APLICAÇÃO DE BASES CONCEITUAIS DE TRIBOLOGIA NO BENEFICIAMENTO 45 APLICAÇÃO DE BASES CONCEITUAIS DE TRIBOLOGIA NO BENEFICIAMENTO DE GRANITOS ORNAMENTAIS Rogério Pinto Ribeiro Leonardo Luiz Lyroda Silveira Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Geotecnia, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador São-Carlense, 400, CEP 13566-970, São Carlos, SP, e-mails: [email protected]; [email protected] Antenor Braga Paraguassú José Eduardo Rodrigues Professor Titular do Departamento de Geotecnia, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador São-Carlense, 400, CEP 13566-970, São Carlos, SP, e-mails: [email protected], [email protected] Resumo A compreensão da serragem e do polimento de granitos ornamentais como sendo processos de desgaste de uma superfície, em que existe íntima relação entre diversas variáveis, ainda não se encontra devidamente equacionada. O presente trabalho aborda, de modo pioneiro, o tribossistema rocha, abrasivo e variáveis operacionais. Este enfoque propicia um maior entendimento dos fenômenos envolvidos no processo industrial e contribui para a diminuição do empirismo freqüentemente observado na indústria das rochas ornamentais. Palavras-chave: rochas ornamentais, serragem e polimento, tribossistema. Introdução O beneficiamento de rochas ornamentais compreende uma sucessão de etapas de desgaste abrasivo, que se inicia com a serragem dos blocos e vai até o polimento final das placas. A abordagem de estudo dessas etapas, em diversos casos, pode ter o mesmo enfoque dado pela Tribologia, ramo da engenharia mecânica que trata dos mecanismos de desgaste de ligas metálicas. O desgaste, segundo tal enfoque, se insere no chamado tribossistema, cujo resultado final retrata a interação entre as propriedades intrínsecas da rocha, do abrasivo e das variáveis operacionais do processo. Para compreender adequadamente as interações entre essas três variáveis, é conveniente organizá-las de tal maneira que cada aspecto particular seja tratado como elemento de um conjunto com determinado número de variáveis. Dessa forma, têm-se envolvidos os seguintes parâmetros: da rocha – mineralogia, textura, grau de alteração, anisotropia e propriedades mecânicas; do abrasivo – dureza, parâmetros de forma e tamanho; do processo – velocidade de avanço, carga aplicada, velocidade de corte e tipo de movimento. Os parâmetros relativos à rocha, principalmente no caso dos granitos, mostram grande complexidade para a quantificação do desgaste, razão pela qual não há ensaios laboratoriais que possam simulá-lo com fidelidade nas várias etapas do beneficiamento. A abordagem desse assunto, sob a óptica da Tribologia, propicia maior conhecimento dos fenômenos envolvidos no processo industrial e contribui para a diminuição do empirismo verificado nesse setor produtivo. Minerva, 1(1): 45-50 46 RIBEIRO, PARAGUASSÚ, RODRIGUES & SILVEIRA Tribologia A Tribologia envolve estudos do atrito e do desgaste de corpos e pode ser definida como a ciência e a tecnologia de superfícies que interagem em movimento relativo. O atrito e o desgaste não são propriedades intrínsecas dos materiais, mas sim características da interação desses materiais com variáveis operacionais do processo a que estão submetidos, sendo estes responsáveis, respectivamente, por dissipações de energia e matéria. O atrito é a resistência ao deslocamento e é gerado a partir da interação de sólidos em determinadas áreas de contato; já o desgaste é a perda progressiva de material da superfície de um corpo sólido, decorrente do contato e do movimento relativo deste com outro corpo sólido, líquido ou gasoso (Zum Gahr, 1987). Em muitos setores das atividades humanas o desgaste é um fator indesejável, pois causa perda da vida útil de algum componente. Em se tratando da serragem e do polimento de granitos ornamentais, o desgaste abrasivo é fundamental para o processo de beneficiamento. Na serragem de blocos em teares, os grãos de granalha, contidos em uma mistura abrasiva, desgastam continuamente a rocha e desdobram 1 m³ em aproximadamente 35 m² de placas. O polimento dessas placas é também uma operação de desgaste sobre a superfície rochosa que imprime o brilho, a beleza e a sua durabilidade. Para Zum-Gahr (op. cit.), o desgaste por abrasão se caracteriza por movimento relativo entre um corpo duro e uma superfície mais “mole”. Neste processo, tanto o corpo duro pode ser fraturado como a superfície mais mole pode ser trincada e/ou deformada, sendo posteriormente removidos da superfície, resultando em mensurável perda de volume. O desgaste abrasivo pode ser de contato a dois e a três corpos (Figura 1). O primeiro ocorre quando o abrasivo desliza ao longo de uma superfície e o outro, quando ele desliza entre duas superfícies. A resistência ao desgaste é considerada parte de um sistema tribológico, sendo influenciada por vários parâmetros, dentre eles o tipo de abrasivo, as propriedades do material, as características do projeto e as condições operacionais do equipamento de desgaste. Para compreender as interações existentes entre essas variáveis, é conveniente organizá-las em torno do conceito de Sistema de Desgaste ou Tribossistema, de tal maneira que cada aspecto particular seja examinado como elemento de um todo mais amplo. De maneira esquemática, o tribossistema existente no beneficiamento de rochas ornamentais é mostrado na Figura 2. Beneficiamento Primário O beneficiamento primário (serragem ou desdobramento de blocos) constitui a primeira etapa do processo de industrialização das rochas ornamentais. Os equipamentos Minerva, 1(1): 45-50 e os produtos utilizados encontram-se detalhados em Coimbra Filho et al. (2004). As rochas são extraídas do maciço rochoso na forma de blocos (aproximadamente 3 m x 1,8 m x 1,8 m) que geralmente são serrados em teares (Figura 3), por meio da ação combinada de lâminas de aço e da mistura abrasiva constituída de água, cal e granalha metálica, distribuída por gotejamento intenso sobre o bloco (Figura 4). Essa mistura abrasiva é recolhida por um escoadouro posicionado sob o tear e reutilizada por bombeamento contínuo em circuito fechado. A serragem de blocos, com as dimensões anteriormente citadas, se constitui em uma operação de grande complexidade, processada em um tempo mínimo de quatro dias ininterruptos, e envolve controles minuciosos da lama abrasiva (viscosidade, densidade, concentração do abrasivo), velocidades vertical (avanço) e horizontal (das lâminas). Matéria-prima (rocha) x serrabilidade O avanço tecnológico dos equipamentos utilizados na serragem tem proporcionado significativo aumento na produção e na qualidade dos granitos ornamentais. Na otimização desse processo é de suma importância que se considere a rocha “realmente como um produto natural”, lembrando que em sua gênese não há controle de qualidade. Trata-se, portanto, de um material com diversidade em suas características e que necessita de um controle tecnológico que considere, entre outras variáveis, as relações dos minerais presentes, a textura e a estrutura da rocha. As rochas são formadas por diferentes minerais, cada um com características particulares, que respondem diferentemente ao conjunto das solicitações impostas na serragem. As proporções relativas entre eles e as variações texturais, como, por exemplo, tamanho, forma, presença de pórfiros, imbricamento dos cristais, grau de microfissuramento, grau de alteração, etc., podem ser responsáveis por diferenças na resistência à abrasão e ao impacto das lâminas nos teares. A serrabilidade refere-se à facilidade com que uma rocha é serrada. A título de exemplo, afirma-se que um granito é de difícil serragem quando são elevados o tempo decorrido para essa operação e o consumo de energia, das lâminas e da mistura abrasiva. O tipo de material constitui, obviamente, um dos principais parâmetros que influenciam a serragem. Mesmo assim, são raros os trabalhos que vinculam adequadamente as propriedades intrínsecas dos granitos ornamentais à sua serrabilidade e ao processo de serragem propriamente dito. As investigações realizadas por Fornasero et al. (1988), Citran (2000) e Sousa & Rodrigues (2002) exemplificam essa lacuna do conhecimento técnico-científico. Quando há registros operacionais específicos, eles são baseados em dados de produção de diferentes teares. Tais trabalhos abordam a rocha de modo superficial, fazendo com que APLICAÇÃO DE BASES CONCEITUAIS DE TRIBOLOGIA NO BENEFICIAMENTO importantes correlações não sejam realizadas. Muitas características intrínsecas da rocha têm relação direta com a sua serrabilidade, como o coeficiente de dilatação térmica, o grau de microfissuramento e a compacidade dos minerais constituintes. O quartzo, por exemplo, possui coeficiente de dilatação linear térmica duas vezes superior ao da massa restante em seu redor. Isso provoca, durante a serragem do granito, o aparecimento de microfissuras que facilitarão o corte (Lima & Paraguassú, 2002). Já a presença de pequenas fissuras ou fendas existentes no interior dos cristais concorre para um enfraquecimento da estrutura cristalina dos materiais (Berry et al., 1989; Antolini et al., 1989; Mannella, 1992). Figura 1 47 Outra característica que deve ser considerada é a maior ou menor tendência de “empastamento” dos fragmentos de rocha desprendidos no decorrer da serragem, aumentando ou diminuindo a viscosidade da mistura abrasiva inicial (Perfetti et al., 1993a e b). Os fragmentos de rochas mais compactas possuem baixa capacidade de agregação entre si e produzem lamas pouco consistentes e com baixas viscosidades. A velocidade de descida das lâminas (“cala”) tende a ser mais baixa, ou seja, a serrabilidade é menor (Tabela 1). Já na desagregação de granitos mais porosos, a ocorrência de ligações mais fortes entre as partículas da mistura leva a um maior grau de agregação e a viscosidades altas, possibilitando, assim, uma cala relativamente maior (serragem mais rápida). Desgaste a dois (polimento) e a três (serragem) corpos (Zum-Gahr, 1987). Abrasivo Rocha Desgaste abrasivo Processo Figura 2 Sistema tribológico existente nas etapas de beneficiamento de rochas ornamentais. Minerva, 1(1): 45-50 48 RIBEIRO, PARAGUASSÚ, RODRIGUES & SILVEIRA Chuveiros Biela Lâminas Bomba da lama Figura 3 Figura 4 Tabela 1 Vista lateral de um tear (Pedrosa, 2003). Ação da mistura abrasiva na serragem de um bloco de granito (Pedrosa, 2003). Quantidades de granalha, viscosidade e velocidade de descida das lâminas (cala) em função do material (Mannella, 1992). Materiais Quantidade de granalha Viscosidade Cala Compactos Menor Baixa Baixa Porosos Maior Alta Alta Minerva, 1(1): 45-50 (A) APLICAÇÃO DE BASES CONCEITUAIS DE TRIBOLOGIA NO BENEFICIAMENTO Beneficiamento Secundário Abrange todos os processos que conferem as características dimensionais, de conformação e especificação ao produto final, como o polimento das placas (que ressalta a coloração, a textura e a aparência do material), o corte (que confere as dimensões, formas e desenhos) e os acabamentos finais. O processo de polimento e lustro de placas de rochas ornamentais se constitui em uma série de operações que reduzem a rugosidade da superfície serrada para imprimir determinada intensidade de brilho. É feito por meio de elementos abrasivos que, conduzidos em movimentos de fricção sobre o material, vão desbastando-o até atingir o grau de polimento desejado. A qualidade final do polimento de uma placa de rocha ornamental é determinada apenas por métodos empíricos. Como regra geral, tal parâmetro é inferido pela granulometria dos abrasivos utilizados durante as etapas de polimento. Fatores influentes no polimento Certas características inerentes à rocha e outras relativas aos processos de beneficiamento são determinantes na qualidade final do polimento da placa de rocha. Algumas são apresentadas a seguir: A) Acabamento da serrada: quanto melhor a qualidade da serrada, menos rugosa será a superfície da placa e, por conseqüência, menor o gasto de abrasivos nas primeiras etapas de polimento. De acordo com Cetemag (2003), para definir se a serrada foi de boa qualidade, deve-se fazer as seguintes análises: l l Correr toda a extensão da placa (comprimento, largura e diagonal), com o auxílio de uma régua de alumínio grande, para verificar se há empenamento. Observar a presença de sulcos profundos e entradas de lâminas nas cabeceiras de chapas, causadas por mau tensionamento das lâminas e outros procedimentos operacionais inadequados. B) Dureza dos granitos: antes de começar o polimento, deve-se estabelecer a seqüência correta dos grãos abrasivos, em função do tipo de granito que será polido, levando-se em conta a dureza e o grau de dificuldade de fechamento entre as fases minerais presentes na rocha. Os granitos são divididos em: duros, médios e macios, sendo os critérios para essa divisão puramente empíricos. Para tanto, são consideradas as características operacionais (tempo gasto na serrada, velocidade de polimento, consumo de abrasivos, etc.). Ou seja, não há qualquer busca para o entendimento de quais características das rochas podem influir nesse 49 processo (mineralogia, textura, estrutura, grau de alteração, etc). C) “Fechamento” do polimento: a Indústria da Pedra convenciona chamar de fechamento uma característica relacionada aos espaços e às depressões que algumas placas já polidas podem apresentar. É influenciado principalmente pela mineralogia, como a presença de quartzo, granada, biotita, etc. Rochas sem quarzo (sienitos, por exemplo) tendem a apresentar bom fechamento. Porém, não se deve esquecer da qualidade do processo de polimento que a rocha foi submetida. Muitas vezes a pressão de carregamento nos rebolos abrasivos pode ter superado a resistência mecânica do mineral, levando-o, assim, ao quebramento e à abertura de poros. Considerações Finais A compreensão do corte e do polimento como processos de desgaste de uma superfície, em que há íntima relação entre diversas variáveis, ainda não se encontra devidamente equacionada para o caso de rochas graníticas. O avanço tecnológico dos equipamentos e insumos verificado nos últimos anos é contrastante com a pouca atenção dada às rochas. A falta de entendimento dos mecanismos de interação entre elas, dos abrasivos e das condições operacionais do beneficiamento faz com que a qualidade do produto seja função, apenas, de conhecimentos empíricos. Um estudo integrado dessas variáveis deve ser feito no âmbito da Tribologia, cujos conhecimentos podem auxiliar na compreensão dos fenômenos envolvidos. Neste sentido, o presente trabalho aborda, de modo pioneiro, esse tribossistema, abrindo um leque de novas possibilidades para o controle dos processos industriais do setor de granitos ornamentais. Referências Bibliográficas ANTOLINI, L. et al. Segagione del granito com torbida abrasiva: elaborazione di parametri pratici com proposte di trattazioni teoriche. Atti Convegno Internazionale su situazione e Prospettive Dell’Industria Lapidea, Cagliari, 1989. p. 391-402. BERRY, P. et al. Problemi tecnologico nel taglio dei graniti. 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