A importância da rizosfera na produtividade das plantas hortícolas Lydice S. Meira-Haddad2, Patrícia Correia, Luís Caravalho, Maria Catarina Megumi Kasuya2, Maria Amélia Martins-Loução1, Cristina Cruz1 1 Centro de Biologia Ambiental (CBA), Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, Bloco C2, Piso 5, sala 3, 1749-016 Lisboa, Portugal. [email protected] 2 Departamento de Microbiologia, Universidade de Viçosa, Minas Gerais, Brasil Resumo O solo é geralmente definido como a camada superior da crosta terrestre, formada por partículas de minerais, matéria orgânica, água e organismos vivos. O solo constitui a interface entre a terra, água e o ar e aloja a maior parte da biosfera. O seu processo de formação é extremamente lento o que faz com que seja considerado um recurso essencialmente não renovável. Dada a sua importância socioeconómica e ambiental é necessário proteger as funções que desempenha. A convenção sobre a diversidade biológica (CDB) considerou que a biodiversidade do solo exige uma atenção especial. Foi lançada uma iniciativa internacional para a conservação e utilização sustentável da biodiversidade do solo. Das várias funções associadas à funcionalidade biológica dos solos encontra-se a promoção do produtividade vegetal a través do estabelecimento de associações rizosféricas que promovem: a acumulação de biomassa vegetal, a qualidade do produto vegetal, a resistência a stress (biótico e abiótico) e maior eficiência do uso de água e nutrientes. De entre as plantas que mais respondem aos benefícios proporcionados pela adequada funcionalidade da rizosfera encontram-se as plantas hortícolas. Importa pois conhecer estes benefícios, as técnicas culturais que favorecem o estabelecimento das respectivas interacções e até mesmo as possibilidades de incrementar o seu estabelecimento e funcionalidade. Palabras clave: Rizosfera, mycorrhiza, fixadores de azoto, bactérias solubilizadoras de P, consorcios rizosféricos. O solo como reservatório de biodiversidade Até há pouco tempo o solo era encarado unicamente como um factor indispensável à produção vegetal. Hoje o solo é visto como um recurso não renovável, sendo-lhe atribuídas várias e distintas funções: produção de biomassa, decomposição, polinização, transformação e armazenamento de água e nutrientes, fonte de matérias primas, reservatório de carbono, etc. O desempenho de todas estas funções por parte dos solos está dependente da biodiversidade neles existente de cadeias tróficas bem estruturadas, em que são conhecidas as funções de muitos, mas não da maioria dos intervenientes. A questão da biodiversidade do solo e a sua relação com a qualidade e produtividade dos mesmos é uma preocupação ao nível europeu que se tem manifestado em diversos programas e projectos científicos (Convention on Soil Biodiversity, Forest Focus Programme e Environmental Assessment of Soil for Monitoring – Envasso), nomeadamente ao nível do séptimo programa quadro, e em tentativas de englobar num único documento toda a legislação referente à biodiversidade e qualidade do solo. Num ha de solo arável existem cerca de 5 toneladas de organismos vivos (mamíferos, anelídeos, insectos, bactérias, fungos, etc.) A maior actividade destes organismos é junto da rizosfera onde, formam diversas interações com raízes de plantas 38 condicionando a sua actividade (Barea et al., 2005). Essas interações raízesmicrorganismos resultam no desenvolvimento de um ambiente único e dinâmico conhecido como rizosfera. Na rizosfera encontram-se microrganismos capazes de promover o crescimento de plantas, decompositores de matéria orgânica, fungos e bactérias antagonistas de patógenos, endofíticos, fixadores simbióticos ou não de azoto que podem ou não interagir entre si (Barea et al., 2005). A rizosfera Das inter-acções que se formam ao nível da rizosfera a simbiose entre bactérias fixadoras de azoto do gênero Rhizobium e as leguminosas são as mais conhecidas e exploradas. No entanto, outras começam a ser estudadas como as micorrizas, os microrganismos solubilizadores de fósforo e as bactérias fixadoras de azoto de vida livre. Devido à sua novidade e potencialidade iremos focar mais detalhadamente as simbioses micorrízicas arbusculares. A simbiose entre as raízes e os fungos arbusculares (micorriza arbuscular) é a mais ancestral das associações micorrizas (Berbara et al., 2006) e é formada por cerca de 80% das plantas com interesse agrícola. As hifas extra-radiculares dos fungos micorrizicos são mais eficientes do que as raízes na absorção de nutrientes por serem extremamente longas e finas e aumentam muito a área de absorção radicular (Cruz et al., 2008a). O crescimento micelial pode modificar especificamente a rizosfera através da produção de compostos e enzimas que modificam a estrutura física, química e actividade biológica do solo e das raízes, aumentando a disponibilidade dos nutrientes. Deste modo os fungos micorrízicos arbusculares (FMA) permitem à planta explorar maiores volumes de solo, direcionado também o fluxo de carbono para determinados organismos da rizosfera. Os FMA estabelecem assim um “sink” de C e nutrientes condicionando a estrutura da comunidade microbiana do solo. Os FMAs podem influenciar o crescimento e função das raízes e, consequentemente, causar modificações no crescimento das plantas de acordo com as condições ambientais (Cruz et al 2008b). Deste modo a eficiência no uso dos nutrientes (EUN) aumenta consideravelmente. Esses fungos são particularmente importantes na mobilização do fósforo (P) e de outros nutrientes de baixa mobilidade (Smith y Read, 2008). 95 a 99 % do P presente no solo está na forma insolúvel, não podendo ser diretamente utilizado pelas plantas e desta forma os FMAs podem promover a disponibilidade de P diretamente através da hidrólise do P orgânico (Bucher, 2006), ou aumento da fosfatase, e também pela solubilização de fosfato inorgânico. Os FMAs também são importantes na aquisição e transporte do azoto (N) (Cruz et al 2007). Recentes evidências mostram que a absorção de N orgânico pode ser importante na simbiose micorrrízica e que algumas espécies podem adquirir N inorgânico de fontes orgânicas. A formação da micorriza é geralmente inibida por elevados níveis de P e N (Smith y Read, 2008). No entanto, a importância da fonte de P e a influência do “status” de P na planta, e não da concentração externa de P, na formação da simbiose são salientados em vários trabalhos (Smith y Read, 2008). Por outro lado, a existência de esporos de FMA no solo em quantidades razoáveis tem sido verificada (Treseder, 2004). Estes resultados indiciam a potencialidade do uso de FMA em agricultura sustentável. As fruteiras (bananeira, morangueiro, tomateiro, e leguminosas) destacam-se como o grupo de plantas onde as micorrizas mereceram maior atenção no que se refere 39 aos efeitos benéficos da simbiose principalmente devido a maiores crescimentos e conteúdo de nutrientes (Matos et al., 2002; Yano-Melo et al., 2003; Meira, 2004; Leal et al., 2005; Haddad, 2008) A associação micorrízica torna as plantas mais tolerantes a condições de stress ambiental (défice hídrico, salinidade, poluição por metais pesados) devido a melhor ajuste osmótico e hidratação foliar, efeciência do uso da água, redução do dano oxidativo ou melhoria do estado nutricional da planta, imobilização de poluentes (metais pesados) nas estruturas fúngicas (Yano-Melo et al., 2003; Kohler et., 2009). As perdas em produtividade das culturas causadas por stress biótico e abiótico são da ordem de 65 a 87%. Outros efeitos benéficos também atribuídos à simbiose micorrizica são biocontrole promovendo resistência, tolerância, redução da incidência e severidade a doenças e redução do número de patógenos de solo (Azcón-Aguilar & Barea, 1996; Cordier, et al., 1998; Pozo et al., 2002; Barea et al., 2005; Elsen et al., 2008). O status nutricional da planta é um fator importante para suscetibilidade de doenças e esse aumento pode reduzir a severidade. O aumento de nutriente nas plantas associadas aos FMAs, pode atuar diretamente no metabolismo fenólico, na síntese de produto de defesa e produção de enzimas, reduzindo assim a incidência ou severidade da doença (Nam et al., 2006). Há também ativação de genes de defesa da planta por parte do FMA, constatando assim que FMAs são capazes de induzir resistência localizada e sistêmica (Cordier et al., 1998; Pozo et al., 2002; Liu et al., 2007). A colonização micorrízica atua como sistema primário de defesa da planta ao ataque do patógeno (Elsen et al., 2008). As mudanças fisiológicas na planta causadas pelos simbiontes, previnem o ataque de patógeno e ativam mecanismos de defesa, uma vez que proteínas relacionadas com a patogênense, fitoalexinas e lignificação da parede celular têm sido relatadas em plantas micorrizadas em locais distantes dos sítios de infecção indicando, assim, a ocorrência de resistência sistêmica (Cordier et al., 1998; Pozo et al., 2002; Selosse et al., 2004). O stress biótico ou abiótico altera o metabolismo e induz mudanças no desenvolvimento das plantas, causando a acumulação de espécies reactivas de oxigénio (ROS, De Gara et al., 2003). As ROS causam consideráveis perdas de qualidade e produtividade vegetal por inactivarem macromoléculas ou reagirem instantaneamente com proteínas, lipídos ou DNA causando danos celulares (del Río et al., 2006). As plantas que aumentam a produção de enzimas antioxidantes, mostram-se mais tolerantes a diferentes stress, e as micorrizas induzem ao aumento da atividade dessas enzimas (Alguacil et al., 2003; Costa, 2003; Lambais et al., 2003; Selosse et al., 2004). Dessa forma, os FMAs podem aumentar a habilidade das plantas em resistir a stress biótico e abiótico. As práticas agrícolas Os efeitos das práticas agrícolas na biodiversidade do solo dependem da profundidade e da frequência com que o solo é mobilizado. Sistemas de mobilização superficial são mais compatíveis com a actividade biológica do solo. Uma das maiores ameaças à actividade biológica do solo é a compactação porque diminui a proporção dos macroporos do solo, diminuindo assim o espaço disponível para a vida no solo. Pode também favorecer as condições de anaerobiose do solo, o que influencia a distribuição de organismos no solo e altera as cadeias tróficas, podendo implicar perda de nutrientes e redução do crescimento radicular. A utilização de pesticidas e insecticidas, necessária para o controlo de grande numero de organismos patogênicos diminui a actividade 40 bilógica de forma drástica, mas pode haver uma adequação entre os efeitos pretendidos e a dose a aplicar por forma a diminuir os efeitos nefastos. . Actualmente, o controlo biologico de pragas é recomendado porque permite a eliminação eficaz dos agentes patogênicos sem eliminção dos organismos beneficos e essenciais ao desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável. O equilíbrio nutricional do solo promove a diversidade biológica. De modo geral o carbono é o elemento limitante da actividade biológica do solo. Os resíduos das culturas, estrumes e compostos fornecem carbono e portanto costumam em regra ter um efeito positivo na actividade biológica da rizosfera. Os estrumes e compostos também funcionam como fonte de inóculos, e por isso devem ser adequados à cultura em causa. A composição e a estrutura da comunidade biológica do solo é também dependente das culturas de cobertura. Elas podem servir como controlo para os organismos infestantes e/ou hospedeiros para organismos benéficos, como o caso de fungos micorrízicos. A incorporação dos resíduos das culturas no solo destrói a rede de micélio extra radicular e favorece o desenvolvimento da comunidade bacteriana em relação à comunidade fungica. Como as bactérias armazenam menos carbono do que os fungos, a mobilização dos solos está normalmente associada à libertação de grandes quantidades de carbono do solo na forma de dióxido de carbono, o que tem como resultado liquido a perda de matéria orgânica do solo. Quando os resíduos da cultura são deixados à superfície do solo, os primeiros passos da decomposição são efectuados por artrópodes e fungos. Neste contexto as hifas dos fungos podem estabelecer a relação entre vários horizontes do solo e permitir a translocação de nutrientes como o fósforo de zonas mais superficiais para a zona da rizosfera. O resultado liquido é o aumento da quantidade de matéria orgânica do solo associado ao aumento da diversidade e funcionalidade biológica Biofertilizantes A adopção e uso eficaz de bio-fertilizantes microbianos (inoculantes) em agricultura é uma das praticas que poderá assegurar a sustentabilidade e produtividade da hortifloricultura. A possibilidade de obter elevados rendimentos agrícolas e ao mesmo tempo preservar o meio ambiente está irremediavelmente ligada ao uso destes produtos como alternativa ao uso massivo de fungicidas e pesticidas de origem química que são dispendiosos e tem um impacto muito negativo. Os inoculantes são produtos de origem biológica cujo principio activo é um microrganismo vivo (bactérias ou fungos), que tem a propriedade de melhorar a nutrição, o crescimento e a produtividade vegetais, permitindo assim um melhor aproveitamento dos recursos naturais e ambientais. A obtenção, comercialização e aplicação eficiente de um inoculante eficaz é um processo complexo que envolve muitos especialistas. De uma forma geral a produção de inóculos de bactérias simbióticas fixadoras de azoto está mais desenvolvida do que as restantes, sendo a sua pratica comum e utilizada em várias culturas (ex. soja). No entanto actualmente a oferta do mercado é múltipla e explora as vantagens da aplicação de organismos especialistas (como os solubilizadores de P) como as vantagens concedidas pelo uso de consórcios rizosféricos. Os consórcios rizosféricos são normalmente compostos de vários organismos desde algas, bactérias, fungos e até compostos (enzimas e substâncias promotoras do crescimento) provenientes do metabolismo dos respectivos microrganismos. O uso de inoculantes micorrizicos é dificultado pela dependência que existe entre o hospede e o hospedeiro (em que o fungo não se reproduz sem a planta) o que dificulta e encarece a produção de inoculo de fungos endomicorrizicos (os que tem 41 maior importância ao nível das culturas hortícolas). No entanto esta área está em progresso, sendo acompanhada em paralelo pela investigação das potencialidades dos fungos endofiticos. Dentro deste último grupo temos a produção e uso do fungo Piriformospora indica, que se tem mostrado muito vantajosa principalmente em locais sujeitos a stress hídrico, muitos são os exemplos da sua aplicação com sucesso nas zonas Mediterrânicas. A utilização de fertilizantes revestidos de microrganismos, em que se pretende um equilíbrio entre a fertilização química e actividade bilógica do solo é um sector explorado por algumas empresas de fertilizantes e alguns agricultores, e que tem potencialidades para aumentar o uso da eficiência de utilização dos fertilizantes adicionados ao solo. REFERENCIAS Alguacil, M. M., Hernández, J. A., Caravaca, F., Portillo, B., Roldán, A. 2003. Antioxidant enzyme activities in shoots from three mycorrhizal shrub species afforested in a degraded semi-arid soil. Physiol Plant 118: 562-570. Azcón-Aguilar, C. and Barea, J. M. 1996. Arbuscular micorrizas and biological control of soil-borne plant payhogens – an overview of the mechanisms envolved. Mycorrhiza 6: 457-464. Barea, J. M., Pozo, M. J., Azcón, R., Azcón-Aguilar, C. 2005. Microbial co-operation in the rhizosphere. J. Exp. Bot. 56:1761-1778. Berbara, R. L. L., Souza, F. A., Fonseca, H. M. A. C. 2006. 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