CLIO História – Textos e Documentos Segundo a lenda, quando os gregos tornaram Tróia, Enéias – nascido da união do pastor Anquises com a deusa Vênus – conseguiu fugir da cidade e foi se estabelecer na península Itálica, onde desposou a filha do rei do Lácio. Oito gerações depois, seu descendente Numitor subiu ao trono de Alba Longa, a capital do reino, mas foi deposto pelo irmão, Amúlio. Para que Numitor não tivesse herdeiros, assassinaram seus filhos e fizeram de sua filha Réia Sílvia uma vestal (sacerdotisa da deusa Vesta). Réia, porém, foi fecundada por Marte, deus da guerra, e deu à luz os gêmeos Rômulo e Remo. Amúlio mandou afogá-los no Tibre, mas, miraculosamente, eles se salvaram e, levados pela corrente até os pés do monte Palatino, foram ali amamentados por uma loba e depois recolhidos pelo pastor Fáustolo, que os educou. Quando descobriram sua origem, os gêmeos, já adolescentes, depuseram Amúlio e restituíram o trono a Numitor, seu avô. Depois, com alguns habitantes de Alba Longa, fundaram, em 21 de abril de 753 a. C., uma cidade exatamente no local onde a loba os havia encontrado. Interpretando o vôo dos pássaros como um vaticínio, Rômulo concluiu que fora designado rei da nova cidade e traçou com um arado o sulco que marcaria os limites do seu território. Remo, indignado, cruzou a divisa e foi assassinado pelo irmão. Rômulo tornouse, desse modo, o primeiro rei de Roma. Roma: das origens à República Segundo inúmeros estudiosos, a lenda da fundação de Roma baseia-se em acontecimentos reais. No decorrer da Idade do Ferro (séculos IX-VIII a.C.) populações de economia agrícola e pastoril haviam se estabelecido na região do Lácio: eram os latinos, sabinos, equos, volscos, lucanos... Cada povo organizava-se em grandes famílias (gens), compostas, além dos núcleos familiares propriamente ditos, de amigos e servos que viviam e trabalhavam na área de influência da gens. A autoridade absoluta era exercida pelo chefe da família, ao mesmo tempo guia político, militar e religioso. O traço de união entre as várias gentes (agregados de famílias descendentes de um mesmo ancestral) era o fato de falarem a mesma língua, terem os mesmos usos e costumes e prestarem culto às mesmas divindades. De tempos em tempos, alguns povos do Lácio – latinos, sabinos e lucérios – reuniam-se na cidade de Al-ba Longa para render culto a Júpiter Latiaris, o maior dos deuses do Lácio. Nessas ocasiões reafirmavam-se as alianças de comércio e defesa mútua contra eventuais inimigos comuns. O RAPTO DAS SABINAS As tradições romanas contam que Rômulo, preocupado em conseguir esposas para os latinos, organizou uma grande festa e convidou os sabinos e suas mulheres, que viviam nas colinas vizinhas. No meio da festa, os latinos agarraram as sabinas e expulsaram os sabinos. Em represália, Tito Tácio, rei dos sabinos, declarou guerra e avançou contra Roma. Despeitada, Tarpeia, filha do latino encarregado da fortaleza, abriu as portas aos atacantes; sua perfídia foi punida pelos próprios invasores, que a esmagaram sob seus escudos. Quando as tropas de Tácio se preparavam para atacar, as sabinas, sensíveis à homenagem que o rapto significava, conseguiram evitar o confronto, alegando que não queriam perder nem seus maridos latinos nem seus pais e irmãos. Para resolver o impasse, Rômulo persuadiu Tácio a partilhar consigo o reino de Roma, dando às tribos latinas e sabinas cidadania comum. Esse fato explicaria a posterior alternância de sabinos e romanos no governo de Roma. Após um longo reinado, Rômulo foi erguido ao céu por um remoinho. Passou a ser adorado como Quirino, um dos deuses favoritos do povo romano. A CIDADE DO RIO Ignora-se se foi realmente Rômulo que traçou o pomoerium (perímetro sagrado) da cidade. O fato é que a lendária fundação de Roma corresponde ao surgimento do Septimontium, uma federação de tribos latinas, sabinas e lucérias que habitavam as sete colinas de Roma. Não se sabe também se o rapto das sabinas é lenda ou verdade, mas os sucessores de Rômulo no governo da cidade foram, alternadamente, um sabino e um latino. Segundo a tradição, Rômulo teria dado às gentes de Roma uma constituição político-militar que subdividia as tribos dos Titii (sabinos), Ramnes (latinos) e Luceres (lucérios) em dez cúrias cada uma, ao mesmo tempo que instituía um Senado de cem membros. As divisões atendiam a objetivos militares: cada tribo devia fornecer ao exército 1 000 soldados e 100 cavaleiros (100 soldados e 10 cavaleiros para cada cúria). Comprovou-se, de fato – independentemente de ter sido Rômulo o autor da idéia –, que o Septimontium, consideravelmente fortalecido do ponto de vista militar, obteve vitórias significativas sobre Veios e Fidenes, cidades etruscas das vizinhanças. Esse desafio, à Etrúria custou-lhes, porém, a ocupação. De 616 a 509 a.C. os etruscos dominaram a cidade e, conforme uma corrente histórica, foram eles que a batizaram, chamando-a de Rumon, “a cidade do rio”. SETE LONGOS REINADOS De acordo com a tradição, o segundo rei de Roma foi o sabino Numa Pompilio, que fortaleceu a unidade das tribos e assegurou quarenta anos de paz ao povo. Sob o reinado do latino Tulo Hostílio, Roma empreendeu uma política expansionista, o que é confirmado por urna série de fatos historicamente comprova.dos. A cidade de Alba Longa, antigo centro do Lá-cio, foi conquistada e destruída. A seu sucessor, o sabino Anco Márcio, é atribuída a realização de obras públicas como o aqueduto Acqua Márcia e a fundação da colônia de Ostia, junto ao mar Tirreno, que abriu caminho para a expansão comercial de Roma. A dominação etrusca Coube aos etruscos a tarefa de transformar um modesto centro agropastoril numa cidade-Estado CLIO História – Textos e Documentos cercada de muralhas, com uma florescente atividade manufatureira e intenso comércio. Segundo a lenda, o primeiro rei de Roma de origem etrusca foi Tarquínio Prisco, que obteve o poder com o apoio dos lucérios, tribo até então sem alguns dos privilégios dos latinos e sabinos. Ao subir ao trono, Tarquínio recompensou-os com o acesso ao Senado, que lhes era vedado. Aos abater-famílias de estirpe latina e sabina juntaramse esses conscripti (agregados), totalizando o número fixo de trezentos senadores. Tarquínio Prisco deu início à construção de importantes obras públicas, como a Cloaca Máxima, sistema de esgotos que desembocava no rio Tibre, e o Circo Máximo. Tarquínio foi sucedido por Sérvio Túlio, que cercou a área urbana de Roma com uma sólida colina de muros. Ressentindo-se da medida, os grandes proprietários de terras conspiraram para depô-lo. Isso o levou a aliar-se a elementos ricos, fora da classe patrícia (os aristocratas), e a reorganizar o exército e o corpo eleitoral para fortalecer a sua posição. Promoveu o censo dos habitantes e das propriedades, classificando os cidadãos em cinco classes. Para contrabalançar o poder dos aristocratas, criou também a classe dos equites (cavaleiros), homens que podiam equipar-se com armas e um cavalo (equus) e servir na cavalaria. Sérvio Túlio foi assassinado e sucedido por Tarquínio, o Soberbo, que, violento e despótico, provocou descontentamento em todas as classes. Em 510 a.C., diz a tradição, Tarquínio foi expulso de Roma, e proclamou-se a República. Limites da autoridade durante a monarquia Para governar, o rei apoiava-se no Conselho de Anciãos (Senado) e na Assembléia Curiata. Os senadores, vitalícios, eram nomeados pelo rei. Este, porém, era escolhido por eles, sendo, em última instância, um delegado dos pater-famílias – e a escolha só tinha validade se confirmada pela Assembléia Curiata, que reunia os patrícios divididos em trinta cúrias. Sempre que o rei quisesse modificar a lei, conceder perdões ou declarar guerra, precisava do consentimento deles. Essa assembléia conferia o imperium (autoridade para governar). A REPÚBLICA Não se sabe com certeza se a República foi, de fato, estabelecida após um levante popular que levou à expulsão de Tarquínio, o Soberbo, ou se resultou de um lento processo evolutivo que restringiu progressivamente a autoridade monárquica em favor dos chefes das gentes. De qualquer forma, com a sua instauração, o poder passou às mãos dos patrícios, que substituíram o rei por dois cônsules eleitos anualmente. Sua função abrangia o comando do exército e a supervisão das atividades judiciárias. Em latim, res publica significa “coisa de todos”, mas a República romana pertencia a pouquíssimos cidadãos. Além de possuir a totalidade das terras e monopolizar a vida religiosa, a aristocracia detinha o poder político; o Senado era a autoridade permanente, encarregada de controlar os magistrados, ocupantes temporários de cargos executivos. Os patrícios dominavam também a Assembléia Curiata, que perdeu gradativamente suas prerrogativas para a Assembléia Centuriata. Mas esta era dominada também pelos patrícios e equites. Cada centúria equivalia a um voto; os mais ricos, podendo equipar 98 centúrias, dispunham de mais votos que todas as outras classes, cujo total perfazia 95 centúrias. Mesmo nas assembléias da plebe, a força dos patrícios exercia-se através dos seus clientes, que votavam a seu favor. No gráfico está representada a organização política que vigorou durante a República. À Assembléia Centuriata cabia eleger os cônsules, magistrados que governavam Roma. O Senado, porém, que chegou a ter 600 membros, confirmava a eleição. As decisões senatoriais abrangiam não só a política exterior como a administração interna. Em caso de perigo, podiam até nomear um ditador, governante com poderes absolutos. A Assembléia Curiata perdeu todos os seus poderes para a Assembléia Centuriata, ficando apenas com o privilégio do imperium. Junto com o Senado, a Assembléia Centuriata fazia a nomeação dos magistrados e fiscalizava o seu trabalho: os pretores, que ministravam a justiça; os censores, que se encarregavam, a cada cinco anos, do CLIO História – Textos e Documentos recenseamento da população; os questores, que administravam o tesouro público e recolhiam impostos; os edis, que cuidavam do abastecimento, das construções, do policiamento e dos jogos públicos. A revolta da plebe, em 494 a.C., teve como conseqüência a criação da Assembléia dos Plebeus (Concilium Plebis), que passou a eleger então os tribunos da plebe. Estes eram intocáveis e tinham o poder de veto sobre qualquer medida do governo. A Assembléia dos Plebeus transformou-se nas Assembléias das Tribos (Comitia Tributa), das quais participavam todos os cidadãos, sem distinção de classe ou poder econômico. No inicio, as Assembléias das Tribos elegiam só os tribunos e os edis da plebe. Depois passaram a eleger os questores e, a partir de 287 a. C., votavam também a maioria das leis. PATRÍCIOS E PLEBEUS: UMA LONGA LUTA DE CLASSES A história da República romana foi dominada pela luta entre patrícios e plebeus e pela lenta ascensão destes últimos, que, cientes de sua importância militar no processo de expansão de Roma, reivindicavam maiores privilégios e maior participação na vida pública. Os plebeus ricos – comerciantes, fabricantes de armas e outros fornecedores do exército, que chegavam até a emprestar dinheiro ao Estado para financiar as guerras – ressentiam-se da sua exclusão do Senado e da classe dos equites. Os pobres não suportavam a condição de inferioridade na qual eram mantidos e empobreciam ainda mais com as guerras freqüentes. Os plebeus camponeses eram obrigados a abandonar seus campos; os artesãos urbanos deviam fechar oficinas e lojas. Sem poder sustentar as famílias, pediam dinheiro emprestado; quando não podiam pagar o débito, a lei facultava ao credor prender o devedor, vendê-la como escravo e até matá-la. Na verdade, não existia uma lei escrita, clara e válida para todos, mas como a justiça era ministrada pelos patrícios (principais credores) a sua interpretação sempre beneficiava esta classe. Já no início do século V a.C. começou a longa disputa entre patrícios – que defendiam seus direitos e privilégios – e plebeus, que lutavam para obter igualdade de direitos. Foi uma feroz luta de classes, durante a qual a plebe conseguiu importantes vitórias. A ascensão da plebe 494 a.C. – Uma multidão de plebeus armados retirou-se para o Monte Sagrado (Aventino) e decidiu não voltar ao trabalho ou combater no exército a menos que obtivesse algumas concessões dos patrícios. Temendo um levante geral da plebe, o Senado concordou com a criação da Assembléia dos Plebeus (Concilium Plebis), que elegeria os edis e os tribunos da plebe (dois no início e dez em meados do século V a.C.). O tribuno podia deter, com a palavra veto (“eu proíbo”), toda a ação do Estado que julgasse prejudicial à plebe. Sua pessoa era intocável e sua casa inviolável. As portas estavam abertas dia e noite a qualquer cidadão que ali fosse pedir abrigo (direito de santuário ou de asilo). 450 a.C. – Uma comissão de dez homens – os decemviri –, liderados por Apio Cláudio, transformou as velhas leis romanas, baseadas nos costumes, na Lei das Doze Tábuas. O código abrangia direito privado, penal, governamental e religioso e assegurou aos plebeus paridade jurídica com os patrícios. 445 a.C. – Pela Lei Canuléia foi abolida a proibição de casamentos entre patrícios e plebeus. 367 a.C. – Os tribunos Licínio e Sextio propuseram que os juros já pagos fossem deduzidos do principal (quantia emprestada pelo credor) ; que nenhum homem pudesse deter mais de 500 jugera (cerca de 120 hectares) de terra ou empregar em suas culturas mais escravos do que trabalhadores livres; que um dos cônsules fosse regularmente recrutado na plebe. Durante um ano o Senado resistiu, mas acabou por acatar essas propostas, que se transformaram nas Leis Licínias. Camilo, líder dos conservadores, celebrou a reconciliação das classes no Templo da Concórdia, no Fórum. 356 a.C. – Um plebeu tornou-se ditador por um ano. 351 a.C. – A plebe teve acesso ao cargo de censor. 326 a.C. – Foi abolida a lei que estabelecia o direito do credor de escravizar seu devedor. O julgamento tornou-se obrigatório nos casos de dívidas. 300 a.C. – O sacerdócio foi franqueado aos plebeus. 287 a.C. – Pela Lei Hortênsia, as decisões da Assembléia dos Plebeus (que se transformou em 449 a.C. nas Assembléias das Tribos) tornaram-se obrigatórias para todos os cidadãos romanos. Esse episódio foi o último da longa disputa entre plebeus e patrícios, da qual os plebeus ricos foram os principais beneficiários. Como o acesso aos cargos públicos era muito caro, os plebeus afastavam-se deles automaticamente. S.P.Q.R.: o Senado e o Povo Romano Obtida a paridade, os plebeus ricos aliaram-se aos patrícios, inclusive por meio de uniões matrimoniais. Em conseqüência, surgiu uma nova aristocracia – a nobilitas (nobreza) –, à qual pertenciam os plebeus ricos que tivessem ocupado altas magistraturas, condição que lhes permitia o acesso ao Senado. O acesso à terra – uma das mais importantes reivindicações dos pobres – foi satisfeito à custa dos povos que ocupavam os territórios conquistados pelas legiões romanas. Por essa razão, ricos e pobres irmanavam-se na condição de soldados: o expansionismo beneficiava a todos. Como o Senado determinava a verba destinada às campanhas do exército, a partir do século III a.C., ele se tornou a instituição mais prestigiada da República. S.P.Q.R., a sigla oficial de Roma, queria dizer O Senado e O Povo Romano, como se o poder emanasse da união do Senado e do conjunto de CLIO História – Textos e Documentos assembléias de cidadãos. Na realidade, porém, o poder continuava nas mãos de poucos. ROMA EM GUERRA O legionário romano (miles), um dos grandes protagonistas da história de Roma, era, de modo geral, um camponês habituado às longas caminhadas e às vicissitudes da vida rural. O equipamento que transportava às costas pesava de 35 a 40 kg. Em condições normais, andava 30 km por dia, mas, quando necessário, fazia 40 km ou mais, em marcha acelerada. Ao chegar ao destino, trabalhava ainda quatro ou cinco horas na armação do acampamento. À esquerda, o equipamento do legionário romano. Entre as armas defensivas contavam-se: o elmo metálico com protetor para nuca e garganta, muitas vezes ornado com penas ou crina de cavalo; o escudo de madeira, revestido de couro e reforçado com ornamentação de metal; urna couraça, colocada sobre uma túnica de couro ou uma malha de ferro, e perneiras (armaduras para as pernas). Entre as armas ofensivas: os pila, dois dardos de madeira com uma das pontas de ferro; o gládio (espada de dois gumes); a espada curta (50 cm em média) e o punhal. A bagagem de cada legionário compreendia: víveres e água; colher-gamela e panela para cozinhar seu alimento básico e peles de animais para montar sua tenda; foice para cortar a vegetação; uma pá ou picareta para cavar o fosso e cercar o acampamento com uma proteção de terra. A LONGA MARCHA A expansão romana começou efetiva-mente com a República (509 a.C.) e estendeu-se pelos 350 anos seguintes. A expulsão de Tarquínio Sexto, rei etrusco de Roma, enfraqueceu a cidade e despertou contra ela a hostilidade de outros povos do Lácio. A vulnerabilidade da República recém-formada e suas necessidades agrícolas foram as principais justificativas para as campanhas contra os vizinhos: os latinos, submetidos a Roma desde o século VIII a.C. e desejosos de recuperar a independência; os volscos, ao sul, e os equos, a leste. Entre 499 e 496 a.C. Roma enfrentou os latinos. A vitória sobre os volscos, em 488 a.C., e sobre os equos, em 457 a.C., fechou o ciclo da conquista do Lácio. Restava a Etrúria, antiga senhora de Roma. Esse ciclo de campanhas terminou em 396 a.C., com a conquista da cidade de Veios, último grande obstáculo à supremacia de Roma na Toscana. A conquista da Itália No início do século IV a.C., os romanos depararam com um inimigo poderoso: os gauleses – celtas da Gália que invadiram a península Itálica e, em 390 a.C., ocuparam Roma. Três anos depois, os gauleses retiraram-se mediante o pagamento de pesado resgate, fixando-se no vale do Pó. Entre a segunda metade do século IV a.C. e o início do século III a.C., Roma passou a ser ameaçada pelas poderosas tribos samnitas, que habitavam o centro-sul da Itália. A batalha final ocorreu em 295 a.C., perto de Sentino, nas Marcas. A vitória assegurou a Roma a posse da fértil planície da Campânia e das regiões da Úmbria, Abruzos e Marcas. A etapa seguinte foi a anexação do sul da Itália, pontilhado, na época, por cidades-Estado gregas. Em 282 a.C., os romanos entraram em guerra contra Tarento, a mais poderosa cidade da região. Os tarentinos pediram auxílio a Pirro, rei do Epiro (noroeste da Grécia), que venceu os romanos em Heradea (280 a.C.) e Asculum (279 a.C.), mas foi derrotado em Benevento (275 a.C.). Com a tomada de Tarento, Roma estendeu seus domínios a toda a península itálica, com exceção do vale do Pó. Os caminhos da vitória A boa organização e armamentos eficientes garantiram as sucessivas vitórias das legiões. A manutenção dos territórios conquistados e a rapidez com que o exército se movia deveram-se, sobretudo, à construção de estradas que ligavam as províncias a Roma. A expressão “todos os caminhos levam a Roma” era verdadeira; nasceu, provavelmente, quando os romanos descobriram que suas legiões, máquinas de guerra e tropas de reforço deslocavam-se com uma rapidez três vezes maior que a dos inimigos, por estradas pavimentadas, construídas pelos próprios soldados. Além dos objetivos militares, as antigas estradas consulares (assim chamadas porque recebiam o nome do cônsul encarregado de coordenar os trabalhos da sua construção) foram as vias de difusão da civilização romana. Até hoje representam a espinha dorsal do sistema viário italiano e, em menor escala, de outros países europeus, antigas colônias romanas. De 264 a 146 a.C., os romanos lutaram contra os cartagineses pelo controle do tráfego e do comércio no mar Mediterrâneo. O longo conflito denominado Guerras Púnicas (púnica vem de poeni, designação latina para os fenícios) terminou com a vitória total de Roma, assegurando-lhe a hegemonia na região do Mediterrâneo e facilitando a conquista da maior parte da Europa. ROMA E CARTAGO: UM CONFRONTO DECISIVO A tradição clássica atribui a Dido, filha de um rei de Tiro, a fundação da colônia fenícia de Cartago, por volta do século IX a.C. Situada na costa norte da África, a colônia recebeu o nome de Karthadashi (cidade nova). Os gregos transformaram esse nome em Karchedon, e os romanos, em Cartago. CLIO História – Textos e Documentos Enquanto Tiro, Sidon e outras importantes cidades fenícias localizadas na costa do atual Líbano entravam em decadência, Cartago crescia em poder e esplendor, baseando sua prosperidade no comércio. No século VI a.C. quase toda a costa africana, da Cirenaica a Gibraltar, e a península Ibérica, rica em ouro, prata, ferro e cobre, estavam sob o domínio dos cartagineses. Estes também haviam se apoderado das ilhas Baleares, da Sardenha, da Córsega, de metade da costa oeste da Sicília e de Malta, ilha do Mediterrâneo central. Cartago impunha aos territórios conquistados o pagamento de grandes tributos anuais, obrigava os vencidos a se alistarem no seu exército e controlava-lhes rigorosamente o comércio exterior. Em troca, oferecia proteção militar, garantia a independência do governo local e a estabilidade econômica. O Comércio e a exploração desse império tornaram Cartago, no século III a.C., o mais rico e poderoso Estado mediterrâneo. As relações entre Roma e Cartago iniciaram-se em 510 a.C., com um tratado pelo qual Roma reconhecia a Cartago o direito de comerciar e piratear em todo o Mediterrâneo ocidental, desde que não invadisse o mar Tirreno ou atacasse qualquer das cidades latinas aliadas aos romanos. Esse tratado foi renovado em 348 a.C., mas, no século seguinte, Roma, senhora da península Itálica, começou a ambicionar a Sicília, que era grande produtora de trigo e ponto estratégico para o controle do tráfego comercial e militar no mar Mediterrâneo. A guerra no mar Na Primeira Guerra Púnica, Roma era uma potência terrestre desafiando Cartago, uma potência marítima. A guerra só poderia ser ganha se Cartago fosse derrotada em seu próprio elemento. Nos combates navais da época, as embarcações, movidas com a maior velocidade possível por meio de remadores, eram lançadas contra os flancos dos navios adversários. Como a ponta da quilha era equipada com um esporão metálico, o resultado era um buraco na lateral do navio inimigo, abaixo da linha-d’água, o que causava o seu afundamento. Os cartagineses pareciam imbatíveis no mar. Seus remadores eram mais rápidos e os marinheiros podiam frear brusca-mente a embarcação, mudar a sua direção de modo a defendê-la do esporão inimigo e efetuar outras manobras. Em 241 a.C:., Roma construiu, em sessenta dias, uma esquadra de duzentos quinqüerremes. Baseados no modelo cartaginês, mediam 40 m de comprimento e abrigavam uma tripulação de duzentos homens armados. Tinham, porém, uma inovação: o “corvo”, espécie de ponte levadiça que caía sobre a nave inimiga, transformando-se numa passarela. Os soldados podiam, assim, passar ao navio adversário e fazer do combate naval um combate semelhante ao terrestre, no qual eram peritos. Criado pelo cônsul Caio Dílio, o “corvo” assegurou aos romanos a vitória em Melazzo. PRIMEIRA GUERRA PÚNICA (264-241 a. C.) 264 a.C. – Os romanos tomam, na Sicília, as cidades gregas aliadas de Cartago. Hierão de Siracusa alia-se a Roma e conquista a Sicília ocidental até Agrigento (261 a.C.). 260 a.C. – A frota romana derrota os cartagineses, chefiados por Aníbal, ao largo de Milazzo. 256 a.C. – Os romanos desembarcam na África, sob o comando de Atílio Régulo. No entanto, são derrotados pelas tropas cartaginesas chefiadas por Xantipo, mercenário espartano (255 a.C.). 250 a.C. – Roma conquista Panormo (Palerma) e renova aliança com Hierão. 249 a.C. – Alternância de vitórias e derrotas para ambos os 'lados. 241 a.C. – Roma derrota os cartagineses numa batalha naval realizada junto às Egades, pequenas ilhas situadas a oeste da Sicília. A paz é assinada. Cartago renuncia à Sicília, que se torna então a primeira província romana. Acontecimentos posteriores 229-222 a.C. – Roma ocupa a Iliria (atual Iugoslávia). Na Itália, derrota os gauleses em Clastidium (Casteggio, Pavia) e ocupa uma de suas capitais: Mediolanum (Milão). Os romanos fundam, ao norte da Itália, as colônias de Piacenza, Modena e Bolonha. UM EXÉRCITO INVENCÍVEL Na primeira fase da Segunda Guerra Púnica o exército romano sofreu severas derrotas. A partir da batalha de Canas, porém, estabeleceram-se novas regras de tática e disciplina que o tornaram quase invencível. Curiosamente, muitas das táticas foram aprendidas dos próprios cartagineses e depois desenvolvidas, com sucesso, por oficiais romanos. Só em Esparta a disciplina militar foi tão rigorosa quanto no exército romano. Este era, de início, um exército de camponeses – cidadãos que serviam dos 17 aos 45 anos. Dos 45 aos 60 passavam à reserva, mas, freqüentemente, eram chamados para guerrear ou formar um corpo de defesa da própria cidade. A importância do serviço militar era tanta que nenhum cidadão podia se candidatar a um cargo público sem ter sido soldado durante pelo menos dez anos. De legionário a colono Com a transformação da república agrícola do Lácio em república mercantil e imperialista, começou a desaparecer a figura do agricultorsoldado, que depunha a espada e voltava a empunhar o arado em seus campos. As legiões acolheram milhares de camponeses empobrecidos, sem terras, que muitas vezes recebiam, como recompensa, uma gleba do.Estado (ager publicus) para cultivar ~ nas regiões conquistadas. O Estado emprestava dinheiro para construir uma casa, comprar móveis, animais e instrumentos de trabalho. O miles transformava-se em colono, e muitos países europeus “romanizados” devem a esses colonos a sua unidade cultural e civil, que foi um legado de Roma. CLIO História – Textos e Documentos A legião romana Na época das Guerras Púnicas, a unidade combatente básica – a legião – tinha 4 200 soldados. Esse número foi depois elevado para 5 000-6 000 soldados (infantes), ao lado de um mínimo de novecentos cavaleiros. Para facilitar as manobras em campo, a legião era subdividida em coortes (em geral, dez) e cada coorte, por sua vez, subdividia-se em mampulos. O manípulo era dividido em unidades mais ágeis: as centúrias (a princípio, cem homens e, depois, entre oitenta e 150). Os centuriões, oficiais que combatiam na extrema direita da primeira fila, lideravam a centúria. Eram também, em tempo de paz, os treinadores dos jovens romanos, que se adestravam no Campo de Marte, fora dos muros da cidade. Na extremidade aposta da primeira fila, outro oficial, o tesserarius, transmitia ordens a seus homens ou, eventualmente, ao centurião da centúria ao lado. O último lugar à esquerda da última fila era ocupado por outro oficial, que comunicava as ordens provenientes das filas anteriores ou substituía os feridos. No centro do esquadrão, o aquilifer ou signifer (portador da, águia ou do estandarte da legião) e o arauto, com a tradicional trompa, coordenavam a ação das diversas centúrias, manípulos e coortes, por meio dos movimentos do estandarte ou dos sons da trompa. A ação das legiões era dirigida pelos tribunos, oficiais superiores, e, sobretudo, pelo cônsul, magistrado eleito a quem cabia o comando supremo e a responsabilidade total da batalha. Canas, os romanos perdem 50 000 de seus 80 000 soldados, entre eles o cônsul Paulo Emilio. 215 a.C. – Morte de Hierão de Siracusa. Seu sucessor alia-se a Cartago. 212 a.C. – Tomada de Tarento por Aníbal Barca. Na Sicília, a frota romana, comandada por Marco Antônio Marcelo, toma Siracusa. Em Capua os romanos são derrotados por Aníbal. 211 a.C. – Cipião conquista Cartagena. 208 a.C. – Asdrúbal Barca é vencido em Bácula por Cipião. 207 a.C. – Os romanos vencem os cartagineses numa importante batalha perto do rio Metauro (norte da Itália), durante a qual morre Asdrúbal Barca. 204 a.C. – Cipião desembarca na África e recebe apoio de Masinissa, rei da Numidia. Cartago chama Aníbal de volta à África para combater os romanos. 202 a.C. – Aníbal é derrotado em Zama, na batalha que põe fim à Segunda Guerra Púnica. SEGUNDA GUERRA PÚNICA Antecedentes 237-231 a.C. – Pelo tratado de paz de 241 a.C., os cartagineses ficam obrigados a pagar por dez anos um tributo anual da ordem de 3 200 talentos. Amílcar Barca conquista territórios na Espanha (237 a.C.), e as minas de Serra Morena permitem o pagamento dos tributos devidos a Roma. Em 231 a.C. é assinado o Tratado de Ebro, pelo qual os romanos reconhecem o domínio cartaginês ao sul desse rio espanhol. 228-221 a.C. – Morte de Amílcar. Aníbal é o comandante supremo na Espanha. 219 a.C. – Aníbal conquista Sagunto, colônia grega do litoral sul da Espanha, aliada de Roma, o que equivale a uma declaração de guerra. "DELENDA CARTHAGO” Apesar dos duros termos de paz impostos a Cartago ao final da Segunda Guerra Púnica, diariamente, no Senado romano, Catão erguia sua voz; sempre terminava seus discursos com a expressão Delenda Carthago (“Cartago deve ser destruída”). Era necessária, a qualquer preço, uma Terceira Guerra Púnica. O pretexto surgiu em 149 a.C., e por três anos Cartago suportou o sítio por terra e por mar. Mas, em 147 a.C., o Senado e as Assembléias nomearam cônsul Cornélio Cipião Emiliano – que passaria à história como “o Africano Menor” –, o qual, no ano seguinte, logrou escalar as muralhas e penetrar na cidade, seguido por suas legiões. Embora enfraquecidos e dizimados pela fome, os cartagineses lutaram palmo a palmo por seis dias. Hostilizado pelos guerrilheiros ocultos nas casas, Cipião ordenou que as residências fossem queimadas. Por fim, reduzida de 500 000 a 50 000, a população se rendeu. Os sobreviventes foram vendidos como escravos e o que restava, saqueado. Relutando em arrasá-la, Cipião pediu instruções ao Senado. A resposta não se fez esperar: não apenas Cartago, mas também seus arredores deviam ser destruídos, e o solo arado e salgado para que nada mais pudesse ali vicejar; e maldito fosse o homem que tentasse construir naquele A Guerra (218-201 a.C.) 218 a.C. – A fim de surpreender os romanos, que se preparavam para combater na África, Aníbal entra na Itália, pelos Alpes, com 50 000 soldados, 9 000 cavaleiros e 37 elefantes. Em Trébia, os gauleses do vale do Pó a(iam-se aos cartagineses. 217 a.C. – Comandados por Caio Flaminio, os romanos são derrotados pelos cartagineses junto ao lago de Trasimeno. Sob o comando de Cornélio Cipião, o Africano, retomam Sagunto na Espanha. 216 a.C. – Esmagados pelos cartagineses em Acontecimentos posteriores 200-188 a.C. – Combatendo antigos inimigos, aliados de Cartago, as legiões romanas expandem seus domínios pela Itália do norte (190 a.C.), península Ibérica, Grécia e Macedônia (197 a.C.J. Em 196 a.C. Aníbal, eleito magistrado supremo de Cartago, propõe que o mandato dos juízes seja fixado em um ano, adota medidas para impedir as venalidades e liberta os cidadãos de taxas extras. Os oligarcas denunciam-no a Roma, sob a acusação de planejar o reinício das hostilidades. Em 195 a.C. Anal al foge para Antioquia, depois para Creta e por fim para a Bitmia, onde se mata (183 a.C.). Em 188 a.C., ao derrotar Antíoco III da Síria, que governava também a Ásia Menor, Roma domina o Mediterrâneo oriental. CLIO História – Textos e Documentos sítio. Durante dezessete dias Cartago esteve em chamas. Depois, desapareceu. TERCEIRA GUERRA PÚNICA (149-146 a.C.) Antecedentes A paz, assinada em 201 a.C., impõe a Cartago desarmamento naval e terrestre, pesadas indenizações, renúncia a todas as possessões e perda de política independente. Além disso, Roma incita alguns de seus aliados africanos a guerrilhas contra Cartago e espera um pretexto para a completa destruição de sua rival. Este surge em 151 a.C., quando Masinissa, rei da Numidia, aliada de Roma, pretende apoderar-se das costas da atual Tripolitânia, pertencentes a Cartago. Os cartagineses declaram guerra à Numidia (151-150 a. C.). 149 a.C. – O Senado romano alega que Cartago violara o tratado de paz e declara-lhe guerra. Os cartagineses concordam em entregar todas as suas armas aos romanos, mas, quando estes ordenam que eles se retirem da cidade, resolvem oferecerlhes resistência. 146 a.C. – Cartago é destruída. Seu território torna-se então a província romana da África. Transformada em província romana, a região foi dividida em latifúndios e distribuída entre os romanos como parte da ager publicus (domínios do Estado), ao mesmo tempo que os moradores entravam na herança do outrora próspero comércio cartaginês. Apesar das maldições, em 122 a.C., o Senado romano ordenou que se fundasse uma colônia no sítio de Cartago. A tentativa não deu resultado. Mais tarde, porém, Júlio César enviou para lá numerosos colonos romanos sem terra e, em 29 a.C., Augusto centralizou a administração romana da África naquele sítio. Nessa época;a, a colônia, conhecida como Julia Carthago, prosperou a ponto de rivalizar com a cidade egípcia de Alexandria. A RESISTÊNCIA LUSITANA Depois da expulsão dos cartagineses, os romanos tornaram-se senhores da península Ibérica. Esta foi dividida em duas províncias – Espanha ulterior (sul) e citerior (norte) –, obrigadas a pagar tributos em produtos agrícolas e minérios. As rebeliões contra os romanos tiveram início em 199 a.C. Em 179 a.C. Tibério Semprônio Graco conseguiu pacificar a região. Mas, a partir de 154 a.C., os lusitanos, um povo que vivia a noroeste da península (em território que atualmente esta dividido entre Portugal e Espanha), fizeram várias incursões contra cidades aliadas de Roma. Graças à habilidade do seu chefe, Viriato, que desenvolveu uma eficiente tática de guerrilha, resistiram ate 139 a. C., quando Viriato foi assassinado por três colaboradores subornados pelos romanos. A resistência lusitana, entretanto, encorajou os celtiberos à rebelião contra Roma (143 a.C.). A destruição de Numância (133 a. C.) marcou a pacificação da península. OS DOMÍNIOS DE ROMA As regiões submetidas a Roma recebiam tratamento diferenciado conforme as circunstâncias. Algumas eram escolhidas em termos de aliança ou de Estados federados, devendo pagar um tributo e manter uma guarnição romana “para proteção”, mas com a vantagem de poderem conservar suas leis e seu sistema de governo. Outras obtinham mais vantagens: seus habitantes podiam tornar-se eives romani, ou seja, ganhavam direito à cidadania romana. Em outros casos, os territórios conquistados eram mantidos sob a administração direta de Roma, com governadores locais. Eram as províncias. As primeiras foram: a Sicília, a Sardenha-Córsega, a Espanha, a África cartaginesa e a Grécia. O preço do “mare nostrum” As Guerras Púnicas foram o mais caro empreendimento bélico da Antiguidade. Arruinaram centenas de cidades e mataram centenas de milhares de pessoas: somente a Segunda Guerra Púnica vitimou 300 000 homens. Mas esse evento representou também um divisor de águas na história romana. Os minérios ibéricos deram novo impulso à expansão imperialista. O saque às províncias, as indenizações pagas pelos cartagineses e, depois, pela Macedônia e Síria, os escravos que de toda parte afluíam a Roma, os metais preciosos das regiões conquistadas e outros golpes favoráveis transformaram os ricos de Roma em opulentos magnatas. As Guerras Púnicas mudaram a face do Mediterrâneo, tornando-o um lago romano – o mare nostrum, como o chamavam os romanos; a prosperidade mudou a fisionomia da sociedade romana. A possibilidade de importar toda sorte de produtos, a baixo custo, das províncias provocou a decadência da agricultura e indústria romanas. Em contrapartida, o comércio e os bancos floresceram. Roma tornava dinheiro do mundo para, com ele, adquirir os produtos do mundo. Como resultado, o patriciado e a classe média da República romana trocaram sua austera simplicidade por um luxo ostensivo e ocioso. Fim da República Romana Após oitenta anos de guerras, lutas, sacrifícios e privações, os romanos se deram conta de que tinham o mundo nas mãos. Entre os bens obtidos estava a cultura grega, difundida por uma região imensa que passara a pertencer a Roma: Sicília, sul da Itália, Ásia Menor e a própria Grécia, anexada no século II a.C. Os gregos revidaram a conquista introduzindo em Roma sua filosofia, sua arte, seu teatro e até sua religião. Para os velhos isso era uma verdadeira afronta, pois essas contribuições, aliadas ao luxo e à vida faustosa, solapavam o caráter simples e austero dos romanos. Mas, como disse Horácio, Graecia capta victorem cepit (“a Grécia conquistada conquistou por sua vez o vencedor”). Antes das Guerras Púnicas a família romana era um microcosmo, o centro gerador da religião, da CLIO História – Textos e Documentos moral, da economia e do próprio Estado. Cada aspecto da sua existência, material ou espiritual, estava em solene intimidade com o panteão doméstico: a casa era regida pela deusa Vesta, presente no fogo da lareira, chama que simbolizava a vida e a continuidade da família; os deuses Lares guardavam os campos e as construções; os Penates, ou deuses do interior da casa, garantiam a abundância; e a matrona romana era portadora de uma centelha da divindade de Juno, pois tinha dentro de si o genius da capacidade de gerar. Eram dezenas de divindades laboriosas, presidindo as atividades da família. Esta, por sua vez, compunha-se do pai e da mãe, da casa, da terra e das propriedades dos filhos solteiros ou casados, dos netos, das noras, dos escravos e agregados. Era, portanto, uma assembléia de pessoas e coisas governadas pelo ascendente mais velho (patriarca). Dentro desse pequeno mundo, que continha em si as funções da família, igreja, escola, indústria e Estado, forjaramse os vencedores dos cartagineses. Um romano como Catão, que nasceu por volta de 230 a.C. e morreu em cerca de 150 a.C., pôde assistir à transformação dos hábitos de vida dos romanos. A mudança manifestava-se em todos os setores: começava pelo cardápio e culminava com a adoção dos sofisticados deuses gregos, relegando a segundo plano o doméstico panteão romano. Uma nova sociedade A afluência de enormes riquezas a Roma beneficiou sobretudo os patrícios e a nobreza senatorial. As terras conquistadas que se transformavam em ager publicus (terras do Estado), na realidade ficavam quase sempre em suas mãos – ou como recompensa por serviços prestados na guerra, ou porque esses setores sociais eram os únicos com dinheiro para comprálas quando o Estado as leiloava. Os camponeses pouco se beneficiaram com as vitórias, exceto aqueles que receberam uma gleba nas terras conquistadas. E os soldados, ao voltar a suas terras, tiveram uma surpresa desagradável: Roma passara a consumir o trigo barato vindo das províncias, e nas grandes propriedades o trabalho mobilizava a mão-de-obra escrava, constituída de prisioneiros. Sem condições de colocar sua colheita no mercado a preços competitivos e sem emprego, o camponês acabava por vender sua gleba (ou a entregava para saldar dívidas) e ia para Roma engrossar o contingente de desocupados. Foi a essa massa desapropriada pelos frutos das vitórias romanas que se ofereceu panem et circenses (pão e circo). Os ricos Para Catão, a cultura grega representava uma total subversão da ordem familiar e, conseqüentemente, da religião e do Estado. São de sua autoria algumas leis que limitavam as despesas em banquetes e vestuário. Mas de pouco adiantaram. Os bons cozinheiros continuaram a ser comprados a peso de ouro no mercado de escravos; as baixelas eram de ouro, as mulheres cobriam-se de jóias e tecidos finos e os cosméticos tornaram-se uma necessidade. À medida que as maneiras dos patrícios e equites (cavaleiros) se refinavam, a moral se afrouxava. O divórcio tornou-se corrente e a aura sagrada que envolvia a “família” se desfez. Nem Catão nem ninguém poderia impedir a “nova moralidade” ditada pela opulência e pelo individualismo. Os pobres Desde o início da República, muitos plebeus viviam agregados às famílias patrícias como clientes: recebiam alimentos e roupas em troca de pequenos serviços e do compromisso de votar a favor de seus protetores nas assembléias. A partir do século II a.C., pode-se dizer que toda a massa de plebeus residentes em Roma constituiu uma espécie de clientela. Eram cidadãos, e portanto podiam votar nas Assembléias das Tribos, onde eram eleitos os questores e edis da plebe e aprovada a maioria das leis. Essa prerrogativa transformou os pobres em massa de manobra dos políticos e dos pretendentes a cargos políticos, empenhados em conquistar o apoio eleitoral em troca de trigo, festas e jogos. Roma criava, assim, um esquema demagógico de controle social. O pão e o circo reduziam a população empobrecida à condição de parasita e afastavam os riscos de conflitos e revoltas. A QUESTÃO AGRÁRIA Duas forças políticas digladiaram-se durante a República: de um lado, os patrícios e a nobilitas (nobreza, classe que incluía os plebeus ricos que haviam ocupado altas magistraturas, o que lhes dava acesso ao Senado), integrados num partido aristocrático ou “senatorial”; de outro, os equites e os populares, que constituíam um partido democrático. Ao longo da luta entre as duas facções, porém, muitos patrícios tornaram o partido da plebe e vice-versa. Foi o que se deu com a família patrícia dos Graco. Os irmãos Graco Tibério e Caio Graco pertenciam a uma das mais prestigiadas famílias patrícias. Eram filhos de Semprônio Graco, comandante na Espanha, e de Cornélia, filha de Cipião, o Africano. Vendo o estado de abandono das terras da Etrúria e a decadência do exército romano, Tibério achou necessário repovoar os campos para favorecer a formação de um campesinato forte. Na verdade, os agricultores – dado seu empobrecimento e conseqüente falta de condições para se armar à própria custa – tinham sido privados de se integrarem ao exército. Ao ser eleito tribuno da plebe, em 133 a.C., Tibério Graco propôs o revigoramento da lei que impunha a devolução ao Estado das terras públicas, então em poder da aristocracia, e sua distribuição entre os cidadãos pobres. Com isso, pretendia resolver graves problemas interligados: excesso de escravos no campo, superpopulação e corrupção urbanas e decadência militar de Roma. A sugestão despertou forte reação do partido senatorial, representante dos interesses dos grandes proprietários. No final do ano, ao tentar se CLIO História – Textos e Documentos reeleger, Tibério foi trucidado por seus adversários junto com trejeitos adeptos. Em 123 a.C., seu irmão Caio Graco retomou esse programa. Além de revigorar a lei agrária, propôs o fornecimento de roupas e armas aos cidadãos pobres à custa do Estado; a realização de obras públicas, que proporcionassem emprego a milhares de desocupados, e a lei do trigo, que autorizava o governo a distribuir o cereal pela metade do preço de mercado. Essa lei fez com que as massas pobres deixassem de ser clientes da aristocracia para se tornar defensoras dos Graco e de seus sucessores do partido popular, entre os quais Júlio César. A reação oligárquica Entre as propostas de Caio Graco figurava, ainda, a concessão da cidadania romana aos povos itálicos aliados (socii) de Roma, para que se beneficiassem da distribuição de terras; e a participação dos equites na coleta de impostos nas províncias e, como jurados, nos julgamentos de crimes de apropriação indébita que envolvessem funcionários públicos (tarefa que competia ao Senado). Prejudicados em seus interesses políticos e econômicos, os nobres passaram a considerar as leis agrária e judiciária uma afronta ao poder senatorial. Induzido por demagogos, o povo romano foi convencido de que sua participação em festas e jogos seria cada vez mais limitada se os socii obtivessem regalias reservadas aos cidadãos. As leis de cidadania foram rejeitadas pelo Senado e, em 121 a.C., as tropas chefiadas pelo cônsul Lúcio Opímio tornaram de assalto o monte Aventino, onde os democráticos estavam entrincheirados. Caio Graco, para não se entregar, preferiu o suicídio. Três mil de seus seguidores foram executados sem processo algum. Vitoriosos, os oligarcas anularam a reforma agrária, mas não conseguiram evitar os frutos de algumas medidas dos Graco. Os equites e o povo tinham tomado consciência de sua força política. A CRISE DA DEMOCRACIA No fim do século II a.C., havia só 2 000 proprietários para 400 000 cidadãos romanos. A pobreza fazia diminuir o número de soldados; não tardou que Roma fosse atacada. Em 113 a.C., os cimbros e os teutões invadiram a Itália com 300 000 homens. Quase simultaneamente irrompeu o conflito do reino da Numídia: Jugurta combateu e derrotou seus primos Aderbal e Hiempsal, com quem dividia o trono, e dominou o país inteiro. Como no episódio morreram também mercadores romanos, em 111 a.C. Roma declarou-lhe guerra. Jugurta, porém, subornou os generais romanos, tirando partido da incompetência e da corrupção. Em 108 a.C. Caio Mário, filho de camponeses, que servira na Numídia sob as ordens de Quinto Metelo, candidatou-se ao consulado, oferecendo-se para derrotar Jugurta. Essa promessa foi cumprida em 106 a.C.; em 104 a.C. Mário foi reeleito cônsul; em 102 a.C. derrotou os teutões e em 101 a.C., os cimbros. Esse sucesso devia-se a um novo tipo de exército, resultado da reforma que Mário fizera no recrutamento militar, possibilitando o alistamento de cidadãos sem recursos. O exército assim for- nado compunha-se basicamente de proletários urbanos, que não lutavam pelo seu pais, mas pelo seu general. O fantasma dos Graco Em 100 a.C. Mário foi eleito cônsul pela sexta vez junto com Lúcio Saturnino, que, ao se declarar disposto a realizar o programa dos Graco, foi assassinado. Mas em 91 a.C. a “guerra social” (dos socii contra Roma) retomou um tema defendido pelos Graco: a concessão de cidadania aos povos itálicos. A guerra durou dois anos e terminou com os socii recebendo uma cidadania de segunda classe: divididos em dez tribos, só podiam votar depois de as 35 tribos romanas terem votado. A hora e vez dos generais Em 88 a.C. começou a guerra contra Mitrídates, rei do Ponto, que pretendia estender seus domínios às possessões romanas da Ásia Menor. O comando foi confiado ao aristocrata Lúcio Cornélio Sila; imediatamente, o tribuno Públio Sulpicio Rufo fez votar uma lei atribuindo a Mário a chefia. Diante de tal oposição, Sila marchou sobre Roma; os optimates (patrícios e nobilitas) declararam Mário inimigo público, e ele se viu obrigado a fugir para escapar da morte. Sila fez aprovar algumas leis que reforçavam o partido aristocrático, mas, após a sua partida para a Ásia, Mário, auxiliado por Lúcio Cornélio Cina, organizou suas tropas e promoveu em Roma violenta perseguição aos optimates. Em 86 a.C., logo depois de ter assumido pela sétima vez o consulado, Mário morreu. O poder ficou com Cina, cuja primeira medida foi admitir os socii em todas as tribos eleitorais. Mas, em 84 a.C., quando tentava organizar um grande exército para impedir que Sila, o vencedor de Mitridates, regressasse a Roma, Cina foi assassinado. Sila, que encontrou na Itália o apoio militar de dois grandes general – Marco Licínio Crasso e Cneu Pompeu –, anulou todas as medidas populares e restabeleceu o poder da nobreza. Impondo-se como ditador de 82 a 79 a.C., restringiu as atribuições das assembléias populares e dos tribunos da plebe. Em 79 a.C., com a abdicação de Sila, o cônsul Marco Emílio Lépido procurou implantar um programa de cunho popular. Opondose a isso, o Senado concedeu poderes extraordinários a Pompeu para frustrar os objetivos do novo cônsul. Em 77 a.C. Pompeu esmagava, na Espanha, as forças de Quinto Ser-tório, seguidor de Mário, que lutava pela restauração do regime democrático. Pompeu e Crasso Entre 77 e 60 a.C. Pompeu e Crasso deram a Roma a segurança da invencibilidade do seu exército. Pompeu, conquistando territórios no Oriente: o Ponto, a Síria, a Cilícia, a Armênia, a Capadócia, a Galícia, a Cólquida e a Palestina; Crasso, esmagando, na Apúlia, em 71 a.C., a rebelião de 120 000 escravos liderados por Espártaco. De retorno a Roma, em 70 a.C., Crasso e Pompeu estabeleceram uma súbita aliança com os populares e ganharam a eleição para o CLIO História – Textos e Documentos consulado. Isso significou a reintegração dos poderes das assembléias e dos tribunos da plebe. O primeiro triunvirato Em 62 a.C., quando Pompeu voltou a Roma, após reorganizar política e administrativamente o Oriente, o Senado, temendo sua força, rejeitou seus acordos com os reis das nações submetidas e seu pedido de doação de terras aos soldados. Esse foi o pretexto para a formação, em 60 a.C., do primeiro triunvirato, o governo de três: Pompeu, Crasso e Júlio César, apoiados pelos populares. Embora pertencesse a uma antiga família patrícia, César – orador brilhante e veterano da luta política de Roma – integrava o partido democrático. Na ocasião, o menos influente dos triúnviros, desponta-ria nos anos seguintes como um grande líder militar. Em 55 a.C. César recebeu poderes para governar por cinco anos a Gália Cisalpina e a Gália Narbonense. Conquistou todo o país, numa série de campanhas narradas em seu livro De Bello Gallico. Após a morte de Crasso (53 a.C.), Pompeu conseguiu que o Senado o nomeasse princeps (o primeiro dos cidadãos) e ordenou a César que voltasse a Roma sem suas legiões. Convencido de que o conflito era inevitável, no início de 48 a.C. César marchou com suas tropas para Roma. Pompeu se refugiou na Grécia. César derrotou-o em Farsália, na Tessália (em agosto), obrigando-o a fugir para o Egito, onde foi assassinado. Assim, em 48 a.C., Júlio César tornou-se o único senhor de Roma, precipitando a crise da República. O IMPÉRIO ROMANO Na tarde de 14 de março, numa reunião realizada em sua casa, Júlio César afirmara que, a seu ver, a “melhor” morte era, sem dúvida, a “repentina”. Na manhã seguinte, Calpúrnia, sua mulher, recomendou-lhe que não fosse ao Senado, pois tivera um sonho em que ele aparecia coberto de sangue. Mas Décimo Bruto, tido como um dos seus mais íntimos amigos (e um dos conspiradores), insistiu no sentido de que ele comparecesse à sessão. A caminho do Senado, César encontrou um vidente que certa ocasião lhe murmurara: “Cuidado com os idos de março”. Sorriu-lhe e comentou que março já havia chegado e, no entanto, nada lhe acontecera. “Chegou mas não passou”, replicou prontamente o vate. César fazia diante do teatro de Pompeu o sacrifício que precedia cada sessão do Senado, quando lhe entregaram um bilhete, informando-o de que era vítima de uma conspiração. Não teve tempo de lê-lo. Tinha-o ainda nas mãos quando foi apunhalado por Bruto, Cássio e outros aristocratas. A trágica morte de César – narrada por Suetônio, Apiano e Plutarco, historiadores antigos – precipitou a crise que conduziu à instituição da autoridade imperial. O ENSAIO CENTRALIZADOR Em 44 a.C., quando o Senado declarou vitalícia a ditadura de Júlio César, este não teve os seus poderes muito ampliados. Desde 46 a.C. possuía, de fato, o controle de Roma. Era imperator, ou seja, comandava as forças armadas em terra e no mar; havia sido investido do imperium domi, que lhe concedia o comando sobre todos os cidadãos e aliados; na qualidade de pontifex maximus, controlava a religião; como tribuno da plebe, possuía o direito de veto sobre qualquer lei ou decisão; como censor, nomeava e afastava senadores. Era, enfim, o magistrado supremo de Roma. César, porém, desagradara os aristocratas ao executar o projeto dos Graco: distribuíra terras aos seus veteranos e aos cidadãos pobres, proibindo que elas mudassem de mãos (por compra ou venda) durante vinte anos; ordenara que um terço dos trabalhadores de cada propriedade agrícola fosse composto por homens livres; diminuíra a massa de proletários em Roma, transferindo cerca de 80 000 pessoas para novas colônias; concedera cidadania romana aos povos itálicos; gastara 160 milhões de sestércios em obras públicas, dando emprego a milhares de trabalhadores. Em conseqüência, o número de pessoas que recebia trigo do Estado, a baixo preço, decrescera de 320 000 para 150 000 – e estes passaram a obtê-lo inteiramente de graça. Júlio César era o ídolo dos populares, mas ferira os interesses da nobreza senatorial e dos cavaleiros enriquecidos com a inescrupulosa cobrança de impostos, ao criar leis contra os juros extorsivos. Além disso, alimentara a oposição dos republicanos, ao organizar a administração do Estado de modo a mantê-la sob seu controle pessoal. Todas as disposições de Júlio César, em resumo, levaram seus inimigos a se unir em uma conspiração liderada por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio, que culminou com o seu assassinato, em 15 de março de 44 a.C. Os assassinos, todos pertencentes à aristocracia, justificaram-se acusando César de premeditar o retorno à monarquia (o que, provavelmente, era verdade). O herdeiro Após a morte de César, seus partidários – liderados pelo cônsul Marco Antônio e por Marco Emílio Lépido, chefe dos cavaleiros – assumiram o controle de Roma. Mas, receando a guerra civil, entraram em acordo com a facção inimiga: Bruto e seus companheiros seriam anistiados desde que todas as decisões políticas de César fossem mantidas. Para desembaraçar-se de Lépido – com quem competia pelo legado político de César –, Antônio enviou-o à Espanha, com o pretexto de obter a adesão de Sexto Pompeu, comandante das tropas do exército naquela região. No dia 19 de março, porém, ao abrir o testamento de César, Antônio constatou que o imperator escolhera como herdeiro seu sobrinho-neto Caio Júlio, um jovem de 18 anos. Além disso, deixara 300 sestércios a cada cidadão. O segundo triunvirato Otávio encontrava-se na Ilíria quando soube da morte de César. Voltou imediatamente a Roma, onde assumiu o nome de Caio Júlio César Otaviano. Buscando a popularidade, vendeu seus bens para CLIO História – Textos e Documentos distribuir a soma prometida aos romanos e recrutou um exército pessoal entre os veteranos de seu tio. Apesar disso, Cícero, porta-voz dos ideais republicanos, acreditou que o jovem pudesse ser moldado de maneira a atender aos interesses do Senado, tornando-se um instrumento na luta contra Antônio. E, em 43 a.C., Otaviano chegou mesmo a comandar as legiões do Senado contra Antônio, na Gália. Mas percebeu a armadilha. O Senado reforçara a posição dos assassinos de César, entregando a Bruto o governo da Macedônia e a Cássio o da Síria. Otaviano apoderou-se de Roma, fez-se nomear cônsul, reconciliou-se com Antônio e formou, com ele e Lépido, um novo triunvirato. A PARTILHA DO PODER Com o objetivo declarado de vingar Júlio César – e, de fato, visando a obter fundos destinados à organização de tropas para a luta pelo poder –, Lépido, Antônio e Otaviano deram início ao mais sangrento reinado de terror da história romana. Entre as vítimas encontrava-se Cícero, que havia incentivado os adversários de Marco Antônio com os seus discursos no Senado, conhecidos como Filípicas. Em 42 a.C. Cássio e Bruto, vencidos na Grécia e na Macedônia, suicidaram-se. Os triúnviros dividiram o império entre si: Lépido ficou com a África, Otaviano com o Ocidente e Antônio escolheu o Egito, a Grécia e o Oriente. Contudo, dificuldades aguardavam Otaviano em Roma. Sexto Pompeu, leal aos vencidos, bloqueava a importação de trigo, praticando atos de pirataria no Mediterrâneo; a sociedade estava desorganizada pelo terror e pelas espoliações; e Lúcio Antônio e Fúlvia – o irmão e a esposa de Marco Antônio – tramavam contra o jovem triúnviro. A oposição evoluiu para o conflito aberto, mas, em 40 a.C., Otaviano sitiou as tropas de Lúcio Antônio e Fúlvia, obrigando-os a se render. Marco Antônio, que se mantivera alheio aos acontecimentos, surgiu ao largo de Brindisi com uma esquadra para cercar as forças de Otaviano. Entretanto, mais uma vez, interesses comuns levaram os dois triúnviros a se reconciliar. Selando a aliança, Antônio casou-se com Otávia, irmã de Otaviano. Mas todos sabiam que esse tipo de solução tinha caráter provisório. Antônio e Cleópatra Na raiz dessas disputas estava a oposição entre a Itália empobrecida e as riquezas enormes do Oriente – uma oposição que levaria, séculos mais tarde, à divisão do Império Romano. Para dominar o Oriente, Antônio aliou-se a Cleópatra, rainha do Egito, em 41 a.C. Mais tarde assumiu a união, enviando Otávia de volta a Roma. Otaviano foi mais hábil: aproximou-se da alta nobreza, desposando Lívia Drusila (38 a.C.), pertencente a uma das mais ilustres famílias patrícias. Paralelamente, reduziu os impostos e restabeleceu o abastecimento de trigo, em 36 a.C., após ter derrotado Sexto Pompeu. Em 32 a.C. Antônio casou-se com Cleópatra e confirmou-a herdeira do Egito e das províncias romanas do Oriente. Os cidadãos indignaram-se com o fato de Antônio dispor de territórios de Roma como se fossem de sua propriedade particular. Otaviano obteve um juramento de fidelidade de todas as classes sociais romanas e declarou guerra a Cleópatra. OTAVIANO, IMPERADOR O conflito foi decidido com a vitória de Otaviano na batalha naval de Áctio, em 31 a.C. Cleópatra voltou ao Egito com o que restava de sua esquadra; Antônio acompanhou-a. No ano seguinte, Otaviano lançou-se contra o Egito, onde Antônio, incapaz de organizar uma defesa efetiva, suicidou-se. Percebendo que jamais chegaria a um acordo com Otaviano, Cleópatra também se matou. Em 29 a.C., Otaviano foi recebido triunfantemente em Roma. Com Lépido afastado do poder desde 36 a.C. e Antônio morto, o herdeiro de César era o único senhor do Império. Mas, convencido de que só teria condições de consolidar sua posição se preservasse formalmente as instituições republicanas, agiu de modo cauteloso. Restabeleceu o patrimônio das famílias patrícias arruinadas para que a República aristocrática voltasse a ser viável, mas permitiu que o Senado e as Assembléias o cumulassem de poderes. Otaviano conservou a chefia suprema das forças armadas, “expurgou” o Senado em 28 a.C., reduzindo o número de seus membros para seiscentos, e foi nomeado princeps senatus (chefe do Senado). Desse título, assumido também por seus sucessores, derivou-se “principado”, designação do regime de governo que vigorou na primeira fase do Império (27 a.C. até fim do século II d.C.). No principado, embora teoricamente o governante reconhecesse ser apenas chefe do Senado, sua autoridade era a de um monarca: detinha o poder legislativo, executivo e judiciário; podia propor leis ou decretos às Assembléias e ao Senado, fazê-las executar e punir quem as violasse. Esses poderes fundamentaram a autoridade imperial, num momento em que as famílias aristocráticas fugiam ao exercício dos onerosos cargos públicos. Em 27 a.C., numa sessão que, para muitos estudiosos, assinala o início da concentração imperial de poderes, Otaviano declarou sua intenção de devolver todas as prerrogativas extraordinárias que recebera. Os senadores rogaram-lhe que permanecesse na chefia do Estado e deram-lhe o título de Augusto, isto é, “sagrado”, “divino”. A PAZ ROMANA Em sua missão de organização do Império, Augusto contou com o auxílio de figuras destacadas na vida romana, como Caio Clínio Mecenas e Agripa, na área político-militar, e Virgílio, Horácio e Tito Lívio, no campo cultural. Dedicou especial atenção a Roma, organizando-a em bairros e construindo numerosos monumentos. Além disso, preocupou-se com a agricultura, impulsionando o enriquecimento das províncias e distribuindo terras (sobretudo aos veteranos). Augusto apoiou a classe do pequeno campesinato e incentivou o comércio. No plano político, criou um conselho especial CLIO História – Textos e Documentos constituído por parentes, amigos e outros que lhe eram devotados (base do consilium principis). Com o tempo, as decisões desse conselho privado ganharam a força dos senatus consulta, enquanto o Senado recebia a administração das finanças do Estado (aerarium) e o governo das províncias pacificadas. Mas os senadores mostraram-se incapazes de exercer até mesmo essas limitadas funções, atribuindo toda a responsabilidade ao imperador. As assembléias e comícios foram se reunindo com freqüência cada vez menor e, em 18 a.C., o direito dos plebeus à ocupação de cargos públicos praticamente se extinguiu, com a lei que abria os cargos apenas aos possuidores de mais de 400 000 sestércios. Até o século V d.C. os tribunos e cônsules continuaram a ser eleitos, mas, como os principais poderes tinham passado para o “príncipe”, suas funções tornaram-se mais administrativas que executivas e, finalmente, degeneraram em meros títulos honoríficos. No plano externo, Augusto procurou ampliar as fronteiras do Império anexando a Numídia, a Récia, a Vindélica e a Panônia. Mas alguns desastres na Dalmácia e na Germânia, no curso dos quais milhares de soldados romanos morreram – entre os quais Druso, seu enteado, e Públio Quintílio Varo, seu amigo –, levaram Augusto a decidir-se pela fortificação do Império e por uma política defensiva. Era a pax romana, estendida sobre todo o Ocidente. Em 9 de agosto de 14 d.C., após ter dirigido por mais de quarenta anos o maior Estado da Antiguidade, Otaviano morreu. Seu reinado passou para a História com o nome de “a idade de ouro”, numa alusão à paz e à prosperidade desfrutadas durante o seu governo. Não tendo filhos, Augusto escolheu como sucessor seu enteado Tibério, filho de Lívia e de um patrício da ilustre família Cláudia. Considerado um dos mais brilhantes generais de sua geração, o futuro imperador foi adotado como filho por Augusto, que lhe conferiu as prerrogativas do imperium e da tribunicia potestas (poderes dos tribunos da plebe). A sociedade na idade de ouro A pax romana trouxe benefícios a todos, sobretudo aos romanos. Cada cidadão tinha em média dois ou três escravos (havia os que não tinham nenhum e outros que possuíam muitos). Um fluxo continuo de caravanas abastecia Roma de mercadorias de primeira necessidade e supérfluas: madeira e minério, trigo e frutas, tecidos e jóias, azeite e cavalos de corrida. Navios carregados ancoravam nos portos de Óstia, Nápoles, Bríndisi e Rímini, trazendo bens e escravos dos confins do Império. Alguns cidadãos tornaram-se mais ricos que o próprio Augusto; a maioria da população deixou de trabalhar, pois, após a conquista do Egito, a abundância de trigo era tamanha que permitia a sua distribuição de graça ou quase de graça. Muitos preenchiam o otium (ócio) estudando, aprendendo línguas estrangeiras, arte e literatura. A maioria dos ricos, porém, entregava-se a colossais banquetes e a divertimentos cada vez mais grosseiros, em estúpidas exibições de luxo e riqueza. A plebe passava a maior parte do tempo assistindo a lutas violentas, às expensas do Estado. Era a degeneração dos costumes romanos. Os resultados embora não imediatos, quando se revelaram, foram catastróficos. A crise do Império Romano Nos dias de hoje os limites de um país são definidos por um simples traçado no mapa ou por um discreto posto destinado à polícia de fronteira. No Império Romano, porém, as fronteiras, demarcadas por monumentos e construções, eram mais que concretas. A Muralha de Adriano, entre a Inglaterra e a Escócia, constitui um dos mais notáveis desses marcos. E uma barreira defensiva de 118 km de extensão, que corta a Grã-Bretanha de costa a costa. A manifesta intenção de defesa contida nessas grandiosas obras era, sem dúvida, um indício de que os romanos ganhavam consciência de suas fraquezas e do gradativo declínio de seu império. O “LIMITES” ENTRE OS BÁRBAROS E OS ROMANOS Quase todas as fronteiras do Império Romano eram assinaladas por um limite (limes), cuja principal função era defensiva. Tratava-se de estradas fortemente guarnecidas ao longo da fronteira, que dispunham de torres de vigia colocadas a distâncias regulares. Dessa maneira era possível controlar qualquer tipo de movimentação. Em caso de invasão, os soldados romanos tinham ordem de recuar até uma posição predeterminada, onde encontrariam reforços. Dispondo de estradas pavimentadas e superprotegidas, as tropas romanas deslocavam-se a uma velocidade superior à dos invasores, obrigados a movimentar-se em terreno inóspito. A resistência era organizada na retaguarda, onde se aquartelavam os manípulos (unidades de composição variável entre 100 e 160 homens) e as centúrias (grupos de 100 soldados). Quando a invasão era maciça, as tropas deveriam recuar mais ainda e concentrar-se junto às pequenas cidades de fronteira, onde estacionavam as legiões. Por muitos séculos esse sistema permitiu uma defesa eficiente do império contra as agressões. O jogo do poder Depois de vencer Marco Antônio e consolidar sua autoridade sobre a decadente República, Caio Júlio César Otaviano – denominado Augusto – tornou-se o chefe supremo de 50 000 soldados. O poder assentava-se sobre as legiões, e estas, que o haviam levado à vitória, poderiam derrubá-la a qualquer momento. Para neutralizá-las, Augusto desmobilizou cerca de 300 000 homens, dando-lhes terras e compensações em dinheiro. Manteve na ativa apenas as legiões aquarteladas nas províncias mais distantes, onde podiam exercer funções defensivas sem ameaçar o poder em Roma. CLIO História – Textos e Documentos Essa política iniciou um processo de “provincialização” do exército, que se acentuou nos séculos seguintes. As legiões começaram a ser formadas por soldados profissionais, comandados por um general também mercenário. A partir desses elementos, pode-se concluir que a queda do Império Romano não foi direta e exclusivamente provocada pela ascensão dos bárbaros, que invadiram as fronteiras do império. Esse processo começou muito antes, com a crise interna do exército, que se estendeu a outros setores da sociedade. OS SUCESSORES DE AUGUSTO Tibério – Dez anos antes de morrer, Augusto adorou Tibério como filho e o nomeou seu herdeiro. Acatando sua vontade, em 14 d. C., o Senado legitimou a sucessão, atribuindo a Tibério as honras de imperator, princeps e o ti’tulo de Augustus (que se tornou hereditário). Bom imperador no inicio, Tibério pouco a pouco transformou-se num tirano impiedoso. Morreu no ano 37. Calígula – Em criança, Caio César Germânico recebeu o apelido de “Calígula” (pequena bota) por sua mania de andar calçado com as caligae, botas militares feitas com tiras de couro e pregos na sola. Como era herdeiro da imensa fortuna da dinastia Julio-Claudia (a mesina de César e Augusto), o Senado não pôde deixar de proclamá-lo imperador. Considerado por todos um desequilibrado mental, Calígula não logrou marcar sua passagem pelo governo imperial coai qualquer realização. Mandou decapitar vários senadores, e alguns relatos dizem que, num gesto de profundo desprezo pelas instituições romanas, nomeou cônsul seu próprio cavalo. Foi assassinado pela guarda pretoriana no ano 41. Cláudio – Os pretorianos imediatamente alçaram ao poder o estudioso Cláudio, tio de Calígula. Pretendiam dominar um imperador frágil e, dessa maneira, conservar a autoridade efetiva, mas para surpresa geral Cláudio revelou-se um administrador competente. Governou com grande sabedoria, restituindo ao Senado parte do poder perdido. Expandiu o império, conquistando o atual Marrocos e submetendo definitivamente a Bretanha (Inglaterra). Morreu envenenado por Agripina, mãe de Nero, no ano 54. Nero – E o mais tristemente famoso dos imperadores romanos, devido ao incêndio de Roma e ao massacre dos cristãos. Apesar dos seus desmandos, assessorado pelo prefeito pretoriano Burro e pelo filósofo Sêneca, exerceu um governo equilibrado até 62. Afastados os conselheiros, concentrou autoritariamente todo o poder em sua própria pessoa. O caos se instalou a tal ponto no império que as legiões rebelaram-se, cada urna delas querendo impor seu “imperador”. Em 68 Nero foi declarado inimigo público pelo Senado e para não ser preso fez-se matar por um servo. Vespasiano – Durante o ano 69 estiveram precariamente no poder pelo menos três imperadores, cada um deles apoiado por suas legiões. A disputa foi vencida pelo general Tito Flávio Vespasiano, “candidato” das tropas do Oriente. Era o começo de uma nova dinastia, a Flaviana. Vespasiano reorganizou o império: fundou muitas cidades e patrocinou maior romanização da cultura nas províncias. Iniciou a construção do anfiteatro Flaviano ou Coliseu. Morreu em 79. Tito – Filho de Vespasiano, famoso por suas campanhas na Palestina (onde sufocou unia violenta rebelião e se apoderou dos tesouros de Jerusalém), Tito governou com sabedoria e generosidade, obtendo grande aceitação popular. Morreu cor 81. Seu reinado durou apenas dois anos. Domiciano – Irmão de Tito, foi um imperador enérgico e cruel. Consolidou as fronteiras na Bretanha e na Germânia. Travou uma longa disputa com o Senado, a fim de limitar seus poderes, e perseguiu violentamente os cristãos. Foi assassinado em 96, com a cumplicidade de Domícia, sua mulher. Tinha então 45 anos. PROSPERIDADE E DECLÍNIO O século II da era cristã foi a idade áurea do Império Romano. Áurea e contraditória: enquanto Roma estendia sua influência cultural e econômica até as mais distantes regiões, uma crise generalizada tornava conta do núcleo original do império, a cidade de Roma e a península Itálica. Crise moral Jesus Cristo nasceu durante o reinado de Augusto e foi supliciado quando Tibério era imperador. Em pouco tempo o cristianismo difundiu-se por todo o mundo romano. No mesmo período surgiram doutrinas filosóficas que falavam de coisas que um legionário das Guerras Púnicas teria considerado indignas de um “verdadeiro romano”: fraternidade, liberdade, piedade e justiça. Do ponto de vista da história da civilização, esses novos estilos de pensamento representavam um passo adiante. Mas eles suscitavam dúvidas que abalavam os valores firmados pelas próprias estruturas da sociedade romana: “Seria justo obedecer a um imperador como se ele fosse um deus?” “Seria justo matar e morrer pelo poderio de Roma?” “Seria justo que Roma dominasse o mundo'?” Corrupção dos costumes Enquanto alguns se convertiam secretamente ao cristianismo ou seguiam alguma outra filosofia “humanitarista”, a maior parte da população aprovava o, martírio dos cristãos, considerados inimigos do Estado. Com freqüência cada vez maior, o sacrifício dos cristãos era transformado em espetáculo público, nas arenas do majestoso Coliseu. Muitos tinham simplesmente abandonado a antiga religião, sem substituí-la por outra. Os indivíduos queriam enriquecer, gozar a vida, e ignoravam deliberada-mente os problemas da comunidade. A crise das instituições romanas tradicionais atingia agora os costumes. Crise econômica Um dos grandes orgulhos da Roma Imperial era a rapidez e eficiência de seus transportes. Navios de três cobertas transportavam de 250 a 1 000 t de mercadorias. A uma velocidade média de 5 nós CLIO História – Textos e Documentos (cerca de 9 km/h), com ventos favoráveis, embarcações levando o máximo de carga percorriam 220 km por dia. Em quatro dias, ia-se de Óstia a Tarragona, na Espanha; em dois dias chegava-se em Cartago;em três,em Marselha; em nove dias atingia-se Alexandria, no Egito. De março a outubro, os mares eram cruzados por navios abarrotados de mercadorias destinadas a Roma e outras cidades italianas. Alimentada pela própria expansão imperial, Roma tornava-se uma cidade exclusivamente consumidora. A mão-de-obra livre, necessária para arar a terra, para fazer funcionar a indústria e o comércio, era muito cara. E, devido aos longos decênios de paz e a derrota da pirataria, eram reduzidas as possibilidades de se conseguir escravos. O resultado é que os campos romanos retraíram-se: era mais conveniente deixar ao léu os latifúndios do que empregar dinheiro no pagamento dos trabalhadores da terra Quanto aos produtos industriais, as províncias que se encarregassem de produzi-los, e os navios e caravanas de carros que tratassem de fazê-los chegar a Roma. Essa situação não poderia durar eternamente. A crise econômica instalada na Itália, centro nervoso do império, aos poucos iria se alastrando implacavelmente por todos os seus domínios. OS IMPERADORES DA IDADE ÁUREA Trajano (98/117) – Seu predecessor, Nerva, reinou por apenas dois anos, mas estabeleceu dois importantes princípios: colaboração com o Senado, para evitar que a nobreza romana se revoltasse contra o soberano,e designação do sucessor, adotado como filho pelo imperador. Foi assim que pela primeira vez um “provinciano”, o espanhol Trajano, governador da Germânia Superior, subiu legitimamente ao trono dos Césares. Trajano governou com sabedoria. Conquistou a Dácia (Romênia), a Armênia, a Mesopotâmia e parte da Arábia. Com ele, o império atingiu sua máxima extensão em territórios ocupados. Morreu na Cilicia, sendo reconhecido como um dos mais notáveis imperadores. Adriano (117/138) – Também espanhol, encerrou a fase de expansão e começou a de defesa: enfatizou a política de alianças e construiu muralhas nas fronteiras da Bretanha, Germânia, Dacia e Mauritânia. Amava as artes e a cultura. Favoreceu a criação de monumentos por todo o impe-rio. Para seu túmulo, fez erguer sobre o Tibre o Mausoléu de Adriano. Antonino Pio (138/161) – De origem gaulesa, recebeu do Senado a designação de “pio” provavelmente pela reverência que prestou à memória de Adriano. Deu prioridade à administração da Itália, da qual nunca se afastou durante seu longo reinado Até sua morte, viveu retirado em, sua casa de campo, perto de Roma, deixando ao Senado a responsabilidade pelos negócios do Estado. Marco Aurélio (161/180) – Foi um imperadorfilósofo, estudioso e escritor. Admirável por sua extrema habilidade de governante, conduziu energicamente duas guerras contra os inimigos de Roma que ameaçavam o império pelas margens orientais do Adriático. Só cometeu um erro de graves conseqüências: nomeou herdeiro seu filho Cômodo, que cedo se revelou incapaz e arbitrário. No governo de Cômodo (180/192) a desordem voltou a instaurar-se. As legiões se rebelaram, dilacerando o império, cada uma tentando impor seu próprio “candidato” ao poder supremo. Venceu a disputa um general vindo da África oriental, Sétimo Severo, que governou com férrea disciplina militar até 211, quando morreu numa campanha contra a Inglaterra. Caracala (211/217) – Filho e sucessor de Sétimo Severo, Caracala estendeu em 212 o direito de cidadania a todos os cidadãos do império. Mandou construir em Roma as mais grandiosas termas de que se tem notícia: as Termas de Caracala, inauguradas em 216. No ano seguinte' foi assassinado. Com sua morte, o império passou a ser palco de violentas disputas pelo poder. Enquanto isso acentuava-se a crise econômica. Chegava ao fim a idade áurea do Império Romano. “MORITUR ET RIDET” Algumas décadas depois, referindo-se ao destino do império que fora a maravilha do mundo, um escritor latino plasmou a frase que se tornaria famosa: Moritur et ridet, ou seja, “morre e ri”. O luxo, as festas e os espetáculos nunca foram tão ostensivos como durante esse período. Por outro lado, era evidente que uma época gloriosa da história do mundo estava se encerrando. Da idade do ouro caminhava-se para uma soturna idade do ferro e das espadas. As décadas “negras” O século III, espectador da anarquia militar, foi o século "negro”. Com algumas exceções, durante esse período o título de imperador foi usado por soldados incultos, apoiados por exércitos que de romanos tinham só o nome. Em geral, eram integrados por bárbaros e mercenários, sediados nas regiões mais longínquas e pobres do império. O poder central era extremamente frágil. Os imperadores mantinham-se no trono por tempo curto e caíam de modo violento: na sua maioria eram vítima de conspiração e assassinato. O tradicional orgulho romano sofria sucessivas humilhações. Desde o leilão da coroa imperial – farsa encenada pelas legiões –, passando pelo evento do milésimo aniversário da fundação de Roma, ironicamente comemorado por um imperador árabe, Felipe Árabe (filho de um xeque que conseguira manter-se no poder durante alguns meses), até a intolerável desonra acontecida com o imperador Valeriano, que, aprisionado durante uma batalha em 260, morreu como refém nas mãos dos inimigos de Roma. Ameaças externas Enquanto o império enfraquecia, crescia a coragem dos povos não romanos acantonados nas fronteiras. Em numerosas ocasiões as legiões romanas viram-se na contingência de enfrentar CLIO História – Textos e Documentos invasores substancialmente mais fortes, ainda que menos organizados. Manter o equilíbrio dessa situação custou um alto preço. Territórios inteiros tiveram que ser doados. Inimigos de ontem tornavam-se aliados arrogantes. Ninguém ousava ainda sonhar que esses aliados incultos seriam os futuros donos do império. A verdade é que Roma e a própria península Itálica deixavam de existir enquanto unidades produtivas. A agricultura fora abandonada e as limitadas jazidas minerais italianas estavam exauridas. As indústrias e lojas de artesãos fechavam suas portas, devido ao alto custo da mão-de-obra, da concorrência estrangeira e da voracidade do fisco, que tornavam essas atividades pouco rentáveis. Em resumo, o núcleo original do mundo romano desmoronava com rapidez. Era de se esperar que a Itália sentisse a crise mais diretamente. Havia mais de um século que a península vivia dos frutos – importados – do trabalho alheio. A tudo isso acrescentava-se a necessidade cada vez maior de dinheiro que o imperador demandava para pagar as legiões que o apoiavam, assim como os funcionários que, bem ou mal, mantinham o sistema imperial em atipidade. Na verdade, a corrupção já era parte integrante do sistema, e o orçamento tinha que absorver, além de salários e honorários, a parcela correspondente às propinas. A indisciplina e a desordem administrativa eram generalizadas. Os funcionários encarregados de cobrar os impostos, lá onde isso ainda era possível, desviavam abertamente uma considerável parcela para si próprios. Cada imperador aumentava os impostos na razão direta do aumento dos gastos públicos. Os antigos patrícios sentiram-se ultrajados quando também tiveram de pagar impostos regulares, antes obrigatórios apenas para os plebeus. Essa indignação pode ser avaliada a partir dos numerosos escritos deixados por pessoas de origem nobre, em que se lastimam, declarando que era melhor viver como “pobre” entre os bárbaros do que como cidadão romano. Abandonando as cidades Apesar dos altos impostos que recolhia, o Estado não garantia nem mesmo os serviços essenciais. A delinqüência aumentara incontrolavelmente e não havia polícia. O comércio sofria os efeitos da falta de segurança das estradas e dos portos. Ninguém tinha capacidade para devolver a paz aos mares invadidos por novos piratas. O resultado foi que os potentiores (proprietários poderosos) mais perspicazes começaram a abandonar os centros urbanos, inseguros e carentes de serviços. Instalavam-se em suas casas de campo, fortificando-as com torres e altos muros. As populações locais passaram a pedir-lhes proteção, oferecendo seu próprio trabalho em troca do privilégio de abrigar-se naqueles núcleos. Tornavam-se servos do grande proprietário rural, logo denominado dominus (senhor, tratamento anteriormente reservado apenas aos deuses ou ao imperador). A crise global do império, exigindo novas estratégias de vida, criava as bases para a organização social da Idade Média. Última tentativa para salvar o império Em 284, um soldado da Ilíria (atual Iugoslávia) chamado Diocle tornou-se imperador, com o nome de Diocleciano. Através de profunda reforma administrativa, durante algum tempo ele conseguiu restabelecer a dignidade do império. Dividiu as províncias em dois blocos, confiando cada um deles a um imperador que levava o título de Augusto. O próprio Diocleciano encarregou-se do Oriente enquanto o Ocidente foi entregue a um general de confiança, Maximiano. Cada uma das metades foi subdividida em duas partes, administradas por um subalterno com o título de César. Era a “tetrarquia”, um governo de quatro. Criaram-se quatro capitais: Milão, na Itália; Nicomédia, na Ásia Menor; Treves, na Alemanha; Sírmio, na Iugoslávia. Todas essas cidades situavam-se perto de fronteiras, que eram cada vez mais ameaçadas pelos bárbaros. No terreno econômico-social, Diocleciano impôs preços e salários fixos e, para evitar o abandono do trabalho, criou um sistema em que as profissões deveriam ser transmitidas hereditariamente. O filho do camponês deveria ser camponês na mesma terra; o filho do artesão teria a profissão do pai. Desse modo, retardou por algumas décadas a agonia do império e criou os instrumentos para que se estabelecesse uma nova ordem social, baseada no trabalho servil e nas corporações de ofício. O Império RomanoCristão Duas letras gregas, o chi (X, = C) e o rho (P, = R), formavam um dos símbolos usados pelos cristãos primitivos para representar Jesus Cristo, pois indicavam as primeiras letras do seu nome. Além disso, curiosamente, o chi lembra a forma de uma cruz. Além desses símbolos gráficos, havia muitos outros, entre eles o peixe e o cordeiro. Quando Jesus nasceu, os judeus da Palestina gozavam de privilégios raramente concedidos às populações das províncias romanas. Estavam desobrigados de participar das cerimônias religiosas oficiais, inclusive do culto aos imperadores, pois sua religião, além de monoteísta, proibia a adoração de imagens; apesar disso, tinham acesso aos cargos públicos e chegavam a receber a cidadania romana. Haviam conseguido um governo local próprio, sujeito apenas a uma espécie de supervisão dos romanos. Tais regalias não representavam o reconhecimento, por Roma, do poder de Jeová, ou das virtudes do monoteísmo, que distinguia os judeus dos demais povos da Antiguidade. Haviam sido outorgadas por Augusto como uma recompensa ao povo da Judéia, que o auxiliara, em 31 a.C., na luta contra seu rival Marco Antônio. No tempo de Cristo, o principal local de culto dos hebreus era o santuário de Jerusalém, que deveria CLIO História – Textos e Documentos ser visitado pelo menos uma vez na vida, mesmo pelos judeus que não vivessem na Palestina. E havia milhares deles espalhados em quase todas as províncias romanas, sobretudo nas regiões asiáticas que haviam pertencido sucessivamente aos babilônios, aos persas e a Alexandre da Macedônia. Eram os judeus da Diáspora, palavra grega que significa “dispersão”. Durante séculos os judeus alimentaram a esperança de que em breve viria um Messias para resgatá-los da dominação estrangeira, reconduzindo-os às glórias da época de Davi e Salomão. Foi nessa atmosfera de intensa convicção religiosa que nasceu Jesus. Segundo os Evangelhos, até os 30 anos ele ganhou a vida como carpinteiro na cidade de Nazaré. Em seguida tornou-se pregador itinerante, vivendo em extrema pobreza. Reuniu em torno de si um grupo de discípulos, enquanto se difundia sua reputação de homem humilde e caridoso. Jamais contradisse os preceitos do Velho Testamento, mas sua mensagem diferia da dos antigos profetas pela importância que dava ao amor no sentido de fraternidade e bondade. Isso, naturalmente, incluía o desapego aos bens materiais e a força para enfrentar as vicissitudes deste mundo. A recompensa viria com a vida eterna no reino dos céus, aberto a todos os justos, especialmente os pobres e desprezados. Muitos acolheram-no como o Messias, outros o viram como um perigoso agitador. Mas Jesus não prometia uma libertação política “neste mundo” e seus ensinamentos eram uma crítica à ordem religiosa e social dos judeus de seu tempo. A “BOA NOVA” Entre os que se opunham a Jesus estavam os sacerdotes, pertencentes ao grupamento político religioso dos saduceus, que o acusaram de blasfêmia quando ele se proclamou Filho de Deus. De acordo com a lei hebraica, esse ato era punido com a morte, mas, como o tribunal judeu – o Sinédrio – não tinha competência para impor a pena capital, Jesus foi conduzido a Pôncio Pilatos, procurador (governador) romano da província. Após uma apressada audiência, Pilatos acolheu a solicitação dos sacerdotes e expediu a sentença: morte por crucificação, a mais infame de toda as penas previstas pela lei romana. Segundo o Novo Testamento, Jesus ressuscitou ao terceiro dia e teve vários encontros com os discípulos, dando a cada um deles a obrigação de pregar o Evangelho (do grego euangelion = boa nova). Os discípulos transformaram-se, então, em apostili, ou seja, em enviado.s, mensageiros e anunciadores da doutrina de Jesus. Nascera mais uma das várias seitas judaicas: o novo credo, fundamentado na vinda do Messias, na ressurreição do corpo e na volta de Jesus Cristo, não impedia que os apóstolos continuassem a obedecer à maior parte dos ritos hebraicos e a freqüentar o templo, em cujo átrio pregavam. Por algum tempo as autoridades de Jerusalém toleraram a nova e pequenina seita. Mas, como em poucos anos o número de “nazarenos” aumentou de 120 para 8 000, os sacerdotes alarmaram-se, e os apóstolos começaram a ser detidos. Assim, na terceira década da era cristã, Estevão, chefe cristão dos gregos convertidos, foi condenado à morte por apedrejamento em Jerusalém. Mas a cisão definitiva entre judeus e cristãos só se efetuou em 66, quando os judeus se rebelaram contra Roma, e os “nazarenos” de Jerusalém, alegando que o fim do mundo estava muito próximo para que se preocupassem com política, saíram da cidade e se estabeleceram às margens do rio Jordão. A DIFUSÃO DO CRISTIANISMO Quando, no ano 70, Tito ordenou a destruição do templo de Jerusalém, como punição à revolta dos judeus, os cristãos viram nesse fato a realização de uma profecia de Jesus. A partir de então o cristianismo não fez muitos adeptos entre os judeus, pois ignorava seus esforços de libertação do jugo romano. Paralelamente, os apóstolos espalhavam a “boa nova” entre os judeus da Diáspora, de Damasco a Roma. Filipe conseguiu adeptos em Samaria e Cesaréia; João criou uma forte comunidade cristã em Éfeso, e Pedro evangelizou numerosas cidades da Síria e da Ásia Menor. O grande missionário Um dos convertidos ao cristianismo estava destinado a tornar-se o maior de todos os missionários cristãos. Era Paulo, um judeu possuidor de cidadania romana e que participou em Jerusalém da primeira perseguição aos cristãos por volta do ano 30. Cinco anos depois, quando seguia para Damasco, Paulo teve uma profunda experiência religiosa na qual acreditou ter tido uma visão de Cristo. Converteu-se imediatamente e transformou-se num missionário infatigável. Percorreu a Grécia e a Ásia Menor, atraindo para o cristianismo tanto judeus quanto gentios; não se cansava de repetir que o cristianismo não era uma seita do judaísmo. Seu apostolado resultou na adesão de dezenas de milhares de gentios (não judeus), que formavam a maior parte da população do Império Romano. O cristianismo primitivo Graças ao intenso trabalho de Pedro, Paulo e outros apóstolos, o cristianismo estava firmemente estabelecido no final do século I. Os cristãos reuniam-se em recintos privados, organizados segundo o modelo judeu da sinagoga; a congregação recebia o nome de eklesia (igreja). No domingo, dia da ressurreição do Senhor, os cristãos reuniam-se para o rito semanal. Os sacerdotes liam as Escrituras, oravam e pregavam sermões doutrinais. No século II, essas cerimônias tornaram a forma da missa, baseada em rituais judaicos (orações, leituras de salmos, prédicas) e de outras religiões da época (a comunhão – na qual o pão e o vinho são concebidos como símbolos do corpo e do sangue de Cristo – inspirava-se num rito sacrifical). O que existia de realmente novo era a exigência de uma vida baseada nos preceitos cristãos. A fé, segundo Cristo, devia refletir-se nas boas obras; todos os bens eram partilhados em comum; CLIO História – Textos e Documentos louvavam-se o celibato e os laços de família. O crente deveria, em suma, fazer de sua vida um exemplo de piedade e virtude. AS PERSEGUIÇÕES Sendo Roma a capital do Império Romano, era natural que os discípulos de Cri.sto acorressem para evangelizá-la. Pedro chegou a Roma por volta do ano 40, e Paulo cerca de vinte ano.s depois. Ambos morreram em 64, o primeiro crucificado e o segundo decapitado, no tempo do imperador Nero. Antes de Nero, os cristãos tinham sido considerados, em Roma e nas províncias, como praticante.s de uma seita judaica, e, portanto, estavam isentos de freqüentar as cerimônias religiosas oficiais. Logo, porém, tornou-se evidente que os cristãos não deviam ser tratado.s como judeus: as relações entre os "nazarenos’' e as várias seitas judaicas estavam longe de serem amigáveis. Contudo, os cristãos continuaram a recusar a participação nas cerimônias oficiais, nas funções públicas e no exército, para não prestar juramento em nome de desses pagãos. Nero inaugurou as perseguições fazendo executar Pedro e Paulo e vários milhares de cristãos. Muitos foram destroçados por animais ferozes; outros, abatidos por gladiadores. As perseguições prosseguiram sob Domiciano (81/96), Trajano (98/117) e Marco Aurélio, o imperador dos filósofos (161/180). Cessaram na época de Cômodo (180/192) e retornaram com Sétimo Severo (193/211). Seguiu-se um período de trégua, mas, no século III, Décio, Valeriano e Diocleciano fizeram tentativas sucessivas para destruir os cristãos em todo o império. Nessa época, Roma estava acossada pelos bárbaros que ameaçavam as suas fronteiras, depauperada economicamente: uma onda de sentimento religioso, patriotismo e medo tomou conta da população. Os cristãos, à margem do tumulto e hostis ao serviço militar, foram responsabilizados pelo colapso. Por fim, o governo imperial viu-se forçado a desistir das perseguições, pois elas pareciam só aumentar 0 número de fiéis. A última campanha em larga escala encerrou-se em 311. As catacumbas Na época das perseguições, as catacumbas serviam de local de refúgio aos cristãos, embora não tivessem sido construídas com esse objetivo. Na realidade foram criadas por volta do ano 100, quando os cristãos de Roma, adotando as tradições sírias e etruscas, começaram a enterrar os mortos ad catacumbas (nas cavidades), possivelmente mais por economia de espaço do que para ocultamento. Extensas galerias subterrâneas eram abertas em vários níveis e as paredes recebiam até três corpos, dispostos horizontalmente. O COLAPSO DE ROMA Apesar de os imperadores e a população romana fiel aos deuses tradicionais atribuírem aos cristãos a debilitação de Roma, as dificuldades que assolavam o império decorriam de sua própria organização política, social, econômica e jurídica. Em 212, por exemplo, o imperador Caracala tinha concedido a cidadania a todos os que viviam nas várias províncias de Roma (cerca de 100 milhões de pessoas). A intenção não era humanitária; simplesmente visava obter maior arrecadação de taxas, conseguir recursos para os cofres imperiais. A pesada tributação, de resto, levara gradualmente à decadência do comércio e das manufaturas e à transferência de significativas parcelas da população para as regiões não romanizadas, onde estavam a salvo dos coletores. E além disso havia os “bárbaros”, as tribos nômades que pressionavam as fronteiras do império. Em 293, Diocleciano tentou sanar todos esses problemas por meio de uma profunda reforma administrativa. Para melhor defender os territórios romanos dividiu-os em duas partes, a oriental e a ocidental. Cada uma dessas partes foi subdividida em duas outras, criando-se desse modo quatro unidades territoriais. Para evitar que após a sua morte o império fosse destroçado pelas lutas entre os pretendentes, Diocleciano criou a tetrarquia (governo de quatro). Dois eram imperadores de fato (os augustos) e residiam em Nicomédia, no Oriente, e em Milão, no Ocidente. Cada augusto era auxiliado por um césar, que deveria sucedê-la. Mas o sistema só funcionou enquanto Diocleciano esteve no poder. Para resolver a grave crise econômica, Diocleciano estatizou as manufaturas, o comércio e as corporações de artesãos. Essas medidas, porém, quase nada resolveram. Cada reforma ampliava os custos com a administração, e não havia recursos para efetuá-las. A VITÓRIA DO CRISTIANISMO Enquanto o império entrava em vertiginosa queda, o número de cristãos multiplicava-se de ano para ano; entre seus adeptos havia patrícios, altos oficiais e até mesmo membros da família imperial. Os cristãos, na verdade, constituíam uma sociedade à parte, que funcionava perfeitamente no interior da estrutura social romana em crise generalizada. O alto prestígio moral e a devoção dos fiéis atribuíram uma dimensão de autoridade civil à hierarquia religiosa, sobretudo nas províncias onde seu poder era real e reconhecido. Os presbiteroi (presbíteros), os padres, eram, na prática, a autoridade máxima nas paróquias ou bairros administrativos em que eram divididas as cidades do império. Gradativamente, a autoridade do bispo (chefe religioso de uma cidade) tornou-se mais respeitada que a do prefeito romano; para a população de uma província era mais importante a palavra do metropolita, ou arcebispo, que a do governador romano. E, pouco a pouco, o sínodo, ou assembléia de bispos, assumiu as funções das assembléias provinciais. Uma carta encíclica, ou seja, uma “circular” assinada pelo papa e difundida com rapidez por todo o império, tornava-se lei férrea para milhões de cristãos. A aliança com os cristãos Em 305 Diocleciano e Maximiano, o outro augusto, abdicaram; o criador da tetrarquia retirouse para seu palácio em Spalato, de onde acompanhou o fracasso de dois de seus projetos: CLIO História – Textos e Documentos destruir os cristãos e garantir uma sucessão pacífica. “O sangue dos mártires é semente”, escrevia Tertuliano, teólogo cristão. Diocleciano e Maximiano foram sucedidos por Galério e Constâncio Cloro, que nomearam os césares Severo e Maximiano Daia. Em 306 morreu Constâncio Cloro, e a tetrarquia passou a reunir Galério e Severo e os césares Maximiano e Constantino, filho de Constâncio Cloro. Aproveitando-se do descontentamento dos pretorianos ameaçados de transferência ou demissão e dos rumores de que Roma deveria se sujeitar aos impostos provinciais, Maxêncio (filho de Maximiano) proclamou-se imperador. A disputa seria resolvida através de um complexo jogo de alianças, durante o qual o império chegou a ser entregue a seis augustos. Foi nesse período confuso que, pela primeira vez, o cristianismo teve sua influência política. Apesar da sanguinária perseguição de Diocleciano, os cristãos eram um poderoso elemento no jogo do poder; muito hábil, Constantino soube utilizá-los. Apresentou-se como defensor do cristianismo, contra o qual Maxêncio ainda lutava, e na batalha de Ponte Milvia (312) venceu Maxêncio com o auxilio dos cristãos. No ano seguinte, juntamente com Licínio, o augusto do Oriente, lançou o Edito de Milão, pelo qual o cristianismo ganhava plena liberdade de culto. Leis subseqüentes isentaram os sacerdotes do pagamento de impostos e deram à Igreja o direito de receber heranças. Até então Constantino tivera em Licínio um aliado. Mas, a pretexto de uma política de perseguição de Licínio aos cristãos, Constantino obrigou-o a abdicar, exilou-o e, depois, ordenou a sua execução (324). Era o fim dos últimos resquícios da reforma de Diocleciano; a unidade administrativa era restabelecida. Roma, entretanto, não voltaria a ser a capital: em 330 o imperador ergueu a cidade de Constantinopla, no lugar de Bizâncio, centro grego da Ásia Menor, e ali se estabeleceu. Após a morte de Constantino o império foi novamente dividido. Seus sucessores favoreceram os cristãos e perseguiram o paganismo, à exceção de Juliano, conhecido na literatura cristã como Juliano, o Apóstata, que reinou de 361 a 363. A UNIFICAÇÃO DA DOUTRINA Os ensinamentos de Jesus não tinham sido elaborados num sistema completo e estavam sujeitos a diferentes interpretações. Cada missionário pregava a sua própria versão da doutrina "nazarena"; em conseqüência, cada congregação determinava suas próprias crenças. Uma das controvérsias mais freqüentes versava sobre a natureza de Jesus. A posição tradicional que a Igreja aceitava era a de ser Cristo ao mesmo tempo Deus e homem. Mas os monofisistas negavam a Jesus os atributos do ser humano, e o arianismo, a mais forte das heresias. dizia que Cristo não era Deus nem homem, mas um ser intermediário entre as naturezas humana e divina. No século IV, as dissenções entre os cristãos eram tantas que ameaçavam a paz do império. Preocupado, Constantino convidou os dirigentes das igrejas a se reunirem em Nicéia (325), onde foi elaborada uma síntese da crença cristã – O Credo de Nicéa – pela qual se definiu a natureza da Santíssima Trindade e se fixou uma doutrina católica, ou Seja, uma doutrina cristã universal. A Igreja de Roma O chefe espiritual da Igreja desde o século I era o papa – o bispo de Roma. Sua autoridade repousava no fato de que Jesus designara o apóstolo Pedro como chefe da nova Igreja, e Pedro, que se tornara o primeiro bispo de Roma, passara a direção de toda a Igreja aos seus sucessores do bispado romano. Essa ascendência não foi aceita tranqüilamente, nem mesmo nos primeiros tempos do cristianismo. Mas, enquanto as demais igrejas discutiam a natureza de Jesus, a Igreja de Roma dava prioridade à sua organização e se fortalecia cada vez mais. No século III sua posição era incontestável: o papa exercia autoridade efetiva sobre as comunidades cristãs do império. A RELIGIÃO DO ESTADO No final do século IV o imperador do Oriente, Teodósio, foi impedido de entrar na basílica por Ambrósio, bispo de Milão, a menos que se penitenciasse dos seus pecados. Teodósio mandara matar 6 000 pessoas em Tessalônica e, ao se curvar às determinações do bispo, admitia publicamente estar sujeito aos preceitos exigidos de todos os cristãos. O gesto de Ambrósio indicava que a Igreja tinha o poder de disciplinar mesmo os mais elevados dirigentes seculares. Era a vitória ostensiva do cristianismo, que, em 380, era proclamado, pelo mesmo Teodósio, religião oficial do Estado. Nesse momento, muitas formas e costumes pagãos já haviam sido incorporados pela Igreja: a túnica usada pelos sacerdotes; o título de pontifex maximus (sumo pontífice) para o papa; a arquitetura do edifício religioso – a basílica (sede do tribunal para os romanos); o uso do latim como língua oficial da Igreja, a partir do século IV. A organização da Igreja modelou-se pela do império, com uma diferença: a eclesiástica funcionava perfeitamente. Queda do Império Romano do Ocidente “Do Ocidente chega uma pavorosa notícia: Roma foi sitiada e pagou com ouro a salvação dos seus cidadãos. Mas, depois de eles serem privados dos seus bens, foram novamente assediados e, junto com os bens, perderam a sua vida. Os romanos foram vencidos mais pela fome do que pelas armas. Os poucos sobreviventes foram feitos prisioneiros. A fúria dos famintos era tal que eles se esquartejavam uns aos outros. Que dor para mim ver essa antiga potência dissolver-se nessa miséria, absolutamente privada de qualquer abrigo, comida ou veste.” CLIO História – Textos e Documentos A carta acima, datada de outubro de 410, foi escrita por São Gerolamo, que na época se encontrava na Palestina, estudando as Sagradas Escrituras. O teólogo cristão difundia a notícia que convulsionaria todo o mundo romano: no dia 24 de agosto daquele ano, Alarico, rei dos visigodos, entrara em Roma, inviolada havia oito séculos, e saqueara a cidade. O relato de Gerolamo, porém, exagerava os fatos, o que era natural: o acontecimento foi muito ampliado pelos fugitivos. O episódio teve grande repercussão, mais pelo significado moral do que pelas conseqüências materiais. Cristãos e pagãos se comoveram, pois todos consideravam Roma uma cidade sagrada, e a sua triste sorte acendeu um conflito entre os adeptos das duas religiões, que se acusavam reciprocamente de ter privado a capital da proteção divina que a acompanhara durante séculos. Na verdade, a queda de Roma não passou de um golpe decisivo numa agonia que durava no mínimo duzentos anos. UMA AMEAÇA PERMANENTE O problema dos “bárbaros”, populações não romanas que pressionavam as fronteiras do império, era tão antigo quanto o próprio império. Por três séculos os conflitos haviam sido controlados ou pela ação militar dos legionários ou por acordos diplomáticos: os bárbaros podiam permanecer nas fronteiras de territórios imperiais desde que jurassem fidelidade a Roma. Muitos engajaram-se como mercenários nos exércitos romanos e alguns fizeram carreira militar. Ação em cadeia Os hunos são descritos pelos historiadores do século IV como a “semente de toda a calamidade e morticínio”. Na realidade, eram simplesmente um povo nômade, oriundo de uma região entre a China e a Sibéria, que ao longo de vários séculos percorreu as estepes da Ásia central. No século IV, impedidos em seu avanço para leste pelos chineses, voltaram-se para oeste e, por volta de 370, penetraram na Europa pela Rússia. Os primeiros povos atacados foram os sármatas e os alanos (ambos originários da Ásia e instalados na Rússia européia). Uma parte deles foi incorporada, outra fugiu para oeste, provocando o deslocamento de povos eslavos e germânicos. Entre eles estavam os visigodos, que obtiveram refúgio ao sul do Danúbio, na atual Bulgária, em território romano, com a autorização do imperador Valente. Ali, maltratados por funcionários do império, revoltaram-se, provocando a intervenção do próprio imperador, que acabou morrendo em Adrianópolis (378), numa batalha contra o povo que acolhera. Federados do império O Sucessor de Valente, Teodósio I, conseguiu neutralizar, em 382, a ação dos visigodos elevando-os à condição de foederati (federados), ou seja, aliados. O chefe Alarico chegou mesmo a atingir uma posição de destaque no exército e na corte de Teodósio e, quando este morreu, os romanos acreditaram que os visigodos constituíam um novo baluarte defensivo do império. Com a morte do imperador, porém, os bárbaros passaram à ofensiva contra os romanos. Chegaram a ameaçar Constantinopla, obrigando o príncipe Rufino, regente do Império Oriental durante a minoridade de Arcádio, a fazer enormes concessões. Finalmente, Alarico concordou em transferir seu povo para a Dalmácia, que se transformou na base de devastadoras incursões visigodas pela Grécia e Ásia Menor. Na época, a corte do Ocidente estava sediada em Milão, sob a chefia do general Estilicão, filho de um chefe vândalo e tutor do jovem Honório, herdeiro do trono, e esperava-se que a qualquer momento Alarico invadisse a Itália. Isso, de fato, ocorreu em 401, mas Estilicão deteve o avanço visigodo, derrotando os bárbaros no Piemonte (402) e na região do Vêneto (403). No entanto, para evitar novas invasões, Estilicão foi obrigado a negociar com Alarico, dando-lhe valiosos presentes para que seu povo permanecesse além da fronteira. Em 404, como medida de segurança, Honório transferiu a corte para Ravena. A ação defensiva de Estilicão prosseguiu contra os vândalos e ostrogodos (godos do leste), que invadiram a região da Toscana em 406. Mas o zelo do general na defesa da Itália e suas relações às vezes ambíguas com Alarico alimentaram a suspeita de que ele estivesse cobiçando o trono. Em 408 Honório mandou assassiná-lo. Alarico, aproveitando-se da confusão interna do império, invadiu a Itália. Chegou às portas de Roma e durante dois anos negociou com Honório a salvação da cidade em troca de terras e tributos; o imperador mostrou-se inflexível. Então, em agosto de 410, os visigodos invadiram e saquearam Roma. POR QUE ROMA CAIU A queda de Roma, do mesmo modo que sua ascensão, não teve uma causa, mas muitas. E também não foi um processo súbito, mas provocado por diversos e numerosos fatores ao longo de trezentos anos: o colapso da agricultura e das manufaturas; a perda do mercado das províncias; as importações que superavam as exportações e a conseqüente drenagem do ouro para o exterior; o crescente custo dos exércitos, da assistência militar, das obras públicas, da burocracia, cada vez maior, e da corte, à qual se agregavam milhares de parasitas; a depreciação da moeda; as devastações da guerra, das revoluções e das grandes epidemias (a peste de 260/265 fez 5 000 mortes por dia durante muitas semanas); o declínio da população a partir de meados do século II; os altos impostos, que desestimulavam as atividades produtivas; a decadência das instituições políticas, que levou os cidadãos a se desinteressarem pela participação na vida pública; o despotismo, a violência e a corrupção dos homens que detinham o poder; a divisão do império e a multiplicação das capitais, que rompeu a unidade administrativa. Escreve o teólogo cristão Salviano, testemunha dos últimos anos do Império Romano do Ocidente: “Em todas as cidades, em todas as vilas existem tantos tiranos quantos CLIO História – Textos e Documentos cobradores de impostos. Os pobres estão reduzidos ao desespero; viúvas e órfãos são oprimidos. Até mesmo muitos romanos de nascimento ilustre e de boa educação preferem procurar refúgio junto aos inimigos para escapar da tirania do Estado. E é junto aos bárbaros que encontram aquela justiça e humanidade que no passado caracterizaram a civilização romana. Eles são diferentes dos bárbaros nos costumes, no idioma e pode-se dizer que se incomodam com o mau cheiro dos farrapos dos seus hospedeiros. Entretanto, isso lhes é preferível a tolerar a injustiça dos romanos; escolhem a realidade de serem livres sob uma aparência de escravidão, a serem escravos sob uma aparência de liberdade. No passado, o título de cidadão romano era disputado, estimado; agora é desprezado”. Nessas condições não era difícil prever a derrocada final. Os problemas internos – mais importantes que os externos – minaram o império. Os bárbaros só entraram em ação quando a fraqueza de Roma era tal que os próprios romanos se sentiam mais livres entre os seus inimigos. Esse era um sintoma evidente do fracasso político, econômico e moral responsável pela ruína do império. O CRISTIANISMO E A QUEDA DE ROMA Certos historiadores atribuem ao cristianismo a queda de Roma, afirmando que essa religião declarou guerra à cultura clássica e ao paganismo, sustentáculos do senso prático dos romanos; que o cristianismo desviou os homens das tarefas deste mundo preparando-os para o outro; que os teria levado ao misticismo; que os teria também desinteressado da vida pública; que os teria induzido a não participar dos serviços públicos, a evitarem o serviço militar; que a religião cristã pregava a paz e a não resistência, incompatíveis com a manutenção do império, o que acabou contribuindo para o rompimento da sua unidade. Embora, sobretudo no último item, haja alguma verdade, o fato é que o desenvolvimento do cristianismo, para a maior parte dos historiadores, foi mais um efeito que uma causa da decadência romana. Os romanos cristianizaram-se porque o Estado se tornou brutal, arbitrário e incompetente; e foi incapaz de protegê-los contra a fome, a peste, as invasões e a extrema penúria. O último golpe dos hunos Em meados do século V, os hunos, liderados por Átila, tinham conquistado um imenso território entre a atual Rússia e os limites da Europa ocidental, e lançariam os olhos para Constantinopla. Após destruir o exército imperial, contentaram-se com 2 100 libras de ouro para não atacar a capital do Oriente. Mas voltaram-se para o Ocidente. Com 500 000 homens fizeram uma razia pela Grécia, Baviera e Gália. As várias populações dessas regiões denominaram Átila o “flagelo de Deus”. Em 451, Écio, general romano criado entre os visigodos, reuniu os bárbaros espalhados pela Gália (visigodos, francos e burgúndios) e derrotou o exército de Átila nos Campos Catalúnicos, perto da atual cidade de Troyes. No ano seguinte, porém, os hunos invadiram a Itália, destruíram Aquiléia e saquearam uma parte do vale do Pó, na época debilitado pela peste. Milão e Pavia só não foram destruídas porque permitiram aos invasores levar tudo o que quisessem, inclusive jovens que se transformariam em escravos. Mas o caminho para Roma estava aberto. O fim oficial O “exército” romano que foi ao encontro de Átila era formado apenas pelo papa Leão I, dois senadores armados e um grupo de jovens cantando hinos sacros. Ninguém sabe o que o papa e Átila conversaram, mas, após o encontro, o chefe bárbaro ordenou que se levantasse acampamento e partiu para Ezelnburg (atual Belgrado). Atila morreu em 453 e seu reino dissolveu-se. No ano seguinte, o imperador Valentiniano III assassinou Écio, o último defensor do Ocidente. Em 455, os vândalos, que já tinham tomado o sul da Espanha e o norte da África, atacaram e saquearam Roma. A devastação foi tamanha que ainda hoje vandalismo é sinônimo de grave e injustificada destruição. Nos vinte anos seguintes, todas as tentativas para conter os bárbaros na Itália e defender as províncias foram inúteis. Em 475, Orestes, um militar romano da Panônia, colocou no trono o filho Rômulo, pejorativamente chamado augústulo (imperadorzinho). O menino, de 14 anos, foi o último imperador do Ocidente. O pai morreu em Pavia, assassinado pelos mercenários bárbaros do seu exército. Odoacro, líder dessa rebelião, depôs o augústulo e foi aclamado imperador pelos seus homens. Não quis, porém, assumir; enviou as insígnias imperiais a Zenão, imperador do Oriente, que recompensou o ato de obediência concedendo-lhe o título de patricius e o governo da Itália. Era o fim oficial do Império do Ocidente.