Moares IB, Karsten J, Casali MPM USO DE PLANTAS MEDICINAIS EM REGIÕES DE CERRADO Izabela Barbosa Moraes¹ Juliane Karsten² Mirela Pereira Machado Casali² ¹ Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) ² Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB) Endereço para correspondência: ¹ Izabela Barbosa Moraes Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Rua Professor José Seabra de Lemos, 316. Recanto dos Pássaros. CEP: 47808-021. Barreiras – BA. Email: [email protected] RESUMO Introdução: As plantas medicinais vêm sendo utilizadas durante séculos para o tratamento de doenças humanas. Para as populações tradicionais o uso dos recursos vegetais está fortemente presente na cultura popular que é transmitida de pais para filhos. Nesse sentido, a etnobotânica tem como princípio o resgate da cultura no que se refere à utilização de plantas, sobretudo as medicinais, pelo ser humano. O Cerrado é um bioma com grande biodiversidade e atrelado a isso tem-se documentado o uso de plantas medicinais por diversas comunidades inseridas nesse bioma. Objetivo: O objetivo desse trabalho foi realizar um compilado das principais plantas medicinais, seus usos e formas de preparo, utilizadas por moradores do Cerrado brasileiro nos últimos dez anos. Métodos: O presente estudo se refere a uma pesquisa na forma de revisão sistemática. Foram analisados 23 artigos de levantamento etnobotânico sobre o uso de plantas medicinais em regiões de Cerrado. Resultados: No total, foram citadas 137 espécies como sendo as mais utilizadas nas referidas regiões. Desse total de espécies, as 10 mais frequentes foram Chenopodium ambrosioides, Cymbopogon citratus, Mentha pulegium, Baccharis trimera, Coleus barbatus, Phyllanthus niruri, Rosmarinus officinalis, Foeniculum vulgare, Lippia alba e Myracrodruom urundeuva. Conclusão: Diversos trabalhos demonstram os potenciais efeitos farmacológicos dessas espécies, muitos em acordo com as indicações de uso 34 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM popular, o que demonstra ainda mais a necessidade de se fazer um estudo e preservação desse conhecimento, que já tem se perdido. Palavras-chave: etnobotânica, plantas medicinais, Cerrado ABSTRACT Introduction: The medicinal plants have been used for centuries for the treatment of human diseases. For traditional populations the use of plant resources is strongly present in popular culture that is passed from parents to children. Accordingly, the ethnobotany has as principle the culture rescue regarding the use of plants by humans, particularly the medicinal ones. The Cerrado is a Brazilian biome with great biodiversity and linked to it has documented the use of medicinal plants for several communities inserted in this biome. Objective: The aim of this work was to compile the main medicinal plants, their uses and modes of preparation, used by residents of the Brazilian Cerrado in the last ten years. Methods: This study refers to a research in the form of systematic review. We analyzed 23 articles of ethnobotanical survey on the use of medicinal plants in the Cerrado regions. Results: In total, 137 species were cited as the most used in these regions. Of these species, the 10 most common were Chenopodium ambrosioides, Cymbopogon citratus, Mentha pulegium, Baccharis trimera, Coleus barbatus, Phyllanthus niruri, Rosmarinus officinalis, Foeniculum vulgare, Lippia alba and Myracrodruom urundeuva. Conclusion: Several studies demonstrate the potential pharmacological effects of these species, many in accordance with the indications of popular usage, which further demonstrates the need to do a study and preservation of this knowledge, which already has been lost. Keywords: ethnobotanical, medicinal plants, Brazil-Cerrado. INTRODUÇÃO O uso de plantas medicinais como base terapêutica é secularmente conhecido e aplicado nas diferentes culturas em todo mundo, tendo sofrido fortes alterações no século XX diante da introdução da terapêutica sintética¹. Atualmente cerca de 82% da população brasileira utiliza produtos à base de plantas medicinais nos seus cuidados com a saúde, seja pelo conhecimento 35 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM tradicional, seja pelo uso popular na medicina popular, de transmissão oral entre gerações, ou nos sistemas oficiais de saúde, como prática de cunho científico, orientada pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) ². Planta medicinal é toda planta que administrada ao homem ou animal, por qualquer via ou forma, exerça alguma ação terapêutica ³. As plantas medicinais, para muitas comunidades e grupos étnicos apresentam-se como o principal ou único recurso terapêutico, sendo o seu uso atribuído ao tratamento e a cura de enfermidades. Ainda hoje nas regiões mais pobres do país e até mesmo nas grandes cidades brasileiras, plantas medicinais são comercializadas em feiras livres, mercados populares e são cultivadas nos quintais das casas 4. Para as populações tradicionais o uso dos recursos vegetais está fortemente presente na cultura popular que é transmitida de pais para filhos 5. Segundo Veiga Junior, Pinto e Maciel 6, no Brasil, as plantas medicinais da flora nativa são consumidas com pouca ou nenhuma comprovação de suas propriedades farmacológicas, podendo devido a isto causar efeitos tóxicos ou ação sinergética com outras drogas. Muitas vezes, entretanto, mesmo quando as propriedades farmacológicas são anunciadas, estas não possuem validação científica, por não terem sido investigadas ou comprovadas em testes préclínicos e clínicos 7. A etnobotânica é a ciência que estuda e busca captar as diferentes dimensões da relação de grupos humanos e as plantas 8 . É através da etnobotânica que se busca o conhecimento e o resgate do saber botânico tradicional particularmente relacionado ao uso dos recursos da flora 9. Quanto mais detalhadas forem as informações relacionandas a espécie vegetal (nome comum, partes utilizadas, época e forma de coleta) e o seu uso (forma de preparo, dosagem, indicação), maiores serão as chances de a pesquisa trazer subsídios de interesse para se avaliar a eficácia e a segurança do emprego destas plantas para fins terapêuticos 10 . Na literatura científica várias espécies são descritas com valor medicinal reconhecido, com potencial de uso nas mais variadas necessidades humanas, como nos tratamentos de anemia, artrite, 36 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM asma, bronquite, diabetes, febre, fígado, garganta, gripe, hipertensão, entre outros 11. Cinco regiões do Brasil são consideradas como abundantes em espécies medicinais, são elas: Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Pantanal Matogrossense, Cerrado e Caatinga 12 . Cerrado quer dizer fechado, denso, compacto e se origina de „campos cerrados‟: um tipo de campo que é formado de arbustos e pequenas árvores tortas, de cascas grossas e folhas duras. O cerrado apresenta uma rica biodiversidade, oferecendo raízes, cascas, resinas, óleos, folhas, argilas, água, e outros diversos recursos naturais que podem ser coletados de áreas nativas 13 , cujo conhecimento se encontra disperso nas feiras populares, farmácias de manipulação, raizeiros, mateiros e pessoas detentoras de conhecimentos tradicionais 11 . Além das espécies nativas do cerrado, plantas medicinais aclimatadas no Brasil como hortelã, babosa, cidreira, alecrim, entre outras geralmente são cultivadas em hortas e quintais 13. Existe uma carência de estudos que visam apresentar de forma sistematizada as principais plantas medicinais utilizadas por moradores do cerrado brasileiro nos últimos anos, sua indicação, parte da planta utilizada e forma de preparo, bem como trabalhos que visam relacionar estas utilizações com validações científicas destas. Diante disto, este trabalho teve como objetivo realizar um compilado das principais plantas medicinais, seus usos e formas de preparo, utilizadas por moradores do cerrado brasileiro nos últimos dez anos. METODOLOGIA O presente estudo trata-se de uma pesquisa na forma de revisão sistemática. Uma revisão sistemática, é uma pesquisa que utiliza a literatura como principal fonte de dados e tem como objetivo integrar informações de um conjunto de estudos realizados separadamente a fim de apresentar resultados conflitantes e/ou coincidentes 14. As publicações foram obtidas por meio do levantamento sistemático na busca eletrônica realizadas pela Internet, em grandes bases de dados como: SCIELO, referentes ao período de 2006 a 2016. Foram utilizados descritores 37 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM variados que abarcassem assuntos relacionados aos objetivos do trabalho, tais como: etnobotânica, plantas medicinais, medicina popular e cerrado. Os critérios de inclusão utilizados para a seleção da amostra foram artigos de levantamento etnobotânico que apresentassem as seguintes informações: principais plantas utilizadas como medicinais, finalidade de uso, modo de preparo e parte da planta utilizada. A busca sistemática, segundo a estratégia estabelecida, resultou em 65 artigos. No entanto, apenas 23 foram selecionados para compor o atual estudo. Os demais foram excluídos pelos seguintes motivos: por serem revisões de literatura e por fugirem dos objetivos propostos no trabalho. Os trabalhos analisados foram: 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37. Os dados coletados, através dos artigos foram analisados e, por conseguinte organizados em categorias, de acordo com os objetivos do trabalho. Segundo Bardin 38 o agrupamento das categorias é realizado por meio de características em comum das informações analisadas, ou seja, classificam-se as informações similares em categorias a fim de se realizar melhores inferências. RESULTADOS Foram analisados 23 artigos de levantamento etnobotânico sobre o uso de plantas medicinais em regiões de cerrado. No total, foram citadas 137 espécies como sendo as mais utilizadas nas referidas regiões. Desse total de espécies, as 10 mais frequentes encontram-se na Figura 1, sendo elas Chenopodium ambrosioides, Cymbopogon citratus, Mentha pulegium, Baccharis trimera, Coleus barbatus, Phyllanthus niruri, Rosmarinus officinalis, Foeniculum vulgare, Lippia alba e Myracrodruom urundeuva. 38 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM 10 Número total de citações 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Figura 1. Frequência total de citações das plantas popularmente utilizadas como medicinais em regiões de Cerrado. Na Tabela 1 estão descritas as informações que foram compiladas dos artigos analisados, como nome popular da planta, finalidade de uso, parte da planta utilizada e modo de preparo. De maneira que para algumas espécies houve bastante diversificação no nome popular atribuído à espécie, como por exemplo da Lippia alba, que foi evidenciado todas essas denominações: cidreira, erva cidreira, erva-cidreira-de-árvore, melissa, erva cidreira de folha e erva cidreira de cipó. Para outras espécies como Baccharis trimera (carqueja), Coleus barbatus (boldo), Phyllanthus niruri (quebra pedra) e Myracrodruom urundeuva (aroreira), não houve grandes variações na denominação, evidenciando que no cerrado essas espécies apresentam o mesmo nome popular, não variando em decorrência da região. 39 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM Tabela 1. Espécies mais citadas de plantas popularmente utilizadas como medicinais em regiões de Cerrado, sua finalidade, partes da planta utilizadas e modo de preparo. Espécie Chenopodium ambrosioides Nome popular Mastruz, erva de Santa Maria Cymbopogon citratus Erva cidreira, capim cidreira, capim limão, capim santo Mentha pulegium Baccharis trimera Poejo, poejo-branco, terrestre Carqueja Coleus barbatus Boldo Phyllanthus niruri Quebra pedra Rosmarinus officinalis Alecrim, alecrim de casca, alecrim da horta Erva doce, funcho erva- Finalidade Vermífugo (34%*), cicatrizante (8%), afecções gástricas (8%), antigripal (8%), cicatrizante (7%), anti-inflamatório (7%) e antibiótico (7%) Calmante (18%), hipotensor (18%), antigripal (18%), antiespasmótico (7%), antipirético (7%), controle da ansiedade (7%) Antigripal (19%), tratamento de bronquite (8%), antiinflamatório (8%), afecções gástricas (8%), antibiótico (4%) Afecções gástricas (20%), diabetes (15%), afecções hepáticas (15%), inflamação das vias urinárias (10%), mal-estar (10%), vermífugo (10%) Afecções gástricas (31%), afecções hepáticas (25%), malestar (19%), antidiarreico (13%), afecções intestinais (6%), ressaca (6%) Afecções renais (16%), anti-inflamatório (16%), inflamações urinárias (11%), diurético (11%), afecções hepáticas (6%) Partes da planta Folha (78%); raiz (11%) e planta toda (11%) Modo de preparo Chá (87%) e decocção (13%) Folha (86%) (14%) Infusão (45%), decocção (22%), xarope (11%), banho (11%) e macerado (11%) Infusão (56%), macerado (22%), decocção (11%), xarope (11%) Infusão e chá (70%), decocção (20%), macerado (10%) e raiz Folha (83%) e planta toda (17%) Folha (56%), raiz (22%), caule (11%), casca (11%) Folha (100%) Infusão (71%) e macerado (29%) Folhas (60%), raiz (20%) e planta toda (20%) Folha (100%) Infusão (80%), decocção (20%) Calmante (31%), cólicas (23%), antigripal (15%), galactogogo (8%), diurético (8%), afecções estomacais (8%), antidiarreico (7%) Calmante (17%), Hipotensor (12%), tosse (12%), anticefaléico (12%), má digestão (12%), antigripal (11%), antiespasmótico (6%), disenteria (6%), diabetes (6%) e gastrite (6%) Folhas (50%, fruto (33%) e sementes (17%) Folha (100%) Infusão (62%), decocção (25%) e cataplasma (13%) Disenteria (20%), afecções gástricas (15%), antiinflamatório (15%), cicatrizante (10%), sistema respiratório (10%), reumatismo (10%), antigripal (10%), gota (5%) e hematomas (5%) *Porcentagem considerando o total de citações para a análise feita, de acordo com a espécie citada nos artigos. Casca/entrecasca (50%), folhas (25%), resina (13%) e caule (12%) Infusão (40%), xarope (20%), garrafada (10%), decocção (10%), emplasto (10%) e banho (10%) Foeniculum vulgare Lippia alba Myracrodruom urundeuva Cidreira, erva cidreira, ervacidreira-de-árvore, melissa, erva cidreira de folha, erva cidreira de cipó Aroeira Distúrbios cardiovasculares (14%), calmante (10%) Infusão (83%) e decocção (17%) Infusão (67%) e decocção (33%) 40 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM Outro aspecto interessante observado foi a diversidade de formas de tratamento associada à mesma planta, como da Rosmarinus officinalis (alecrim) que foram citadas 18 aplicações diferentes, sendo as citações mais comuns para distúrbios cardiovasculares e como calmante. Para as espécies Chenopodium ambrosioides (mastruz, erva de Santa Maria) e Cymbopogon citratus (capim cidreira) foram apresentadas cerca de 13 aplicações para diversas doenças, sendo as mais comuns como vermífugo e cicatrizante para o C. ambrosioides, e calmante, hipotensor e antigripal para o C. citratus. Houve uma certa concordância em relação a parte da planta utilizada para a maioria das espécies analisadas, sendo as folhas a mais predominante. Exceto para Myracrodruom urundeuva em que a casca e entrecasca tiveram maior frequência de citação. Uma grande variedade na forma de preparo foi observada para Cymbopogon citratus, Mentha pulegium (poejo) e Myracrodruom urundeuva. C. citratus apresentou os seguintes modos de preparo: infusão, decocção, xarope, banho e macerado, associados à diversidade de aplicação da planta também. Para M. pulegium foram citados infusão, macerado, decocção e xarope. E M. urundeuva, infusão, xarope, garrafada, decocção, emplasto e banho, também relacionado com as diversas finalidades de uso. DISCUSSÃO Diversas plantas são utilizadas popularmente com finalidades medicinais nas regiões de cerrado, no entanto, há muitas espécies que ainda não foram estudadas de maneira a comprovar sua eficácia, ou possíveis efeitos colaterais sobre seu uso. No entanto as dez espécies mais citadas nos trabalhos analisados, são de uso bastante comum e há alguns estudos que demonstram sua ação farmacológica. No Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (FFFB) constam 47 espécies de plantas medicinais selecionadas embasadas em vasta literatura científica disponibilizada, tratando de dados de eficácia e segurança 41 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM das formulações. No presente trabalho foi feito o levantamento das 10 espécies mais citadas como utilizadas pela população do Cerrado. Destas, 6 espécies estão incluídas dentro do FFFB, que são Cymbopogon citratus, Baccharis trimera, Coleus barbatus (sin. Plectrantus barbatus), Phyllanthus niruri, Rosmarinus officinalis e Lippia alba 39. A espécie Chenopodium ambrosioides, conhecida popularmente como mastruz ou erva-de-santa-maria, foi a mais citada nos registros dos trabalhos analisados. Nas citações populares a planta é indicada como antibiótico, o que se relaciona com os dados encontrados por Correa-Royero et al 40 , em que foi evidenciado que o óleo essencial de Chenopodium ambrosioides demostrou atividade antifúngica contra Candida krusei em baixas concentrações em testes realizados in vitro. Além disso, a principal indicação dessa planta pelos levantamentos etnobotânicos, é o efeito antifúngico. O extrato hidroalcoólico de folhas do mastruz demostrou alta atividade inibitória do crescimento de trofozoítos de Giardia lamblia em avaliações realizadas in vitro trabalho Soares et al 42 41 . Em outro usando também extrato hidroalcoólico, pesquisaram seu efeito sobre o metabolismo ósseo em ratas ovariectomizadas. Os resultados mostraram que ocorre a prevenção da perda óssea, bem como a substituição de células da medula óssea, a partir do tratamento. Em estudos feitos com cinco comunidades na Argentina, muito acometidas por parasitoses intestinais, a tintura de maceração em álcool etílico a 70%, controlou efetivamente os nematoides Ancylostoma duodenale, Nectator americanos e Ascaris lumbricoides. Porém não demostrou o mesmo efeito positivo para protozoários, cestodeos e larvas de Strongyloides stercoralis 43. Efferth et al. citado por Degenhardt e colaboradores 44 , em seu experimento, testaram in vitro, a atividade citotóxica do ascaridiol em células tumorais. Esta substância foi isolada do óleo essencial de C. ambrosioides, sendo a principal substância encontrada (49,77%). Degenhardt et al.44 desenvolvendo trabalhos semelhantes, também encontraram os mesmos efeitos. Ambos autores destacam a necessidade de novos estudos e ressaltam que o ascaridiol é uma possível substância candidata para o tratamento de câncer. 42 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM A espécie Cymbopogon citratus apresenta muitas denominações populares, como capim-santo, capim-cidreira e capim-limão. De acordo com avaliação do conhecimento popular, essa planta é indicada pelo seu efeito hipotensor. Singi e colaboradores 45 avaliaram o efeito dos extratos hidroalcoólico do alho (Allium sativum L.) e do capim limão (Cymbopogon citratus (DC) Stapf) isolados ou em associação sobre a pressão arterial média de ratos anestesiados. Estes autores encontraram efeito anti-hipertensivo para os extratos quando utilizados isolados, sendo potentes redutores da pressão arterial média, no entanto, não foram observados incrementos nesta atividade quando utilizadas a associação das duas plantas. Estudos têm demonstrado a utilização de óleo essencial de Cymbopogon citratus no controle de Malassezia, agente causador de pitiríase versicolor 46 . Carmo et al 47 realizaram um estudo clínico piloto em que observaram após 40 dias de tratamento, um percentual de cura micológica de 60% para o grupo tratado com formulações do óleo essencial de C. citratus a 1,25 µL/mL, apresentando o composto segurança e efeitos biológicos in vivo. A Mentha pulegium (poejo) é uma planta muito conhecida nas regiões de cerrado, conforme envidenciado por este estudo, apresentando indicação como antibiótico. Mahboubi e Haghi 48 ao testar a atividade antimicrobiana do oléo essencial de poejo utilizando o método de difusão em discos, encontrou significativa atividade contra microrganismos, especialmente bactérias grampositivas, sendo a Escherichia coli (gram -) a menos susceptível. Além disso, a utilização de extrato alcoólico de folhas de Mentha pulegium tem atividade antioxiadante in vivo em ratos e pode ser utilizado como um protetor de tecidos e de extresse oxidativo 49. A Baccharis trimera (carqueja) é utilizada popularmente por seus vários efeitos benéficos, sendo um deles como vermífugo. O óleo essencial de Baccharis trimera em ensaios in vitro apresentaram atividade esquistossomicida. Os vermes machos são mais susceptíveis, apresentando respostas com menores tempos de exposição se comparados com as fêmeas 50 . Apresenta também grande potencial antiinflamatório, Paul et al 51 ao avaliarem o efeito do extrato aquoso de Baccharis trimera em modelo inflamatório experimental de pleurisia induzida por caragenina em ratos, 43 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM encontraram que este apresenta efeito antiinflamatório. Já Schmidt, Marques e Mayworm 52 , que avaliaram a atividade antimicrobiana de extratos etanólicos desta mesma espécie coletados com variações sazonais, observaram que os compostos presentes no extrato de B. trimera atuam inibindo cepas bacterianas, como enterobactérias. O Coleus barbatus se refere a uma das espécies conhecidas como boldo. Também de uso bastante comum. Porém, pode apresentar riscos à saúde. Almeida e Lemonica 53 , ao testar o efeito de extrato hidroalcoólico de Coleus barbatus sobre ratas antes da implantação do embrião, observaram que este causou atraso no desenvolvimento fetal e efeito anti-implantação, o que justifica o uso popular do extrato desta espécie com finalidades abortivas. A utilização de extrato aquoso desta mesma espécie causa leve estimulação do sistema nervoso central e aumento nos movimentos intestinais de ratos. O extrato também reduz a secreção gástrica indicando uma atividade antidispéctica, e protege contra úlceras gástricas por estresse 54 . O que corrobora ao conhecimento popular, pois uma das principais indicações de uso do C. barbatus é pelo seu efeito positivo em afecções gástricas. A Phyllanthus niruri (quebra-pedra) é muito utilizada para afecções renais, inclusive inflamações urinárias e cálculos. Freitas, Schor e Boim 55 demonstraram que o extrato aquoso P. niruri administrado via oral em ratos, inibiu fortemente o crescimento da matriz de cálculo renal e reduziu o número de pedras nesse órgão comparado com o grupo que recebeu somente água. Além disso, Phyllanthus niruri causou redução de níveis de LDL em ratos 56. A espécie Rosmarinus officinalis (alecrim) é muito utilizada pelas comunidades em regiões de cerrado, porém há muitas indicações diferentes sobre seu uso, variando de acordo com a região. Para essa espécie foram citadas cerca de 18 indicações diferentes. Entre elas, para controle de distúrbios cardiovasculares. Em estudos com ratos, Soares et al 57 mostraram que a infusão com folhas de alecrim a 0,5% possibilitou aumento dos níveis de LDL em 33,82%. Por isso, apesar da reconhecida capacidade antioxidante, o possível benefício do extrato de alecrim sobre as doenças cardiovasculares precisa ser melhor elucidado, já que diferentes componentes antioxidantes estão presentes nesta especiaria. 44 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM Erkan, Ayranci e Ayranci 58 em sua pesquisa encontraram alta atividade antioxidante no extrato de Rosmarinus officinalis. No estudo de Silva e colaboradores 59 foi investigada a ação antimicrobiana e a inibição de aderência in vitro do extrato hidroalcoólico de R. officinalis (alecrim) sobre cepas padrão de Streptococcus mitis ATCC 98811, Streptococcus sanguinis ATCC 10556, Streptococcus mutans ATCC 25175, Streptococcus sobrinus ATCC 27609 e Lactobacillus casei ATCC 7469. Os resultados sugerem a possibilidade de uso do extrato de alecrim como antimicrobiano oral. No entanto, orientam que devam ser feitos modelos de estudo que possam reproduzir situações mais próximas àquelas encontradas na cavidade oral, sendo requeridas para avaliação de agentes antimicrobianos no tratamento e prevenção de infecções orais biofilme-dependentes. O Foeniculum vulgare (funcho ou erva doce) não apresentou indicação popular como antibiótico, ou antimicrobiano, no entanto, conforme Tinoco, Martins e Cruz-Morais 60 , testando in vitro os óleos essenciais das folhas e dos frutos de Foeniculum vulgare Miller, detectaram atividade antimicrobiana contra Staphylococcus aureus, Saccharomyces spp. e Fusarium oxysporum. O óleo essencial de Foeniculum vulgare mostrou-se ter uma potente ação hepatoprotetora em injúrias induzidas no fígado em ratos 61 . O extrato metanólico de frutos de F. vulgare mostrou ação inibitória em inflamações cutâneas e subcutâneas, reações alérgicas do tipo IV e um efeito analgésico quando administrada via oral 62. A Lippia alba (erva-cidreira) é uma planta muito popular, e apesar de não ter havido registro nos trabalhos estudados sobre seu efeito antimicrobiano, diversos trabalhos demonstram que o extrato dessa planta pode ter essa ação. Aguiar et al 63 testaram extratos brutos preparados a partir de plantas cultivadas de modo padronizado de Lippia alba em horta medicinal, e para verificação da atividade antimicrobiana, in vitro, pelo método de difusão em disco de papel. Os resultados obtidos mostraram que os extratos clorofórmico, acetônico e etanólico da raiz foram ativos frente a Staphylococcus aureus, Micrococcus luteus, Bacillus subtilis, Mycobacterium smegmatis, Candida albicans e Monilia sitophila e os extratos hexânicos, etanólicos e metanólicos das folhas inibiram S. aureus, M. luteus, B. subtilis, M. smegmatis 45 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM e M. sitophila. Sena Filho, et al 64 também avaliaram a atividade antimicrobiana dos extratos acetato de etila, metanol e aquoso das raízes de L. alba usando métodos de difusão em poços. Os resultados obtidos mostraram que os extratos acetato de etila e metanol apresentaram atividade antimicrobiana contra Staphylococcus aureus e Klebsiella pneumonia. Giordani, Santin e Cleff 65 fizeram uma ampla revisão de literatura sobre ação anti-Candida de extratos vegetais. Verificaram que existem vários trabalhos mostrando que extratos clorofórmicos, cetônicos e etanólicos de folhas e raízes Lippia alba apresentam ação anti-Candida. Morais et al 66 desenvolveram uma pesquisa para avaliar a ação antioxidante de uma variedade de chás e condimentos mais consumidos no Brasil. O método utilizado para avaliar a ação antioxidante foi o da atividade sequestradora de radicais livres DPPH em solução metanólica. Lippia alba demostrou um alto índice (27,29 mg/mL), sendo capaz de inibir 50% dos radicais livres (Cl 50), portanto sua ação antioxidante não apresentou resultados satisfatórios comparado as demais plantas estudadas. A Myracrodruom urundeuva (aroeira) é utilizada popularmente, dentre outros, devido a seu efeito antiinflamatório. Conceição et al 67 afirmam em seu trabalho que existem estudos que apontam que M. urundeuva apresenta atividades anticolinesterásica, antioxidante e antiinflamatória, importantes para o tratamento da doença de Alzheimer, provavelmente diminuindo a sua progressão. De acordo com Nobre-Jr e colaboradores 68 frações de chalconas isoladas da casca do tronco de M. urundeuva apresentaram ação neuroprotetora, reduzindo o estresse oxidativo e injúrias apoptóticas causadas pela 6-hidroxidopamina em células mesencefálicas de ratos. O óleo essencial de M. urundeuva se mostrou ativo em testes realizados in vitro contra a bactéria Helicobacter pylori, a qual constitui um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico Alves et al antiaderente da 70 69 . avaliaram in vitro a atividade antimicrobiana, antifúngica e Myracrodruom urundeuva (aroeira-do-sertão) sobre microorganismos do biofilme dental e candidose oral, como alternativa terapêutica odontológica. Nos resultados obtidos o extrato apresentou atividade antiaderente, ou seja, capacidade de inibir a síntese do glucano pela 46 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM glicosiltransferase. Observaram-se também atividade antifúngica do extrato de aroeira-do-sertão sobre cepas de Candida albicans, Candida tropicalis e Candida krusei. Outros autores também descreveram a ação antifúngica do extrato das folhas desta espécie sob os fungos Colletotrichum gloeosporioides e Corynespora cassiicola 71. No trabalho de Rorato 72 , M. urundeuva apresentou um bom resultado antifúngico. Seu uso como banho de assento é indicado para o tratamento de candidíase vulvovaginal, mas seu uso interno é desaconselhável, pois apresentou toxicidade aguda em ratos Wistar e citotoxicidade em células de Allium cepa. Sugeriu-se mais estudos toxicológicos dos extratos da casca e da folha com análises histológicas em outros órgãos, especialmente no sistema nervoso. CONCLUSÃO O Cerrado é detentor de uma grande biodiversidade e também de um rico conhecimento popular associado à utilização dos seus recursos naturais. É de suma importância o resgate cultural atrelado ao conhecimento cientifico, sobre o potencial das plantas popularmente utilizadas como medicinais. Nesse sentido esse trabalho elucidou sobre a diversidade do uso das plantas medicinais. Foram levantadas muitas espécies, e como se trata de regiões diferentes, há muita variação sobre as principais plantas em cada local, de maneira que foi possível elucidar pelo menos 10 espécies caracterizadas como mais comuns. Diversos trabalhos demonstram os potenciais efeitos farmacológicos dessas espécies, muitos em acordo com as indicações de uso popular, o que demonstra ainda mais a necessidade de se fazer um estudo e preservação desse conhecimento, que já tem se perdido. E mais estudos são necessários para diversas outras espécies tão importantes quanto essas, que são utilizadas por comunidades locais no bioma Cerrado, porém, ainda não foram estudadas. 47 Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano - Higia 2016; 1 (2): 34-57 Moares IB, Karsten J, Casali MPM REFERÊNCIA 1. Fernandes TM. Plantas medicinais: memória da ciência no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2004. 2. Ministério da saúde. Práticas integrativas e complementares: plantas medicinais e fitoterapia na atenção básica. Brasília: Editora MS; 2012 3. Almassy Junior AA, Lopes RC, Armond C, Silva F, Casali VWD. Folhas de chá – Plantas Medicinais na Terapêutica Humana. 1ª ed. Viçosa: UFV; 2005. 4. 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