A ADMINISTRAÇÃO DE MACAU AO LONGO DA SUA HISTÓRIA

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 1015-1028
A ADMINISTRAÇÃO DE MACAU AO
LONGO DA SUA HISTÓRIA
Ng Siu Yu *
Nos finais de 1999, efectuar-se-á a transferência da soberania de
Macau. Conforme o estipulado na Lei Básica da Região Administrativa
Especial de Macau: «O Chefe do Executivo da Região Administrativa
Especial de Macau deve ser cidadão chinês escolhido de entre os
residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau
(RAEM) e é nomeado pelo Governo Popular Central, com base nos
resultados de eleições ou consultas realizadas localmente, responsabilizando-se perante o Governo Popular Central e a Região Administrativa
Especial de Macau». A Lei Básica determina ainda que, em certas
circunstâncias, o Chefe do Executivo da RAEM pode dissolver a
Assembleia Legislativa. «Os projectos de lei e de resolução que não
envolvam receitas e despesas públicas, a estrutura política ou o funcionamento do Governo podem ser apresentados, individual ou
conjunta-mente, por deputados à Assembleia Legislativa. A
apresentação de projectos de lei e de resolução que envolvam a política do
Governo deve obter prévio consentimento escrito do Chefe do
Executivo». Daí, é óbvio que, após 1999, o sistema político de
«Supremacia do Poder Executivo» será mantido em Macau.
«Se queres saber o futuro, olha para o passado». Para que Macau
venha a ter uma transferência de soberania sem sobressaltos, com
estabilidade social e desenvolvimento económico, é necessário que seja
efectuado um estudo, no seu aspecto histórico, sobre a importância em
manter no futuro o sistema de «Supremacia do Poder Executivo», por
forma a encontrar os seus fundamentos históricos.
Na história de Macau, a sua administração pode ser dividida, de
uma forma genérica, em quatro fases: l .a fase — Período de Criação da
* Mestre em História da Universidade «Jinan» de Cantão. Letrado do Centro de
Tradução da Administração Pública (CTAP) dos Serviços de Administração e Função
Pública (SAFP).
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Estrutura Administrativa, desde 1557, data do estabelecimento da cidade de Macau, até 1583. 2.a fase — Período do Poder Autárquico Local, de
1583 a 1784. 3.a fase — Período do Poder Centralizado, de 1784 a 1976.
4.a fase — Período de Transição, de 1976 a 1999.
PRIMEIRA FASE
PERÍODO DE CRIAÇÃO DA ESTRUTURA
ADMINISTRATIVA DE MACAU, DE 1557 A 1583
No início do estabelecimento da cidade de Macau, não existia
nenhuma estrutura administrativa da cidade. Os portugueses começaram a fixar-se em Macau no ano de 1557. Em 1563, os habitantes
portugueses de Macau já eram 900 e o número de chineses e não chineses
residentes em Macau era à volta de l O mil. Macau tornou-se num centro
comercial da China com os países estrangeiros. Em cada ano, chegavam a
Macau mais de 20 embarcações comerciais provenientes de diversos
países. Face ao comércio de tal modo desenvolvido e ao elevado número
demográfico, e atendendo à inexistência de uma estrutura administrativa
própria, o Vice-Rei de Goa ordenou que os habitantes portugueses de
Macau se sujeitassem à jurisdição do Capitão da frota comercial portuguesa que partia anualmente da índia para a China e Japão, chamado
Capitão-Mor. Foi este o primeiro modelo de administração na História de
Macau.
Por necessitar de adquirir, na China, mercadorias para comercialização, e aguardar as monções sudoeste do ano seguinte, o Capitão-Mor tinha
que permanecer em Macau, por um período entre oito meses a um ano,
durante o qual se responsabilizava pelos assuntos administrativos,
militares, judiciais e comerciais de Macau. No ano seguinte, quando se
aproximavam as monções de sudoeste, o Capitão continuava a sua
viagem para norte, rumo ao Japão, enquanto chegava a Macau, vinda de
Goa, índia, a segunda frota comercial portuguesa, cujo Capitão assumia,
em substituição do anterior, as funções de administração da cidade de
Macau. Quanto ao Capitão-Mor, este era nomeado anualmente pelo Rei
de Portugal ou pelo Vice-Rei da Goa, em nome do Rei de Portugal. Daí,
poder-se dizer que, no início, o poder monárquico de Portugal controlava
a administração de Macau, embora com pouca eficácia. É evidente que
sendo Macau já um centro de comércio entre a China e o estrangeiro, em
que se registava um desenvolvimento económico contínuo e um rápido
crescimento da população, era muito inconveniente essa forma de
administração, mudando anualmente o seu Chefe do Executivo. Tanto
mais que, na altura, as funções do Capitão-Mor se inclinavam mais ao
interesse económico do que do político. Aos olhos das autoridades
chinesas, Macau, um território seu, tinha igualmente um significado
mais comercial que político. Por isso, a China não enviou representantes
para administrar este pequeno pedaço de terreno, cobrando apenas às
embarcações comerciais estrangeiras que comercializavam em Macau
impostos sobre as suas mercadorias.
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Por volta de 1572, o Governo chinês começou a cobrar aos habitantes
portugueses de Macau 500 taéis de prata, a título de foro. Esta receita era
registada no «Livro Geral das Taxas e Impostos da Província de
Guangdong». Isto mostra que as autoridades chinesas já, na altura,
admitiam, em termos formais, a residência dos portugueses em Macau.
Em 1574, o Governo da Dinastia Ming construiu, no Istmo de Lianhua,
as Portas do Cerco, a fim de impedir a entrada dos portugueses no
interior da China, sem no entanto ter criado em Macau qualquer estrutura administrativa.
Não tendo, naquela altura, o Governo chinês exercido eficazmente o
seu poder executivo sobre Macau, constituiu para os portugueses que
se fixavam em Macau, numa fase posterior, o tal «Antigo Privilégio»
que era muito bem aceite pelos portugueses.
Em 1580, os portugueses habitantes de Macau procederam, por
iniciativa própria, à eleição do Ouvidor e impuseram leis de Portugal em
Macau. Foi esta a primeira tentativa de os portugueses habitantes de
Macau estabelecerem no Território uma estrutura administrativa. Uma
das razões deste facto foi porque, no ano de 1578, o Governo da Dinastia
Ming voltou a permitir que comerciantes de outros países efectuassem
comércio em Cantão, deixando, assim, Macau de ser o único porto
chinês de comércio com o exterior. Então, os comerciantes do sudeste
asiático e de outros países iam directamente a Cantão para fazerem os
seus negócios, tornando-se deste modo Macau um porto comercial
exclusivo dos portugueses. Desde 1562, dado o crescimento da população e o surto económico que a actividade comercial proporcionava a
Macau, exigiu essa situação a existência emergente duma estrutura
administrativa autónoma na cidade, tanto mais que, na altura, já o
Território se tinha tornado no único lugar de permanência e residência dos
portugueses na China. Porém, o acto praticado pelos portugueses de
Macau foi reprovado e investigado pelo então recém-nomeado Governador de Guangdong e Guangxi, pois o Governo chinês não admitia a
aplicação da Lei Portuguesa em território chinês.
O assunto só foi resolvido com a intervenção de Matias Penela,
representante do então Chefe do Executivo de Macau, e do Capitão da
frota comercial portuguesa, Aires Gonçalves de Miranda. Contudo, o
Governo da Dinastia Ming frisou que os portugueses habitantes de
Macau tinham que se sujeitar à administração das autoridades chinesas.
Por volta de 1582, o Governo da Dinastia Ming criou para Macau
um regime específico de administração sobre as áreas administrativa,
judicial e fiscal e, em 1584, nomeou o então líder dos portugueses para
administrador, delegando nele certos poderes de administração sobre
comerciantes e habitantes chineses na área residencial portuguesa. Em
simultâneo, o Governo da Dinastia Ming aceitou a criação em Macau do
Senado para servir de local de encontro das autoridades portuguesas e
chinesas, a fim de discutirem os assuntos administrativos.
Pelos factos históricos expostos, verifica-se que desde 1580 até por
volta de 1584, o Governo chinês da Dinastia Ming começou a exercer o
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poder executivo sobre Macau, permitindo, ao mesmo tempo, que os
portugueses habitantes de Macau gozassem de um maior grau de
autonomia. Embora o Governo chinês tenha cobrado impostos às embarcações comerciais que aportavam em Macau, permitiu, em simultâneo,
que os portugueses estabelecessem, no porto de Macau, a sua própria
alfândega, com impostos aduaneiros próprios para as embarcações
comerciais portuguesas, cujas receitas eram destinadas para o órgão
senatorial de Macau. Por conseguinte, nessa mesma altura, os portugueses começaram a estabelecer gradualmente o poder executivo local.
Assim, existia nessa altura, em Macau, dupla estrutura administrativa,
exercendo simultaneamente a China e Portugal, o poder executivo, o que
constituía uma característica muito importante e especial no que respeita
ao cruzamento das duas culturas ocidental e oriental.
Em 1581, Portugal foi ocupado por Espanha e o Rei espanhol
passou a ser também o Rei de Portugal. Quando tomaram conhecimento
disso, em 1582, os portugueses de Macau não aceitaram essa realidade,
pois não queriam sujeitar-se aos espanhóis e pretendiam criar um poder
autónomo em Macau. Portanto, esta realidade política foi um importante
factor para criação de um poder autónomo em Macau pelos portugueses aí
residentes, em 1583.
SEGUNDA FASE
PERÍODO DO PODER AUTÁRQUICO LOCAL,
DE 1583 A 1784
Em 1583, os portugueses de Macau após negociações, estabeleceram,
em conformidade com as leis municipais de Portugal, uma estrutura
administrativa do Território — o Senado de Macau. Em 1586,
conseguiram do Vice-Rei da índia uma maior autonomia.
Embora os portugueses de Macau nunca conseguissem como desejavam uma autonomia de grau idêntico à do Porto, o estatuto autónomo de
Macau foi, contudo, reconhecido oficialmente, e assim foi criada uma
estrutura administrativa própria em Macau.
Nessa altura, os portugueses de Macau criaram uma estrutura
administrativa própria de Macau — o Senado de Macau e as eleições
eram feitas trienalmente. Eram, então, eleitores todos os portugueses
residentes permanentes ou naturais de Macau, com direito a voto. A
metodologia eleitoral aplicada era eleger, em primeiro lugar, seis representantes, os quais seriam, então, divididos em três grupos que iriam, em
seguida, apresentar, cada um, as candidaturas ao Senado. As listas de
candidatura, submetidas à apreciação do Ouvidor de Macau, seriam
apresentadas pelo Ouvidor ao Vice-Rei da índia que iria, então, definir
uma lista nominativa dos membros do Senado de Macau para cada um
dos três anos seguintes, pois o prazo de cada mandato era de um ano. O
Senado de Macau era composto por três personalidades locais de
renome (de idade superior a 40 anos), dois juizes (de idade superior a 30
anos) e um oficial da área de Administração Civil. As três listas tinham
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carácter confidencial e eram enviadas para Macau. A 31 de Dezembro
de cada ano, realizava-se a cerimónia de entrega dos poderes que era
presidida pelo Secretário do mandato anterior. Nesta cerimónia, fazia o
Secretário a abertura e a leitura da lista nominativa dos membros do
Senado para o ano seguinte e procedia-se, seguidamente, à tomada de
posse dos nomeados para aquele ano.
Os trabalhos do Senado eram divididos entre os seus membros e
cada uma das personalidades locais de renome desempenhava, de modo
alternado, as funções de presidente, dirigindo as reuniões do Senado e
tratando, conforme a lei portuguesa, dos assuntos quotidianos, enquanto
os dois juizes se responsabilizavam pela fiscalização dos trabalhos do
presidente, tendo competência para julgar os casos criminais e civis
ocorridos em Macau. Os assuntos relativos às áreas financeira, económica,
alfandegária e urbanística eram da responsabilidade do oficial da
Administração Civil — o Procurador — que desempenhava ainda o
papel de oficial de ligação entre o Senado e o Governo da Dinastia Ming.
Este, em seu nome, conferia também um cargo oficial ao referido
membro do Senado. Porém, os assuntos importantes eram tratados na
«Conferência Civil», através de debate, que contava com a participação dos
membros do Senado de todos os mandatos, Bispo, padres e todo o povo
de Macau. As funções relacionadas com a segurança pública eram atribuídas
à Ronda Municipal do Senado e à da Alfândega, ambas sob o comando dos
oficiais de segurança pública, os quais tinham mandato de um ano e em
cada mandato, eram nomeados vinte e quatro oficiais. O serviço dos
oficiais era prestado em turnos e, em cada mês, dois oficiais eram
destacados para o serviço diário da segurança pública. Caso acontecesse
alguma convulsão de grande escala ou invasão de inimigos, todos os
habitantes do sexo masculino seriam recrutados para assegurar a
segurança pública ou lutar contra os inimigos. A par do estabelecimento
de tudo isto, foi pedido para se desligarem da jurisdição que pertencia ao
Capitão da frota comercial portuguesa, o Capitão-Mor, o qual foi
formulado pelo Senado às autoridades de Portugal, tendo, porém, sido
rejeitado pelo Rei. Pode-se dizer que desde a fase inicial da criação do
Senado, o poder autárquico de Macau teve sempre conflitos e luta de
poderes com o representante, em Macau, do poder central monárquico
de Portugal.
Em 1586, o Senado de Macau voltou a pedir a cessação do poder
jurisdicional do Capitão sobre Macau, e finalmente, obteve a autorização do Rei de Espanha. Em Fevereiro de 1587, o Rei de Espanha nomeou
um Ouvidor para Macau para governar os assuntos de administração e de
justiça. Relativamente ao Capitão de terra, eleito pelos portugueses para
o comando dos assuntos militares, esta figura não era totalmente
reconhecida pelo Rei de Espanha, apenas lhe permitindo governar
Macau em conjunto com o Ouvidor, quando o Capitão da frota partia de
Macau. No entanto houve sempre conflitos entre os Ouvidores e portugueses locais, originando perturbações na sociedade. O Senado pediu,
então, ao Rei de Espanha a extinção do cargo do Ouvidor. Nessa altura,
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a Espanha estava em declínio e em 1595 autorizou que Macau gozasse
de total autonomia, passando a ter o estatuto oficial de cidade autónoma.
A partir daí, as funções do então Ouvidor passaram a ser assumidas pela
personalidade de renome local mais idosa do Senado, conforme o
proposto por este organismo municipal.
Em Março de 1615, o Rei de Espanha mudou de ideias e nomeou
Francisco Lopes Carrasco para exercer os cargos de Comandante Militar
e de Ouvidor de Macau, em substituição do Capitão da frota comercial
portuguesa. Foi mais uma tentativa do Rei de Espanha para controlar
Macau. Em Agosto de 1616, porém, após a chegada a Macau de
Francisco Lopes Carrasco, o Capitão da frota comercial portuguesa
recusou reconhecer as competências do novo Comandante Militar e
Ouvidor que era, aos olhos dos portugueses de Macau, um inimigo.
Finalmente, em princípios de 1617, Francisco Lopes Carrasco foi
transferido de Macau para Goa. A partir de 1621, houve sempre fortes
conflitos entre o Senado de Macau e o Capitão da frota comercial
portuguesa, Lopo Sarmento de Carvalho, que já tinha adquirido o
privilégio de comércio com a China e o Japão, durante um período de três
anos. Por este motivo, o Senado de Macau voltou repetidamente a pedir
ao Rei de Espanha e ao Vice-Rei da índia para abolir o poder
jurisdicional do Capitão da frota comercial portuguesa sobre Macau,
criando apenas na cidade de Macau o cargo de Capitão do Exército,
sendo aconselhável que permitissem ao Senado exercer todo o poder
executivo sobre Macau, tornando-a numa cidade autónoma. Estas propostas, entretanto, foram todas recusadas e o Vice-Rei da índia nomeou,
em Maio de 1623, Francisco Mascarenhas para exercer o cargo do
Comandante Militar de Macau (Capitão-Geral ou Governador), cujo
estatuto era superior ao do Senado. Nessa altura, porém, o Governador
de Macau era meramente um comandante de exército, diferente dos
posteriores Governadores de Macau. Essa medida do Vice-Rei da índia
provocou a irritação dos portugueses de Macau e a partir daí tiveram
sempre conflitos com os Governadores designados pelo Vice-Rei.
A partir dessa altura, o original órgão executivo de Macau, constituído pelo Capitão da frota comercial portuguesa, Ouvidor nomeado
pelo Rei, e Senado de Macau, passou a ser composto pelo Governador
(Comandante Militar), Senado de Macau e Ouvidor nomeado pelo Rei,
cabendo principalmente ao Senado exercer o poder executivo. Nesse
sistema de «triunvirato» verificavam-se frequentemente conflitos entre
os três componentes e essa situação permanece até 1784.
Por conseguinte, verifica-se que a primeira estrutura administrativa de Macau foi estabelecida por volta de 1583 e que a partir desta data
até 1784, num período de dois séculos, o Território foi governado
principalmente pelo poder autárquico, o Senado. Por razões que envolviam os grandes interesses com o comércio internacional entre o Japão,
Portugal, China e Sudeste Asiático, no que concerne a Portugal, os três
componentes do sistema político andavam constantemente em conflitos,
devido a poderes e interesses comerciais. Também, desde o início,
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existiram graves sobreposições de poderes administrativos. O Senado,
poder autárquico criado pelos portugueses de Macau, o Capitão da frota
comercial portuguesa nomeado pelo Rei de Portugal, o Governador
(Comandante Militar) de Macau e o Ouvidor, bem como ainda as
autoridades enviadas pelo governo da Dinastia Ming, ou seja, as partes
chinesa, portuguesa e macaense, tinham, respectivamente, direito ao
exercício do poder executivo sobre a cidade de Macau e cada uma das
referidas figuras representava a imagem política e os interesses económicos da sua parte. As três partes exerciam cada qual o seu poder e
partilhavam dos grandes interesses económicos provenientes do comércio
que gozava de prosperidade. Esse modelo de combinação política e
administração justaposta, é, na verdade, rara tanto na história da China
como na dos diversos países do Mundo e é ainda um facto singular nas
culturas portuguesa e chinesa. Em virtude do pluralismo no poder
executivo, era inevitável o aparecimento de confusões e conflitos,
afectando, naturalmente, a estabilidade social e o desenvolvimento
económico de Macau. Pode-se ainda dizer que, desde então, sempre
existiram na política de Macau, aquelas três forças, cujos poderes
alternavam permanentemente.
Mas nos primeiros tempos do estabelecimento da cidade de Macau,
não obstante os conflitos frequentes, conseguiu-se a estabilidade social,
proporcionando, assim, durante meio século, prosperidade económica
que a transformou de uma pequena povoação piscatória numa cidade
com o maior porto comercial do então continente asiático.
Após mais de cem anos contados a partir da década de 30 do século X
Ⅶ , Macau passou por períodos áureos e de declínio, com curtas
restaurações económicas. Essa transformação foi sobretudo devido a dois
factores, um económico e o outro político, sendo o primeiro relacionado
com o comércio com o Japão, China e Sudeste Asiático, e o segundo,
com a luta de poderes entre a Administração Central e a Autarquia local.
Em 1642, o problema do comércio de Macau com Manila, até aqui sob
o controlo do novo Rei de Portugal, originou que o Governador de
Macau, Sebastião Lobo da Silveira, e o Senado, tivessem opiniões
contraditórias chegando ao ponto de se desentenderem e mobilizarem a
artilharia, originando assim violentas lutas. Em 1702, o Rei de
Portugal restabeleceu em Macau, a figura de Ouvidor, que queria
igualmente disputar o poder com o Senado, pois o Ouvidor do primeiro
mandato, a partir do momento em que tomou posse, mandou prender o
oficial da Administração Civil do Senado. A luta de poderes entre o
Governador, o Ouvidor e o Senado deu origem a frequentes e
múltiplos conflitos. Finalmente, em 1709, o Rei de Portugal ordenou por
decreto que o exercício de poderes de administração e de finanças sobre
Macau pertencia ao Senado de Macau, não podendo o Governador e o
Ouvidor intervir nesses assuntos. O Governador não tinha direito de
convocar reuniões da câmara municipal, podendo apenas assistir a essas
reuniões, no seu lugar de honra. A disputa de poderes entre o Governador, o Ouvidor e o Senado afectou gravemente a estabilidade social e o
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desenvolvimento económico de Macau. Esses contínuos distúrbios
sociais fizeram decair, muito rapidamente, a economia do Território.
Nestas circunstâncias, o Vice-Rei da índia, sem outra alternativa,
mandou, em 1714, restituir ao Senado cinco por cento das suas receitas
destinadas à Tesouraria Nacional. Contudo, as dívidas foram-se acumulando em 1716, e o Território entrou em rápido declínio. Pediram então, ao
Rei de Portugal, frisando que caso não fosse encontrada solução para
Macau, Portugal viria a perder, muito em breve, a sua melhor terra
residencial no Extremo-Oriente. Por volta de 1740, uma parte das naus
da frota comercial de Macau foi destruída por tufões e uma outra parte,
por falta de recursos, deixou de funcionar, reduzindo o número das naus
da frota, de 25 para 13. Por volta de 1780, registou-se um grande défice
que atingiu os trezentos e vinte mil taéis de prata, e toda a economia de
Macau se encontrava numa situação difícil.
Com base nos supracitados factos históricos, pode-se verificar que
desde a constituição do poder autárquico de Macau, em 1583, até 1784,
com excepção dos primeiros cinquenta anos, durante o remanescente
período de mais de cem anos, Macau passou por lutas de poderes e
distúrbios sociais, de que resultou ao fim, a queda económica e a
desintegração social de Macau. Tudo isto foi devido à política polinuclear em
que se verificava a luta de poderes e de benefícios entre a Monarquia e a
Autarquia local. Certo é que uma política desunificada traz como
consequência a instabilidade social e esta, por sua vez, a decadência
económica. A experiência histórica diz-nos: para manter a prosperidade
económica é necessário manter a política de união.
TERCEIRA FASE
PERÍODO DO PODER CENTRALIZADO DE 1784 A 1976
Em 1784, a Rainha de Portugal exigiu ao Senado de Macau e ao
Bispo da Diocese que estabelecessem em Macau, os «Antigos Privilégios». O então Ministro da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e
Castro, procedeu, por conseguinte, à reestruturação política de Macau,
conferindo poderes ao Governador de Macau para, além de exercer o
cargo de Comandante Militar, intervir nos assuntos quotidianos do
Território e vetar qualquer decisão tomada pelo Senado de Macau, bem
como acumular as funções de presidente do Senado, com que tornou o
Governador o verdadeiro poder máximo de Macau. Quanto à Tesouraria de
Macau, a apreciação das contas e a aprovação das despesas e receitas
ficaram a cargo do Governador e do Ouvidor nomeado pelo Rei. Esta
medida retirou, de vez, o poder executivo do Senado, passando-o à posse
do Governador de Macau, com que aumentou significativamente o
«poder central da Monarquia» e enfraqueceu o «poder da Autarquia
local», modificando, assim, o modelo de administração que vigorava há 200
anos, em que a Autarquia local era o poder máximo. Ao mesmo tempo,
mobilizou uma quantia avultada para a aquisição das instalações do
«Senado», construídas pelo Governo chinês há mais de 200 anos, e
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mandou proceder à sua reedificação, transformando-o em edifício do
«Leal Senado», uma construção de dois pisos, para servir de local oficial de
trabalho da máquina administrativa de Macau. Igualmente, reviu a
antiga lei sobre a nomeação do Ouvidor de Macau pelo Vice-Rei da
índia, em nome do Rei de Portugal, passando aquele a ser nomeado
directamente pela Rainha de Portugal, D. Maria I. Ó novo Ouvidor, para
além das competências administrativa, judicial e alfandegária que detinha,
era ainda o substituto do presidente da Câmara, neste caso o
Governador, durante as suas ausências ou impedimentos.
Nessa altura, já D. Maria I tinha retomado o poder executivo sobre
Macau, voltando assim, à posse do poder monárquico.
Em 1822, sob o impulso da revolução liberal da Europa, as Cortes
de Portugal, com os seus membros eleitos pelos cidadãos, criaram a l.ª
Constituição, declarando Macau uma colónia portuguesa e passando a
nomear portugueses da Metrópole para os cargos de vereadores municipais de Macau. Em 1774, o Rei de Portugal tinha autorizado aos
portugueses de Macau o exercício das funções de vereadores, mas, na
verdade, essa autorização nunca chegou a ser posta em prática. Por
conseguinte, os cidadãos de Macau enviaram directamente ao Rei e à
Assembleia uma carta, pedindo o restabelecimento da estrutura administrativa inicial do Senado e a nomeação de macaenses, portugueses
naturais de Macau, para o desempenho das funções públicas. Na verdade,
tratava-se de um pedido para reaver o poder executivo sobre Macau, por
parte dos macaenses, no que foi mais uma luta de poderes, entre a
Autarquia e a Monarquia. Em Agosto de 1822, eclodiu, em Macau, o
«Movimento Liberal». A 19 de Agosto, constituiu-se um novo governo
municipal o qual decidiu restabelecer a estrutura administrativa adoptada antes de 1784, deixando o novo Senado de se sujeitar ao controlo do
Governador, no tocante aos poderes legislativo, administrativo e judicial. O Governador dessa altura, José Osório de Castro Cabral de Albuquerque, passou a ser o Comandante Militar, tal como antes de 1784. Em
Junho de 1823, o Vice-Rei da índia enviou tropas para reprimir o
«Movimento Liberal» de Macau. A 23 de Setembro, o líder do movimento liberal, Fr. Gonçalo Amarante, refugiou-se em Cantão e o partido
conservador, em seguida, criou um conselho do governo para assumir as
competências do Governador. Em 1825, o comandante militar que
reprimiu o movimento liberal, Joaquim Mourão Garcez Palha, foi
nomeado Governador de Macau, e o Conselho do Governo foi dissolvido.
A eclosão e a repressão deste «Movimento Liberal» de Macau foi o
resultado da luta pelo poder entre a Autarquia e a Monarquia.
Por razões de interesses económicos de Macau, tanto os macaenses
como o Rei de Portugal fizeram todos os possíveis para monopolizar o
poder executivo sobre Macau, e, não conseguindo as duas partes chegar
a um acordo, recorreram às armas.
Em 1833, a classe liberal, com o seu partido constitucionalmente
estabelecido, dominou o poder político de Portugal e o novo Governador
de Macau, Bernardo José de Sousa Soares Andrea, introduziu, no
1023
Território, uma série de medidas de reforma, entre as quais extinguir, em
1834, o cargo de capitão-mor e dissolver, em 1835, a Câmara Municipal,
passando o Governador a possuir poderes militar e político, enquanto o
Leal Senado apenas mantinha as competências para a administração dos
assuntos municipais quotidianos. O povo de Macau apoiava imenso este
Governador, pois era imparcial e honesto, compreensivo e apto, mas
opunha-se à abolição do órgão da Autarquia local — a Câmara Municipal.
Por isso, em 1837, pediu por escrito às Cortes de Portugal o
restabelecimento da Câmara, mas nunca obteve autorização. Desde
então, o Governador passou a dominar totalmente o poder executivo
sobre Macau.
A partir de 1784 e até 1833, com o conjunto de reformas políticas
posto em prática, o controlo do poder central de Portugal sobre Macau
estava praticamente estabelecido e de facto era o Governo Central que
governava Macau, através duma estrutura administrativa unificada e
relativamente perfeita. Foi, porém, definido com clareza o âmbito de
exercício do poder de administração central sobre Macau e as competên-cias
da Autarquia do Território. Estas reformas foram, sem dúvida, úteis para a
Administração de Macau, pois modificaram a situação de conflitos
incessáveis motivados pela luta de poderes e de interesses comerciais,
no seio do sistema administrativo de triunvirato. Por outro lado, tendo
os poderes já centralizados e unificados, e por estar directamente
dependente do Governo Central de Portugal, Macau foi igualmente
beneficiada, no sentido de conseguir um maior apoio e ajuda junto do
Governo Central, o que foi muito importante para Macau, por ser uma
cidade-porto de comércio internacional. Macau obteve certo apoio
político, mas o mais importante foi a abertura da rota marítima comercial
para a Europa, podendo, assim, usufruir os proveitos provenientes do
comércio internacional com a Europa, índia, Japão, China e até mesmo
com os países ou territórios do Sul da Ásia. Nos fins do século XⅧ e em
princípios do século XIX, o desenvolvimento do comércio externo de
Macau recuperou mais uma vez a economia e a cultura do Território.
Em particular, depois da Guerra do Ópio, e precisamente por Macau
depender e contar com apoio do Governo Central de Portugal,
conseguiu expandir, em grande escala, as suas fronteiras, alargando o
seu domínio que terminava na freguesia de St.° António, servindo de
fronteira a antiga muralha, para a área que abrangia toda a Península de
Macau, com a fronteira estabelecida no Istmo de Lianhua, e as duas ilhas
de Taipa e Coloane. Embora a área de Macau tenha aumentado muito,
aos olhos do Governo da China isso não foi muito apreciado.
Em 1844, o Governo de Portugal permitiu que Macau saísse da
jurisdição de Goa, formando, em conjunto com Timor e Solor, uma
única província ultramarina. Por isso, o Governador de Macau ficou a ser
o «Governador de Macau e Timor». A 20 de Novembro de 1845, a
Rainha de Portugal, D. Maria Ⅱ, proclamou Macau um porto livre.
Após a Guerra do Ópio, em Abril de 1846, João Maria Ferreira do
Amaral tomou posse como Governador de Macau, começando de ime1024
diato a implementar o plano de colonização e assumindo o poder de
administração sobre os cidadãos chineses residentes em Macau. Dissolveu
a Câmara Municipal e reorganizou-a. Em 1848, procedeu à expansão da
área residencial dos habitantes portugueses de Macau, fazendo avançar
para o norte as muralhas fronteiriças da zona da Rua do Campo até às
Portas do Cerco. Em 1849, encerrou a alfândega estabelecida pela China,
em Macau. A 22 de Agosto de 1849, Ferreira do Amaral foi
assassinado, gerando conflitos entre Portugal e a China, com o que
resultou a ocupação das Portas do Cerco pelos portugueses. Por outro
lado, o Mandarim do Distrito de Xiangshan destacado em Macau, na
zona residencial dos portugueses, para administrar os assuntos relacionados com os comerciantes chineses aí residentes, teve de se retirar para
Qianshan. Desde então, os portugueses habitantes de Macau recusaram-se
a pagar o foro e Macau passou para as mãos dos portugueses, na sua
totalidade, passando a ser, em concreto, uma colónia de Portugal,
embora esse estatuto nunca tenha sido reconhecido pelo Governo da
China. Em 1865, após a ocupação da Ilha de Coloane, os portugueses
criaram a Comissão Municipal das Ilhas, como o órgão administrativo
das Ilhas de Taipa e de Coloane, e em 1874, construíram a norte das
originais Portas do Cerco, uma nova Porta do Cerco. Sequencialmente,
procedeu ao registo de censo, à numeração policial e à cobrança de foro, na
zona residencial dos chineses de Macau.
Com a assinatura do «Protocolo Luso-Chinês», em Lisboa, a 26 de
Março de 1887, o Governo da China perdeu o direito de exercício da
soberania sobre Macau. No «Tratado de Amizade e Comércio», celebrado,
por mútuo acordo, entre Portugal e a China, em 28 de Abril de 1888, foi
afirmado que os portugueses podiam «viver na cidade de Macau e
administrá-la, por tempo ilimitado». Em 1898, os portugueses acabaram
por dominar e administrar toda a Península de Macau e as Ilhas de Taipa
e de Coloane. Desde então, a soberania de Macau ficou a pertencer
inteiramente aos portugueses.
Desde 1898, num período de quase cem anos, não houve grande
alteração na estrutura administrativa de Macau, pois o poder executivo
sobre as duas grandes áreas militar e civil ficou desde sempre nas mãos
do Governador de Macau, autoridade vinda de Portugal. Nos finais dos
anos 20 deste século, Macau era ainda bastante atrasado, em termos de
desenvolvimento urbanístico. Isso deveu-se principalmente à instabilidade política e ao atraso económico de Portugal que dificultaram o
acesso ao apoio do Governo Central de Portugal, por parte de Macau.
Entretanto, alguns oficiais de Portugal que trabalhavam em Macau, por
vezes entendiam também que tinham de promover o bom e abolir o mau,
mas como nunca conseguiram delegação dos necessários poderes por
parte do Governo Central de Portugal, muitas propostas justificáveis
foram abandonadas. Em 1910, após a implantação da República Portuguesa,
o factor que mais afectou a estrutura administrativa de Macau foi o de
todos os políticos que vieram a assumir o poder nomearem pessoal da
sua confiança para administrar Macau, servindo os cargos dos
1025
Serviços Públicos de Macau como uma forma de retribuição a todos
aqueles que deram contributo nas eleições políticas.
Em 1926, depois de mais um golpe de Estado em Portugal, foi
constituído um novo Governo que era relativamente mais eficaz e cujas
reformas introduzidas tanto na política como na economia trouxeram
para Macau influências positivas, tendo, em simultâneo, aumentado a
autoridade dos governantes de Macau. Assim, desde a década de 30,
Macau desenvolveu-se de uma forma mais rápida e próspera.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Governo de Macau adoptou
uma série de medidas de âmbito sócio-político, melhorando, assim, as
relações entre os habitantes chineses e portugueses. Ao mesmo tempo,
esforçou-se para reestruturar a administração de Macau, desenvolver a sua
indústria, comércio, trânsito e turismo, bem ainda atrair e incentivar os
comerciantes estrangeiros para investir no Território, fazendo com que
a economia pudesse obter um desenvolvimento significativo.
Em 1949, foi implantada a República Popular da China. O Bloco
Ocidental, liderado pelos Estados Unidos da América, bloqueou economicamente a China. Neste caso, Macau produziu os seus efeitos positivos quanto à quebra do bloqueio económico e por isso, quando a China
procedeu à abolição dos tratados injustos, não sentiu a necessidade
premente em retomar a soberania de Macau. O Governo Central de
Portugal continuou, então, com o exercício da soberania sobre Macau.
De 1784 a 1976, perto de 200 anos de administração do Poder
Centralizado se passaram. Em virtude da unidade política e evitando
também que reaparecesse no campo administrativo o sistema de
polinúcleo e de sobreposição de funções que se verificaram antes de
1784, Macau gozou de estabilidade social. Durante esse período, apareceram, no final do século XⅧ, outros colonizadores ocidentais no
Oriente, e a China, depois da Guerra do Ópio, foi forçada a abrir as suas
portas ao exterior, perdendo assim Macau a sua antiga posição favorável de
ser o único porto de comércio com a China. No início da década de 30 do
século XX, Macau começou, finalmente, a encaminhar-se para a
industrialização, depois de ter atravessado períodos difíceis e complicados,
em que serviu, aos comerciantes ocidentais, de local de «permanência no
Oriente», «escolta comercial», «comércio de cules», «processamento do
ópio e seu contrabando» e «pratica do jogo». De 1936 a 1945, o valor do
comércio externo aumentou 14 vezes, passando de 24 milhões de patacas
para mais de 349 milhões de patacas; em 1949, aumentou para mais de
452 milhões de patacas, com um crescimento de cerca de 30 por cento em
comparação com o resultado obtido no ano de 1945. Desde que a
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) conseguiu a
concessão do direito exclusivo do jogo em 1962, tem desde então
desenvolvido grandes esforços para o desenvolvimento da indústria
turística e das actividades do casino, contribuindo assim para um maior
desenvolvimento da economia de Macau.
De um modo geral, nestes 200 anos da história de Macau (de 1784
a 1976), verifica-se que, motivada pela administração do Poder Centra1026
lizado, a sociedade de Macau permaneceu num estado relativamente
estável. Embora a situação político-económica internacional tivesse
produzido grande pressão sobre a economia de Macau, graças à sua
estabilidade social conseguiu ultrapassar todas as dificuldades, encaminhando-se por último, com passo firme, para um desenvolvimento
económico estável, com base na industrialização, turismo e jogo, actividades que vieram a ser o suporte para o arranque da economia de
Macau, depois de 1976.
QUARTA FASE
PERÍODO DE TRANSIÇÃO, DE 1976 A 1999
Com a revolução de Abril, em 1974, Portugal acabou com a
ditadura e começou a viver em democracia. Em 1976, com a publicação do
«Estatuto Orgânico de Macau», iniciou-se igualmente, em Macau, o
processo de transição para a Região Administrativa Especial de Macau
(RAEM) da República Popular da China (RPC). Durante este período o
sistema político adoptado é o da supremacia «no poder executivo»,
detendo o Governador também o poder legislativo. Apesar de alguns
membros da Assembleia Legislativa serem nomeados pelo Governador,
outros membros eleitos por sufrágio indirecto e outros ainda por sufrágio
directo, mesmo assim já é um primeiro e precioso passo em direcção à
RAEM. Por outro lado, desde 1976 até 1995, o sistema de «supremacia no
poder executivo» foi de facto um dos factores que contribuíram para o
rápido desenvolvimento e prosperidade da economia de Macau, tendo ao
mesmo tempo conseguido trazer, para o Território, estabilidade
política e social. De 1971 a 1981, foi o período áureo no arranque da
economia de Macau. A taxa média anual de crescimento do valor do PIB
foi de 16,7 por cento, tornando-se, assim, num dos territórios do mundo
com maior taxa de crescimento económico. Depois do ano de 1981, a
economia de Macau continuou a desenvolver-se em ritmo acelerado, em
particular depois da China ter adoptado a política de reforma e abertura,
desempenhando Macau o papel de abertura que liga a China e os
diversos países do mundo, nomeadamente a Europa, os Estados Unidos
da América e o Japão. Obteve, naturalmente, grandes benefícios e pode
dizer-se que desde a década de 70 a economia de Macau tem vindo a
desenvolver-se com prosperidade.
Pode ainda dizer-se que, por ter mantido o sistema de «supremacia
no poder executivo» depois de 1976, este trouxe a Macau estabilidade
sócio-política, o que constituiu um dos factores fundamentais para o
desenvolvimento da economia de Macau.
O mecanismo de administração de Macau nascido sob o sistema de
«supremacia no poder executivo» mostra-nos, com as suas provas reais,
que proporcionou a Macau uma administração eficaz, cuja maior vantagem foi a eliminação de conflitos internos e a obtenção de forte apoio do
Governo Central. Além disso, os cargos de chefia passaram a ser
exercidos por individualidades designadas em Portugal, as quais, dum
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modo geral, possuíam cursos superiores e eram especialistas com larga
experiência profissional, trazendo assim, para Macau, novas experiências
administrativas e tecnológicas da Europa. Tudo isto contribuiu, sem
dúvida, para o melhor funcionamento da máquina administrativa do
Território, bem como para o desenvolvimento económico e construção
urbanística de Macau.
Em fins do ano de 1999, o exercício da soberania sobre Macau será
transferido para a China. A fim de manter o estatuto de Macau como uma
cidade internacional e para manter o seu desenvolvimento económico,
para que, após 1999, a máquina administrativa de Macau possa funcionar
normal e eficazmente, para além de concretizar as políticas de «Macau
sob administração do pessoal local» e de «alto grau de autonomia», deve
ainda manter, em simultâneo, o sistema de «supremacia no poder
executivo». Da história de Macau podem tirar-se lições para servir de
referência, pois caso não seja mantido o sistema de «supremacia do
poder executivo», originando uma descentralização de poderes, surgirá a
tal situação de conflitos internos verificada antes de 1784, o que irá
enfraquecer toda a capacidade de Macau, com prejuízos para os interesses globais do Território.
Temos agora uma oportunidade para recapitular a Administração
de Macau ao longo da sua história, o que nos permite analisar
conscien-temente o seu actual aspecto e prever o seu futuro, a fim de
tomar uma melhor opção para Macau, construindo um caminho suave
para o seu futuro desenvolvimento. Deve ser este o desejo que ambas
as partes, portuguesa e chinesa, bem como os habitantes de Macau,
pretendem ver concretizado.
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