A decisão sobre a implementação de dispositivos de

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A decisão sobre a implementação de dispositivos de passagem
para peixes nas obras transversais fluviais
Quando se pretende construir uma nova obra transversal fluvial ou recuperar uma já existente,
criando ou mantendo um obstáculo à livre movimentação dos peixes, deverá, à partida, acautelarse a minimização dos impactes negativos da obra sobre o ecossistema e suas comunidades.
Possibilitar a passagem dos peixes em ambos os sentidos da migração é uma dessas possíveis
medidas, particularmente direcionada para a manutenção ou recuperação das populações de
peixes migradores, ainda que se trate de migradores potamódromos (deslocam-se apenas em
meio dulçaquícola), possibilitando o acesso a diferentes habitats necessários ao completamento
do ciclo de vida dos peixes ou à troca de informação genética entre diferentes populações. No
entanto, nem sempre uma passagem para peixes contribui efetivamente para os objetivos a que
se propõe à partida e em algumas obras poderá ser considerado pouco relevante ou mesmo
dispensável a construção de um dispositivo de passagem para peixes. As causas conducentes à
não necessidade de passagem para peixes num determinado obstáculo num curso de água são
várias e podem ser de natureza permanente ou temporária do que dependerá também o caráter
da decisão sobre a construção do dispositivo ser definitiva ou não.
A decisão sobre a necessidade de construir uma passagem para peixes deverá basear-se em
informação tão vasta quanto possível sobre o local da obra, o curso de água, a população piscícola
que o habita e a própria obra, para que a decisão seja devidamente fundamentada. Não obstante,
em fases iniciais do processo, a partir de alguma informação, poderá declinar-se ou não a
necessidade de passagem para peixes, mediante a apresentação de dados que em algumas
situações poderão ser o bastante para evidenciar que um dispositivo de passagem para peixes
não contribui de forma significativa para a conectividade longitudinal do curso de água e
consequente migração dos peixes.
Assim sendo, quando se verifica um conjunto de situações que indiciem a não necessidade de
passagem para peixes, o proponente da obra deverá apresentá-las, obviando a decisão a tomar.
De facto, para além de apresentar os dados requeridos pela AFN para análise do processo o
proponente deverá fornecer toda a informação que facilite uma decisão fundamentada.
Considerando que uma passagem para peixes tem como principal função permitir a deslocação
dos peixes ao longo do curso de água, colocam-se as seguintes questões:
Existe população piscícola real ou potencial no troço do curso de água afetado pela obra?
Existe conectividade longitudinal natural no troço do curso de água em causa?
Permitir a deslocação dos peixes existentes é relevante?
Existem outros impactes negativos para além daquele sobre a conectividade longitudinal que
afetem de forma significativa a necessidade dos peixes se deslocarem?
A resposta a estas questões poderá dar indicação sobre a necessidade de instalar dispositivos de
passagem para peixes e formular a fundamentação de tal decisão.
Existe população piscícola real ou potencial no troço do curso de água afetado pela obra?
A não existência de população piscícola real ou potencial em determinado troço coincide em geral
com habitats de produtividade muito baixa nos quais não se estabelecem populações piscícolas
significativas. Noutros casos poderá verificar-se a não existência de peixes devido a perturbações
no meio que os tenham afastado ou que tenham impedido a sua sobrevivência, como no caso de
cursos de água muito poluídos.
Sempre que a não existência de população piscícola seja condição temporária, tal facto não
deverá ser responsável pela não implementação de um dispositivo de passagem para peixes,
considerando-se que, assim que a causa seja eliminada, a conectividade longitudinal poderá ser
relevante.
Existe conectividade longitudinal natural no troço do curso de água em causa?
A conectividade longitudinal é aqui entendida como a existência de ligação do habitat fluvial ao
longo do curso de água, de modo que os organismos aquáticos, em especial os peixes, possam
deslocar-se para montante e para jusante, não sendo impedidos por nenhum obstáculo físico ou
hidráulico, na sua deslocação. Em alguns cursos de água, a quebra de conectividade longitudinal
ocorre de forma natural, devido à existência de zonas com leitos muito declivosos, quedas de
água ou cascatas, não sendo possível aos peixes deslocarem-se por longos percursos na dimensão
longitudinal do sistema aquático. Os acidentes no leito do curso de água podem ocorrer com
frequência em determinado troço ou segmento do curso de água ou ocorrer isoladamente. O seu
efeito barreira à deslocação dos peixes deverá ser cuidadosamente analisado ao longo do tempo
e para todas as situações de caudal pois pode acontecer que determinada queda de água por
exemplo, só constitua obstáculo temporariamente.
Quando existem obstáculos de origem natural, a probabilidade de ser considerada relevante a
transposição de determinado obstáculo artificial diminui. No entanto, cada caso deverá ser
considerado individualmente tendo em conta que eventuais migrações, ainda que de curta
distância, deverão ser tidas em conta, devendo ser estudada a sua importância para a
comunidade piscícola, mesmo num curso de água compartimentado.
Permitir a deslocação dos peixes existentes é relevante?
A deslocação dos peixes poderá não ser relevante quando por exemplo, a montante do obstáculo,
exista uma curta extensão de curso de água que não justifique torná-lo acessível à população
piscícola existente. Noutros casos, a formação de grandes massas de água resultantes do
represamento associado à imposição de um obstáculo de grande dimensão, poderão constituir
elas próprias uma forma de obstáculo, uma vez que as características habitacionais do meio
aquático são drasticamente alteradas. Grandes massas água de características lênticas poderão
causar desorientação nos peixes migradores. Por outro lado a inundação de habitats antes
utilizados como locais de reprodução pode justificar a não necessidade de possibilitar a
deslocação dos peixes.
No entanto, a utilização destes argumentos exige um profundo conhecimento das dinâmicas
associadas às populações piscícolas existentes, o que dificilmente é conseguido no tempo
utilizado para implementar uma obra tipo açude ou barragem.
Existem outros impactes negativos para além daquele sobre a conectividade longitudinal que
afetem de forma significativa a necessidade dos peixes se deslocarem?
Sim. De facto, a quebra de conectividade longitudinal é apenas um dos muitos impactes de maior
ou menor extensão, que uma obra transversal fluvial pode causar. No ponto anterior foram já
referidas algumas razões que podem justificar a não construção de uma passagem para peixes.
Para além da inundação de habitats que, anteriormente à imposição da obra, serviam como locais
de destino das migrações piscícolas, ou, da formação de massas de água de características
predominantemente lênticas que acabam por ser povoadas por comunidades piscícolas mais
adaptadas ao novo habitat, outros impactes poderão influenciar a decisão sobre a construção ou
não de um dispositivo de passagem para peixes. Entre outros impactes da obra incluem-se a
alteração do regime de caudais natural, a alteração na dinâmica de sedimentos, as alterações das
restantes dimensões do curso de água como os equilíbrios entre a água superficial e a água
subterrânea, as dinâmicas de cheia e alagamentos numa dimensão transversal ou mesmo a
possível diminuição da quantidade de água no sistema, nos casos em que a água reservada é
derivada para outros locais. Todos estes impactes, de maior ou menor dimensão dependendo das
características da obra, resultam em alterações significativas do sistema fluvial pré-existente. Tais
alterações repercutem-se inevitavelmente em adaptações por parte da comunidade piscícola, que
importam ter em conta quando se pensa em minimizar os impactes negativos da obra. A
necessidade dos peixes migrarem deve ser analisada tendo em conta a extensão dos impactes
causados pela obra e poderão, em alguns casos definir a não necessidade de construir uma
passagem para peixes.
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