inclusao escolar e a formacao de professores para o ensino de libras

Propaganda
INCLUSÃO ESCOLAR E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O
ENSINO DE LIBRAS (LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS): DO TEXTO
OFICIAL AO CONTEXTO
Ilda Maria Santos Tavares (FSLF/IFS)
[email protected]
Tereza Simone Santos de Carvalho (FSLF/UFS)
[email protected]
RESUMO
O presente trabalho visa apresentar uma análise consubstanciada na Política Nacional de
Inclusão Escolar e sua materialização no contexto das instituições federais de ensino
superior, tendo como foco principal a temática da formação de professores para o ensino
de Libras, regulamentada através do Decreto nº 5626/2005. Para o alcance do objetivo
pretendido foram verificados editais de concursos públicos para o ensino de Libras das
instituições suprarreferenciadas, localizadas na região Nordeste, no período de janeiro
de 2009 a junho de 2010, a fim de compor o perfil requerido por essas instituições e sua
coerência com o disposto no referido Decreto, além de averiguar as ementas por elas
propostas para a disciplina Libras. Assim, trazemos à tona as ambigüidades e
contradições presentes no dispositivo legal, as dificuldades apresentadas pelas
instituições de ensino superior para a definição do perfil do profissional para lecionar a
disciplina Libras, bem como para a definição de sua ementa.
Palavras chave: Formação docente; Inclusão Escolar; Libras
I- Introdução
No decorrer da História, a idéia que a sociedade fazia sobre os surdos
geralmente era negativa. Na antiguidade os surdos eram vistos com piedade, compaixão
ou como pessoas castigadas pelos deuses, enfeitiçadas, endemoniadas, sendo por isso,
abandonadas ou sacrificadas.
Com o reconhecimento de que os restos auditivos poderiam ser utilizados e
desenvolvidos, as pessoas surdas não mais eram mortas, mas enfrentavam o descrédito e
o preconceito.
2
Em 637 d.C., o bispo Bervely ensinou a um surdo a falar de forma clara, sendo
este fato considerado um milagre, pois a crença de que a pessoa surda não poderia ser
educada também existia, o que perdurou até o século XV. Até então, eles viviam à
margem da sociedade, sem nenhum respeito ou direito assegurado. (QUADROS, 1997;
SOARES, 2005; e GÓES, 1996)
No século XVI apareceram os primeiros educadores de surdos – Heineck, o
abade Charles L´Epée e Braidwood.
Esses educadores desenvolveram diferentes
metodologias para a educação da pessoa surda, visando dar-lhe condições de
participação efetiva em sua sociedade. Podemos dizer que se iniciava, oficialmente, a
luta pela inclusão das pessoas surdas. (GOLDFELD, 2003)
Atualmente, a questão da inclusão escolar de pessoas com necessidades
educativas especiais tem sido alvo de atenção de muitos setores da sociedade. Mas para
se chegar ao ponto que hoje estamos, no tocante à inclusão de pessoas que possuem
algum tipo de “deficiência/diferença”, um longo caminho foi percorrido.
De acordo com Mazzota (1996), as experiências educacionais de pessoas com
necessidades educativas especiais foram marcadas pela atuação da sociedade civil, que
desenvolvia a educação numa dimensão segregacionista, assistencialista e terapêutica.
Em termos de Estado, as políticas públicas na área, iniciadas a partir de 1854,
foram marcadas por medidas pontuais, fragmentadas, denotando o descaso com essa
modalidade de ensino, além de um caráter discriminatório. (SOARES, 2005)
Em meados do século XX, o Estado criou órgãos voltados para o atendimento de
pessoas com “necessidades especiais” e lançou campanhas objetivando a sensibilização
da sociedade para esses sujeitos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n° 4024/61
representou um avanço no sentido de conceber a educação como direito de todos e de
recomendar a integração da educação especial no Sistema Nacional de Educação,
necessidade reafirmada pela Lei 5692/71 que a modificou.
A partir da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990, os direitos das pessoas com “necessidades especiais” foram estipulados, passando
estes a serem considerados como sujeitos de direitos, inclusive à educação.
A
Constituição determinou ser dever do Estado o atendimento educacional especializado
aos portadores de deficiência na rede regular de ensino.
3
Com a Declaração de Salamanca (1994), um impulso foi dado às questões das
diferenças e sua aceitação pela sociedade, evocando que a todos deve ser dado o direito
de acesso e permanência em escolas regulares, devendo estas modificar-se ou adaptar-se
para acolher a todos que a elas acorre, com eficiência e eficácia.
Esse princípio da inclusão provocou uma mudança na função da escola e
inaugurou um momento de transição que colocou para os gestores das políticas públicas
uma nova concepção de escola que parte do pressuposto de que essa instituição é o
locus privilegiado da inclusão social, não de instrução apenas.
Assim, a LDB n° 9394/96, trazendo um feito inédito, apresenta um artigo
específico sobre educação especial que reconhece o direito à diferença, ao pluralismo e
à tolerância, e, com suas alterações, (art. 26 B), garante às pessoas surdas, em todas as
etapas e modalidades da educação básica, nas redes públicas e privadas de ensino, a
oferta da Língua Brasileira de Sinais (Libras) na condição de língua nativa das pessoas
surdas.
Além disso, prevê, em seu artigo 59, § 2°, o Atendimento Educacional
Especializado, o qual deverá ser “feito em classes, escolas ou serviços especializados
sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua
integração nas classes comuns do ensino regular”
Em 2001, a questão do Atendimento Educacional Especializado foi reforçada
pelo Decreto n° 3956 – Convenção de Guatemala, que explicitando o conceito de
diferenciação ou preferência, deu às pessoas deficientes, a garantia para a promoção da
“integração social ou o desenvolvimento das pessoas com deficiência, desde que a
diferenciação não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas
não sejam obrigadas a aceitar.” (Decreto n° 3956, Art. 1º, nº 2, “b”).
Percebe-se que em nosso país, entre os documentos que compõem o conjunto de
leis denominado Políticas Públicas e sua implementação, há um grande fosso. Com as
políticas públicas educacionais na área de educação de surdos, não é diferente. Há lei
para acessibilidade que garante intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa
durante as aulas, flexibilidade na correção das provas escritas, materiais de informação
aos professores sobre as especificidades do aluno surdo etc. Mas, na prática, o que se
percebe, é o aluno surdo mais excluído do que incluído nas salas de aula regulares,
enfrentando dificuldades, que, muitas vezes os seus familiares é que tentam minimizar,
buscando soluções nem sempre eficientes para ajudá-los. Por outro lado, professores,
em sua maioria, sem conhecimento mínimo da Libras e, algumas vezes, subsumido por
4
uma carga horária de trabalho exaustiva, não têm tempo para buscar uma formação
continuada na área. Carece-se também de cursos de Libras básico e, principalmente,
avançado, pois o estudo da língua em seus aspectos gramaticais ainda é restrito em
nosso país, justamente porque faltam professores formados nessa área.
O Decreto 5626/2005, que regulamentou a Lei 10.436/2002, (fruto da luta da
Comunidade Surda brasileira), visando suprir essa carência e garantir que a
Comunidade Surda tenha um processo de escolarização exitoso, reconheceu a Libras
como meio legal de comunicação e expressão dos surdos e garantiu a inserção da
disciplina Libras como obrigatória nos cursos de licenciatura de nível superior e nos de
fonoaudiologia, e de magistério de nível médio. Além dessa determinação, o Decreto
estabeleceu prazos para as Instituições de Ensino Superior, delineou como deve se dá a
formação dos docentes para o ensino da disciplina e viabilizou a criação de programas
para a criação de cursos de graduação para a formação de professores surdos e ouvintes
para atuar na educação básica e no ensino superior, possibilitando uma formação
bilíngüe (Libras e Língua Portuguesa como segunda língua).
Diante da exigência legal, as Instituições de Ensino Superior, principalmente no
ano de 2009, iniciaram uma “corrida” no intuito de cumprir os prazos estabelecidos pelo
Decreto, abrindo editais para selecionar professores de Libras para atuarem nos cursos
de preparação de professores da educação básica.
Os editais traziam exigências
distintas e muitas vezes díspares, de uma instituição para outra, denotando
entendimentos diversos sobre o perfil de profissional e de conteúdo a ser trabalhado
nesta disciplina. Alguns enfocavam a prática ou o uso da língua, outras pareciam ir
mais além, colocando em seu conteúdo de prova, questões ligadas ao funcionamento da
língua e dos métodos utilizados na educação dos surdos.
Nessa
perspectiva, o presente trabalho visa
apresentar uma
análise
consubstanciada na Política Nacional de Inclusão Escolar e sua materialização no
contexto das instituições federais de ensino superior, tendo como foco principal a
temática da formação de professores para o ensino de Libras, regulamentada através do
Decreto nº 5626/2005, destacando as contradições trazidas no texto legal, bem como as
dificuldades de colocar em prática as determinações ali presentes, inclusive pela falta de
entendimento e dubiedades de interpretações no tocante à disciplina e ao perfil do
profissional exigido.
5
Para o alcance do objetivo pretendido foram verificados editais de concursos
públicos para o ensino de Libras das instituições suprarreferenciadas, localizadas na
região Nordeste, no período de janeiro de 2009 a junho de 2010, a fim de compor o
perfil requerido por essas instituições e sua coerência com o disposto no referido
Decreto, além de averiguar as ementas por elas propostas para a disciplina Libras.
2- O ensino de Libras para a formação de professores.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) se constitui em uma língua em virtude de
possuir os níveis lingüísticos como as línguas orais.
Estes possibilitam aos seus
usuários a expressão de todas as formas de idéias, sejam elas sutis, complexas ou
abstratas, bem como a discussão de quaisquer assuntos referentes às variadas áreas do
conhecimento humano. (FELIPE, 1988). Convém ressaltar que as línguas de sinais não
são universais como também não o são as línguas orais.
A Libras é uma língua de modalidade espaço-visual ou gestual-visual, pois
segundo Quadros (1988) utiliza o canal visual e o espaço e não o canal oral-auditivo
como nas línguas orais. Ferreira-Brito também em seus estudos apresenta a diferença
entre as modalidades oral-auditiva e espaço-visual ratificando que as línguas de sinais
articulam-se espacialmente e são percebidas visualmente.
Essa língua é ou deve ser a língua materna dos surdos do Brasil devido ao
bloqueio que eles têm para adquirir a língua de modalidade oral-auditiva que, no nosso
país, é o Português.
Porém, o reconhecimento oficial da Libras como meio de
comunicação e expressão das Comunidades Surdas Brasileiras, só ocorreu no ano de
2002 com a promulgação da Lei 10436.
Nesta lei, também foi determinado que
coubesse ao poder público bem como às empresas concessionárias de serviço público,
garantir formas institucionalizadas de apoiar o uso e a difusão da Libras como meio de
comunicação objetiva e de utilização corrente das Comunidades Surdas do Brasil.
Além disso, essa lei previu a inclusão do ensino de Libras nos cursos de Educação
Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior.
6
A despeito do contido na lei acima mencionada, somente a partir da edição do
Decreto 5626 de 22 de dezembro de 2005, é que houve a sua regulamentação. No novo
dispositivo legal se estabelecem quais o cursos de formação, os sistemas de ensino e os
tipos de instituições que devem viabilizar esse processo de inclusão da Libras como
disciplina curricular obrigatória, expressos em seu Artigo 3º que assim reza:
A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos
de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e
superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino públicas e
privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios. (Decreto 5626/2005)
Também é nesse Decreto (5626/2005) que são estabelecidos prazos e
percentuais para a inclusão da disciplina Libras na Matriz curricular desses cursos,
sendo que o prazo mínimo expirou em 22 de dezembro de 2008 e o prazo final esgotarse-á em 22 de dezembro de 2015. Esse dispositivo legal ainda estabelece que a inclusão
da disciplina Libras deva ser iniciada nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia,
Pedagogia e Letras ampliando-se, de acordo com prazos e percentuais previstos, para
outras licenciaturas.
As discussões sobre a inclusão da Língua Brasileira de Sinais como disciplina
obrigatória nos cursos anteriormente citados, vem se acirrando, porém uma questão
central ainda não tem se constituído como objeto de análise, qual seja, a formação
desses professores.
Sabe-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), traz
em seus dispositivos a necessidade de uma formação sólida aos profissionais de
educação, a fim de que consigam exercer suas atividades a partir do conhecimento dos
fundamentos científicos e sociais inerentes ao seu trabalho.
Aliada à LDBEN, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica
determinam que a formação desses docentes se dê em nível superior, nos cursos de
licenciatura de graduação plena, e, para atuar na educação superior se dará em cursos de
pós-graduação Lato e Stricto-sensu. Observe-se também que se admite para o exercício
do magistério na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental
a formação em nível médio, na modalidade normal.
Verifica-se que o próprio Decreto 5626/05, apresenta duas exigências distintas
em relação ao docente de Libras que deverá atuar na educação superior, visto que o
7
Artigo 4º se refere apenas à graduação da Licenciatura Plena em Letras: Libras ou
Letra: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua, enquanto que, no Artigo 7º há
uma ampliação para o título de pós-graduação.
Esse mesmo artigo abre uma
perspectiva para que a disciplina Libras no ensino superior possa ser ministrada por
pessoas que apresentem os seguintes perfis:
I- Professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou
com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por
meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;
II- instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e
com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras,
promovido pelo Ministério da Educação;
III- professor ouvinte bilíngüe: Libras-Língua Portuguesa, com pósgraduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame
de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação. (Decreto
5626/2005)
Diante disso, constata-se uma contradição no mesmo texto legal e entre este e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica.
Outro fator complicador para a definição do perfil do docente de Libras que poderá
atuar no ensino superior está disposto no inciso II do artigo 7º, citado anteriormente,
onde se abre a possibilidade para que uma pessoa com formação em nível médio, que
seja instrutor de Libras e com certificado de proficiência em Libras (Prolibras) possa
preencher a vaga, mesmo sem possuir curso algum de magistério ou de licenciatura
(curta ou plena).
Também se constata outra incongruência neste artigo, que se refere à
possibilidade de qualquer graduado, desde que tenha a certificação de proficiência como
professor de Libras, lecionar a referida disciplina, isso porque como a Libras é uma
língua, dever-se-ia seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de
professores da Educação Básica no que se refere ao ensino de língua materna ou de
língua estrangeira. Estas orientam que o professor deverá ter conhecimento e domínio
da língua que é seu objeto de estudo, em termos de sua estrutura, funcionamento,
manifestações e variações lingüísticas e culturais, capacidade de refletir teoricamente
sobre a linguagem em seus vários aspectos, bem como domínio dos conteúdos básicos
relativos aos processos de ensino e de aprendizagem. Assim, para ser professor de uma
língua materna ou de língua estrangeira, faz-se necessário a formação em curso de
graduação de licenciatura plena em Letras.
8
Essas dubiedades suscitadas pelo Decreto 5626/05 no tocante ao perfil ou à
formação daqueles que irão atuar na educação básica e no ensino superior lecionando a
disciplina Libras, tem se refletido nas Instituições de Ensino Superior, que buscando
atender às exigências contidas no Decreto, denotam, através de seus editais e ementas
para a disciplina Libras, a falta de uma definição da formação a ser exigida do candidato
e da finalidade da disciplina nos cursos de Licenciatura, como veremos a seguir.
3- Libras: Quem ensina? O que se aprende?
As reflexões acerca da formação de professores apontam para a certeza de que
mudanças urgentes precisam ser implementadas. A educação, cada vez mais abrangente
e diversificada, exige do professor uma prática pedagógica que alcance o mundo
dinâmico e multicultural dos alunos.
Nesse contexto insere-se a disciplina Libras, visando possibilitar a inclusão
efetiva do aluno surdo nas salas de aula do ensino regular, requerendo professores com
formação adequada para o trabalho pedagógico, o qual possui como condição básica, a
comunicação.
Nos cursos de Licenciatura Plena, que habilita o discente para o exercício da
docência, há um currículo que o capacita em sua área específica e lhe dá embasamento
pedagógico mínimo, para que possa melhor conduzir os processos de ensino e de
aprendizagem. Segundo Masetto,
Dificilmente poderemos falar de profissionais do processo de ensinoaprendizagem que não domine, no mínimo, quatro grandes eixos do mesmo:
o próprio conceito de ensino-aprendizagem, o professor como conceptor e
gestor do currículo, a compreensão da relação professor-aluno e aluno-aluno
no processo e a teoria e prática básica da tecnologia educacional.
(MASETTO, 2003, p. 27)
Essa compreensão da profissão docente parece se distanciar do perfil do
professor de Libras proposto tanto no Decreto 5626/2005 quanto nos editais que vêm
sendo lançados pelas Universidades Federais no período investigado. (Anexo 1)
9
Analisando dez editais lançados por oito instituições federais de ensino da
Região Nordeste, verificamos que quase 80% destes exigem o certificado de
proficiência em Libras expedido pelo MEC, como regra, quando, segundo o Decreto,
esse seria um perfil alternativo a ser utilizado na ausência de docente com título de pósgraduação ou de graduação em Libras, conforme artigo 7º e seus incisos. Também se
constata que, apesar de ser solicitada a proficiência em Libras, nenhum desses editais
traz explícita a prioridade que as pessoas surdas devem ter para ministrar a disciplina de
Libras, conforme estabelecido no parágrafo 1º do referenciado artigo: “Nos casos
previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina
de Libras”. (Decreto 5626/2005). (Anexo 2). Vale ressaltar que os 20% dos editais
restantes, apesar de não solicitar a proficiência de forma expressa, exige que a prova
didática seja ministrada em Libras.
No que se refere à formação ou titulação do candidato ao cargo de professor da
disciplina Libras, as instituições pesquisadas parecem não ter clareza acerca da
qualificação mais adequada para o provimento desse cargo. Nos dez editais analisados,
se apresentam doze perfis distintos, que vão desde a simples exigência de graduação,
em qualquer área, passando pela pesquisa e experiência docente em Libras, até o
mestrado nessa área
Convém destacar que algumas das titulações se repetem em
diversos editais, a exemplo dos mestrados em Letras ou áreas afins e Educação ou áreas
afins. (Anexo 3)
Verifica-se também que uma das instituições, objeto dessa pesquisa, faz uma
relação direta entre a disciplina Libras e o curso em que a mesma será lecionada, o que
não ocorre com as demais disciplinas, obrigatórias ou optativas, ofertadas para os
diversos cursos de Licenciatura, a exemplo da disciplina Didática, Psicologia da
Educação, Legislação e/ou Estrutura e Funcionamento do Ensino, cuja qualificação
exigida para ministrá-las, é a mesma, independente do curso em que o professor for
lecionar.
Outra questão curiosa e não menos importante, encontra-se nas ementas da
disciplina Libras. Apesar de haver uma singularidade por parte das instituições ao
traçar o perfil dos professores da disciplina Libras, observa-se que as ementas propostas
apresentam similaridades, havendo apenas uma ênfase maior ou menor na questão do
uso da língua. Constata-se a recorrência nas temáticas sobre a História da Educação dos
Surdos, a identificação de aspectos lingüísticos, quase não se apresentando nestas a
10
questão da Cultura Surda e sua importância para a concretização de uma inclusão
escolar cidadão do sujeito Surdo.
4- Considerações Finais.
Neste artigo procuramos suscitar uma reflexão a respeito da introdução da
disciplina Libras no currículo dos cursos de licenciatura, pautada nos dispositivos legais
referentes à formação de professores e ao Decreto 5626/05 e seu impacto nas
Universidades Federais, através da análise de editais de concursos e ementas da
disciplina em questão.
Essa reflexão trouxe-nos à tona antigos e novos questionamentos acerca da
profissão docente. Notamos que parece ter havido um “descuido” ou “esquecimento”,
por parte do Decreto e da própria Instituição de Ensino Superior que forma o docente,
das exigências mínimas para que uma pessoa possa ser investida no cargo de professor.
Sabermos que a desvalorização docente levou a uma banalização dessa profissão,
quando muitos a ela acorriam como forma de “bico” ou complementação salarial,
mesmo sem ter a qualificação especificada em lei, no caso a licenciatura plena ou curta.
Essa questão está presente no Decreto quando permite que, até mesmo pessoas com
apenas o ensino médio, desde que tenham o Prolibras, lecionem nas Instituições de
Ensino Superior. Estas, por sua vez, como vimos em alguns casos, admitem para o
preenchimento do cargo de professor, até pessoas graduadas em qualquer área com o
título de Pós-graduação Lato-Sensu, não fazendo sequer a ressalva de que esta seja na
área de Educação ou afim.
Estudos desenvolvidos por Ferreira-Brito, Stokoe, Quadros, dentre outros,
comprovam o status da Libras como uma língua. A presente pesquisa, porém, aponta
para uma aparente desconsideração da Libras enquanto língua. Fazemos tal afirmativa,
pois se assim fosse considerada, apenas a pessoa que possuísse a habilitação em Letras:
Libras, Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua, estaria apta a lecioná-la.
Esse fato suscita-nos um questionamento: para lecionar as disciplinas Português, Inglês,
Espanhol ou outra língua, na realidade atual, levando em consideração as políticas
educacionais, admite-se como titulação qualquer graduação ou especialização? Não é o
11
que se constata nos editais para concursos nas referidas áreas, independente do nível de
escolaridade em que o professor irá lecionar.
Diante do exposto e apesar do avanço proclamado nas políticas públicas no
tocante à inclusão escolar da pessoa surda, vislumbra-se ainda a necessidade de se
ampliar as pesquisas e as discussões sobre o papel dos professores no processo e
escolarização dos surdos visando implementar novas proposições que busquem,
conforme Skliar (2005), a formação de professores pautada no respeito à Cultura Surda,
a fim de favorecer uma educação que leve o sujeito Surdo ao êxito em seu processo de
escolarização e inserção social.
12
5- Referências
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Senado Federal, 1988.
______. Decreto nº 5626 de 22 de dezembro de 2005. Brasília: Presidência da
República, 2005.
______. Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional. LDBEN, nº 9.394. Brasília:
Câmara Federal, 1996.
_____. Plano Nacional de Educação. PNE nº 10.172. Brasília: Senado Federal, 2001.
BRITO, Lucinda Ferreira. Integração social e educação de surdos. Rio de Janeiro:
Babel, 1993.
DECLARAÇÃO da Guatemala. Convenção interamericana para a eliminação de
todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência.
Guatemala, 1999.
DECLARAÇÃO de Salamanca. Sobre os princípios, políticas e práticas na área das
necessidades educativas especiais. Espanha: Salamanca, 1994.
GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva
sóciointeracionista. São Paulo: Plexus, 2003.
MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário.
São Paulo: Summus, 2003.
QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997.
QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais
brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2009.
SKLIAR, Carlos (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. 3. ed. Porto Alegre:
Mediação, 2005.
SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do surdo no Brasil. 2. ed. Campinas,
SP: Autores Associados, 2005. (Coleção Educação Contemporânea).
DRAGO, R. Formação de professores, saber docente e inclusão de alunos com
necessidades educativas especiais: relações mútuas de um mesmo processo. Cadernos
de Pesquisa em Educação, Vitória: PPGE/UFES, v. 9, n. 17, jan./jun. 2003.
13
ANEXO 1
RELAÇÃO DE EDITAIS PESQUISADOS
Edital nº 13/2009 da Universidade Federal do Piauí.
Edital nº 18/2009 da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Edital nº 22/2009 da Universidade Federal de Pernambuco
Edital nº 43/2009 da Universidade Federal de Alagoas
Edital nº 47/2009 da Universidade Federal de Sergipe.
Edital nº 03/2010 da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Edital nº 17/2010, da Universidade Federal de Pernambuco.
Edital nº 45/2010 da Universidade Federal do Maranhão
Edital nº 69/2010 da Universidade Federal de Alagoas
Edital nº 76/2010 da Universidade Federal da Paraíba
14
ANEXO 2
TABELA 1
EXIGÊNCIA DO PROLIBRAS PELAS INSTITUIÇÕES INVESTIGADAS
INSTITUIÇÕES
EXIGÊNCIA
Nº
%
Sim
8
80
Não
2
20
TOTAL
10
100
Fonte: Editais dos concursos públicos das Instituições Federais de Ensino da Região Nordeste – 2009/2010
15
ANEXO 3
TABELA 2
TITULAÇÃO EXIGIDA PARA PROFESSOR DE LIBRAS NO ENSINO
SUPERIOR
Nº DE
TITULAÇÃO
INSTITUIÇÃO
Especialização Lato-Sensu em Letras ou em Educação e certificado de
2
proficiência para o uso e ensino de Libras obtido por exame do MEC
(Prolibras) com pesquisa e experiência docente em Libras.
Mestrado em Letras ou áreas afins com graduação em Letras ou áreas afins.
1
Mestrado em Letras, Educação, Fonoaudiologia ou em áreas afins graduado
em Letras, Pedagogia, Fonoaudiologia ou em áreas afins.
Mestre em Fonoaudiologia ou em áreas afins, graduado em Fonoaudiologia.
1
Mestre em Educação ou áreas afins
1
Graduação em Pedagogia ou em Letras ou em Fonoaudiologia ou em áreas
correlatas e doutorado em Letras ou em Educação ou em áreas correlatas e
certificado Prolibras
1
Graduado com certificação de proficiência em Língua Brasileira de Sinais
(Prolibras) e, no mínimo, especialista.
1
Mestrado em Educação, com certificação de proficiência em Libras obtida
por meio de exame promovido pelo MEC (Prolibras) ou mestrado em áreas
afins à educação, com certificação de proficiência em Libras obtida por
meio de exame promovido pelo MEC (Prolibras)
1
Graduação em Letras ou áreas afins e mestrado em Letras ou áreas afins e
certificado de proficiência em Libras obtida por meio de exame promovido
pelo MEC (Prolibras)
1
Licenciatura em Letras ou Libras ou áreas afins e Especialização em Letras
ou Libras ou áreas afins e certificado de proficiência em Libras obtido por
meio de exame emitido pelo MEC.
2
Licenciatura em qualquer área, com certificado de proficiência em Libras
obtido pelo MEC segundo o Decreto nº 5528, de 22 de dezembro de 2005.
1
Licenciatura Plena em Letras, habilitação em Língua Portuguesa ou
Linguística com pós-graduação em nível de Mestrado em Língua
Portuguesa, Linguística ou Literatura Brasileira ou Libras.
2
Mestrado em Letras ou Educação certificação de proficiência para o uso e
ensino de Libras obtido por exame do MEC (Prolibras) com pesquisa e
experiência docente em ensino de Libras.
1
Fonte: Editais dos concursos públicos das Instituições Federais de Ensino da Região Nordeste – 2009/2010
1
Download