Mudança climática, serviços energéticos e oportunidades de

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Mudança climática, serviços energéticos
e oportunidades de negócios
Sergio C. Trindade
Consultor internacional de negócios sustentáveis, baseado em New York. Ex-Secretário-Geral
Adjunto da ONU para Ciência e Tecnologia. Co-laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007
como membro do IPCC - Painel Internacional de Mudança Climática.
Contexto: Brasil, país do futuro ?
Deitado eternamente, mas despertando aos poucos desse longo repouso, o gigante
brasileiro vem buscando como e onde caminhar. Acelerou o passo e juntou-se aos
outros gigantes que, como ele, estavam adormecidos, no clube dos BRICs (Brasil,
Rússia, Índia e China). Entretanto, tendo começado bem nessa caminhada, o Brasil foi
ficando para trás. Na verdade, a designação de BRICs serve mais para referir à
extensão territorial e/ou populacional comum aos países do que para identificar
dinamismo comum na economia.
A economia brasileira nos últimos anos vem patinando e perdendo aderência à
estrada do desenvolvimento sustentável. Esgotaram-se os instrumentos de curto
prazo, fiscais e creditícios, que empurraram a economia para frente até recentemente.
A competitividade vem diminuindo com a baixa produtividade e a falta de
investimento eficiente em educação e treinamento, que estrangula o crescimento pela
limitação da oferta de recursos humanos qualificados.
A infra estrutura física, política, legal e regulatória carentes também vem impedindo
a realização do potencial de expansão da economia. A limitada capacidade de
investimento com recursos da poupança nacional requer recursos externos, que nem
sempre são passíveis de atração, face às incertezas e mudanças bruscas de políticas
públicas e as correspondentes elevações nas notas de risco por agência
internacionais. A violação da lei de diretrizes orçamentárias e a corrupção pública
alarmante e continuada amplificam a falta de credibilidade da Administração. Até
mesmo o saldo positivo do comércio internacional, que constituía um instrumento de
flexibilidade no controle da inflação, está se deteriorando. E, mais grave ainda, a
inflação, o mais injusto castigo imposto aos pobres, está retornandoi , corroendo a
economia popular.
Enfim, no Brasil, no momento, parecem faltar suficientes visão, inspiração, ideias
supra partidárias, estratégias, coerência de políticas públicas, e diálogos bem
informados, honestos e equitativos sobre o futuro do país, não só a curto prazo, como
especialmente a longo prazo, entre os “stakeholders” (partes interessadas
organizadas da sociedade) relevantes.
Mudança climática é ameaça de longo prazo mas requer ações imediatas
Os países estão mais preocupados com suas questões internas imediatas, de ordem
econômica e social. São preocupações de curto prazo, e a questão climática exige uma
visão de longo prazo. Mas por outro lado, chegaremos à Reunião de Paris (conferência
das partes) no final de 2015, para discutir uma redução mais drástica de emissões de
gases de efeito estufa. Na reunião de Copenhague, em 2009, pela primeira vez surgiu
um comprometimento de países como China e Brasil de adotar metas de emissão,
ainda que não estivessem obrigados a isso pelo Tratado do Clima e pelo Protocolo de
Kyoto. Esperamos que a conferência das partes de Paris gere avanços. Mas
infelizmente os países perderam a noção de urgência da questão ligada às mudanças
climáticas. O que é até natural. A espécie humana tem dificuldades de lidar com
ameaças de longo prazo. Mas, a questão climática é grave e, se não tomarmos
providências imediatas para enfrentá-la agora, o custo de reduzir as emissões, depois,
vai ser muito mais elevado. É preciso “descarbonizar” e “desmaterializar” a
economia.
No caso brasileiro, eventos extremos resultantes de mudança climática já se tem
manifestado com repercussões econômicas sérias: chuvas torrenciais e inundações
destruindo infraestruturas e áreas urbanas; secas prolongadas afetando a agricultura,
o agronegócio (setor mais dinâmico da economia brasileira no momento) e a vida
urbana e a geração de eletricidade hídrica; suscetibilidade de danos em áreas
litorâneas sujeitas ao aumento do nível médio do mar.
Energia, ou melhor serviços energéticos
A revista Exame publicou em 11 de maio 1977 uma entrevista comigo sob o título “É
preciso uma política energética realista” ! Quase 40 anos depois, acredito que o Brasil
ainda tem necessidade de uma política energética realista! Uma política em que o foco
seja mais do lado da demanda de serviços energéticos (iluminação, aquecimento,
resfriamento, movimento rotativo na indústria, pessoa-km, ton-km) do que da oferta
de insumos energéticos (carvão, gás, petróleo, urânio, recursos hídricos, marés, sol,
vento, diferenças de temperatura no oceano, etc.). A configuração da chamada matriz
energética enfocada pelo lado da oferta resulta diferente daquela cujo enfoque é a
demanda de serviços energéticos. Se ao enfoque demanda se acrescentar eficiência
energética, conservação e gestão da demanda, teríamos uma matriz mais sustentável.
Fazem parte de uma política energética realista no Brasil, políticas que permitam que
o custo dos serviços energéticos reflita seu custo oportunidade ao longo do tempo,
não distorcendo assim os preços relativos das diversas alternativas. E também que a
interferência governamental no mercado seja minimizada e ainda que sejam
promovidas iniciativas do setor privado, em especial nas energia novas e renováveis.
O monumental escândalo do Lava-jato escancarou o palco da desonestidade na maior
empresa brasileira, associada a elementos da classe política e empresas privadas
interessadas em contratos extra-lucrativos com a estatal. Uma crise dessa magnitude
requer respostas drásticas que preservem a Petrobras para que possa no futuro
desempenhar honestamente um papel relevante no contexto global. Mantendo o
controle da empresa pelo Estado (não o governo) brasileiro, uma possível resposta
seria recrutar o conselho de administração e a diretoria executiva da empresa no
mercado internacional de executivos com apoio em “headhunters” reputados. E desse
recrutamento poderiam participar atuais diretores e funcionários da empresa
concorrendo com outros interessados.
Nos EUA, Laboratórios Nacionais como Oak Ridge, lidando com matérias
estrategicamente importantes (p.ex. pesquisas e armamentos nucleares) são geridos
por empresas privadas, em regime de rotação ao cabo de alguns anos de contrato de
gestão. Seria saudável experimentar esse enfoque no Brasil, em empreendimentos
estatais, empresas e instituições de pesquisa.
Outra resposta no curto prazo seria não operar a refinaria Abreu e Lima, em
Pernambuco, em sua plenitude, pois face ao gigantesco custo fixo (incluindo
propinas), cada barril de diesel produzido custará muito mais que o que se pode
comprar aos preços baixos do momento no mercado internacional.
Uma outra resposta em paralelo, seria manter a produção atual de cerca de 500 mil
barris/dia, e preservar as reservas do Sub-sal (unicamente no Brasil chamado de Présal) para o futuro, em consideração dos preços baixos de petróleo no curto prazo, dos
elevados custos de prospecção e produção e das incertezas financeiras e tecnológicas
envolvidas. E assim sendo, a consideração seria ou desativar a Sete Brasil, outro palco
de escândalos, vendê-la ou voltá-la a mercados externos, uma vez recrutados novos
dirigentes no mercado internacional, incluindo brasileiros.
Há no mundo inteiro uma discussão entre aqueles que estão envolvidos com petróleo
e gás e aqueles ligados a energias renováveis. Esse conflito existe no Brasil também.
A Petrobras pode alegar que é a favor do etanol, mas, no fundo ela não poderia deixar
de ser uma empresa de petróleo e gás. Alguns anos atrás, a Petrobras tentou se
transformar em uma empresa de energia, e foi criada a Petrobras Biocombustíveis,
que vem gerando prejuízos que nunca foram suficientemente explicados nem a seus
acionistas, nem ao público em geral, e pode ser desativada em face das prioridades
imediatas da empresa. Até seria positiva a saída da Petrobras de um mercado que
pode ser muito bem atendido pela iniciativa privada, se as políticas governamentais
não atrapalharem. Mas o conflito entre essas correntes é permanente. Quem expandiu
o etanol foi o ex-presidente Geisel, apesar de bastante vinculado à Petrobras, ao criar
o Proálcool, mas ele fez isso porque na época o conhecimento disponível indicava não
haver petróleo suficiente no Brasil.
À medida que foram surgindo depósitos de óleo costa afora, como na Bacia de Campos
(Sobre-sal), e mais recentemente no Sub-Sal (o que apenas no Brasil se chama de PréSal!), o cabo de guerra começou a pender para o outro lado. No caso da matriz
energética brasileira, está havendo um retrocesso, sim, uma espécie de marcha à ré,
com a entrada em cena dos hidrocarbonetos da camada Sub-Sal, e o incremento da
geração elétrica a gás natural, carvão e diesel.
E nesse processo, parece que foram sendo esquecidos os compromissos com a
sustentabilidade e com a economia verde. A matriz energética brasileira, por
exemplo, vem perdendo seu caráter renovável e sua reduzida emissão de gases de
efeito estufa. Globalmente, a energia renovável responde por 18% da energia total.
No Brasil até há pouco, ela representava cerca de 45%. Mas a tendência imediata é
perder espaço para a energia fóssil do gás natural, petróleo e até mesmo carvão,
revertendo assim a trajetória brasileira anterior, voltada para a sustentabilidade e
contrariando a tendência global futura de longo prazo.
Repensar o Brasil e criar um futuro sustentável demanda da população brasileira, de
seus “stakeholders” e de suas lideranças econômicas, sociais, ambientais e até mesmo
políticas, um esforço desmesurado de priorizar iniciativas. Mas, ao mesmo tempo
propicia uma oportunidade única de transformar verdadeiramente o país.
O Brasil tem o potencial de deixar de ser eternamente o país do futuro, para liderar
globalmente uma Terra sustentável. Será que haverá suficiente vontade e liderança
no país capaz de estimular os “stakeholders” a dialogarem para encontrar o maior
espaço possível de consenso sobre as prioridades do futuro sustentável que os
brasileiros querem e merecem? Quem vai liderar esse processo ?
Oportunidades de negócios propiciadas pela mudança climática e pelos
serviços energéticos do futuro
A necessidade de reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa
(mitigação) e implementar adaptações requeridas pelos efeitos da mudança
climática, já ocorridos e a ocorrer, oferecerá ampla gama de oportunidades de
negócios no Brasil e globalmente, e beneficiará aqueles que estiverem preparados. Da
mesma forma, os serviços energéticos no futuro resultarão de configurações menos
dependentes de fontes fósseis. Desse cenário surgirão oportunidades em geração de
eletricidade para atender a usos correntes e novos usos ligados à tecnologias de
informação e comunicação, e serviços de mobilidade elétrica.
Por exemplo, a rápida mudança climática que está ocorrendo no Ártico e na Antártida
abre novas oportunidades. No Ártico, por várias razões, a velocidade da mudança
climática e a elevação da temperatura estão mantendo o oceano Ártico mais tempo
livre do gelo. Isto já está oferecendo alternativas ao frete marítimo do leste dos EUA
e da Europa à Ásia, pela costa da Sibéria. Ao mesmo tempo, a atividade pesqueira
poderá se expandir. O turismo poderá prosperar. O acesso a minerais e a recursos de
petróleo e gás será ampliado. A navegação incrementada no Ártico vai demandar a
construção de portos e a construção naval especializadas. O Brasil ainda não é, mas
com o apoio da indústria brasileira e outros “stakeholders,” junto à Presidência da
República e ao Itamaraty, poderá se tornar Membro Observador do Conselho do
Ártico, aumentando a influência brasileira na região e sua capacidade de identificar
oportunidades negociais. Por óbvias razões, China, Cingapura, Coréia, Índia e Japão,
entre outros são Membros Observadores do Conselho do Ártico. Como explicar a
inércia brasileira nessa questão ?
O Brasil é membro do Tratado da Antártida, e desenvolve trabalhos de pesquisa
científica na região. Entretanto, durante a vigência do Tratado, não serão aceitos
pleitos de soberania territorial, não poderá haver exploração de recursos minerais,
nem qualquer presença militar. Durante esse período a Antártida é um protetorado
ambiental, onde não poderão ser introduzidas espécies exógenas, nem mesmo cães
de tração de trenós. Por outro lado, a pesca comercial é livre e o turismo é liberado,
respeitadas certas normas.
O Brasil precisa se aproximar do mundo ! Integrar-se às redes de investimento,
inovação e comércio internacional.
No cenário internacional, a maior parte dos investimentos em Pesquisa e
Desenvolvimento – P&D, base do processo de inovação, é feita pelas empresas
privadas. Também há uma participação do Estado, mas o privado, em geral, domina.
No caso brasileiro, ainda não é assim. Está aumentando a presença privada em termos
de investimento, mas ainda falta muito. Isso tem a ver com o estilo de nossa iniciativa
privada de pensar na sua competitividade futura. Não ajuda muito, no caso brasileiro,
uma certa tendência de retrocesso em relação à presença do Estado no setor
produtivo. Outro aspecto é que se você cria, como acontece no Brasil, obstáculos para
a concorrência, isso desestimula as empresas a fazer algo parecido com o que fazem
as empresas da Coreia, do Japão, dos Estados Unidos, da Europa. Lá, elas têm de
investir para sobreviver. Também nos atrapalha a mudança frequente de políticas
públicas, que às vezes incentiva, às vezes não a participação privada.
O Brasil é provavelmente um dos países mais ricos do mundo em energia solar em
face de sua enorme extensão territorial e da faixa de latitude que ocupa no globo. Tem
também muitas áreas com abundante potencial de energia eólia. Mas, tem havido
muito pouca materialização desse potencial em parte em consequência de políticas
equivocadas ou mal implementadas. Países com potencial inferior ao Brasil estão
muito mais avançados em energia solar, como a Alemanha e a China, e em energia
eólia, como a Alemanha, a Dinamarca e os EUA. Um desafio a enfrentar pelo Brasil
seria se transformar em país líder mundial em energia solar e eólia e satisfazer não
só o mercado interno, bem como o mercado internacional.
O Brasil tem uma imensa população talentosa que requer um mínimo de estímulo e
políticas positivas para responder aos desafios da mudança climática e da
necessidade de serviços energéticos de baixa pegada de carbono. A economia
desmaterializada e descarbonizada do futuro já está acontecendo no presente.
Exemplos são Air BnB o maior serviço mundial de reserva de acomodações, que não
é proprietário de nenhum imóvel; o serviço de varejo mais valorizado do mundo,
Alibaba, que não tem estoque de qualquer mercadoria: a maior empresa de mídia do
globo, Facebook, não gera mídia própria; a maior frota de taxi da Terra, organizada
pela Uber, não possui um veículo sequer! A capacidade de organizar, mobilizar,
compartilhar apoiada em tecnologias de informação e comunicação permitiu o
aparecimento dessas novas formas de satisfazer demandas permanentes. Isso vem
abrindo no Brasil e no mundo novas oportunidades de negócio onde a ingenuidade
brasileira poderá prosperar.
A capacidade brasileira de atender às justas demandas sociais de sua população passa
pelo crescimento econômico que produza recursos para melhorar a qualidade e
quantidade de apoio à saúde, educação, treinamento, transporte e habitação. E ao
mesmo tempo a qualificação acelerada da população em idade produtiva favorecerá
o desenvolvimento de cidadãos brasileiros plenos, informados, conectados, que
valorizam a sustentabilidade, capazes de desempenhar papel relevante em uma
economia mundial competitiva.
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