
a primeira parte expõe aspectos relevantes da vivência musical na
primeira infância embasados em Ilari (2002; 2003); Reigado, Rocha e Rodrigues (2007a) e Rodrigues (2005; 2001). A segunda reflete sobre as contribuições pedagógicas de Edwin Gordon (2008).
A terceira parte apresenta contribuições pedagógicas musicais realizadas com bebês de zero a dois anos de Palhares (2014), Soares
(2007), Beyer (2006); Stifft e Beyer (2003), Raniro (2008), Raniro
e Joly (2012) e Addessi (2012).
2.  DESENVOLVIMENTO
Vivência musical na primeira infância: aspectos relevantes
O estímulo musical às crianças pode começar desde seus primeiros dias. Aliás, ela pode ser estimulada ainda no útero da mãe,
já que é capaz de ouvir música, respondendo-lhe com pontapés e
outros movimentos (RAPOSO, 2009). A música é um importante
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aspecto da infância precoce, pois elas estão muito abertas a ouvir, a
fazer música e a movimentarem-se. Por meio da música, as crianças são inseridas “[...] na sua própria cultura e ritos comunitários”
(RAPOSO, 2009, p. 8).
O cérebro do bebê é faminto por novas experiências que serão transformadas em redes neuronais que são formadas antes que
ele complete um ano. Essas redes permitem a associação de ideias e
o desenvolvimento de pensamentos abstratos, bases da inteligência,
imaginação e criatividade. Porém, essas redes podem ser desconectadas na carência de estimulação mental ou em ambientes de muito
estresse (KOTULAK, 1997 apud ILARI, 2003, p. 8).
Em qualquer idade, pode-se aprender música, porém há “[...]
períodos cruciais para a aprendizagem musical em termos de desenvolvimento psicológico: as limitações são estritamente psicológicas, neurológicas e intrínsecas ao desenvolvimento musical do
indivíduo” (REIGADO; ROCHA; RODRIGUES, 2007a, p. 4-5).
De acordo com a teoria de Gardner (1994), existem janelas
de oportunidades, ou seja, períodos em que as crianças podem desenvolver com mais eficiência cada tipo de inteligência. No caso
do aprendizado musical, o melhor período para o desenvolvimento
do cérebro inicia-se no nascimento e vai até os 10 anos de idade.
Para Gordon (2008), partir dos nove anos, o nível de aptidão musical (potencial para desempenho) de uma criança deixa de ser influenciado pelo ambiente musical, mesmo que este seja de elevada
qualidade.
A música é uma das primeiras aprendizagens a ter lugar na
vida de uma criança. Todas as pessoas são expostas à música, em
maior ou menor grau, conforme a riqueza da cultura musical do
meio envolvente (RODRIGUES, 2005). Infelizmente nem todas
tiveram oportunidade de aceder a bons estímulos. De acordo com
Raposo (2009, p. 8):
[...] uma família que tem hábitos musicais, proporcionará
seguramente à criança um despertar para o mundo musical, desenvolvendo interesse pelos sons e uma acuidade
auditiva que uma criança que não tenha oportunidade de
aceder a estes estímulos não terá.
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Estudiosos de percepção e cognição musical na infância chegaram à conclusão de que as crianças, mesmo antes de completar um ano, são ouvintes bastante sofisticados (TREHUB, 2001;
TREHUB; BULL; THORPE, 1984 apud ILARI, 2002). A partir da
32ª semana de gestação, o feto já possui o sistema auditivo completo, escutando relativamente bem: “O ambiente acústico do útero
da mãe não é silencioso; é um universo sonoro rico e único propiciando ao bebê uma grande mistura de sons intra e extrauterinos”
(ILARI, 2002, p.2)
Ilari (2002), por meio de estudos teóricos que realizou, escreve que, com três dias de vida, bebês reconhecem e preferem a
voz materna à voz de outra mulher, reconhecem histórias, rimas,
parlendas e canções ouvidas durante o último trimestre da gravidez. Também estudou que “[...] bebês expostos à música durante a
gravidez exibem mudanças em batimentos cardíacos e movimentos
corporais quando a mesma música é tocada após o nascimento”
(ILARI, 2002, p. 2). Isso sugere aprendizado musical, conclui Ilari.
Segundo Reigado, Rocha e Rodrigues (2007a, p. 2), bebês e
recém-nascidos discriminam melhor sons de alta-frequência. Vários estudos demonstram a preferência pela linguagem na voz e
entoação femininas. Paralelo a isso, pais e outros indivíduos que se
relacionam com o bebê tem uma comunicação adaptada, desenvolvendo sua forma de comunicar, de produzir sons, de se relacionar
(REIGADO; ROCHA; RODRIGUES, 2007a, p. 7).
Ainda de acordo com os autores, “A importância da altura
está também envolvida na capacidade de os bebês reproduzirem
balbucios com entoação, antes da produção de fala significativa”
(REIGADO; ROCHA; RODRIGUES, 2007b, p. 8).
Desde o primeiro mês de vida, é possível observar que os
bebês respondem quando expostos a atividades sonoro-musicais,
sendo possível “[...] usar os canais de comunicação adequados”.
Essa receptividade e interesse pela música são algo “objetivamente
observável”, sendo “[...] prova mais do que evidente de que o ser
humano está equipado para se manifestar musicalmente” (RODRIGUES, 2005, p. 3).
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Reigado, Rocha e Rodrigues (2007b, p. 2) reforçam a importância das interações musicais baseadas na proximidade e afirmam
que estas são embasadas na literatura científica. Nessas interações,
a voz e os afetos têm um papel fundamental. É uma forma de comunicação musical, criativa e recreativa. É de suma importância
a predisposição dos pais e educadores a agarrar a oportunidade de
serem determinantes nesse diálogo.
Nessa relação, a prosódia é importante, pois possui elementos
de natureza musical: entonação, intensidade e pausas linguísticas.
A música lida com os mesmos elementos com que lida a prosódia,
ampliando as suas possibilidades e os seus efeitos (RODRIGUES,
2005, p. 65). Em relação aos “[...] elementos prosódicos das vocalizações dos bebês, parece ser o contorno melódico a característica que, mais cedo, desperta o interesse dos mesmos” (REIGADO;
ROCHA; RODRIGUES, 2007b, p. 8). É claro que o bebê ainda
não verbaliza com domínio, mas domina esses parâmetros no nível
da emissão do som. Expressam suas emoções primárias usando o
choro e a voz e, assim, conseguem, por exemplo, chamar a atenção,
seduzir, irritar, usando a cor do som (RODRIGUES, 2005, p. 66).
Rodrigues (2005) afirma que, nas interações dos adultos com
as crianças, uma estratégia utilizada é a repetição. Esta é também
uma importante ferramenta do músico: “Criar é muitas vezes uma
combinação de diferentes formas de repetir”. Rodrigues (2005, p.
67) ainda afirma que “[...] a repetição traz previsibilidade e a previsibilidade traz segurança [...] é um passe de livre acesso às emoções”.
De acordo com Porter (2000 apud RODRIGUES, 2005, p.
68), “[...] a canção de embalar é uma canção vocal destinada a adormecer uma criança adaptando uma fórmula repetida”;
O importante de uma canção de embalar é a sua qualidade
vocal (timbre/ intensidade/ dinâmica/ agógica/ expressividade musical) e está expressa diretamente a energia afetiva
e emocional do seu emissor... Assim, a repetição da canção
de embalar não é uma repetição semântica. É um cadenciar
tímbrico e rítmico de efeito encantatório (RODRIGUES,
2005, p. 71).
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A repetição “despe” a palavra e, assim, mergulha-se o seu
“esqueleto emocional”. A canção de embalar é uma forma de interpretação. Uma mãe canta mais agudo para um recém-nascido e para
uma criança mais velha a preocupação passa a estar centrada na
letra. Esse processo de adaptação ocorre “naturalmente”, como se
as adaptações musicais a que se procede estivessem programadas
no equipamento biológico que sustém a interação comunicacional
da díade mãe-criança (RODRIGUES, 2005, p. 72).
Nas vivências musicais, as crianças devem ser livres para reagir espontaneamente, como quiserem, explorando sons, diferentes
timbres e alturas, muitos movimentos do corpo em vários tempos
“[...] antes de poderem dar ênfase e usar os sons e movimentos que
caracterizam a música que ouvem à sua volta” (GORDON, 2000,
p. 316 apud REIGADO; ROCHA; RODRIGUES, 2007a, p. 10-11).
Ilari (2003) diz sobre a importância da utilização de uma variabilidade estratégica e do uso de tipos de música nas atividades
com as crianças:
Cantar canções em aula, bater ritmos, movimentar-se,
dançar, balançar partes do corpo ao som de música, ouvir vários tipos de melodias e ritmos, manusear objetos
sonoros e instrumentos musicais, reconhecer canções,
desenvolver notações espontâneas antes mesmo do aprendizado da leitura musical, participar de jogos musicais,
acompanhar rimas e parlendas com gestos, encenar cenas
musicais, participar de jogos de mímica de instrumentos e
sons, aprender e criar histórias musicais, compor canções,
inventar músicas, cantar espontaneamente, construir instrumentos musicais; essas são algumas das atividades que
devem necessariamente fazer parte da musicalização das
crianças (ILARI, 2003, p. 14).
Considerações pedagógicas musicais de Edwin Gordon na primeira infância
Edwin Gordon (2008) é conhecido pela criação de uma teoria
da aprendizagem musical e é reconhecido como um dos maiores
pedagogos da atualidade.
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Gordon trouxe importantes contribuições, indo do paradigma
de “como se ensina” para o paradigma de “como se aprende”. Ou
seja, sua teoria propõe-se, antes, compreender o processo do aprender. “É uma teoria acerca de como as crianças aprendem competências e conteúdos de música”, afirma Rodrigues (2001, p. 1).
O autor enfatiza, em seu livro sobre a teoria da aprendizagem musical para recém-nascidos e crianças em idade pré-escolar
(2008), que a criança deve ser exposta ao ambiente musical assim
como ela é exposta à língua materna. Quanto mais rico for o ambiente cultural do indivíduo, mais elementos musicais a criança incorporará. Desse modo, as crianças que estão no desenvolvimento
da intelectualidade, da ampliação das possibilidades sinápticas cerebrais, terão suas capacidades ampliadas.
Gordon (2008) defende que as crianças devem receber uma
aculturação em música, “ [...] do mesmo tipo da que lhes é dada em
linguagem pelos pais e educadores durante cerca de 5 anos (sendo
os primeiros 18 meses os mais importantes) [...]”. Caso contrário,
lamenta, há pouca esperança de melhorar a situação musical de
hoje (GORDON, 2008, p. 1-2). O autor faz uma comparação do
desenvolvimento da linguagem materna com o desenvolvimento
musical:
Da mesma forma que as crianças da idade pré-escolar
constroem seu vocabulário de audição e fala (em termos
de linguagem) muito antes de entrarem na escola, tem também que construir seu alicerce musical de audição em canto (em termos de música) muito antes de entrarem para a
escola. Sem aquelas espécies de vocabulários linguísticos
prévios, as crianças ficarão limitadas na sua capacidade
de aprender a compreender, falar, ler, escrever, improvisar
linguagem do mesmo modo que sem os equivalentes vocabulários musicais ficarão em desvantagem para aprender
a compreender, excetuar, ler, escrever, improvisar música
(GORDON, 2008, p. 2).
De acordo com Gordon (2008), a fase em que são criados os
alicerces de aprendizagem vai até aproximadamente os cinco anos
de idade. Seu potencial de aprendizagem é muito elevado quando
a criança nasce e, a partir daí, esse potencial decresce. O mesmo
autor afirma que não é possível corrigir as perdas que uma criança
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teve nesse período de alicerce de aprendizagem, já que o que não
foi desenvolvido nas primeiras fases não podem ser desenvolvido
com o mesmo alcance mais tarde. O que é possível fazer é oferecer
educação compensatória. Nesse caso, a criança progride “[...] até
o ponto que os alicerces de sua aprendizagem inicial lhes permitirem” (GORDON, 2008, p. 5-6).
Gordon (2008) afirma que as crianças devem iniciar o mais
cedo possível uma orientação musical informal estruturada e não
estruturada desde o nascimento para os alicerces de sua aprendizagem futura. Usa o termo “informal” referindo-se a aprendizagem
não sistematizada. Ele chama de orientação informal estruturada
quando a criança é colocada em contato com a cultura naturalmente, existindo um planejamento específico para isso. Na orientação informal não estruturada, não existe planejamento específico.
Nessas orientações, não é imposta formação ou competências às
crianças (GORDON, 2008, p. 5-7). São baseadas nas respostas naturais das crianças.
Ele criou o termo “audiation” (em português, traduzido para
“audiação”), que seria a capacidade de ouvir e compreender musicalmente quando o som não está fisicamente presente: “A audiação
é para a música o que o pensamento é para a linguagem” (GORDON, 2008, p. 29).
Para poder iniciar com êxito a educação musical formal, Gordon (2008, p. 47) descreve um período importante que chama de
“audiação preparatória”. Esse período, que vai desde o nascimento
até os 5 anos, aproximadamente, é o período do balbucio musical,
em que a criança ouve e compreende a música, devendo ser utilizada nessa fase orientação musical informal.
Os tipos de audiação preparatória são “aculturação”, “imitação” e “assimilação”. A fase de aculturação é dividida em três
estágios. O primeiro estágio da aculturação é chamado “absorção”,
no qual a criança absorve auditivamente os sons do ambiente. Vai
aproximadamente até o primeiro ano de idade. O segundo estágio
é chamado por Gordon (2008) de “resposta aleatória”; a criança
movimenta-se e balbucia em resposta aos sons do ambiente, sem
necessariamente estabelecer relações com os mesmos. Já no estáEducação, Batatais, v. 7, n. 3, p. 115-133, jan./jun. 2017
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gio “resposta intencional”, a criança passa a relacionar movimento
e balbucio com os sons do ambiente (GORDON, 2008, p. 47). A
fase da aculturação vai até aproximadamente os três anos de idade.
Depois vem a fase de imitação e por último, a de assimilação. A audiação propriamente dita ocorre após a assimilação, quando emerge
do balbucio musical.
Na linguagem materna, a criança passa pela fase de balbucio linguístico e, da mesma maneira, ela atravessa a fase do balbucio musical. Mas, para isso, precisa receber orientação musical
informal na fase do balbucio tonal e rítmico. Caso contrário, uma
ou ambas aptidões terão prejuízo, não se alcançando o nível que
poderia eventualmente ser atingido. A criança não deve ser forçada
a sair prematuramente de uma fase de balbucio tonal, pois isso pode
prejudicar seu desempenho musical global e até, quem sabe, sua
estabilidade emocional (GORDON, 2008).
Somente após os estágios de audiação preparatória, a criança
deve estar sujeita a uma educação formal, na qual o professor planeja a aula envolvendo respostas específicas dos alunos. Assim como
ocorre na aquisição da linguagem, processo em que a imitação só
ocorre depois de sua exposição ao seu meio, a leitura e a escrita só
vêm depois de grande vivência oral da linguagem. Assim é com a
música. Quanto maior a estimulação e exposição em termos musicais, maior o “vocabulário musical” (RODRIGUES, 2001, p. 6).
Baseando-se nas contribuições de Gordon, as sessões de
orientação para crianças da primeira infância devem acontecer de
maneira informal, não exigindo do aluno qualquer competência. As
crianças devem envolver-se pela música da sua cultura. Os pais
têm condições básicas para contribuir para esse ambiente, instruindo musicalmente os filhos, desde que simplesmente cantem
com afinação razoável e movimentem o corpo de forma flexível
(GORDON, 2008). Assim, podem auxiliar no processo de audiação
preparatória. A audiação, afirma Gordon, é a base para a “aptidão
musical” (GORDON, 2008, p. 29).
Todo ser humano tem aptidão musical, isto é, tem potencial
para entender música. A aptidão musical de uma criança é inata e
pode atingir níveis superiores na altura do seu nascimento, acredita
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o educador. Mas ela decresce se o ambiente musical não tiver um
potencial rico (GORDON, 2008).
Desde pequenas, as crianças precisam ter um contato rico e
variado com a música, como elas têm com sua linguagem materna,
para que possam deixar as fases do balbucio e desenvolver vocabulários de audição tonal e rítmico e para que a música possa ocupar
alguma importância em sua vida.
Contribuições de práticas musicais realizadas com crianças de
zero a dois anos
A internet é uma importante ferramenta que contribui para
aquisição do saber literário. Nesse aspecto, foi possível buscar experiências por meio de produções acadêmicas no campo da Educação Musical para crianças na primeira infância e verificar quão
rica e possível é essa prática, que ainda é desconhecida por muitas
pessoas.
Palhares (2014), em seu trabalho de campo, aborda o desenvolvimento cognitivo-musical de dois bebês específicos, gêmeos
fraternos, filhos da pesquisadora, no período entre 3 e 18 meses de
idade. Os bebês receberam estímulos diários em vários contextos
do dia. Também ouviam diariamente músicas selecionadas, sendo
gravação de vários estilos, canções cantadas pela mãe e peças executadas no piano. A partir do sexto mês, os bebês vivenciaram contrastes de duração, intensidade, timbre, altura, andamento, caráter
expressivo, entre outros, contemplando canções, audição de CDs,
pulso, ritmo e locomoção. As vocalizações espontâneas dos bebês
foram transcritas e analisadas num laboratório eletroeletrônico da
Universidade Federal de Mato Grosso. O tipo preferido dos bebês
foi a música a capela.
Palhares (2014, p. 1) observou temperamentos diferentes nos
bebês, mas sem mudanças significativas em seus desenvolvimentos, em que “[...] linguagem e emoção caminharam juntas em todo o
processo”. A mesma autora observa que os bebês respondem como
uma imitação de estímulos sonoros e visuais e evidencia, em sua
reflexão, a constante transformação no desenvolvimento cognitivo
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das crianças. Também evidenciou o desenvolvimento da emoção,
sempre focando no efeito das sensações nas relações pessoais.
Soares (2007) descreve o movimento de 34 bebês de 4 a 24
meses, com encontros semanais numa escola municipal em Goiânia, sem a presença de cuidadores. As vivências musicais foram
desenvolvidas de forma lúdica, com músicas para cantar, dançar
e ouvir, por meio de cantigas de roda, canções de ninar, parlendas
e brincadeiras musicais diversificadas. Percebeu-se, com as aulas,
um aumento de explorações motoras e maior controle de musculatura. O uso de objetos e movimentos, inicialmente mais exploratório, tornou-se cada vez mais proposital e interligado às atividades
musicais, bem como as manifestações de alegria. Outro aspecto
observado pela autora foi um crescente na concentração dos bebês nas atividades seja de observação, movimento ou exploratórias.
Observou relação de afetividade com a educadora na aproximação,
no sorriso e confiança.
Beyer (2006), que foi professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizou um levantamento das
aprendizagens realizadas pelos bebês no Projeto “Música para Bebês”, de zero a 24 meses (Departamento de Música/UFGRS). Havia encontros semanais com as crianças e seus pais ou cuidadores,
divididos em grupos com o mesmo semestre de vida. As crianças
passaram por uma rotina de atividades musicais, com atividades
como massagem, histórias, dança, canto diversificado (canto com
ou sem o piano, com o aparelho de som, sempre combinando o
canto do adulto com o das crianças) e o manuseio de instrumentos musicais. Realizou-se análise a partir de vídeos dos balbucios
dos bebês em casa e na vivência coletiva, conforme as diferentes
faixas etárias. Como resultado, Beyer (2006) observou ampliação
de gama de explorações vocais; diferentes tipos de balbucio, ampliando combinações sonoras em encontros consonantais, improvisações com sílabas até repetições de sílabas na comunicação com
os pais, como “PAPA”, “BIBI”, “MAMÁ”; mais tarde, as crianças,
participando de partes de melodias com algum som de onomatopeia, como “miau”, “auau”, evoluíram até chegar em alguma semelhança rítmica, fragmento de palavra ou sequência de alturas,
até o canto reconhecível. A pesquisadora afirma a importância da
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interação sonora com os pais, permitindo que o bebê se aproxime
das melodias apresentadas por meio de esquemas que vai desenvolvendo para poder imitá-las e recriá-las.
Raniro (2008), doutoranda em Educação e professora universitária, descreve, em trabalho de Mestrado, vivências musicais realizadas com um grupo de bebê de oito meses a dois anos e adultos
acompanhantes, na Universidade de São Carlos, pelo Programa de
Educação Musical. O artigo deste trabalho, elaborado por Raniro
e Joly (2012), valoriza as vivências musicais e as relações afetivas
estimuladas, “[...] considerando que a música transmite uma sensação de proteção e tranquilidade aos bebês e que as experiências
afetivas nos primeiros anos de vida são determinantes para que a
pessoa estabeleça padrões de conduta e formas de lidar com as próprias emoções” (RANIRO; JOLY, 2012, p. 10).
Raniro e Joly (2012) descrevem a importância do incentivo aos pais dos alunos para desenvolver o hábito de cantar com
frequência aos filhos, acompanhando e executando as atividades
propostas, auxiliando na construção da identidade dos bebês e dos
adultos, num ambiente de acolhimento e afetividade: “[...] interação, proximidade, intimidade, calor humano, trocas de olhar, busca
de compreensão mútua, carinho, afeto e amor [...]” fazem parte do
resultado dessa relação interativa e prazerosa dos pais com os filhos
durante o desenvolvimento do trabalho (RANIRO; JOLY, 2012, p.
17).
As autoras fazem indicações de uso de algumas canções utilizadas em suas aulas. As atividades incluem atividades como “[...]
canções de ninar e brincar, rimas, parlendas e jogos musicais, sempre acompanhados de movimentos corporais”, podendo ser visualizadas detalhadamente ao longo do artigo (RANIRO; JOLY, 2012,
p. 12).
Stifft e Beyer (2003) estudaram a relação mãe-filho em treze bebês e seus responsáveis, participantes do Projeto da UFRGS
“Música para Bebês”, com aulas semanais de 1h de duração por
um semestre. Verificou-se a interferência dessa relação no desenvolvimento musical dos bebês, objetivando contribuir em programas dessa especificidade. As aulas foram registradas, observadas e
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analisadas, estabelecendo relações com os elementos formadores
de apego. As autoras registraram respostas das crianças em relação
à atitude da mãe com a criança: “mãe distraída” e criança dispersa; “mãe hiper participante”, inibindo a criança de expressar-se;
“mãe perfeita”, preocupada com o bebê, agindo por ele ou sobre
ele, retirando a oportunidades da criança em experimentar e tentar
sozinho. A “mãe equilibrada”, que estimula que seu bebê participe, sendo sensível quando o bebê está cansado ou quer observar.
As pesquisadoras concluíram que o comportamento da mãe do tipo
“equilibrado” é o ideal, pois neste percebe-se na mãe um olhar para
a criança, estimulação e sensibilidade quanto às suas necessidades.
Nesse caso, os bebês têm mais interesse e um aproveitamento mais
satisfatório da aula. Do contrário, o resultado é um bebê que se torna mais agitado, distraído e com menor desenvolvimento musical.
Addessi (2012) analisa o resultado de um estudo-piloto realizado no ambiente familiar, projeto integrante da Universidade de
Bolonha (Itália). As vivências musicais foram realizadas durante
a rotina da troca de fraldas com os pais de um bebê de 9 meses,
por duas semanas consecutivas. Observou-se as interações vocais
das díades vocais (pai-filho, mãe-filho). Mediu-se a frequência e
duração dos tipos de atividades vocais (voz, canto e vocalização);
a presença da alternação de turnos; a presença de imitação/variação. Como resultado, verificou-se o aumento da atividade vocal da
criança, que, segundo a pesquisadora, “[...] poderia ter sido causado
pelo aumento da alternação de turnos no diálogo; uma maior imitação do adulto nas vocalizações da criança; uma quantidade menor
de atividades vocais do adulto; e pela riqueza da qualidade vocal e
intencionalidade do adulto” (ADDESSI, 2012, p. 21). Nas interações vocais, a criança aprende a compartilhar e controlar emoções,
gestos e sons.
Do mesmo modo que as crianças precisam construir seus
alicerces de aprendizagem para o desenvolvimento da fala, é necessária a construção dos alicerces de audição e canto na primeira
infância. Sem esses alicerces, as crianças ficarão limitadas em compreender e ampliar sua capacidade de criação. Vivência informal
musical para crianças pequenas faz com que elas aprendam, por
elas mesmas, a pensar (GORDON, 2008). Além disso, podemos
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destacar outros importantes benefícios, ligados ao desenvolvimento da afetividade, interação, atenção, concentração, abstração, imaginação e coordenação motora. Ainda podemos citar a inserção no
universo cultural e o prazer da criança ao vivenciar um ambiente
musical. Atividades musicais com bebês devem ser encaradas com
muita seriedade.
3.  CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das vivências musicais demonstrou os resultados
dos objetivos programados a que se propôs cada trabalho. Seja a
observação do desenvolvimento afetivo e relações pessoais, o estudo do movimento das crianças nas interações musicais, o desenvolvimento dos balbucios musicais, a influência da relação dos pais
em atividades musicais no desenvolvimento musical, os resultados
trouxeram contribuições para reflexão das práticas, bem como demonstram o quão significativo é para as crianças, no sentido do
contribuir precocemente no processo de aculturação de maneira
rica e estimuladora.
Palhares (2014) observa a preferência dos bebês por música a
capela. Gordon (2008) defende amplamente que as crianças precisam ouvir alguém cantar para elas e também aconselha que os pais
devam cantar para ela, sendo isso mais importante do que audição
gravada. Palhares (2014) também observa a resposta dos bebês aos
estímulos sonoros e cognitivos. De acordo com Gordon (2008), esses efeitos seriam consequência de uma orientação informal (neste
caso, estruturada, pois foi planejada) e, pela descrição dos resultados desse trabalho, os bebês, após o estágio “absorção”, respondem
aleatoriamente aos estímulos com balbucios e movimentos. Resposta aleatória e intencional também é evidenciada nos trabalhos
de Beyer (2006) e Soares (2007).
Soares observa aumento de explorações motoras, controle de
musculatura numa evolução até que se tornem mais propositais.
Gordon (2008, p. 47) classificaria isso como “resposta intencional”. Nesse caso, a criança tenta relacionar movimento e balbucio
com os sons da música ambiente. Beyer (2006) observa a ampliaEducação, Batatais, v. 7, n. 3, p. 115-133, jan./jun. 2017
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ção da gama de explorações vocais até o ponto de desenvolver para
alguma semelhança rítmica, fragmento de palavras e sequência de
alturas até o canto reconhecível. Esses estímulos proporcionam o
desenvolvimento do balbucio tonal e rítmico descrito por Gordon
(2008) e são estritamente importantes para a continuação dos estímulos musicais para que as crianças posteriormente possam emergir para o desenvolvimento de vocabulários básicos de audição tonal e rítmica.
O trabalho de Stifft e Beyer (2003) demonstra a atenção que
devemos ter com o tipo de interação na aula das crianças. Gordon
(2008) diz que os adultos devem compreender que nem sempre a
atenção das crianças é contínua e óbvia. Às vezes parece que elas
não estão atentas, mas têm consciência maior daquilo que ouvem.
Gordon (2008, p. 49) afirma: “Os adultos devem fomentar a intenção e não a atenção porque o importante é a atividade e não o ato”.
Sabendo disso, é importante esse esclarecimento aos pais das crianças. É preciso ser atencioso, participativo e diminuir a ansiedade
quanto às respostas das crianças.
Todas as pesquisadoras apontaram o desenvolvimento da afetividade e das relações pessoais, e este foi o objetivo principal do
trabalho de Raniro e Joly (2012). As autoras empenharam-se no
envolvimento dos pais para que os bebês pudessem sentir-se acolhidos e protegidos e para a construção e ampliação de gestos afetivos entre pais e filhos, demonstrando as possibilidades de alcance
desse trabalho. Um aspecto diferencial para o trabalho de Raniro e
Joly (2012) é que as autoras descrevem minuciosamente as estratégias realizadas, característica essa que possibilita que estudantes
e professores que tenham interesse conheçam, aprofundem-se e/ou
formem um repertório com atividades nessa especificidade.
O estudo de Addessi (2012) aponta-nos que as rotinas podem
atuar como estruturas cognitivas e afetivas para ampliar a experiência musical das crianças pequenas. Do ponto de vista pedagógico,
mostra-nos que educadores devem encontrar um equilíbrio com as
vocalizações da criança, imitando-as, respeitando as alternações de
turnos e seguindo as nuanças da voz da criança, dando preferência
ao prazer de interação musical e ao fazer musical.
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A investigação de experiências musicais foi uma metodologia que facilitou a construção de um ambiente favorável para apreciar, ampliar e refletir sobre conhecimentos e práticas a respeito do
tema. Ainda há muito a avançar na conscientização e divulgação
de pais e educadores e na ampliação de oportunidades educativas
musicais para nossas crianças.
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