Darwinismo e comportamento A retirada da teoria de evolução por seleção natural dos exames nas escolas secundárias do Kansas (EUA) leva-nos a avaliar o sucesso do darwinismo para a compreensão de aspectos do comportamento humano. A crença de que as adaptações dos seres vivos se originaram da ação de alguma entidade inteligente e invisível, motivou a decisão da justiça americana de desobrigar o ensino de evolução no Kansas. Darwin e Wallace propuseram que a seleção natural – as interações dos organismos com o meio ambiente em modificação – tornaria certas adaptações, originárias de mutações genéticas, mais ou menos freqüentes nos indivíduos de sucessivas gerações. A ocorrência da seleção natural pode ser deduzida do fato de que os indivíduos competem entre si por recursos limitados – alimento, locais de reprodução. Conseqüentemente, só alguns conseguirão deixar descendentes hereditariamente semelhantes aos pais nas adaptações que contribuíram para a sua sobrevivência e reprodução. A abordagem darwiniana reintroduziu na biologia a pergunta de Aristóteles. Para que serve determinado comportamento?. Em termos darwinianos: de que modo essa característica contribui para a sobrevivência e reprodução do organismo? Para mostrar o potencial explicativo da teoria de seleção natural, usamos um exemplo da medicina. Muitas mulheres têm náuseas durante a gravidez e, por isso, evitam ingerir certos tipos de alimentos. As náuseas provocam vômitos que restringem a assimilação de nutrientes. Uma explicação: essas seriam conseqüências das modificações hormonais. Mas, por que a aversão é só a alguns tipos de alimentos? E por que essas modificações não causam outros comportamentos como a agressividade ou pânico? A bióloga Margie Profet explica: o enjôo na gravidez protege o feto do efeito de toxinas, sobretudo as de certos vegetais. Ela concluiu que: a) toxinas vegetais em doses toleráveis para adultos podem provocar defeitos congênitos; b) o enjôo ocorre com maior freqüência nas etapas mais vulneráveis à ação de substâncias teratogênicas, em períodos em que o feto demanda menos nutrientes, c) o enjôo diminui na época em que os órgãos estão quase completos, que coincide com a necessidade de mais nutrientes; d) há um aumento da sensibilidade do olfato nas mulheres no período de enjôo; e) este ocorre em todas as culturas humanas; e, finalmente, f) mulheres que enjoam pouco abortam mais facilmente. Se a conclusão de Profet for correta, poderá ter sérias implicações médicas. Por exemplo, o uso de drogas para diminuir o enjôo da gravidez pode resultar no aumento de defeitos congênitos e abortos. Emoções e distúrbios psiquiátricos poderiam também ser mais bem compreendidos à luz da teoria darwiniana. Os psicólogos, Leda Cosmides e John Tooby, da Universidade da Califórnia, descrevem as emoções como algoritmos darwinianos da mente. Cada emoção seria um tipo de programa de computador que ajudaria o organismo a enfrentar com eficiência os problemas ou ameaças. Nessa ótica, nossas emoções teriam sido selecionadas devido à ocorrência repetida destas situações no curso da evolução de nossa espécie. Alguns psicólogos recorrem a categorias misteriosas – energia psíquica, animus, thanatos – ao tentar explicar as bases da nossa motivação comportamental. Mas ignoram que a psique se estrutura em função de informações. As funções de nossos medos, por exemplo, talvez serão mais bem compreendidas evolutivamente. Ficar no escuro, estar longe de casa, tempestades, sangue, estranhos, e ser foco de atenção são situações que expunham nossos ancestrais ao perigo. Há vantagens potenciais em usar a teoria de seleção natural para entender o comportamento 1 humano. Essa teoria lança novas luzes sobre as ciências humanas, permitindo a transformação de mistérios e mitos em problemas científicos. Fonte COUTINHO, Francisco Ângelo; PARENTONI, Rogério. Darwinismo e comportamento. Jornal da ciência, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, n. 425, nov. 1999. 2