Turismo Comunitário na Economia Solidária

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VI Encontro Nacional da Anppas
18 a 21 de setembro de 2012
Belém - PA – Brasil
Turismo Comunitário na Economia Solidária
BETTI, Patrícia
Turismóloga (UFPR), Especializanda em Gestão Pública e Sociedade (UFT/Unicamp)
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR)
[email protected]
Resumo
A problemática ambiental surgiu nas últimas décadas do século XX como uma crise de civilização,
questionando a racionalidade econômica do modo de produção capitalista e padrões tecnológicos
dominantes, que determinam a maximização dos lucros e excedentes econômicos em curto prazo.
Para muitos países e regiões, principalmente para os detentores de vastos recursos naturais,
riquezas de paisagens, forte herança cultural e dificuldades de crescimento econômico, a atividade
turística vem sendo identificada como uma oportunidade ímpar de desenvolvimento. Porém, pode ser
vista como mais uma forma de exploração se não considera a participação das comunidades, suas
especificidades culturais e seus interesses. Alguns espaços não são ocupados pelo “grande capital” e
possibilitam a realização de serviços turísticos por pequenos empreendedores, pequenos núcleos
receptores, comunidades que descobrem no turismo opções de trabalho, sendo estas atividades
estratégias de sobrevivência no chamado turismo de base comunitária - TBC. Investigar a relação
entre o TBC, enquanto forma alternativa de organização e desenvolvimento do turismo, com a
economia solidária conforma-se no principal objetivo deste artigo. Neste sentido, através do método
teórico-histórico realizou-se pesquisa bibliográfica para início desta investigação. A autogestão nos
movimentos sociais pode desencadear o começo de uma tendência ou o desenvolvimento de lutas
que tendam à autonomia. No TBC, a gestão democrática e solidária da força de trabalho, dos
recursos naturais, produtivos, do conhecimento, dentre outros, surge como proposta frente à
problemática ambiental e suas mudanças globais que afetam as condições de sustentabilidade do
planeta.
2
Introdução
A condição pós-moderna sinaliza um desejo de rompimento com estruturas e modelos que se
demonstraram insustentáveis abrindo espaço para propostas contra-hegemônicas (HARVEY, 2007).
O cenário geral evidencia efeitos da acumulação de capital e da maximização da taxa de lucro em
curto prazo, que incentivam um padrão de desenvolvimento tecnológico e um ritmo de exploração
que vêm esgotando os bens que a natureza oferece, degradando matas e solos, sem respeitar o
ritmo necessário para regeneração dos ecossistemas naturais. As populações, em sua maioria, à
margem dos lucros obtidos com tamanha exploração, enfrentam diversos problemas sociais, como o
desemprego, baixos salários, pouco acesso ao saneamento básico e condições de moradia
insalubres, apenas como exemplo.
Os valores que orientam esta relação sociedade-natureza dominante e que trouxe a humanidade ao
contexto atual, no entanto, são constantemente questionados, contrariados e desafiados por uma
série de iniciativas baseadas em racionalidades diferentes. Valores como ética, solidariedade e
valorização cultural formam a base de empreendimentos conhecidos como turismo de base
comunitária. Em contraposição ao modelo de turismo adotado pelos grandes empreendedores e
governos neoliberais que objetivam acumular lucros e divisas, alguns espaços que não foram
ocupados pela economia dominante configuraram-se em oportunidades para o surgimento de
pequenos empreendedores, pequenos núcleos receptores, comunidades que descobrem no turismo
uma estratégia de sobrevivência. Na contradição do individualismo competitivo característico do
capitalismo, a solidariedade encontrada nestes empreendimentos, no sentido de relação mútua no
compromisso pelo qual os indivíduos se apoiam uns aos outros, está fortalecendo o movimento da
economia solidária, ainda que não o façam conscientemente.
Apesar de crescente o número de empreendimentos solidários e do reconhecimento de sua eficiência
na geração de emprego e renda e no resgate da cidadania, dentre diversos benefícios, são poucos os
estudos e pesquisas sobre as práticas sociais, processos, metodologias e elementos que corroboram
para que estes resultados sejam alcançados (RIBEIRO, 2011). Desta maneira, investigar a relação
entre o turismo de base comunitária enquanto forma alternativa de organização e desenvolvimento do
turismo com a economia solidária conforma-se no principal objetivo deste trabalho. Para tanto foi
utilizado o método teórico-histórico e realizada pesquisa bibliográfica no início desta investigação.
O texto sequente está dividido em três partes. A primeira aborda o turismo de base comunitária na
tentativa de apreender o sentido deste tipo de organização da atividade turística. A apresentação de
sua diversidade, seus princípios, estratégias de organização em rede são uma introdução ao tema e
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visam contribuir na construção do leitor sobre seu significado, uma vez que uma definição única
limitaria as possibilidades infinitas de expressão desta forma de organização comunitária do turismo.
Na segunda parte são apresentadas características da economia solidária e suas possibilidades no
enfrentamento da crise socioambiental. Por fim são feitas considerações quanto o turismo de base
comunitária sob a perspectiva da economia solidária.
1 Turismo de Base Comunitária: uma possibilidade de Economia Solidária
O artesanato da Comunidade de Coqueiro Campo é um dos mais renomados de todo o país. Os
artesãos exprimem na cerâmica o valor de uma arte que atravessa gerações. As peças em forma de
bonecas, vasos, jarros, têm pintura natural e desenhos feitos com diferentes tipos de barro que após
a queima mudam de cor e realçam seu legado cultural ímpar. As peças vendidas em diferentes partes
do Brasil geram renda para esta comunidade do município de Minas Novas, localizado no Alto
Jequitinhonha, estado de Minas Gerais, região historicamente marcada por dificuldades
socioeconômicas. Os moradores deste povoado aproximam e integram à cultura local aqueles que os
visitam. Hospedam os turistas em suas residências, oferecem refeições com pratos típicos de sua
gastronomia - frango caipira, angu com quiabo, tutu de feijão, queijo de Minas, cachaça da terra... – e
proporcionam a experiência de produção de artesanato em cerâmica nas oficinas em suas próprias
residências (REDE TURISOL, 2012).
Distante de Coqueiro Campo está a Pousada Uacari, localizada na reserva Mamirauá em meio à
floresta Amazônica, na confluência dos Rios Japurá e Solimões. O portão de entrada é a cidade de
Tefé, estado do Amazonas, à uma hora e meia de Manaus via avião e 48 horas de barco regional. A
Uacari é parte integrante do Programa de Ecoturismo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá, que tem como premissa o desenvolvimento econômico e social das comunidades com a
geração de renda alternativa através da prestação de mão-de-obra da população local, compra de
alimentos oriundos das comunidades e vendas de artesanatos. Ao todo sete comunidades participam
no gerenciamento da pousada, na prestação de serviços de hotelaria e condução de visitantes nas
trilhas, nas tomadas de decisão através da Associação de Guias e Auxiliares de Ecoturismo
(AAGEMAM), fornecendo produtos para a pousada, recepcionando turistas nas suas comunidades e
comercializando artesanato. Os excedentes financeiros da pousada são divididos 50% para o sistema
de fiscalização comunitária e 50% entre as comunidades. Uma comissão com membros de todas elas
avalia a participação e o respeito às normas de conduta estabelecidas para determinar o valor que
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cada comunidade receberá na divisão. A pousada contrata para o trabalho a AAGEMAM no intuito de
distribuir ao máximo os benefícios econômicos gerados entre as cerca de 50 pessoas que trabalham
em um sistema de rodízio, sendo solicitados por vez e de acordo com o número de turistas recebidos
(POUSADA UACARI, 2012).
Estas experiências indicam a diversidade cultural, natural, histórica e das formas de organização do
turismo comunitário. Em todas as regiões do país existem grupos organizados para receber o turismo
em suas localidades a partir da própria comunidade. Formam-se grupos de agricultores, de
pescadores, de ribeirinhos, de moradores de favelas, de artesãos, de quilombolas, dentre um infinito
universo de possibilidades. Seus empreendimentos turísticos solidários, como associações e
cooperativas, formais e informais, surgem em um momento de resistência e ressignificação das
formas de cooperação em variados contextos de histórias, lugares e atores, tornando única cada qual
destas iniciativas.
Parte destas organizações estão conectadas em redes, como a Rede Turisol – Rede Brasileira de
Turismo Solidário e Comunitário, que “através da ação coletiva e do intercâmbio, busca fortalecer as
iniciativas existentes e fomentar novas experiências, na tentativa de tornar o Brasil um país referência
no turismo comunitário” (REDE TURISOL, 2012, s/p). A conexão em redes é uma realidade não
apenas no Brasil, mas uma característica do turismo de base comunitária e solidário. Sua razão de
ser é fortalecer as ações dos grupos, apoiar o desenvolvimento de novas iniciativas com a troca de
experiências, na promoção das organizações e seus atrativos, reivindicação de políticas públicas e
alcance de outras formas de apoio. Se a solidariedade é um princípio nos empreendimentos
comunitários, ela se expande e alcança novos horizontes quando as iniciativas dos grupos dialogam,
somam-se e em redes solidárias são fortalecidas.
Além da solidariedade, princípios como a ética, a conservação da natureza, a valorização e o respeito
pela cultura local, a participação e a autonomia das comunidades regem os empreendimentos de
turismo comunitário. Conhecer estes valores e princípios permite uma melhor aproximação do real
sentido de turismo comunitário do que qualquer definição poderia fazê-lo.
A Rede Turisol apresenta uma compilação de princípios assumidos por algumas organizações de
turismo comunitário: o modo de vida da comunidade como principal atração turística; o uso
sustentável dos recursos e a justiça ambiental; a comercialização por agências e organizações ética,
solidária e com foco no desenvolvimento das comunidades (Projeto Bagagem); o turismo como
instrumento para o fortalecimento comunitário e associativo; o turista visto como parceiro e não como
cliente; o trabalho realizado com regras, normas e padrões pactuados com os agricultores envolvidos,
com sua associação, com o território e com os outros atores da rede (Acolhida na Colônia); a
autogestão das comunidades no planejamento, operação, supervisão e desenvolvimento das
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atividades; o turismo como atividade econômica complementar a outras já praticadas (REDTURS); a
geração e distribuição de renda equitativa entre os moradores locais; preços e relações de trabalho
justas, satisfazendo comunidade e turistas; cooperação e parceria local e com realidades
semelhantes (Instituto Terramar); valorização cultural e afirmação da identidade (Ação Griô Nacional
e Projeto Bagagem); o turismo comunitário como instrumento na defesa dos direitos à permanência e
propriedade da terra (Prainha do Canto Verde e Cooprena Costa Rica) (REDE TURISOL, 2012).
O turismo comunitário ou turismo de base comunitária – TBC centrado no trabalho de comunidades e
de grupos solidários contrapõe-se ao individualismo predominante no estilo econômico do turismo
convencional. De forma contraditória, alguns espaços não são ocupados pelo grande capital e
acabam configurando-se em oportunidades de trabalho para os desfavorecidos na realização de
serviços turísticos como hospedagem, alimentação, passeios de barco, trilhas, e na comercialização
de produtos como artesanato, vestuário, acessórios, produtos alimentícios, dentre outros, realizados
por pequenos empreendedores, pequenos núcleos receptores, comunidades. De acordo com
Coriolano, estes atores “descobrem no turismo oportunidades de trabalho e formas de inclusão no
mercado do turismo, sendo estas atividades estratégias de sobrevivência” (2011, s/p).
A disponibilização destes produtos e serviços para o mercado feitos por comunidades locais nas
quais o capital ainda não exerceu sua predominância de maneira significativa pode ser entendida
como uma oportunidade de trabalho e estratégia de sobrevivência, porém, estas populações não são
consideradas excluídas do sistema capitalista, mas sim intrinsecamente incluídas de forma injusta em
sua lógica de maximização e acumulação de lucros e competitividade, sendo este desfavorecimento
resultado direto de sua lógica individualista. Se o mercado turístico convencional ainda não chegou
nestes locais é senão por sua falta de interesse e em alguns casos pela resistência da população.
No Brasil, Coriolano (2003) analisa o contexto de surgimento do TBC no Ceará. Segundo a autora, no
primeiro momento da implementação do turismo no estado houve uma difícil relação entre algumas
comunidades nativas e os exploradores dos serviços turísticos, ocasionando uma separação entre
turistas e residentes. No entanto, ao perceber que a oposição ao turismo era inviável, algumas
comunidades optaram por aproveitar o turismo em seu benefício. Naquelas em que havia
organização comunitária e consciência do associativismo o caminho foi a cooperativa de turismo.
O TBC é um fenômeno recente na América Latina, e de acordo com Maldonado (2009) as primeiras
viagens a comunidades isoladas aconteceram em meados dos anos 1980. As explicações para sua
origem partem de fatores econômicos, sociais, culturais e políticos. Inúmeras pequenas empresas
familiares, cooperativas e comunitárias ao destacarem atributos próprios como suas características
culturais e naturais contribuem ao enriquecimento da oferta turística nos âmbitos local, nacional e
internacional, já que a indústria do turismo precisa constantemente conquistar novos espaços e
6
incorporar novas atrações para diversificar sua oferta habitual e corresponder às novas tendências da
demanda mundial. Como resultado dessa demanda mercadológica o crescimento do mercado
turístico, cujas correntes mais dinâmicas são o turismo cultural e o turismo de natureza, resultaram
nas últimas três décadas em pressões sobre patrimônios naturais e culturais de comunidades rurais e
indígenas (MALDONADO, 2009).
Em outras palavras, o crescimento do mercado turístico demanda a diversificação de destinos
turísticos, buscando constantemente a autenticidade de lugares e culturas para suprir um segmento
deste mercado que apenas se satisfaz visitando o que ainda é pouco conhecido. Percebendo esta
oportunidade de mercado, iniciativas públicas e privadas passaram a incentivar o desenvolvimento de
iniciativas locais de turismo, como o de base comunitária, principalmente em áreas rurais e suas
áreas protegidas, onde há tanto a necessidade de atenuar problemas de ordem social (êxodo rural,
insegurança alimentar, etc) como ambientais (conservação da natureza). Desta maneira,
organizações ambientalistas não-governamentais “encorajaram diversas comunidades a receber
turistas em seus territórios por considerarem uma opção viável para a preservação de recursos
naturais, do meio ambiente e da biodiversidade local” (MALDONADO, 2009, p.26). Estes incentivos
são uma estratégia na criação de alternativas econômicas à população para minimizar os impactos
nas áreas de conservação decorrentes de práticas tradicionais de extrativismo vegetal, pesca e caça,
bem como promover os valores da conservação da natureza através do turismo, entre outros
objetivos. Neste esforço aliaram-se algumas autoridades públicas e empresas privadas, incentivadas
por bancos multilaterais convencidos de que as operações turísticas comunitárias contribuem para a
diversificação da oferta turística e estão de acordo com as novas correntes da demanda mundial
(MALDONADO, 2009).
Para muitos países e regiões, principalmente para os detentores de vastos recursos naturais,
riquezas de paisagens, forte herança cultural e dificuldades de crescimento econômico, a atividade
turística vem sendo identificada como oportunidade ímpar de desenvolvimento (WWF, 2003). O
crescimento do turismo é apontado como um dos maiores fenômenos da atualidade, porém seus
resultados “podem estar dirigidos apenas ao mercado, com acumulação de lucros ou incluindo grupos
e comunidades, com valorização de pessoas e do patrimônio natural e cultural” (CORIOLANO, 2011,
s/p), significando que apesar de ser aclamado como distribuidor de renda, a medida desta divisão não
é necessariamente equilibrada. O turismo provavelmente não vai gerar emprego e renda para todos
seguindo o modelo econômico dominante no qual se insere: “o modelo de turismo adotado pelos
grandes empreendedores e governos neoliberais objetiva acumular lucros e divisas, por isto não
cumpriu, e provavelmente não cumprirá as promessas de gerar emprego e distribuir renda para
todos” (CORIOLANO, 2011, s/p), pois tendo como objetivo o lucro e a acumulação, neste modelo não
há interesse pela equidade social.
7
Como entendido até aqui, o turismo pode ser: mais uma forma de exploração se não considera a
participação das comunidades, suas especificidades culturais e seus interesses; uma estratégia
desenvolvimentista, se apenas estende uma pequena parte de benefícios para as comunidades e
lhes dão alguma sensação de participação no processo; ou uma oportunidade real de
desenvolvimento de outra economia, nascida dentro da contradição capitalista que, justamente por
não atender com dignidade a todos, dá espaço aos seus participantes mais desfavorecidos de
criarem alternativas que nascem solidárias e não competitivas, indicando ser viável outro modelo de
economia.
1.1 Por que uma Economia Solidária?
Existem milhares de empreendimentos solidários mapeados pela Secretaria Nacional de Economia
Solidária – SENAES em todo o país, produzindo, vendendo, comprando solidariamente, gerando
trabalho e renda. Os trabalhadores estão organizados, gerindo seu próprio trabalho e lutando pela
sua emancipação nestes empreendimentos caracterizados pela SENAES (BRASIL, 2012) como
organizações:

Coletivas e suprafamiliares (associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de
produção, clubes de trocas etc.), de trabalhadores dos meios urbano e rural que exercem a
autogestão das atividades e de seus resultados;

Permanentes, incluindo-se empreendimentos em operação e aqueles em processo de
implantação (com grupo de participantes constituído e atividade econômica definida);

Que realizam atividades econômicas permanentes ou principais de produção de bens, de
prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos
populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de
consumo solidário;

Com registro legal ou não, prevalecendo a existência real ou a vida regular da organização;

Singulares ou complexas, com diferentes graus ou níveis. As organizações econômicas
complexas são as centrais de associação ou de cooperativas, complexos cooperativos, redes
de empreendimentos e similares.
Abriu-se espaço para o surgimento e avanço destas outras formas de organização do trabalho como
resposta à crise provocada pela necessidade dos trabalhadores encontrarem alternativas de geração
de renda. Para garantir sua sobrevivência inúmeras pessoas foram e são levadas a se sujeitar a
ocupações nas quais seus direitos sociais são abdicados, diante do quadro de aumento da
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informalidade e da precarização das relações formais de trabalho. Esta é uma tendência ante o
estado de desemprego em massa resultante da fragilização do modelo tradicional de relação
capitalista de trabalho após diversas mudanças estruturais, de ordem econômica e social, ocorridas
no mundo nas últimas décadas.
No Brasil, a economia solidária se expandiu com o apoio de instituições e entidades a ações
associativas comunitárias e pela constituição e articulação de cooperativas populares, redes de
produção e comercialização, feiras de cooperativismo e economia solidária, entre outros.
Recentemente a economia solidária tem se articulado em fóruns locais, regionais e no Fórum
Brasileiro de Economia Solidária1. Alguns governos municipais e estaduais tem estimulado as
iniciativas2 e em âmbito nacional o Governo Federal criou a Secretaria Nacional de Economia
Solidária em 2003 com a finalidade de “promover o fortalecimento e a divulgação da economia
solidária mediante políticas integradas visando o desenvolvimento por meio da geração de trabalho e
renda com inclusão social”3 (BRASIL, 2012, s/p).
Esta reinvenção da economia solidária (SINGER, 2000) que retoma o cooperativismo a partir da
segunda metade do século XX, após seu quase desaparecimento, resgata as lutas históricas dos
trabalhadores sob a forma de cooperativismo originadas no início do século XIX como resistência à
progressão avassaladora do capitalismo industrial (BRASIL, 2012). Há uma espécie de ressurreição
de valores da cultura do movimento operário: solidariedade, autogestão, autonomia, mutualismo,
dentre outros.
Apesar da diversidade de conceitos, pode-se caracterizar a Economia Solidária como: “O conjunto de
empreendimentos produtivos de iniciativa coletiva, com um certo grau de democracia interna e que
remunera o trabalho de forma privilegiada em relação ao capital, seja no campo ou na cidade” (MTE,
2003 apud NASCIMENTO, p.92, 2011). A unidade típica da economia solidária é a cooperativa de
produção, sendo seus princípios organizativos a posse coletiva dos meios de produção por aqueles
que produzem; gestão democrática ou por participação direta (quando o número de cooperados não
é demasiado) ou por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos, e destinação do
excedente anual (denominado sobras) também por critérios acertados entre todos os cooperadores.
Contrastantes com a economia capitalista os fundamentos da economia solidária são: solidariedade x
1
Além do Fórum Brasileiro, existem 27 fóruns estaduais com milhares de participantes (empreendimentos, entidades de apoio e rede de
gestores públicos de economia solidária) (BRASIL, 2012, s/p).
2
O número de programas de economia solidária tem aumentado, com destaque para os bancos do povo, empreendedorismo popular
solidário, capacitação, centros populares de comercialização etc. Fruto do intercâmbio dessas iniciativas, existe hoje um movimento de
articulação dos gestores públicos para promover troca de experiências e o fortalecimento das políticas públicas de economia solidária
(BRASIL, 2012, s/p).
3
A Secretaria Nacional de Economia Solidária -SENAES foi criada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego com a publicação da Lei
nº 10.683, de 28 de maio de 2003 e instituída pelo Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003, fruto da proposição da sociedade civil e da
decisão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Em consonância com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego, tem o objetivo
viabilizar e coordenar atividades de apoio à Economia Solidária em todo o território nacional, visando à geração de trabalho e renda, à
inclusão social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário (BRASIL, 2012, s/p).
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competitividade; cooperativa (protótipo da empresa solidária) x empresa capitalista; autogestão x
heterogestão; propriedade coletiva x propriedade individual (SINGER, 2003). Uma das principais
prerrogativas de empreendimentos solidários está na forma de gestão:
A autogestão é mais um “ideal” de democracia econômica e gestão coletiva que
caracterizam um novo modo de produção. Contudo, este “ideal” se expressa em
formas distintas nos diversos momentos da história, como possibilidades concretas de
os trabalhadores constituírem sua utopia de uma sociedade igualitária e socialista. Isto
significa uma radicalização da Economia Solidária, no sentido de os trabalhadores se
reapropriarem daquilo que o capital lhes expropriou ao longo da história.
(NASCIMENTO, p. 92, 2011).
A hierarquia característica do sistema hegemônico capitalista dá espaço para que as iniciativas de
economia solidária sejam autogeridas, os trabalhadores tenham autonomia e seus direitos sejam
igualitários. Nascimento considera que a autogestão é uma estratégia da economia solidária baseada
nas contradições do capitalismo: “A estratégia da economia solidária autogestionária se fundamenta
na tese de que as contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de
organizações econômicas cuja lógica é oposta à do modo de produção capitalista” (NASCIMENTO, p.
96, 2011). Assim, a sociedade autogestionária surge, em um primeiro momento, como estratégia
para desempregados marginalizados na economia capitalista e desta forma impulsionam a economia
solidária, ainda que dependam do Estado, do fundo público e de agências de fomento em seu início.
Com o fortalecimento da economia solidária e os diversos tipos de empreendimentos sendo
autogestionados pelos próprios trabalhadores emergem novas formas de relação social frente ao
modelo capitalista:
Enquanto as empresas não forem geridas pelos trabalhadores [...], o capitalismo
continuará a existir e, no máximo, mudará de forma, sem alterar o fato básico da
exploração. Mas gerir as empresas e a sociedade é algo que se aprende de uma
única maneira: gerindo as próprias lutas. Só assim os trabalhadores podem começar a
emancipar-se de todo tipo de especialistas e de burocratas. E, com este objetivo, não
há experiência simples demais (BERNARDO, 2006 apud NOVAES; CASTRO, 2011
p.140).
A partir da experimentação coletiva concreta de novas formas de vida e de trabalho aprende-se a
autogerir-se para então haver emancipação. Sendo assim, toda experiência interessa neste processo
de aprendizagem. Segundo Singer, “para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a
igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de
competitiva” (SINGER, 2000, p.9), pois não haverá igualdade prevalecendo a lógica de acúmulo para
10
uns em detrimento das necessidades de outros seres. Por suas características intrínsecas de
acumulação, maximização do lucro e exploração da mão-de-obra “O capitalismo jamais poderá
extinguir as formas precárias de trabalho” (NOVAES; CASTRO, 2011, p.136). Portanto, outra
economia é necessária. Uma economia mais solidária para que haja dignidade e autonomia de todas
as pessoas e não apenas de uma minoria.
Iniciativas populares como a organização do turismo de base comunitária e suas redes, dentre
diferentes processos organizativos populares como associações, feiras, redes de comercialização,
têm sido implementados em meio a uma diversidade de contextos socioambientais existentes. De
acordo com Bernardo “[...] a autogestão nos movimentos sociais pode desencadear o começo de
uma tendência ou o desenvolvimento de lutas que tendam à autonomia” (2006, apud NOVAES;
CASTRO, 2011, p.141). Para que seja superado o modelo de exploração da natureza e das pessoas,
o enfrentamento à crise instalada pelo capitalismo, que não consegue resolvê-la, passa por uma
reconstrução da racionalidade do formato hegemônico de produção e consumo, da organização e da
participação de novos atores sociais, da relação social e da relação com a natureza.
As práticas de uso dos recursos dependem de sua significação cultural, do sistema de valores das
comunidades, da lógica social e ecológica de suas práticas produtivas e de sua capacidade para
assimilar a estes conhecimentos científicos e técnicos modernos. Assim, o potencial ambiental de
uma região é determinado pelos diferentes processos produtivos ali desenvolvidos e não apenas por
sua estrutura ecossistêmica. A ordem econômica mundial que se apresenta é marcada por
desigualdades econômicas, ecológicas e culturais entre diferentes regiões, populações, classes e
grupos sociais. A problemática ambiental – a poluição e degradação do meio, a crise de recursos
naturais, energéticos e de alimentos – surgiu nas últimas décadas do século XX como uma crise de
civilização, questionando a racionalidade econômica do modo de produção capitalista e padrões
tecnológicos dominantes, que determinam a maximização dos lucros e excedentes econômicos em
curto prazo (LEFF, 2007). Analisando o contexto atual e visualizando um cenário futuro mais justo
ambiental e socialmente, Leonardo Boff afirma:
Não sejamos ingênuos: o negócio da economia vigente é o negócio. Ela não propõe
uma nova relação para com a natureza, sentindo-se parte dela e responsável por sua
vitalidade e integridade. [...] Como alternativa a esta economia de devastação,
precisamos, se queremos ter futuro, opor-lhe outro paradigma de economia de
preservação, conservação e sustentação de toda a vida. Precisamos produzir sim,
mas a partir dos bens e serviços que a natureza nos oferece gratuitamente,
respeitando o alcance e os limites de cada biorregião, distribuindo com equidade os
frutos alcançados, pensando nos direitos das gerações futuras e nos demais seres da
comunidade de vida. Ela ganha corpo hoje por meio da economia biocentrada,
solidária, agroecológica, familiar e orgânica. Nela cada comunidade busca garantir
sua soberania alimentar. Produz o que consome, articulando produtores e
consumidores numa verdadeira democracia alimentar (BOFF, 2012, s/p).
11
O turismo de base comunitária na perspectiva da economia solidária, com gestão democrática e
solidária da força de trabalho, dos recursos naturais, produtivos, do conhecimento, dentre outros,
surge como proposta frente à problemática ambiental e suas mudanças globais em sistemas
socioambientais complexos, as quais afetam as condições de sustentabilidade do planeta. É neste
contexto que a reconstrução para o desenvolvimento real conta com estes novos atores e suas novas
formas de organização para enfrentamento da crise da civilização.
Considerações finais
É possível afirmar que não há exclusão no capitalismo ao se considerar que todos estão incluídos na
lógica do sistema, os desempregados e menos favorecidos são condição de sua manutenção. O que
existe são contradições, espaços e brechas deixados onde este sistema econômico não tem
interesse em chegar. Ali surgem alternativas de sobrevivência, os atores que se apropriam destas
realidades criam nestas contradições suas oportunidades de desenvolvimento. Para Santos, as
iniciativas populares são alternativas reais de enfrentamento às crises do capitalismo, que não tem
condições de resolver suas próprias crises. E a economia solidária é uma alternativa de
desenvolvimento justo, solidário e sustentável, pois chega onde o capitalismo não pretende agir,
trabalha com a escala humana e se relaciona de maneira diferente com o meio ambiente e com a
sociedade na gestão do bem comum (2012, s/p).
O turismo de base comunitária pode ser incentivado apenas como opção na organização da oferta
voltada à demanda crescente por produtos e serviços turísticos diferenciados e com isso restar
melhorias paliativas na qualidade de vida das comunidades locais. Não bastasse a condição
desfavorecida dessas muitas comunidades quanto a pressões sofridas pela ocupação de suas terras,
alteração em seus modos de vida decorrentes da imposição da legislação ambiental e esquecimento
por parte de políticas públicas, surgem ainda novos papéis para estas populações que são
incentivadas a atender demandas principalmente do meio urbano que busca por lazer e fuga do
estresse cotidiano em áreas naturais e no contato com comunidades singulares, que possam distraílos durante seus momentos de férias.
Portanto, o incentivo à organização de associações e cooperativas de turismo com este objetivo
mercadológico ou como solução parcial a problemas da reprodução social deve ser observado com
cuidado, conforme sinaliza Novaes (2011). O autor afirma que em pesquisas recentes percebeu-se
entre parcelas da academia latino-americana e dos movimentos sociais a tentativa de revigorar a
12
teoria e a prática da autogestão de forma suspeita, pois os grupos são incitados à organização em
associações e cooperativas, seja de turismo comunitário, agroindústrias ou demais, sem, no entanto
haver o debate de elementos essenciais sobre a alienação do trabalho:
Sobre isso, chama a atenção o fato de que, ao mesmo tempo em que o tema da
autogestão reaparece como uma proposta radical que poderia reforçar uma teoria da
transição socialista para o século 21, surgem diversas iniciativas que a vislumbram
como uma resposta apenas parcial e incompleta aos “problemas” da reprodução
social (NOVAES, 2011, p.11).
A atenção chamada a este ponto se dá num esforço para que não seja feito da economia solidária e
da iniciativa de inúmeros empreendimentos solidários uma forma desenvolvimentista de superação
aparente e momentânea de problemas como o desemprego ou da baixa geração de renda, por
exemplo, o que não rompe com as estruturas de exploração a que estão sujeitas as comunidades
(NOVAES, 2011). Noutras palavras, um trabalho sério de incentivo ao desenvolvimento do turismo de
base comunitária por quaisquer agentes externos há que ser coerente no discurso sobre autonomia
das comunidades e trazer para o debate a lógica da economia dominante e as reais condições de
competitividade na atividade turística neste modelo. Fala-se aqui da importância da conscientização
sobre o contexto no qual se inserem estas comunidades e sobre suas opções de escolha, para que
possam atuar mais centradas rumo ao modelo de economia no qual pretendem de fato se inserir.
Considerando que o turismo tende a interferir na dinâmica socioambiental em todos os destinos
turísticos, o desenvolvimento da autogestão proposta pela economia solidária pode contribuir para
que comunidades locais sejam protagonistas e façam do turismo de base comunitária um meio para
serem sujeitos neste processo e não apenas objetos que sofrem os impactos negativos e recebem
benefícios mínimos, quando muito. Outro princípio da economia solidária, a cooperação, proporciona
fortalecimento especialmente a este segmento do turismo, fator preponderante no bom
desenvolvimento da atividade em geral, que depende da oferta de diferentes serviços na constituição
do produto (alimentação, hospedagem, guias, etc). Desta cooperação para além do trabalho a coesão
social que se espera no TBC favorece as identidades locais e a valorização da diversidade cultural.
Sob a perspectiva da economia solidária o diferencial está, portanto na autonomia enquanto sujeitos
ao invés de objetos no processo, na cooperação ao invés da competitividade e na distribuição
equitativa dos benefícios ao contrário da desigualdade encontrada no turismo convencional. De
acordo com Irving (2009), ainda que a dinâmica do mundo globalizado seja o pano de fundo, o
modelo de TBC representa a interpreção local do turismo para que estas comunidades não sofram as
imposições das demandas da globalização.
13
Por fim, destaca-se o valor da atuação dos setores público e privado, da sociedade civil e das
instituições de ensino na promoção de maior conhecimento sobre os empreendimentos solidários,
seus princípios, os desafios a serem superados, as oportunidades disponíveis, as experiências que
possam servir de inspiração, suas estratégias de organização em redes, divulgação e
comercialização. Um esforço conjunto para consolidação do turismo de base comunitária sob a
perspectiva de maior justiça proporcionada pela economia solidária enquanto atividade geradora de
benefícios econômicos, sociais, culturais, ambientais e na conquista de diretos das comunidades
locais.
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