PRÁTICA POPULAR DE SAÚDE: A CONCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DA UNIDADE DE SAÚDE ENGENHO DO MEIO SOBRE O USO DE PLANTAS MEDICINAIS PRÁTICA POPULAR DE SAÚDE: A CONCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DA UNIDADE DE SAÚDE ENGENHO DO MEIO SOBRE O USO DE PLANTAS MEDICINAIS Popular Health Practice: users’ conception about the use of Medicinal Plants at the Engenho do Meio Health Care Unit Arthur Morais Souto Freire1, Rosana Juliet Silva Monteiro2, Joelma Farias de Oliveira3, Karina Perrelli Randau4 RESUMO ABSTRACT A pesquisa caracterizou-se por estudar o uso da fitoterapia pelos comunitários atendidos na Unidade de Saúde da Família Engenho do Meio, Recife, PE, e traçar o perfil socioeconômico. Foi realizado um estudo observacional, transversal e descritivo de natureza quanti-qualitativa, no qual os dados foram obtidos através de entrevistas com 369 usuários, conduzidas por estudantes do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) por meio de questionário semiestruturado. Foram abordados dados socioeconômicos e etnofarmacológicos, os quais foram analisados por distribuição de frequência simples. Dos usuários entrevistados, 85% foram mulheres, 36% possuíam ensino médio completo e 83% tinham renda familiar de até dois salários mínimos. Verificou-se que 77% utilizam alguma planta medicinal, sendo os distúrbios gastrintestinais a principal indicação clínica. Vizinhos e familiares foram responsáveis por 93% das indicações. O chá foi a forma de preparo predominante (94%) e a folha, a parte da planta mais usada (83%). Quando abordados sobre as contraindicações das plantas, 99% dos usuários informaram desconhecê-las. Pode-se perceber com os resultados a valorização da cultura popular, em função da elevada taxa de uso das plantas medicinais. No entanto, é preciso investir na perspectiva do uso racional e seguro das plantas medicinais pelo elevado índice de desconhecimento acerca das contraindicações. The research was characterized by studying the use of phytotherapy in the community served by the Engenho do Meio Family Health Care Unit, Recife, PE, as well as determining the socioeconomic profile. An observational, cross-sectional, descriptive study, qualitative and quantitative in nature, in which the data were obtained through interviews with 369 users, was carried out by students of the Education Program for Work in Health Care (EPW-Health) through a semi-structured questionnaire. Socioeconomic and ethnopharmacological data, which were analyzed by simple frequency distribution, were discussed. Among the surveyed users, 85% were women, 36% had completed high school, and 83% had a family income of up to two minimum wages. It was found that 77% use a medicinal plant, with gastrointestinal disorders being the main clinical indication. Neighbors and family members were responsible for 93% of the recommendations. Tea was the predominant form of preparation (94%) and the leaf was the most commonly used part of the plant (83%). When asked about the contraindications of plants, 99% of the users reported being unaware of them. The results show the importance of popular culture, given the high rate of use of medicinal plants. However, investment in the perspective of the rational and safe use of medicinal plants is needed due to the high rate of ignorance about the contraindications. PALAVRAS-CHAVE: Medicina Popular; Atenção Primária à Saúde; Etnofarmacologia. KEYWORDS: Popular Medicine; Primary Attention to Health; Ethnopharmacology. 1 Curso de Serviço Social, bolsista do PRO-Saúde/PET-Saúde. Universidade Federal de Pernambuco. Curso de Terapia Ocupacional, bolsista do PRO-Saúde/PET-Saúde. 3 Farmacêutica especialista em Saúde da Família, Prefeitura da Cidade do Recife. Preceptora do PRO-Saúde/PET-Saúde. 4 Departamento de Ciências Farmacêuticas, Laboratório de Farmacognosia. Tutora do PRO-Saúde/PET-Saúde. Universidade Federal de Pernambuco. Email: [email protected]. Financiamento: PRO-Saúde/PET-Saúde; PROEXT/UFPE. 2 Rev. APS. 2015 abr/jun; 18(2): 205 - 212. 205 Arthur Morais Souto Freire, Rosana Juliet Silva Monteiro, Joelma Farias de Oliveira, Karina Perrelli Randau INTRODUÇÃO O uso tradicional de plantas medicinais no Brasil tem suas origens em sua diversa herança etnocultural, 1 representando parte importante da cultura de um povo, sendo, também, um saber utilizado e difundido pelas populações ao longo de várias gerações. 2 A partir do conhecimento e uso popular das plantas, foram descobertos alguns medicamentos, como os salicilatos e digitálicos. 3 O contexto do grupo familiar abriga um conhecimento próprio, no qual as plantas medicinais são usadas com a finalidade de prevenir e tratar doenças. Porém, esse uso nem sempre está associado à comprovação de sua eficácia. Para compreender esse contexto, é importante conhecer como as pessoas vivem, seus valores e crenças e os fatores relacionados à cultura, que influenciam as práticas de cuidado à saúde .4,5 O uso popular e mesmo o tradicional não são suficientes para validar eticamente as plantas medicinais como medicamentos seguros. Assim, para uma planta medicinal ser utilizada como medicamento, ela deve ser validada, isso é, ter sua ação comprovada e sua toxicidade potencial avaliada cientificamente na espécie humana. 6 A fitoterapia como recurso terapêutico tem acompanhado a evolução tecnológica, no que se refere ao reconhecimento dos constituintes químicos ativos e os estudos de triagem quanto ao seu emprego, além dos ensaios de segurança. Para sua efetiva utilização, torna-se necessário o processamento da planta, visando a sua adequação à via e forma de administração, obtendo-se formas farmacêuticas de acordo com a possibilidade tecnológica e necessidade para o uso. 7 Os profissionais de saúde devem considerar o saber popular e atuar de forma a integrá-lo ao conhecimento científico, pois, muitas vezes, a população desconhece os efeitos tóxicos, a forma correta de cultivo, o preparo, as contraindicações e quando a planta pode ser indicada. Essa atitude viabiliza um cuidado singular, centrado nas crenças, valores e estilo de vida das pessoas cuidadas, pois as terapias complementares possibilitam ao indivíduo relativa autonomia em relação ao cuidado com seu próprio bem estar. Além disso, o estudo de plantas medicinais, a partir de seu emprego pelas comunidades, pode fornecer informações úteis para a elaboração de estudos farmacológicos. 8,9,10 A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem expressado a sua posição a respeito da necessidade de valorizar a utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário, tendo em conta que 80% da população mundial utilizam essas plantas ou preparações dessas, no que se refere à atenção primária de saúde. 11 Ainda, de acordo com a ins206 tituição, a fitoterapia enquanto prática de medicina popular ou tradicional é aclamada como uma forma mais barata e fácil de aumentar a cobertura da atenção primária à saúde (APS), em países não desenvolvidos e em desenvolvimento. 12 Um programa adequado de fitoterapia deve incorporar um conjunto de atitudes, valores e crenças que constituem uma filosofia de vida e não meramente uma porção de remédios.2 Em consonância com as recomendações da OMS, foi aprovada, em 2006, a Politica Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, que contempla, entre outras práticas, as plantas medicinais e fitoterapia. As ações para implementação das diretrizes desta política buscam ampliar a oferta de serviços e produtos relacionados à fitoterapia no SUS, de forma segura e racional, por profissionais de saúde qualificados, considerando o sujeito em sua singularidade e inserção sociocultural, promovendo a integralidade da atenção. 7 Dentre as diretrizes desta política destacam-se: a elaboração da relação nacional de plantas medicinais e da relação nacional de fitoterápicos; formação e educação permanente dos profissionais de saúde em plantas medicinais e fitoterapia; fortalecimento e ampliação da participação popular e do controle social; incentivo à pesquisa e desenvolvimento de plantas medicinais e fitoterápicos, priorizando a biodiversidade do país; promoção do uso racional de plantas medicinais e dos fitoterápicos no SUS; garantia do monitoramento da qualidade dos fitoterápicos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. 7 Considerando a importância de resgatar o conhecimento popular acerca das plantas medicinais como forma de fomentar e inserir o sujeito na gestão do seu cuidado, além de fortalecer o vínculo com o serviço de saúde, este trabalho teve como objetivo caracterizar o uso popular das plantas medicinais pelos comunitários atendidos na USF Engenho do Meio, Recife, PE, e traçar seu perfil socioeconômico. METODOLOGIA Trata-se de um estudo observacional, transversal e descritivo de natureza quanti-qualitativa, desenvolvido na Unidade de Saúde da Família Engenho do Meio, localizada no Distrito Sanitário IV, Recife. Compõem a unidade, duas equipes de saúde as quais são responsáveis por 1.860 famílias adscritas, totalizando 7.358 pessoas. A população do estudo constituiu-se de 369 usuários que estavam na unidade de saúde aguardando o atendimento. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas, após a concordância e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O instrumento utilizado foi Rev. APS. 2015 abr/jun; 18(2): 205 - 212. PRÁTICA POPULAR DE SAÚDE: A CONCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DA UNIDADE DE SAÚDE ENGENHO DO MEIO SOBRE O USO DE PLANTAS MEDICINAIS um questionário semiestruturado, aplicado pelos estudantes do PET SAÚDE (UFPE), em que foram abordados aspectos socioeconômicos, demográfico, e etnofarmacológico. Os dados foram analisados através da distribuição por frequência relativa. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco, sob parecer de nº 516.091. RESULTADOS E DISCUSSÃO Perfis demográfico e socioeconômico Dos 369 usuários entrevistados, 85% foram do sexo feminino e 15% do sexo masculino, com uma média de idade de 49,5 anos. De modo geral, as mulheres utilizam mais os serviços de saúde, o que pode ser explicado, em parte, pelas variações no perfil de necessidades de saúde entre os gêneros, além do maior interesse das mulheres com relação à sua saúde .13 De acordo com Gomes et al., 14 os homens padecem mais de condições severas e crônicas de saúde, no entanto, estão menos presentes nos serviços de atenção primária à saúde, devido à influência da identidade de gênero (a noção de invulnerabilidade, a busca de risco como um valor), a qual dificultaria a verbalização de suas necessidades de saúde no contexto da assistência. 15 Quanto às condições socioeconômicas, 44% tinham o ensino médio, 39% o ensino fundamental, 14% o ensino superior e 4% não eram alfabetizados. Em relação ao rendimento familiar mensal, 83% tinham renda de até 2 salários mínimos e 17% de 3 a 8 salários mínimos. O nível de educação de uma população guarda relação com seu estado de saúde. 16 Para Kassouf, 17 o aumento do nível de escolaridade reduz a procura por serviços de saúde por Caracterização das plantas medicinais O estudo mostrou que 77% dos usuários utilizam motivo de doença, possivelmente pelo fato de a educação trazer um maior conhecimento dos problemas de saúde e de medidas preventivas, melhorando, assim, a sua qualidade de vida. Além disso, as necessidades de saúde distribuem-se desigualmente entre os indivíduos das distintas classes de rendimento familiar mensal e são maiores nas classes de menor rendimento. 16 Em suma, observa-se, em diversos estudos, segundo Santos,18 a existência de um quase consenso de que pessoas expostas a condições sociais e econômicas desfavoráveis apresentam piores condições de saúde. O consumo de bebida alcoólica foi relatado por 100% dos usuários, sendo que 8% fazem uso diário. Para Meloni e Laranjeira, 19 padrões de consumo de bebidas alcoólicas variam conforme a cultura, o país, o gênero, a faixa etária, as normas sociais vigentes e o subgrupo social considerado. Ainda, segundo os autores, o volume médio per capita e os padrões predominantes de consumo são importantes variáveis relacionadas aos danos provocados pelo álcool, configurando-se elementos fundamentais para avaliações epidemiológicas de nível local e para levantamentos em escalas mais abrangentes. planta medicinal, sendo descritas 72 espécies vegetais. A tabela 1 apresenta as principais plantas citadas. Tabela 1 - Principais plantas medicinais utilizadas pelos comunitários da USF Engenho do Meio. Plantas Medicinais Indicações Taxa Boldo Distúrbios gastrintestinais * 21% Capim-santo Distúrbios gastrintestinais*, calmante 15% Erva-doce Distúrbios gastrintestinais*, calmante 13% Camomila Calmante 12% Erva-cidreira Distúrbios gastrintestinais*, calmante 11% Hortelã miúda Distúrbios gastrintestinais*, afecções respiratórias ** 6% Canela Distúrbios gastrintestinais*, calmante 5% Rev. APS. 2015 abr/jun; 18(2): 205 - 212. 207 Arthur Morais Souto Freire, Rosana Juliet Silva Monteiro, Joelma Farias de Oliveira, Karina Perrelli Randau Colônia Analgésico, calmante, distúrbios gastrintestinais*, antipirético 2% Mastruz Antigripal, expectorante 1% Alcachofra Distúrbios gastrintestinais* 1% Outras 13% * Diarreia, dores estomacal e intestinal, gases, dispepsia, cólicas, hepatoprotetor. ** Gripe e tosse Fonte: dados da pesquisa. Destaca-se o largo uso das plantas medicinais por suas propriedades terapêuticas no trato gastrintestinal e como ansiolítico. Machado, Czermainski e Lopes, 20 ao analisarem as enfermidades tratadas com plantas me­dicinais e fitoterápicos, também, identificaram maior percentual para os efeitos digestivo e calmante (18,75%), ambos. Os autores ressaltam a importância de considerar a denominação popular das plantas uma vez que alguns nomes consagrados em determinadas regiões corres­pondem a outros, em outras localizações e na literatura. Ao analisar a indicação popular das espécies vegetais citadas, constata-se que algumas não estão em consonância com a literatura científica, como no caso da ervadoce, hortelã miúda, canela e colônia. De acordo com o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, 21 a erva- doce e a canela são desprovidas de propriedades calmantes e a hortelã miúda apresenta apenas efeitos no trato digestivo, não sendo indicada em distúrbios respiratórios. Já a colônia está indicada como antihipertensivo e estados de ansiedade, não dispondo das demais propriedades terapêuticas de uso popular citadas.22 Entre a população que utiliza planta medicinal, 51% cultivam no jardim de casa ou compram em feiras ao ar livre (figura 1). Segundo Veiga Junior e Pinto, 23 no caso da comercialização popular de plantas medicinais, muitos cuidados são relevantes, tais como identificação errônea da planta, possibilidades de adulteração, efeitos de superdosagens, reações alérgicas ou tóxicas. Também em seu estudo Veiga Junior 24 observou um elevado percentual (40%) na utilização de plantas do próprio jardim, alertando para o risco de identificação errônea da planta. De acordo com a pesquisa de Badke et al., 7 a obtenção dos vegetais através do próprio cultivo, seria uma forma de controle da qualidade, devido à importância de cultivá-los em ambientes limpos e sem a utilização de agrotóxicos. O chá preparado por infusão foi a forma de utilização predominante, conforme as figuras 2 e 3. Em sua pesquisa qualitativa, Cruz e Sampaio 25 também encontraram como a principal forma de cuidado alternativo à saúde o uso de plantas medicinais na forma de chás. 208 Figura 1 - Local de aquisição das plantas medicinais informado pelos usuários da USF Engenho do Meio. Fonte: dados da pesquisa. Figura 2 - Modo de preparo dos chás relatado pelos usuários da USF Engenho do Meio. Infusão Decocção Fonte: dados da pesquisa. Figura 3 - Modo de preparo das plantas relatado pelos usuários da USF Engenho do Meio. Fonte: dados da pesquisa. Rev. APS. 2015 abr/jun; 18(2): 205 - 212. PRÁTICA POPULAR DE SAÚDE: A CONCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DA UNIDADE DE SAÚDE ENGENHO DO MEIO SOBRE O USO DE PLANTAS MEDICINAIS Ao realizar o levantamento das plantas medicinais utilizadas pela comunidade de São José de Espinharas, Paraíba, Marinho et al. 26 verificaram o índice mais elevado para a preparação na forma de lambedor (32%), seguido de chá (24%). Para Silva e Hahn, 27 é importante que o modo de preparo esteja de acordo com a parte a ser utilizada, visto que para a casca, o caule e a raiz a decocção é o método mais indicado, enquanto para as folhas, flores e frutos o ideal é a infusão. A folha foi a parte da planta mais citada na preparação dos remédios (figura 4), com valor superior ao encontrado por Zucchi et al., 28 em seu levantamento etnobotânico de plantas medicinais, onde a folha foi largamente utilizada (40%). Houve também predominância da folha, no estudo de Silva et al. 29 com 55,3% das citações. Segundo o autor, isto se deve, provavelmente, à maior disponibilidade dessa estrutura vegetal e pela facilidade de colheita. No entanto, Alves et al., 30 ao estudarem a utilização e comércio de plantas medicinais em Campina Grande, observaram um maior uso de cascas na preparação dos remédios (56%). Figura 4 - Partes das plantas medicinais utilizadas nas preparações dos remédios da USF Engenho do Meio. Fonte: dados da pesquisa. O estudo revelou que 93% das plantas foram indicadas por vizinhos e familiares (figura 5); observação concordante com a encontrada por Veiga Junior, 24 em sua análise estatística, em que se verificou que 90,1% dos entrevistados tiveram indicação de família ou pessoas próximas. Brasileiro et al. 31 também mostram, em pesquisa, que a maior fonte de informação sobre a utilização de plantas medicinais é oriunda da tradição familiar. Segundo Bruning et a.,l 8 a fitoterapia e o uso de plantas medicinais constituem um conjunto de saberes internalizados nos diversos usuários e praticantes, especialmente pela tradição oral. Rev. APS. 2015 abr/jun; 18(2): 205 - 212. Figura 5 - Fontes de indicação para o uso de plantas medicinais relatados por usuários da USF Engenho do Meio. Fonte: dados da pesquisa. Em 80% dos entrevistados, a equipe de saúde não sabia do uso, sendo apontado como motivo da desinformação, em 87% dos casos, o fato de os usuários não serem questionados. Este resultado demonstra uma lacuna na comunicação entre o paciente e o profissional, a qual pode prejudicar o cuidado à saúde, devendo-se buscar um diálogo baseado na troca de saberes entre as equipes de saúde e a comunidade, a fim de se alcançar a corresponsabilidade e a autonomia do sujeito em seu cuidado. O vínculo é um importante instrumento para superação da quebra do diálogo, pois segundo Brunello et al., 32 pressupõe a existência de uma fonte regular de atenção, pautada em uma relação de compreensão, em dar apoio e oferecer escuta, narrar fatos e provocar a narração por parte do outro, permeando a responsabilização, a integralidade, a humanização, entre outros. Quanto às contraindicações das plantas em uso, 99% dos usuários relataram desconhecê-las. Dessa forma, segundo Santos et al., 33 é essencial que os profissionais de saúde conheçam as atividades farmacológicas e a toxicidade das plantas medicinais, de acordo com os costumes, tradições e condição socioeconômica da população para que possam alertar quanto aos riscos inerentes ao uso de forma irracional. Além disso, o uso deve ser precedido por criteriosa identificação e classificação botânica, a fim de evitar a indução de erros e problemas durante a utilização, pois segundo Brasileiro et al., 31 a complementação do conhecimento popular e científico sobre a produção e o uso de plantas medicinais é fundamental para sua segurança e eficácia. Ao serem indagados sobre o desejo de participar de um projeto de farmácia viva, 54% afirmaram ter o interesse. O projeto Farmácias Vivas tem características de 209 Arthur Morais Souto Freire, Rosana Juliet Silva Monteiro, Joelma Farias de Oliveira, Karina Perrelli Randau um programa de medicina social, com a finalidade de oferecer, sem fins lucrativos, assistência farmacêutica fitoterápica às comunidades e promover o uso correto de plantas de ocorrência local ou regional, dotadas de atividade terapêutica cientificamente comprovada. Inspirados neste projeto, vários municípios obtiveram experiências valiosas com a fitoterapia na atenção básica, com destaque para Curitiba, Rio de janeiro, Vitória, Picos, entre outros. 12 Assim, o projeto Farmácia Viva configura-se como mais uma alternativa na assistência à saúde dos usuários, viabilizando a integração do conhecimento empírico e acadêmico na produção de saúde, a qual, segundo Schveitzer et al., 34 depende de condições biopsicossociais e de valores culturais. CONCLUSÃO Pode-se perceber com os resultados a valorização da cultura popular, em função da elevada taxa de uso das plantas medicinais, cujas indicações advindas de vizinhos e familiares são predominantes. Porém, é preciso investir na perspectiva do uso racional e seguro das plantas medicinais pelo elevado índice de desconhecimento acerca de suas contraindicações. Assim, é fundamental investir na qualificação da equipe de saúde com foco na clínica ampliada, no cuidado humanizado e na autonomia do sujeito, direcionando o saber para as práticas integrativas, em especial, para a fitoterapia, uma vez que a formação acadêmica da maioria dos profissionais de saúde não contempla a referida prática. Nessa perspectiva, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) é um importante instrumento para aprimorar o campo e núcleo de saberes dos profissionais que trabalham nos serviços municipais de saúde e consolidar a fitoterapia, já que atua pela integração ensino-serviço, tendo suas atividades desenvolvidas no território da comunidade sob orientação e supervisão de um tutor acadêmico. de saúde. Revista Fitos. 2011 dez.; (32):29-34. 2. Tomazzoni MI, Negrelle RRB, Centa ML. Fitoterapia popular: a busca instrumental enquanto prática terapêutica. Texto Contexto Enferm. 2006 fev.; 15(1):115-21. 3. Arnous AH, Santos AS, Beinner RPC. 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