Roma - Sacramentinas

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CLIO História – Textos e Documentos
Segundo a lenda, quando os gregos tornaram
Tróia, Enéias – nascido da união do pastor Anquises
com a deusa Vênus – conseguiu fugir da cidade e
foi se estabelecer na península Itálica, onde
desposou a filha do rei do Lácio. Oito gerações
depois, seu descendente Numitor subiu ao trono de
Alba Longa, a capital do reino, mas foi deposto pelo
irmão, Amúlio. Para que Numitor não tivesse
herdeiros, assassinaram seus filhos e fizeram de
sua filha Réia Sílvia uma vestal (sacerdotisa da
deusa Vesta). Réia, porém, foi fecundada por
Marte, deus da guerra, e deu à luz os gêmeos
Rômulo e Remo. Amúlio mandou afogá-los no
Tibre, mas, miraculosamente, eles se salvaram e,
levados pela corrente até os pés do monte Palatino,
foram ali amamentados por uma loba e depois
recolhidos pelo pastor Fáustolo, que os educou.
Quando descobriram sua origem, os gêmeos, já
adolescentes, depuseram Amúlio e restituíram o
trono a Numitor, seu avô. Depois, com alguns
habitantes de Alba Longa, fundaram, em 21 de
abril de 753 a. C., uma cidade exatamente no local
onde a loba os havia encontrado. Interpretando o
vôo dos pássaros como um vaticínio, Rômulo
concluiu que fora designado rei da nova cidade e
traçou com um arado o sulco que marcaria os
limites do seu território. Remo, indignado, cruzou a
divisa e foi assassinado pelo irmão. Rômulo tornouse, desse modo, o primeiro rei de Roma.
Roma: das origens à República
Segundo inúmeros estudiosos, a lenda da
fundação de Roma baseia-se em acontecimentos
reais.
No decorrer da Idade do Ferro (séculos IX-VIII
a.C.) populações de economia agrícola e pastoril
haviam se estabelecido na região do Lácio: eram os
latinos, sabinos, equos, volscos, lucanos... Cada
povo organizava-se em grandes famílias (gens),
compostas, além dos núcleos familiares
propriamente ditos, de amigos e servos que viviam
e trabalhavam na área de influência da gens. A
autoridade absoluta era exercida pelo chefe da
família, ao mesmo tempo guia político, militar e
religioso. O traço de união entre as várias gentes
(agregados de famílias descendentes de um mesmo
ancestral) era o fato de falarem a mesma língua,
terem os mesmos usos e costumes e prestarem
culto às mesmas divindades. De tempos em
tempos, alguns povos do Lácio – latinos, sabinos e
lucérios – reuniam-se na cidade de Al-ba Longa
para render culto a Júpiter Latiaris, o maior dos
deuses do Lácio. Nessas ocasiões reafirmavam-se
as alianças de comércio e defesa mútua contra
eventuais inimigos comuns.
O RAPTO DAS SABINAS
As tradições romanas contam que Rômulo,
preocupado em conseguir esposas para os latinos,
organizou uma grande festa e convidou os sabinos
e suas mulheres, que viviam nas colinas vizinhas.
No meio da festa, os latinos agarraram as
sabinas e expulsaram os sabinos. Em represália,
Tito Tácio, rei dos sabinos, declarou guerra e
avançou contra Roma. Despeitada, Tarpeia, filha do
latino encarregado da fortaleza, abriu as portas aos
atacantes; sua perfídia foi punida pelos próprios
invasores, que a esmagaram sob seus escudos.
Quando as tropas de Tácio se preparavam para
atacar, as sabinas, sensíveis à homenagem que o
rapto significava, conseguiram evitar o confronto,
alegando que não queriam perder nem seus
maridos latinos nem seus pais e irmãos. Para
resolver o impasse, Rômulo persuadiu Tácio a
partilhar consigo o reino de Roma, dando às tribos
latinas e sabinas cidadania comum. Esse fato
explicaria a posterior alternância de sabinos e
romanos no governo de Roma.
Após um longo reinado, Rômulo foi erguido ao
céu por um remoinho. Passou a ser adorado como
Quirino, um dos deuses favoritos do povo romano.
A CIDADE DO RIO
Ignora-se se foi realmente Rômulo que traçou o
pomoerium (perímetro sagrado) da cidade. O fato é
que a lendária fundação de Roma corresponde ao
surgimento do Septimontium, uma federação de
tribos latinas, sabinas e lucérias que habitavam as
sete colinas de Roma. Não se sabe também se o
rapto das sabinas é lenda ou verdade, mas os
sucessores de Rômulo no governo da cidade foram,
alternadamente, um sabino e um latino.
Segundo a tradição, Rômulo teria dado às gentes
de Roma uma constituição político-militar que
subdividia as tribos dos Titii (sabinos), Ramnes
(latinos) e Luceres (lucérios) em dez cúrias cada
uma, ao mesmo tempo que instituía um Senado de
cem membros. As divisões atendiam a objetivos
militares: cada tribo devia fornecer ao exército 1
000 soldados e 100 cavaleiros (100 soldados e 10
cavaleiros para cada cúria).
Comprovou-se, de fato – independentemente de
ter sido Rômulo o autor da idéia –, que o
Septimontium, consideravelmente fortalecido do
ponto de vista militar, obteve vitórias significativas
sobre Veios e Fidenes, cidades etruscas das
vizinhanças. Esse desafio, à Etrúria custou-lhes,
porém, a ocupação. De 616 a 509 a.C. os etruscos
dominaram a cidade e, conforme uma corrente
histórica, foram eles que a batizaram, chamando-a
de Rumon, “a cidade do rio”.
SETE LONGOS REINADOS
De acordo com a tradição, o segundo rei de
Roma foi o sabino Numa Pompilio, que fortaleceu a
unidade das tribos e assegurou quarenta anos de
paz ao povo. Sob o reinado do latino Tulo Hostílio,
Roma empreendeu uma política expansionista, o
que é confirmado por urna série de fatos
historicamente comprova.dos. A cidade de Alba
Longa, antigo centro do Lá-cio, foi conquistada e
destruída.
A seu sucessor, o sabino Anco Márcio, é atribuída
a realização de obras públicas como o aqueduto
Acqua Márcia e a fundação da colônia de Ostia,
junto ao mar Tirreno, que abriu caminho para a
expansão comercial de Roma.
A dominação etrusca
Coube aos etruscos a tarefa de transformar um
modesto centro agropastoril numa cidade-Estado
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cercada de muralhas, com uma florescente
atividade manufatureira e intenso comércio.
Segundo a lenda, o primeiro rei de Roma de
origem etrusca foi Tarquínio Prisco, que obteve o
poder com o apoio dos lucérios, tribo até então sem
alguns dos privilégios dos latinos e sabinos. Ao
subir ao trono, Tarquínio recompensou-os com o
acesso ao Senado, que lhes era vedado. Aos
abater-famílias de estirpe latina e sabina juntaramse esses conscripti (agregados), totalizando o
número fixo de trezentos senadores. Tarquínio
Prisco deu início à construção de importantes obras
públicas, como a Cloaca Máxima, sistema de
esgotos que desembocava no rio Tibre, e o Circo
Máximo.
Tarquínio foi sucedido por Sérvio Túlio, que
cercou a área urbana de Roma com uma sólida
colina de muros. Ressentindo-se da medida, os
grandes proprietários de terras conspiraram para
depô-lo. Isso o levou a aliar-se a elementos ricos,
fora da classe patrícia (os aristocratas), e a
reorganizar o exército e o corpo eleitoral para
fortalecer a sua posição. Promoveu o censo dos
habitantes e das propriedades,
classificando os cidadãos em cinco
classes. Para contrabalançar o
poder dos aristocratas, criou
também a classe dos equites
(cavaleiros), homens que podiam
equipar-se com armas e um
cavalo (equus) e servir na
cavalaria.
Sérvio Túlio foi assassinado e
sucedido por Tarquínio, o Soberbo,
que, violento e despótico,
provocou descontentamento em
todas as classes. Em 510 a.C., diz
a tradição, Tarquínio foi expulso
de Roma, e proclamou-se a
República.
Limites da autoridade durante
a monarquia
Para governar, o rei apoiava-se
no Conselho de Anciãos (Senado)
e na Assembléia Curiata. Os
senadores, vitalícios, eram
nomeados pelo rei. Este, porém,
era escolhido por eles, sendo, em
última instância, um delegado dos
pater-famílias – e a escolha só tinha validade se
confirmada pela Assembléia Curiata, que reunia os
patrícios divididos em trinta cúrias. Sempre que o
rei quisesse modificar a lei, conceder perdões ou
declarar guerra, precisava do consentimento deles.
Essa assembléia conferia o imperium (autoridade
para governar).
A REPÚBLICA
Não se sabe com certeza se a República foi, de
fato, estabelecida após um levante popular que
levou à expulsão de Tarquínio, o Soberbo, ou se
resultou de um lento processo evolutivo que
restringiu progressivamente a autoridade
monárquica em favor dos chefes das gentes. De
qualquer forma, com a sua instauração, o poder
passou às mãos dos patrícios, que substituíram o
rei por dois cônsules eleitos anualmente. Sua
função abrangia o comando do exército e a
supervisão das atividades judiciárias.
Em latim, res publica significa “coisa de todos”,
mas a República romana pertencia a pouquíssimos
cidadãos. Além de possuir a totalidade das terras e
monopolizar a vida religiosa, a aristocracia detinha
o poder político; o Senado era a autoridade
permanente, encarregada de controlar os
magistrados, ocupantes temporários de cargos
executivos. Os patrícios dominavam também a
Assembléia Curiata, que perdeu gradativamente
suas prerrogativas para a Assembléia Centuriata.
Mas esta era dominada também pelos patrícios e
equites. Cada centúria equivalia a um voto; os mais
ricos, podendo equipar 98 centúrias, dispunham de
mais votos que todas as outras classes, cujo total
perfazia 95 centúrias. Mesmo nas assembléias da
plebe, a força dos patrícios exercia-se através dos
seus clientes, que votavam a seu favor.
No gráfico está representada a organização política
que vigorou durante a República. À Assembléia
Centuriata cabia eleger os cônsules, magistrados
que governavam Roma. O Senado, porém, que
chegou a ter 600 membros, confirmava a eleição.
As decisões senatoriais abrangiam não só a política
exterior como a administração interna. Em caso de
perigo, podiam até nomear um ditador, governante
com poderes absolutos.
A Assembléia Curiata perdeu todos os seus
poderes para a Assembléia Centuriata, ficando
apenas com o privilégio do imperium. Junto com o
Senado, a Assembléia Centuriata fazia a nomeação
dos magistrados e fiscalizava o seu trabalho: os
pretores, que ministravam a justiça; os censores,
que se encarregavam, a cada cinco anos, do
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recenseamento da população; os questores, que
administravam o tesouro público e recolhiam
impostos; os edis, que cuidavam do abastecimento,
das construções, do policiamento e dos jogos
públicos. A revolta da plebe, em 494 a.C., teve
como conseqüência a criação da Assembléia dos
Plebeus (Concilium Plebis), que passou a eleger
então os tribunos da plebe. Estes eram intocáveis e
tinham o poder de veto sobre qualquer medida do
governo. A Assembléia dos Plebeus transformou-se
nas Assembléias das Tribos (Comitia Tributa), das
quais participavam todos os cidadãos, sem
distinção de classe ou poder econômico. No inicio,
as Assembléias das Tribos elegiam só os tribunos e
os edis da plebe. Depois passaram a eleger os
questores e, a partir de 287 a. C., votavam
também a maioria das leis.
PATRÍCIOS E PLEBEUS: UMA LONGA LUTA DE
CLASSES
A história da República romana foi dominada pela
luta entre patrícios e plebeus e pela lenta ascensão
destes últimos, que, cientes de sua importância
militar no processo de expansão de Roma,
reivindicavam maiores privilégios e maior
participação na vida pública.
Os plebeus ricos – comerciantes, fabricantes de
armas e outros fornecedores do exército, que
chegavam até a emprestar dinheiro ao Estado para
financiar as guerras – ressentiam-se da sua
exclusão do Senado e da classe dos equites. Os
pobres não suportavam a condição de inferioridade
na qual eram mantidos e empobreciam ainda mais
com as guerras freqüentes. Os plebeus camponeses
eram obrigados a abandonar seus campos; os
artesãos urbanos deviam fechar oficinas e lojas.
Sem poder sustentar as famílias, pediam dinheiro
emprestado; quando não podiam pagar o débito, a
lei facultava ao credor prender o devedor, vendê-la
como escravo e até matá-la.
Na verdade, não existia uma lei escrita, clara e
válida para todos, mas como a justiça era
ministrada pelos patrícios (principais credores) a
sua interpretação sempre beneficiava esta classe.
Já no início do século V a.C. começou a longa
disputa entre patrícios – que defendiam seus
direitos e privilégios – e plebeus, que lutavam para
obter igualdade de direitos. Foi uma feroz luta de
classes, durante a qual a plebe conseguiu
importantes vitórias.
A ascensão da plebe
494 a.C. – Uma multidão de plebeus armados
retirou-se para o Monte Sagrado (Aventino) e
decidiu não voltar ao trabalho ou combater no
exército a menos que obtivesse algumas
concessões dos patrícios. Temendo um levante
geral da plebe, o Senado concordou com a criação
da Assembléia dos Plebeus (Concilium Plebis), que
elegeria os edis e os tribunos da plebe (dois no
início e dez em meados do século V a.C.). O tribuno
podia deter, com a palavra veto (“eu proíbo”), toda
a ação do Estado que julgasse prejudicial à plebe.
Sua pessoa era intocável e sua casa inviolável. As
portas estavam abertas dia e noite a qualquer
cidadão que ali fosse pedir abrigo (direito de
santuário ou de asilo).
450 a.C. – Uma comissão de dez homens – os
decemviri –, liderados por Apio Cláudio,
transformou as velhas leis romanas, baseadas nos
costumes, na Lei das Doze Tábuas. O código
abrangia direito privado, penal, governamental e
religioso e assegurou aos plebeus paridade jurídica
com os patrícios.
445 a.C. – Pela Lei Canuléia foi abolida a
proibição de casamentos entre patrícios e plebeus.
367 a.C. – Os tribunos Licínio e Sextio
propuseram que os juros já pagos fossem
deduzidos do principal (quantia emprestada pelo
credor) ; que nenhum homem pudesse deter mais
de 500 jugera (cerca de 120 hectares) de terra ou
empregar em suas culturas mais escravos do que
trabalhadores livres; que um dos cônsules fosse
regularmente recrutado na plebe. Durante um ano
o Senado resistiu, mas acabou por acatar essas
propostas, que se transformaram nas Leis Licínias.
Camilo, líder dos conservadores, celebrou a
reconciliação das classes no Templo da Concórdia,
no Fórum.
356 a.C. – Um plebeu tornou-se ditador por um
ano.
351 a.C. – A plebe teve acesso ao cargo de
censor.
326 a.C. – Foi abolida a lei que estabelecia o
direito do credor de escravizar seu devedor. O
julgamento tornou-se obrigatório nos casos de
dívidas.
300 a.C. – O sacerdócio foi franqueado aos
plebeus.
287 a.C. – Pela Lei Hortênsia, as decisões da
Assembléia dos Plebeus (que se transformou em
449 a.C. nas Assembléias das Tribos) tornaram-se
obrigatórias para todos os cidadãos romanos. Esse
episódio foi o último da longa disputa entre plebeus
e patrícios, da qual os plebeus ricos foram os
principais beneficiários. Como o acesso aos cargos
públicos era muito caro, os plebeus afastavam-se
deles automaticamente.
S.P.Q.R.: o Senado e o Povo Romano
Obtida a paridade, os plebeus ricos aliaram-se
aos patrícios, inclusive por meio de uniões
matrimoniais. Em conseqüência, surgiu uma nova
aristocracia – a nobilitas (nobreza) –, à qual
pertenciam os plebeus ricos que tivessem ocupado
altas magistraturas, condição que lhes permitia o
acesso ao Senado.
O acesso à terra – uma das mais importantes
reivindicações dos pobres – foi satisfeito à custa
dos povos que ocupavam os territórios
conquistados pelas legiões romanas. Por essa
razão, ricos e pobres irmanavam-se na condição de
soldados: o expansionismo beneficiava a todos.
Como o Senado determinava a verba destinada às
campanhas do exército, a partir do século III a.C.,
ele se tornou a instituição mais prestigiada da
República.
S.P.Q.R., a sigla oficial de Roma, queria dizer O
Senado e O Povo Romano, como se o poder
emanasse da união do Senado e do conjunto de
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assembléias de cidadãos. Na realidade, porém, o
poder continuava nas mãos de poucos.
ROMA EM GUERRA
O legionário romano (miles), um dos grandes
protagonistas da história de Roma, era, de modo
geral, um camponês habituado às longas
caminhadas e às vicissitudes da vida rural. O
equipamento que transportava às costas pesava de
35 a 40 kg. Em condições normais, andava 30 km
por dia, mas, quando necessário, fazia 40 km ou
mais, em marcha acelerada. Ao chegar ao destino,
trabalhava ainda quatro ou cinco horas na armação
do acampamento.
À esquerda, o
equipamento do legionário
romano. Entre as armas
defensivas contavam-se: o
elmo metálico com protetor
para nuca e garganta,
muitas vezes ornado com
penas ou crina de cavalo; o
escudo de madeira,
revestido de couro e
reforçado com
ornamentação de metal;
urna couraça, colocada
sobre uma túnica de couro
ou uma malha de ferro, e
perneiras (armaduras para
as pernas). Entre as armas
ofensivas: os pila, dois
dardos de madeira com
uma das pontas de ferro; o
gládio (espada de dois
gumes); a espada curta (50 cm em média) e o
punhal. A bagagem de cada legionário
compreendia: víveres e água; colher-gamela e
panela para cozinhar seu alimento básico e peles de
animais para montar sua tenda; foice para cortar a
vegetação; uma pá ou picareta para cavar o fosso e
cercar o acampamento com uma proteção de terra.
A LONGA MARCHA
A expansão romana começou efetiva-mente com
a República (509 a.C.) e estendeu-se pelos 350
anos seguintes.
A expulsão de Tarquínio Sexto, rei etrusco de
Roma, enfraqueceu a cidade e despertou contra ela
a hostilidade de outros povos do Lácio. A
vulnerabilidade da República recém-formada e suas
necessidades agrícolas foram as principais
justificativas para as campanhas contra os
vizinhos: os latinos, submetidos a Roma desde o
século VIII a.C. e desejosos de recuperar a
independência; os volscos, ao sul, e os equos, a
leste.
Entre 499 e 496 a.C. Roma enfrentou os latinos.
A vitória sobre os volscos, em 488 a.C., e sobre os
equos, em 457 a.C., fechou o ciclo da conquista do
Lácio. Restava a Etrúria, antiga senhora de Roma.
Esse ciclo de campanhas terminou em 396 a.C.,
com a conquista da cidade de Veios, último grande
obstáculo à supremacia de Roma na Toscana.
A conquista da Itália
No início do século IV a.C., os romanos
depararam com um inimigo poderoso: os gauleses
– celtas da Gália que invadiram a península Itálica
e, em 390 a.C., ocuparam Roma. Três anos depois,
os gauleses retiraram-se mediante o pagamento de
pesado resgate, fixando-se no vale do Pó.
Entre a segunda metade do século IV a.C. e o
início do século III a.C., Roma passou a ser
ameaçada pelas poderosas tribos samnitas, que
habitavam o centro-sul da Itália. A batalha final
ocorreu em 295 a.C., perto de Sentino, nas Marcas.
A vitória assegurou a Roma a posse da fértil
planície da Campânia e das regiões da Úmbria,
Abruzos e Marcas.
A etapa seguinte foi a anexação do sul da Itália,
pontilhado, na época, por cidades-Estado gregas.
Em 282 a.C., os romanos entraram em guerra
contra Tarento, a mais poderosa cidade da região.
Os tarentinos pediram auxílio a Pirro, rei do Epiro
(noroeste da Grécia), que venceu os romanos em
Heradea (280 a.C.) e Asculum (279 a.C.), mas foi
derrotado em Benevento (275 a.C.). Com a tomada
de Tarento, Roma estendeu seus domínios a toda a
península itálica, com exceção do vale do Pó.
Os caminhos da vitória
A boa organização e armamentos eficientes
garantiram as sucessivas vitórias das legiões. A
manutenção dos territórios conquistados e a
rapidez com que o exército se movia deveram-se,
sobretudo, à construção de estradas que ligavam
as províncias a Roma. A expressão “todos os
caminhos levam a Roma” era verdadeira; nasceu,
provavelmente, quando os romanos descobriram
que suas legiões, máquinas de guerra e tropas de
reforço deslocavam-se com uma rapidez três vezes
maior que a dos inimigos, por estradas
pavimentadas, construídas pelos próprios soldados.
Além dos objetivos militares, as antigas estradas
consulares (assim chamadas porque recebiam o
nome do cônsul encarregado de coordenar os
trabalhos da sua construção) foram as vias de
difusão da civilização romana. Até hoje
representam a espinha dorsal do sistema viário
italiano e, em menor escala, de outros países
europeus, antigas colônias romanas. De 264 a 146
a.C., os romanos lutaram contra os cartagineses
pelo controle do tráfego e do comércio no mar
Mediterrâneo. O longo conflito denominado Guerras
Púnicas (púnica vem de poeni, designação latina
para os fenícios) terminou com a vitória total de
Roma, assegurando-lhe a hegemonia na região do
Mediterrâneo e facilitando a conquista da maior
parte da Europa.
ROMA E CARTAGO: UM CONFRONTO DECISIVO
A tradição clássica atribui a Dido, filha de um rei
de Tiro, a fundação da colônia fenícia de Cartago,
por volta do século IX a.C. Situada na costa norte
da África, a colônia recebeu o nome de Karthadashi (cidade nova). Os gregos transformaram
esse nome em Karchedon, e os romanos, em
Cartago.
CLIO História – Textos e Documentos
Enquanto Tiro, Sidon e outras importantes
cidades fenícias localizadas na costa do atual
Líbano entravam em decadência, Cartago crescia
em poder e esplendor, baseando sua prosperidade
no comércio. No século VI a.C. quase toda a costa
africana, da Cirenaica a Gibraltar, e a península
Ibérica, rica em ouro, prata, ferro e cobre, estavam
sob o domínio dos cartagineses. Estes também
haviam se apoderado das ilhas Baleares, da
Sardenha, da Córsega, de metade da costa oeste
da Sicília e de Malta, ilha do Mediterrâneo central.
Cartago impunha aos territórios conquistados o
pagamento de grandes tributos anuais, obrigava os
vencidos a se alistarem no seu exército e
controlava-lhes rigorosamente o comércio exterior.
Em troca, oferecia proteção militar, garantia a
independência do governo local e a estabilidade
econômica. O Comércio e a exploração desse
império tornaram Cartago, no século III a.C., o
mais rico e poderoso Estado mediterrâneo.
As relações entre Roma e Cartago iniciaram-se
em 510 a.C., com um tratado pelo qual Roma
reconhecia a Cartago o direito de comerciar e
piratear em todo o Mediterrâneo ocidental, desde
que não invadisse o mar Tirreno ou atacasse
qualquer das cidades latinas aliadas aos romanos.
Esse tratado foi renovado em 348 a.C., mas, no
século seguinte, Roma, senhora da península
Itálica, começou a ambicionar a Sicília, que era
grande produtora de trigo e ponto estratégico para
o controle do tráfego comercial e militar no mar
Mediterrâneo.
A guerra no mar
Na Primeira Guerra Púnica, Roma era uma
potência terrestre desafiando Cartago, uma
potência marítima. A guerra só poderia ser ganha
se Cartago fosse derrotada em seu próprio
elemento.
Nos combates navais da época, as embarcações,
movidas com a maior velocidade possível por meio
de remadores, eram lançadas contra os flancos dos
navios adversários. Como a ponta da quilha era
equipada com um esporão metálico, o resultado era
um buraco na lateral do navio inimigo, abaixo da
linha-d’água, o que causava o seu afundamento. Os
cartagineses pareciam imbatíveis no mar. Seus
remadores eram mais rápidos e os marinheiros
podiam frear brusca-mente a embarcação, mudar a
sua direção de modo a defendê-la do esporão
inimigo e efetuar outras manobras.
Em 241 a.C:., Roma construiu, em sessenta dias,
uma esquadra de duzentos quinqüerremes.
Baseados no modelo cartaginês, mediam 40 m de
comprimento e abrigavam uma tripulação de
duzentos homens armados. Tinham, porém, uma
inovação: o “corvo”, espécie de ponte levadiça que
caía sobre a nave inimiga, transformando-se numa
passarela. Os soldados podiam, assim, passar ao
navio adversário e fazer do combate naval um
combate semelhante ao terrestre, no qual eram
peritos. Criado pelo cônsul Caio Dílio, o “corvo”
assegurou aos romanos a vitória em Melazzo.
PRIMEIRA GUERRA PÚNICA
(264-241 a. C.)
264 a.C. – Os romanos tomam, na Sicília, as
cidades gregas aliadas de Cartago. Hierão de
Siracusa alia-se a Roma e conquista a Sicília
ocidental até Agrigento (261 a.C.).
260 a.C. – A frota romana derrota os
cartagineses, chefiados por Aníbal, ao largo de
Milazzo.
256 a.C. – Os romanos desembarcam na África,
sob o comando de Atílio Régulo. No entanto, são
derrotados pelas tropas cartaginesas chefiadas por
Xantipo, mercenário espartano (255 a.C.).
250 a.C. – Roma conquista Panormo (Palerma) e
renova aliança com Hierão.
249 a.C. – Alternância de vitórias e derrotas para
ambos os 'lados.
241 a.C. – Roma derrota os cartagineses numa
batalha naval realizada junto às Egades, pequenas
ilhas situadas a oeste da Sicília. A paz é assinada.
Cartago renuncia à Sicília, que se torna então a
primeira província romana.
Acontecimentos posteriores
229-222 a.C. – Roma ocupa a Iliria (atual
Iugoslávia). Na Itália, derrota os gauleses em
Clastidium (Casteggio, Pavia) e ocupa uma de suas
capitais: Mediolanum (Milão). Os romanos fundam,
ao norte da Itália, as colônias de Piacenza, Modena
e Bolonha.
UM EXÉRCITO INVENCÍVEL
Na primeira fase da Segunda Guerra Púnica o
exército romano sofreu severas derrotas. A partir
da batalha de Canas, porém, estabeleceram-se
novas regras de tática e disciplina que o tornaram
quase invencível. Curiosamente, muitas das táticas
foram aprendidas dos próprios cartagineses e
depois desenvolvidas, com sucesso, por oficiais
romanos.
Só em Esparta a disciplina militar foi tão rigorosa
quanto no exército romano. Este era, de início, um
exército de camponeses – cidadãos que serviam
dos 17 aos 45 anos. Dos 45 aos 60 passavam à
reserva, mas, freqüentemente, eram chamados
para guerrear ou formar um corpo de defesa da
própria cidade. A importância do serviço militar era
tanta que nenhum cidadão podia se candidatar a
um cargo público sem ter sido soldado durante pelo
menos dez anos.
De legionário a colono
Com a transformação da república agrícola do
Lácio em república mercantil e imperialista,
começou a desaparecer a figura do agricultorsoldado, que depunha a espada e voltava a
empunhar o arado em seus campos. As legiões
acolheram milhares de camponeses empobrecidos,
sem terras, que muitas vezes recebiam, como
recompensa, uma gleba do.Estado (ager publicus)
para cultivar ~ nas regiões conquistadas. O Estado
emprestava dinheiro para construir uma casa,
comprar móveis, animais e instrumentos de
trabalho. O miles transformava-se em colono, e
muitos países europeus “romanizados” devem a
esses colonos a sua unidade cultural e civil, que foi
um legado de Roma.
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A legião romana
Na época das Guerras Púnicas, a unidade
combatente básica – a legião – tinha 4 200
soldados. Esse número foi depois elevado para 5
000-6 000 soldados (infantes), ao lado de um
mínimo de novecentos cavaleiros.
Para facilitar as manobras em campo, a legião
era subdividida em coortes (em geral, dez) e cada
coorte, por sua vez, subdividia-se em mampulos. O
manípulo era dividido em unidades mais ágeis: as
centúrias (a princípio, cem homens e, depois, entre
oitenta e 150).
Os centuriões, oficiais que combatiam na extrema
direita da primeira fila, lideravam a centúria. Eram
também, em tempo de paz, os treinadores dos
jovens romanos, que se adestravam no Campo de
Marte, fora dos muros da cidade.
Na extremidade aposta da primeira fila, outro
oficial, o tesserarius, transmitia ordens a seus
homens ou, eventualmente, ao centurião da
centúria ao lado.
O último lugar à esquerda da última fila era
ocupado por outro oficial, que comunicava as
ordens provenientes das filas anteriores ou
substituía os feridos.
No centro do esquadrão, o aquilifer ou signifer
(portador da, águia ou do estandarte da legião) e o
arauto, com a tradicional trompa, coordenavam a
ação das diversas centúrias, manípulos e coortes,
por meio dos movimentos do estandarte ou dos
sons da trompa.
A ação das legiões era dirigida pelos tribunos,
oficiais superiores, e, sobretudo, pelo cônsul,
magistrado eleito a quem cabia o comando
supremo e a responsabilidade total da batalha.
Canas, os romanos perdem 50 000 de seus 80 000
soldados, entre eles o cônsul Paulo Emilio.
215 a.C. – Morte de Hierão de Siracusa. Seu
sucessor alia-se a Cartago.
212 a.C. – Tomada de Tarento por Aníbal Barca.
Na Sicília, a frota romana, comandada por Marco
Antônio Marcelo, toma Siracusa. Em Capua os
romanos são derrotados por Aníbal.
211 a.C. – Cipião conquista Cartagena. 208 a.C.
– Asdrúbal Barca é vencido em Bácula por Cipião.
207 a.C. – Os romanos vencem os cartagineses
numa importante batalha perto do rio Metauro
(norte da Itália), durante a qual morre Asdrúbal
Barca.
204 a.C. – Cipião desembarca na África e recebe
apoio de Masinissa, rei da Numidia. Cartago chama
Aníbal de volta à África para combater os romanos.
202 a.C. – Aníbal é derrotado em Zama, na
batalha que põe fim à Segunda Guerra Púnica.
SEGUNDA GUERRA PÚNICA
Antecedentes
237-231 a.C. – Pelo tratado de paz de 241 a.C.,
os cartagineses ficam obrigados a pagar por dez
anos um tributo anual da ordem de 3 200 talentos.
Amílcar Barca conquista territórios na Espanha (237
a.C.), e as minas de Serra Morena permitem o
pagamento dos tributos devidos a Roma. Em 231
a.C. é assinado o Tratado de Ebro, pelo qual os
romanos reconhecem o domínio cartaginês ao sul
desse rio espanhol.
228-221 a.C. – Morte de Amílcar. Aníbal é o
comandante supremo na Espanha.
219 a.C. – Aníbal conquista Sagunto, colônia
grega do litoral sul da Espanha, aliada de Roma, o
que equivale a uma declaração de guerra.
"DELENDA CARTHAGO”
Apesar dos duros termos de paz impostos a
Cartago ao final da Segunda Guerra Púnica,
diariamente, no Senado romano, Catão erguia sua
voz; sempre terminava seus discursos com a
expressão Delenda Carthago (“Cartago deve ser
destruída”). Era necessária, a qualquer preço, uma
Terceira Guerra Púnica.
O pretexto surgiu em 149 a.C., e por três anos
Cartago suportou o sítio por terra e por mar. Mas,
em 147 a.C., o Senado e as Assembléias
nomearam cônsul Cornélio Cipião Emiliano – que
passaria à história como “o Africano Menor” –, o
qual, no ano seguinte, logrou escalar as muralhas e
penetrar na cidade, seguido por suas legiões.
Embora enfraquecidos e dizimados pela fome, os
cartagineses lutaram palmo a palmo por seis dias.
Hostilizado pelos guerrilheiros ocultos nas casas,
Cipião ordenou que as residências fossem
queimadas. Por fim, reduzida de 500 000 a 50 000,
a população se rendeu. Os sobreviventes foram
vendidos como escravos e o que restava,
saqueado.
Relutando em arrasá-la, Cipião pediu instruções
ao Senado. A resposta não se fez esperar: não
apenas Cartago, mas também seus arredores
deviam ser destruídos, e o solo arado e salgado
para que nada mais pudesse ali vicejar; e maldito
fosse o homem que tentasse construir naquele
A Guerra
(218-201 a.C.)
218 a.C. – A fim de surpreender os romanos, que
se preparavam para combater na África, Aníbal
entra na Itália, pelos Alpes, com 50 000 soldados,
9 000 cavaleiros e 37 elefantes. Em Trébia, os
gauleses do vale do Pó a(iam-se aos cartagineses.
217 a.C. – Comandados por Caio Flaminio, os
romanos são derrotados pelos cartagineses junto
ao lago de Trasimeno. Sob o comando de Cornélio
Cipião, o Africano, retomam Sagunto na Espanha.
216 a.C. – Esmagados pelos cartagineses em
Acontecimentos posteriores
200-188 a.C. – Combatendo antigos inimigos,
aliados de Cartago, as legiões romanas expandem
seus domínios pela Itália do norte (190 a.C.),
península Ibérica, Grécia e Macedônia (197 a.C.J.
Em 196 a.C. Aníbal, eleito magistrado supremo de
Cartago, propõe que o mandato dos juízes seja
fixado em um ano, adota medidas para impedir as
venalidades e liberta os cidadãos de taxas extras.
Os oligarcas denunciam-no a Roma, sob a acusação
de planejar o reinício das hostilidades. Em 195 a.C.
Anal al foge para Antioquia, depois para Creta e por
fim para a Bitmia, onde se mata (183 a.C.). Em
188 a.C., ao derrotar Antíoco III da Síria, que
governava também a Ásia Menor, Roma domina o
Mediterrâneo oriental.
CLIO História – Textos e Documentos
sítio. Durante dezessete dias Cartago esteve em
chamas. Depois, desapareceu.
TERCEIRA GUERRA PÚNICA (149-146 a.C.)
Antecedentes
A paz, assinada em 201 a.C., impõe a Cartago
desarmamento naval e terrestre, pesadas
indenizações, renúncia a todas as possessões e
perda de política independente. Além disso, Roma
incita alguns de seus aliados africanos a guerrilhas
contra Cartago e espera um pretexto para a
completa destruição de sua rival.
Este surge em 151 a.C., quando Masinissa, rei da
Numidia, aliada de Roma, pretende apoderar-se
das costas da atual Tripolitânia, pertencentes a
Cartago. Os cartagineses declaram guerra à
Numidia (151-150 a. C.).
149 a.C. – O Senado romano alega que Cartago
violara o tratado de paz e declara-lhe guerra. Os
cartagineses concordam em entregar todas as suas
armas aos romanos, mas, quando estes ordenam
que eles se retirem da cidade, resolvem oferecerlhes resistência.
146 a.C. – Cartago é destruída. Seu território
torna-se então a província romana da África.
Transformada em província romana, a região foi
dividida em latifúndios e distribuída entre os
romanos como parte da ager publicus (domínios do
Estado), ao mesmo tempo que os moradores
entravam na herança do outrora próspero comércio
cartaginês. Apesar das maldições, em 122 a.C., o
Senado romano ordenou que se fundasse uma
colônia no sítio de Cartago. A tentativa não deu
resultado. Mais tarde, porém, Júlio César enviou
para lá numerosos colonos romanos sem terra e,
em 29 a.C., Augusto centralizou a administração
romana da África naquele sítio. Nessa época;a, a
colônia, conhecida como Julia Carthago, prosperou
a ponto de rivalizar com a cidade egípcia de
Alexandria.
A RESISTÊNCIA LUSITANA
Depois da expulsão dos cartagineses, os romanos
tornaram-se senhores da península Ibérica. Esta foi
dividida em duas províncias – Espanha ulterior (sul)
e citerior (norte) –, obrigadas a pagar tributos em
produtos agrícolas e minérios.
As rebeliões contra os romanos tiveram início em
199 a.C. Em 179 a.C. Tibério Semprônio Graco
conseguiu pacificar a região. Mas, a partir de 154
a.C., os lusitanos, um povo que vivia a noroeste da
península (em território que atualmente esta
dividido entre Portugal e Espanha), fizeram várias
incursões contra cidades aliadas de Roma. Graças à
habilidade do seu chefe, Viriato, que desenvolveu
uma eficiente tática de guerrilha, resistiram ate 139
a. C., quando Viriato foi assassinado por três
colaboradores subornados pelos romanos.
A resistência lusitana, entretanto, encorajou os
celtiberos à rebelião contra Roma (143 a.C.). A
destruição de Numância (133 a. C.) marcou a
pacificação da península.
OS DOMÍNIOS DE ROMA
As regiões submetidas a Roma recebiam
tratamento diferenciado conforme as
circunstâncias. Algumas eram escolhidas em
termos de aliança ou de Estados federados,
devendo pagar um tributo e manter uma guarnição
romana “para proteção”, mas com a vantagem de
poderem conservar suas leis e seu sistema de
governo. Outras obtinham mais vantagens: seus
habitantes podiam tornar-se eives romani, ou seja,
ganhavam direito à cidadania romana. Em outros
casos, os territórios conquistados eram mantidos
sob a administração direta de Roma, com
governadores locais. Eram as províncias. As
primeiras foram: a Sicília, a Sardenha-Córsega, a
Espanha, a África cartaginesa e a Grécia.
O preço do “mare nostrum”
As Guerras Púnicas foram o mais caro
empreendimento bélico da Antiguidade. Arruinaram
centenas de cidades e mataram centenas de
milhares de pessoas: somente a Segunda Guerra
Púnica vitimou 300 000 homens. Mas esse evento
representou também um divisor de águas na
história romana.
Os minérios ibéricos deram novo impulso à
expansão imperialista. O saque às províncias, as
indenizações pagas pelos cartagineses e, depois,
pela Macedônia e Síria, os escravos que de toda
parte afluíam a Roma, os metais preciosos das
regiões conquistadas e outros golpes favoráveis
transformaram os ricos de Roma em opulentos
magnatas.
As Guerras Púnicas mudaram a face do
Mediterrâneo, tornando-o um lago romano – o
mare nostrum, como o chamavam os romanos; a
prosperidade mudou a fisionomia da sociedade
romana. A possibilidade de importar toda sorte de
produtos, a baixo custo, das províncias provocou a
decadência da agricultura e indústria romanas. Em
contrapartida, o comércio e os bancos floresceram.
Roma tornava dinheiro do mundo para, com ele,
adquirir os produtos do mundo. Como resultado, o
patriciado e a classe média da República romana
trocaram sua austera simplicidade por um luxo
ostensivo e ocioso.
Fim da República Romana
Após oitenta anos de guerras, lutas, sacrifícios e
privações, os romanos se deram conta de que
tinham o mundo nas mãos. Entre os bens obtidos
estava a cultura grega, difundida por uma região
imensa que passara a pertencer a Roma: Sicília, sul
da Itália, Ásia Menor e a própria Grécia, anexada
no século II a.C. Os gregos revidaram a conquista
introduzindo em Roma sua filosofia, sua arte, seu
teatro e até sua religião. Para os velhos isso era
uma verdadeira afronta, pois essas contribuições,
aliadas ao luxo e à vida faustosa, solapavam o
caráter simples e austero dos romanos. Mas, como
disse Horácio, Graecia capta victorem cepit (“a
Grécia conquistada conquistou por sua vez o
vencedor”).
Antes das Guerras Púnicas a família romana era
um microcosmo, o centro gerador da religião, da
CLIO História – Textos e Documentos
moral, da economia e do próprio Estado. Cada
aspecto da sua existência, material ou espiritual,
estava em solene intimidade com o panteão
doméstico: a casa era regida pela deusa Vesta,
presente no fogo da lareira, chama que simbolizava
a vida e a continuidade da família; os deuses Lares
guardavam os campos e as construções; os
Penates, ou deuses do interior da casa, garantiam a
abundância; e a matrona romana era portadora de
uma centelha da divindade de Juno, pois tinha
dentro de si o genius da capacidade de gerar. Eram
dezenas de divindades laboriosas, presidindo as
atividades da família.
Esta, por sua vez, compunha-se do pai e da mãe,
da casa, da terra e das propriedades dos filhos
solteiros ou casados, dos netos, das noras, dos
escravos e agregados. Era, portanto, uma
assembléia de pessoas e coisas governadas pelo
ascendente mais velho (patriarca). Dentro desse
pequeno mundo, que continha em si as funções da
família, igreja, escola, indústria e Estado, forjaramse os vencedores dos cartagineses.
Um romano como Catão, que nasceu por volta de
230 a.C. e morreu em cerca de 150 a.C., pôde
assistir à transformação dos hábitos de vida dos
romanos. A mudança manifestava-se em todos os
setores: começava pelo cardápio e culminava com
a adoção dos sofisticados deuses gregos, relegando
a segundo plano o doméstico panteão romano.
Uma nova sociedade
A afluência de enormes riquezas a Roma
beneficiou sobretudo os patrícios e a nobreza
senatorial. As terras conquistadas que se
transformavam em ager publicus (terras do
Estado), na realidade ficavam quase sempre em
suas mãos – ou como recompensa por serviços
prestados na guerra, ou porque esses setores
sociais eram os únicos com dinheiro para comprálas quando o Estado as leiloava.
Os camponeses pouco se beneficiaram com as
vitórias, exceto aqueles que receberam uma gleba
nas terras conquistadas. E os soldados, ao voltar a
suas terras, tiveram uma surpresa desagradável:
Roma passara a consumir o trigo barato vindo das
províncias, e nas grandes propriedades o trabalho
mobilizava a mão-de-obra escrava, constituída de
prisioneiros. Sem condições de colocar sua colheita
no mercado a preços competitivos e sem emprego,
o camponês acabava por vender sua gleba (ou a
entregava para saldar dívidas) e ia para Roma
engrossar o contingente de desocupados. Foi a essa
massa desapropriada pelos frutos das vitórias
romanas que se ofereceu panem et circenses (pão
e circo).
Os ricos
Para Catão, a cultura grega representava uma
total subversão da ordem familiar e,
conseqüentemente, da religião e do Estado. São de
sua autoria algumas leis que limitavam as despesas
em banquetes e vestuário. Mas de pouco
adiantaram. Os bons cozinheiros continuaram a ser
comprados a peso de ouro no mercado de
escravos; as baixelas eram de ouro, as mulheres
cobriam-se de jóias e tecidos finos e os cosméticos
tornaram-se uma necessidade. À medida que as
maneiras dos patrícios e equites (cavaleiros) se
refinavam, a moral se afrouxava. O divórcio
tornou-se corrente e a aura sagrada que envolvia a
“família” se desfez. Nem Catão nem ninguém
poderia impedir a “nova moralidade” ditada pela
opulência e pelo individualismo.
Os pobres
Desde o início da República, muitos plebeus
viviam agregados às famílias patrícias como
clientes: recebiam alimentos e roupas em troca de
pequenos serviços e do compromisso de votar a
favor de seus protetores nas assembléias. A partir
do século II a.C., pode-se dizer que toda a massa
de plebeus residentes em Roma constituiu uma
espécie de clientela. Eram cidadãos, e portanto
podiam votar nas Assembléias das Tribos, onde
eram eleitos os questores e edis da plebe e
aprovada a maioria das leis. Essa prerrogativa
transformou os pobres em massa de manobra dos
políticos e dos pretendentes a cargos políticos,
empenhados em conquistar o apoio eleitoral em
troca de trigo, festas e jogos.
Roma criava, assim, um esquema demagógico de
controle social. O pão e o circo reduziam a
população empobrecida à condição de parasita e
afastavam os riscos de conflitos e revoltas.
A QUESTÃO AGRÁRIA
Duas forças políticas digladiaram-se durante a
República: de um lado, os patrícios e a nobilitas
(nobreza, classe que incluía os plebeus ricos que
haviam ocupado altas magistraturas, o que lhes
dava acesso ao Senado), integrados num partido
aristocrático ou “senatorial”; de outro, os equites e
os populares, que constituíam um partido
democrático. Ao longo da luta entre as duas
facções, porém, muitos patrícios tornaram o partido
da plebe e vice-versa. Foi o que se deu com a
família patrícia dos Graco.
Os irmãos Graco
Tibério e Caio Graco pertenciam a uma das mais
prestigiadas famílias patrícias. Eram filhos de
Semprônio Graco, comandante na Espanha, e de
Cornélia, filha de Cipião, o Africano.
Vendo o estado de abandono das terras da
Etrúria e a decadência do exército romano, Tibério
achou necessário repovoar os campos para
favorecer a formação de um campesinato forte. Na
verdade, os agricultores – dado seu
empobrecimento e conseqüente falta de condições
para se armar à própria custa – tinham sido
privados de se integrarem ao exército.
Ao ser eleito tribuno da plebe, em 133 a.C.,
Tibério Graco propôs o revigoramento da lei que
impunha a devolução ao Estado das terras públicas,
então em poder da aristocracia, e sua distribuição
entre os cidadãos pobres. Com isso, pretendia
resolver graves problemas interligados: excesso de
escravos no campo, superpopulação e corrupção
urbanas e decadência militar de Roma. A sugestão
despertou forte reação do partido senatorial,
representante dos interesses dos grandes
proprietários. No final do ano, ao tentar se
CLIO História – Textos e Documentos
reeleger, Tibério foi trucidado por seus adversários
junto com trejeitos adeptos.
Em 123 a.C., seu irmão Caio Graco retomou esse
programa. Além de revigorar a lei agrária, propôs o
fornecimento de roupas e armas aos cidadãos
pobres à custa do Estado; a realização de obras
públicas, que proporcionassem emprego a milhares
de desocupados, e a lei do trigo, que autorizava o
governo a distribuir o cereal pela metade do preço
de mercado. Essa lei fez com que as massas pobres
deixassem de ser clientes da aristocracia para se
tornar defensoras dos Graco e de seus sucessores
do partido popular, entre os quais Júlio César.
A reação oligárquica
Entre as propostas de Caio Graco figurava, ainda,
a concessão da cidadania romana aos povos itálicos
aliados (socii) de Roma, para que se beneficiassem
da distribuição de terras; e a participação dos
equites na coleta de impostos nas províncias e,
como jurados, nos julgamentos de crimes de
apropriação indébita que envolvessem funcionários
públicos (tarefa que competia ao Senado).
Prejudicados em seus interesses políticos e
econômicos, os nobres passaram a considerar as
leis agrária e judiciária uma afronta ao poder
senatorial. Induzido por demagogos, o povo
romano foi convencido de que sua participação em
festas e jogos seria cada vez mais limitada se os
socii obtivessem regalias reservadas aos cidadãos.
As leis de cidadania foram rejeitadas pelo Senado
e, em 121 a.C., as tropas chefiadas pelo cônsul
Lúcio Opímio tornaram de assalto o monte
Aventino, onde os democráticos estavam
entrincheirados. Caio Graco, para não se entregar,
preferiu o suicídio. Três mil de seus seguidores
foram executados sem processo algum.
Vitoriosos, os oligarcas anularam a reforma
agrária, mas não conseguiram evitar os frutos de
algumas medidas dos Graco. Os equites e o povo
tinham tomado consciência de sua força política.
A CRISE DA DEMOCRACIA
No fim do século II a.C., havia só 2 000
proprietários para 400 000 cidadãos romanos. A
pobreza fazia diminuir o número de soldados; não
tardou que Roma fosse atacada. Em 113 a.C., os
cimbros e os teutões invadiram a Itália com 300
000 homens. Quase simultaneamente irrompeu o
conflito do reino da Numídia: Jugurta combateu e
derrotou seus primos Aderbal e Hiempsal, com
quem dividia o trono, e dominou o país inteiro.
Como no episódio morreram também mercadores
romanos, em 111 a.C. Roma declarou-lhe guerra.
Jugurta, porém, subornou os generais romanos,
tirando partido da incompetência e da corrupção.
Em 108 a.C. Caio Mário, filho de camponeses, que
servira na Numídia sob as ordens de Quinto Metelo,
candidatou-se ao consulado, oferecendo-se para
derrotar Jugurta. Essa promessa foi cumprida em
106 a.C.; em 104 a.C. Mário foi reeleito cônsul; em
102 a.C. derrotou os teutões e em 101 a.C., os
cimbros. Esse sucesso devia-se a um novo tipo de
exército, resultado da reforma que Mário fizera no
recrutamento militar, possibilitando o alistamento
de cidadãos sem recursos. O exército assim for-
nado compunha-se basicamente de proletários
urbanos, que não lutavam pelo seu pais, mas pelo
seu general.
O fantasma dos Graco
Em 100 a.C. Mário foi eleito cônsul pela sexta vez
junto com Lúcio Saturnino, que, ao se declarar
disposto a realizar o programa dos Graco, foi
assassinado. Mas em 91 a.C. a “guerra social” (dos
socii contra Roma) retomou um tema defendido
pelos Graco: a concessão de cidadania aos povos
itálicos. A guerra durou dois anos e terminou com
os socii recebendo uma cidadania de segunda
classe: divididos em dez tribos, só podiam votar
depois de as 35 tribos romanas terem votado.
A hora e vez dos generais
Em 88 a.C. começou a guerra contra Mitrídates,
rei do Ponto, que pretendia estender seus domínios
às possessões romanas da Ásia Menor. O comando
foi confiado ao aristocrata Lúcio Cornélio Sila;
imediatamente, o tribuno Públio Sulpicio Rufo fez
votar uma lei atribuindo a Mário a chefia. Diante de
tal oposição, Sila marchou sobre Roma; os
optimates (patrícios e nobilitas) declararam Mário
inimigo público, e ele se viu obrigado a fugir para
escapar da morte.
Sila fez aprovar algumas leis que reforçavam o
partido aristocrático, mas, após a sua partida para
a Ásia, Mário, auxiliado por Lúcio Cornélio Cina,
organizou suas tropas e promoveu em Roma
violenta perseguição aos optimates. Em 86 a.C.,
logo depois de ter assumido pela sétima vez o
consulado, Mário morreu. O poder ficou com Cina,
cuja primeira medida foi admitir os socii em todas
as tribos eleitorais. Mas, em 84 a.C., quando
tentava organizar um grande exército para impedir
que Sila, o vencedor de Mitridates, regressasse a
Roma, Cina foi assassinado.
Sila, que encontrou na Itália o apoio militar de
dois grandes general – Marco Licínio Crasso e Cneu
Pompeu –, anulou todas as medidas populares e
restabeleceu o poder da nobreza. Impondo-se
como ditador de 82 a 79 a.C., restringiu as
atribuições das assembléias populares e dos
tribunos da plebe. Em 79 a.C., com a abdicação de
Sila, o cônsul Marco Emílio Lépido procurou
implantar um programa de cunho popular. Opondose a isso, o Senado concedeu poderes
extraordinários a Pompeu para frustrar os objetivos
do novo cônsul. Em 77 a.C. Pompeu esmagava, na
Espanha, as forças de Quinto Ser-tório, seguidor de
Mário, que lutava pela restauração do regime
democrático.
Pompeu e Crasso
Entre 77 e 60 a.C. Pompeu e Crasso deram a
Roma a segurança da invencibilidade do seu
exército. Pompeu, conquistando territórios no
Oriente: o Ponto, a Síria, a Cilícia, a Armênia, a
Capadócia, a Galícia, a Cólquida e a Palestina;
Crasso, esmagando, na Apúlia, em 71 a.C., a
rebelião de 120 000 escravos liderados por
Espártaco. De retorno a Roma, em 70 a.C., Crasso
e Pompeu estabeleceram uma súbita aliança com
os populares e ganharam a eleição para o
CLIO História – Textos e Documentos
consulado. Isso significou a reintegração dos
poderes das assembléias e dos tribunos da plebe.
O primeiro triunvirato
Em 62 a.C., quando Pompeu voltou a Roma, após
reorganizar política e administrativamente o
Oriente, o Senado, temendo sua força, rejeitou
seus acordos com os reis das nações submetidas e
seu pedido de doação de terras aos soldados. Esse
foi o pretexto para a formação, em 60 a.C., do
primeiro triunvirato, o governo de três: Pompeu,
Crasso e Júlio César, apoiados pelos populares.
Embora pertencesse a uma antiga família
patrícia, César – orador brilhante e veterano da luta
política de Roma – integrava o partido democrático.
Na ocasião, o menos influente dos triúnviros,
desponta-ria nos anos seguintes como um grande
líder militar. Em 55 a.C. César recebeu poderes
para governar por cinco anos a Gália Cisalpina e a
Gália Narbonense. Conquistou todo o país, numa
série de campanhas narradas em seu livro De Bello
Gallico. Após a morte de Crasso (53 a.C.), Pompeu
conseguiu que o Senado o nomeasse princeps (o
primeiro dos cidadãos) e ordenou a César que
voltasse a Roma sem suas legiões. Convencido de
que o conflito era inevitável, no início de 48 a.C.
César marchou com suas tropas para Roma.
Pompeu se refugiou na Grécia. César derrotou-o
em Farsália, na Tessália (em agosto), obrigando-o
a fugir para o Egito, onde foi assassinado. Assim,
em 48 a.C., Júlio César tornou-se o único senhor de
Roma, precipitando a crise da República.
O IMPÉRIO ROMANO
Na tarde de 14 de março, numa reunião realizada
em sua casa, Júlio César afirmara que, a seu ver, a
“melhor” morte era, sem dúvida, a “repentina”. Na
manhã seguinte, Calpúrnia, sua mulher,
recomendou-lhe que não fosse ao Senado, pois
tivera um sonho em que ele aparecia coberto de
sangue. Mas Décimo Bruto, tido como um dos seus
mais íntimos amigos (e um dos conspiradores),
insistiu no sentido de que ele comparecesse à
sessão.
A caminho do Senado, César encontrou um
vidente que certa ocasião lhe murmurara: “Cuidado
com os idos de março”. Sorriu-lhe e comentou que
março já havia chegado e, no entanto, nada lhe
acontecera. “Chegou mas não passou”, replicou
prontamente o vate. César fazia diante do teatro de
Pompeu o sacrifício que precedia cada sessão do
Senado, quando lhe entregaram um bilhete,
informando-o de que era vítima de uma
conspiração. Não teve tempo de lê-lo. Tinha-o
ainda nas mãos quando foi apunhalado por Bruto,
Cássio e outros aristocratas.
A trágica morte de César – narrada por Suetônio,
Apiano e Plutarco, historiadores antigos –
precipitou a crise que conduziu à instituição da
autoridade imperial.
O ENSAIO CENTRALIZADOR
Em 44 a.C., quando o Senado declarou vitalícia a
ditadura de Júlio César, este não teve os seus
poderes muito ampliados. Desde 46 a.C. possuía,
de fato, o controle de Roma. Era imperator, ou
seja, comandava as forças armadas em terra e no
mar; havia sido investido do imperium domi, que
lhe concedia o comando sobre todos os cidadãos e
aliados; na qualidade de pontifex maximus,
controlava a religião; como tribuno da plebe,
possuía o direito de veto sobre qualquer lei ou
decisão; como censor, nomeava e afastava
senadores. Era, enfim, o magistrado supremo de
Roma. César, porém, desagradara os aristocratas
ao executar o projeto dos Graco: distribuíra terras
aos seus veteranos e aos cidadãos pobres,
proibindo que elas mudassem de mãos (por compra
ou venda) durante vinte anos; ordenara que um
terço dos trabalhadores de cada propriedade
agrícola fosse composto por homens livres;
diminuíra a massa de proletários em Roma,
transferindo cerca de 80 000 pessoas para novas
colônias; concedera cidadania romana aos povos
itálicos; gastara 160 milhões de sestércios em
obras públicas, dando emprego a milhares de
trabalhadores. Em conseqüência, o número de
pessoas que recebia trigo do Estado, a baixo preço,
decrescera de 320 000 para 150 000 – e estes
passaram a obtê-lo inteiramente de graça. Júlio
César era o ídolo dos populares, mas ferira os
interesses da nobreza senatorial e dos cavaleiros
enriquecidos com a inescrupulosa cobrança de
impostos, ao criar leis contra os juros extorsivos.
Além disso, alimentara a oposição dos
republicanos, ao organizar a administração do
Estado de modo a mantê-la sob seu controle
pessoal.
Todas as disposições de Júlio César, em resumo,
levaram seus inimigos a se unir em uma
conspiração liderada por Marco Júnio Bruto e Caio
Cássio, que culminou com o seu assassinato, em 15
de março de 44 a.C. Os assassinos, todos
pertencentes à aristocracia, justificaram-se
acusando César de premeditar o retorno à
monarquia (o que, provavelmente, era verdade).
O herdeiro
Após a morte de César, seus partidários –
liderados pelo cônsul Marco Antônio e por Marco
Emílio Lépido, chefe dos cavaleiros – assumiram o
controle de Roma. Mas, receando a guerra civil,
entraram em acordo com a facção inimiga: Bruto e
seus companheiros seriam anistiados desde que
todas as decisões políticas de César fossem
mantidas.
Para desembaraçar-se de Lépido – com quem
competia pelo legado político de César –, Antônio
enviou-o à Espanha, com o pretexto de obter a
adesão de Sexto Pompeu, comandante das tropas
do exército naquela região. No dia 19 de março,
porém, ao abrir o testamento de César, Antônio
constatou que o imperator escolhera como herdeiro
seu sobrinho-neto Caio Júlio, um jovem de 18 anos.
Além disso, deixara 300 sestércios a cada cidadão.
O segundo triunvirato
Otávio encontrava-se na Ilíria quando soube da
morte de César. Voltou imediatamente a Roma,
onde assumiu o nome de Caio Júlio César Otaviano.
Buscando a popularidade, vendeu seus bens para
CLIO História – Textos e Documentos
distribuir a soma prometida aos romanos e recrutou
um exército pessoal entre os veteranos de seu tio.
Apesar disso, Cícero, porta-voz dos ideais
republicanos, acreditou que o jovem pudesse ser
moldado de maneira a atender aos interesses do
Senado, tornando-se um instrumento na luta
contra Antônio. E, em 43 a.C., Otaviano chegou
mesmo a comandar as legiões do Senado contra
Antônio, na Gália. Mas percebeu a armadilha. O
Senado reforçara a posição dos assassinos de
César, entregando a Bruto o governo da Macedônia
e a Cássio o da Síria. Otaviano apoderou-se de
Roma, fez-se nomear cônsul, reconciliou-se com
Antônio e formou, com ele e Lépido, um novo
triunvirato.
A PARTILHA DO PODER
Com o objetivo declarado de vingar Júlio César –
e, de fato, visando a obter fundos destinados à
organização de tropas para a luta pelo poder –,
Lépido, Antônio e Otaviano deram início ao mais
sangrento reinado de terror da história romana.
Entre as vítimas encontrava-se Cícero, que havia
incentivado os adversários de Marco Antônio com
os seus discursos no Senado, conhecidos como
Filípicas. Em 42 a.C. Cássio e Bruto, vencidos na
Grécia e na Macedônia, suicidaram-se. Os triúnviros
dividiram o império entre si: Lépido ficou com a
África, Otaviano com o Ocidente e Antônio escolheu
o Egito, a Grécia e o Oriente.
Contudo, dificuldades aguardavam Otaviano em
Roma. Sexto Pompeu, leal aos vencidos, bloqueava
a importação de trigo, praticando atos de pirataria
no Mediterrâneo; a sociedade estava desorganizada
pelo terror e pelas espoliações; e Lúcio Antônio e
Fúlvia – o irmão e a esposa de Marco Antônio –
tramavam contra o jovem triúnviro. A oposição
evoluiu para o conflito aberto, mas, em 40 a.C.,
Otaviano sitiou as tropas de Lúcio Antônio e Fúlvia,
obrigando-os a se render. Marco Antônio, que se
mantivera alheio aos acontecimentos, surgiu ao
largo de Brindisi com uma esquadra para cercar as
forças de Otaviano. Entretanto, mais uma vez,
interesses comuns levaram os dois triúnviros a se
reconciliar. Selando a aliança, Antônio casou-se
com Otávia, irmã de Otaviano. Mas todos sabiam
que esse tipo de solução tinha caráter provisório.
Antônio e Cleópatra
Na raiz dessas disputas estava a oposição entre a
Itália empobrecida e as riquezas enormes do
Oriente – uma oposição que levaria, séculos mais
tarde, à divisão do Império Romano.
Para dominar o Oriente, Antônio aliou-se a
Cleópatra, rainha do Egito, em 41 a.C. Mais tarde
assumiu a união, enviando Otávia de volta a Roma.
Otaviano foi mais hábil: aproximou-se da alta
nobreza, desposando Lívia Drusila (38 a.C.),
pertencente a uma das mais ilustres famílias
patrícias. Paralelamente, reduziu os impostos e
restabeleceu o abastecimento de trigo, em 36 a.C.,
após ter derrotado Sexto Pompeu.
Em 32 a.C. Antônio casou-se com Cleópatra e
confirmou-a herdeira do Egito e das províncias
romanas do Oriente. Os cidadãos indignaram-se
com o fato de Antônio dispor de territórios de Roma
como se fossem de sua propriedade particular.
Otaviano obteve um juramento de fidelidade de
todas as classes sociais romanas e declarou guerra
a Cleópatra.
OTAVIANO, IMPERADOR
O conflito foi decidido com a vitória de Otaviano
na batalha naval de Áctio, em 31 a.C. Cleópatra
voltou ao Egito com o que restava de sua
esquadra; Antônio acompanhou-a. No ano
seguinte, Otaviano lançou-se contra o Egito, onde
Antônio, incapaz de organizar uma defesa efetiva,
suicidou-se. Percebendo que jamais chegaria a um
acordo com Otaviano, Cleópatra também se matou.
Em 29 a.C., Otaviano foi recebido
triunfantemente em Roma. Com Lépido afastado do
poder desde 36 a.C. e Antônio morto, o herdeiro de
César era o único senhor do Império. Mas,
convencido de que só teria condições de consolidar
sua posição se preservasse formalmente as
instituições republicanas, agiu de modo cauteloso.
Restabeleceu o patrimônio das famílias patrícias
arruinadas para que a República aristocrática
voltasse a ser viável, mas permitiu que o Senado e
as Assembléias o cumulassem de poderes.
Otaviano conservou a chefia suprema das forças
armadas, “expurgou” o Senado em 28 a.C.,
reduzindo o número de seus membros para
seiscentos, e foi nomeado princeps senatus (chefe
do Senado). Desse título, assumido também por
seus sucessores, derivou-se “principado”,
designação do regime de governo que vigorou na
primeira fase do Império (27 a.C. até fim do século
II d.C.). No principado, embora teoricamente o
governante reconhecesse ser apenas chefe do
Senado, sua autoridade era a de um monarca:
detinha o poder legislativo, executivo e judiciário;
podia propor leis ou decretos às Assembléias e ao
Senado, fazê-las executar e punir quem as
violasse. Esses poderes fundamentaram a
autoridade imperial, num momento em que as
famílias aristocráticas fugiam ao exercício dos
onerosos cargos públicos.
Em 27 a.C., numa sessão que, para muitos
estudiosos, assinala o início da concentração
imperial de poderes, Otaviano declarou sua
intenção de devolver todas as prerrogativas
extraordinárias que recebera. Os senadores
rogaram-lhe que permanecesse na chefia do Estado
e deram-lhe o título de Augusto, isto é, “sagrado”,
“divino”.
A PAZ ROMANA
Em sua missão de organização do Império,
Augusto contou com o auxílio de figuras destacadas
na vida romana, como Caio Clínio Mecenas e
Agripa, na área político-militar, e Virgílio, Horácio e
Tito Lívio, no campo cultural. Dedicou especial
atenção a Roma, organizando-a em bairros e
construindo numerosos monumentos. Além disso,
preocupou-se com a agricultura, impulsionando o
enriquecimento das províncias e distribuindo terras
(sobretudo aos veteranos). Augusto apoiou a classe
do pequeno campesinato e incentivou o comércio.
No plano político, criou um conselho especial
CLIO História – Textos e Documentos
constituído por parentes, amigos e outros que lhe
eram devotados (base do consilium principis).
Com o tempo, as decisões desse conselho
privado ganharam a força dos senatus consulta,
enquanto o Senado recebia a administração das
finanças do Estado (aerarium) e o governo das
províncias pacificadas. Mas os senadores
mostraram-se incapazes de exercer até mesmo
essas limitadas funções, atribuindo toda a
responsabilidade ao imperador.
As assembléias e comícios foram se reunindo com
freqüência cada vez menor e, em 18 a.C., o direito
dos plebeus à ocupação de cargos públicos
praticamente se extinguiu, com a lei que abria os
cargos apenas aos possuidores de mais de 400 000
sestércios.
Até o século V d.C. os tribunos e cônsules
continuaram a ser eleitos, mas, como os principais
poderes tinham passado para o “príncipe”, suas
funções tornaram-se mais administrativas que
executivas e, finalmente, degeneraram em meros
títulos honoríficos.
No plano externo, Augusto procurou ampliar as
fronteiras do Império anexando a Numídia, a Récia,
a Vindélica e a Panônia. Mas alguns desastres na
Dalmácia e na Germânia, no curso dos quais
milhares de soldados romanos morreram – entre os
quais Druso, seu enteado, e Públio Quintílio Varo,
seu amigo –, levaram Augusto a decidir-se pela
fortificação do Império e por uma política
defensiva. Era a pax romana, estendida sobre todo
o Ocidente.
Em 9 de agosto de 14 d.C., após ter dirigido por
mais de quarenta anos o maior Estado da
Antiguidade, Otaviano morreu. Seu reinado passou
para a História com o nome de “a idade de ouro”,
numa alusão à paz e à prosperidade desfrutadas
durante o seu governo.
Não tendo filhos, Augusto escolheu como
sucessor seu enteado Tibério, filho de Lívia e de um
patrício da ilustre família Cláudia. Considerado um
dos mais brilhantes generais de sua geração, o
futuro imperador foi adotado como filho por
Augusto, que lhe conferiu as prerrogativas do
imperium e da tribunicia potestas (poderes dos
tribunos da plebe).
A sociedade na idade de ouro
A pax romana trouxe benefícios a todos,
sobretudo aos romanos. Cada cidadão tinha em
média dois ou três escravos (havia os que não
tinham nenhum e outros que possuíam muitos).
Um fluxo continuo de caravanas abastecia Roma
de mercadorias de primeira necessidade e
supérfluas: madeira e minério, trigo e frutas,
tecidos e jóias, azeite e cavalos de corrida. Navios
carregados ancoravam nos portos de Óstia,
Nápoles, Bríndisi e Rímini, trazendo bens e
escravos dos confins do Império. Alguns cidadãos
tornaram-se mais ricos que o próprio Augusto; a
maioria da população deixou de trabalhar, pois,
após a conquista do Egito, a abundância de trigo
era tamanha que permitia a sua distribuição de
graça ou quase de graça.
Muitos preenchiam o otium (ócio) estudando,
aprendendo línguas estrangeiras, arte e literatura.
A maioria dos ricos, porém, entregava-se a
colossais banquetes e a divertimentos cada vez
mais grosseiros, em estúpidas exibições de luxo e
riqueza. A plebe passava a maior parte do tempo
assistindo a lutas violentas, às expensas do Estado.
Era a degeneração dos costumes romanos. Os
resultados embora não imediatos, quando se
revelaram, foram catastróficos.
A crise do Império Romano
Nos dias de hoje os limites de um país são
definidos por um simples traçado no mapa ou por
um discreto posto destinado à polícia de fronteira.
No Império Romano, porém, as fronteiras,
demarcadas por monumentos e construções, eram
mais que concretas. A Muralha de Adriano, entre a
Inglaterra e a Escócia, constitui um dos mais
notáveis desses marcos. E uma barreira defensiva
de 118 km de extensão, que corta a Grã-Bretanha
de costa a costa. A manifesta intenção de defesa
contida nessas grandiosas obras era, sem dúvida,
um indício de que os romanos ganhavam
consciência de suas fraquezas e do gradativo
declínio de seu império.
O “LIMITES” ENTRE OS BÁRBAROS E OS
ROMANOS
Quase todas as fronteiras do Império Romano
eram assinaladas por um limite (limes), cuja
principal função era defensiva. Tratava-se de
estradas fortemente guarnecidas ao longo da
fronteira, que dispunham de torres de vigia
colocadas a distâncias regulares. Dessa maneira
era possível controlar qualquer tipo de
movimentação.
Em caso de invasão, os soldados romanos tinham
ordem de recuar até uma posição predeterminada,
onde encontrariam reforços. Dispondo de estradas
pavimentadas e superprotegidas, as tropas
romanas deslocavam-se a uma velocidade superior
à dos invasores, obrigados a movimentar-se em
terreno inóspito.
A resistência era organizada na retaguarda, onde
se aquartelavam os manípulos (unidades de
composição variável entre 100 e 160 homens) e as
centúrias (grupos de 100 soldados). Quando a
invasão era maciça, as tropas deveriam recuar
mais ainda e concentrar-se junto às pequenas
cidades de fronteira, onde estacionavam as legiões.
Por muitos séculos esse sistema permitiu uma
defesa eficiente do império contra as agressões.
O jogo do poder
Depois de vencer Marco Antônio e consolidar sua
autoridade sobre a decadente República, Caio Júlio
César Otaviano – denominado Augusto – tornou-se
o chefe supremo de 50 000 soldados. O poder
assentava-se sobre as legiões, e estas, que o
haviam levado à vitória, poderiam derrubá-la a
qualquer momento. Para neutralizá-las, Augusto
desmobilizou cerca de 300 000 homens, dando-lhes
terras e compensações em dinheiro. Manteve na
ativa apenas as legiões aquarteladas nas províncias
mais distantes, onde podiam exercer funções
defensivas sem ameaçar o poder em Roma.
CLIO História – Textos e Documentos
Essa política iniciou um processo de
“provincialização” do exército, que se acentuou nos
séculos seguintes. As legiões começaram a ser
formadas por soldados profissionais, comandados
por um general também mercenário.
A partir desses elementos, pode-se concluir que a
queda do Império Romano não foi direta e
exclusivamente provocada pela ascensão dos
bárbaros, que invadiram as fronteiras do império.
Esse processo começou muito antes, com a crise
interna do exército, que se estendeu a outros
setores da sociedade.
OS SUCESSORES DE AUGUSTO Tibério – Dez
anos antes de morrer, Augusto adorou Tibério
como filho e o nomeou seu herdeiro. Acatando sua
vontade, em 14 d. C., o Senado legitimou a
sucessão, atribuindo a Tibério as honras de
imperator, princeps e o ti’tulo de Augustus (que se
tornou hereditário). Bom imperador no inicio,
Tibério pouco a pouco transformou-se num tirano
impiedoso. Morreu no ano 37.
Calígula – Em criança, Caio César Germânico
recebeu o apelido de “Calígula” (pequena bota) por
sua mania de andar calçado com as caligae, botas
militares feitas com tiras de couro e pregos na sola.
Como era herdeiro da imensa fortuna da dinastia
Julio-Claudia (a mesina de César e Augusto), o
Senado não pôde deixar de proclamá-lo imperador.
Considerado por todos um desequilibrado mental,
Calígula não logrou marcar sua passagem pelo
governo imperial coai qualquer realização. Mandou
decapitar vários senadores, e alguns relatos dizem
que, num gesto de profundo desprezo pelas
instituições romanas, nomeou cônsul seu próprio
cavalo. Foi assassinado pela guarda pretoriana no
ano 41.
Cláudio – Os pretorianos imediatamente alçaram
ao poder o estudioso Cláudio, tio de Calígula.
Pretendiam dominar um imperador frágil e, dessa
maneira, conservar a autoridade efetiva, mas para
surpresa geral Cláudio revelou-se um administrador
competente. Governou com grande sabedoria,
restituindo ao Senado parte do poder perdido.
Expandiu o império, conquistando o atual Marrocos
e submetendo definitivamente a Bretanha
(Inglaterra). Morreu envenenado por Agripina, mãe
de Nero, no ano 54.
Nero – E o mais tristemente famoso dos
imperadores romanos, devido ao incêndio de Roma
e ao massacre dos cristãos. Apesar dos seus
desmandos, assessorado pelo prefeito pretoriano
Burro e pelo filósofo Sêneca, exerceu um governo
equilibrado até 62. Afastados os conselheiros,
concentrou autoritariamente todo o poder em sua
própria pessoa. O caos se instalou a tal ponto no
império que as legiões rebelaram-se, cada urna
delas querendo impor seu “imperador”. Em 68 Nero
foi declarado inimigo público pelo Senado e para
não ser preso fez-se matar por um servo.
Vespasiano – Durante o ano 69 estiveram
precariamente no poder pelo menos três
imperadores, cada um deles apoiado por suas
legiões. A disputa foi vencida pelo general Tito
Flávio Vespasiano, “candidato” das tropas do
Oriente. Era o começo de uma nova dinastia, a
Flaviana. Vespasiano reorganizou o império: fundou
muitas cidades e patrocinou maior romanização da
cultura nas províncias. Iniciou a construção do
anfiteatro Flaviano ou Coliseu. Morreu em 79.
Tito – Filho de Vespasiano, famoso por suas
campanhas na Palestina (onde sufocou unia
violenta rebelião e se apoderou dos tesouros de
Jerusalém), Tito governou com sabedoria e
generosidade, obtendo grande aceitação popular.
Morreu cor 81. Seu reinado durou apenas dois
anos.
Domiciano – Irmão de Tito, foi um imperador
enérgico e cruel. Consolidou as fronteiras na
Bretanha e na Germânia. Travou uma longa disputa
com o Senado, a fim de limitar seus poderes, e
perseguiu violentamente os cristãos. Foi
assassinado em 96, com a cumplicidade de
Domícia, sua mulher. Tinha então 45 anos.
PROSPERIDADE E DECLÍNIO
O século II da era cristã foi a idade áurea do
Império Romano. Áurea e contraditória: enquanto
Roma estendia sua influência cultural e econômica
até as mais distantes regiões, uma crise
generalizada tornava conta do núcleo original do
império, a cidade de Roma e a península Itálica.
Crise moral
Jesus Cristo nasceu durante o reinado de Augusto
e foi supliciado quando Tibério era imperador. Em
pouco tempo o cristianismo difundiu-se por todo o
mundo romano. No mesmo período surgiram
doutrinas filosóficas que falavam de coisas que um
legionário das Guerras Púnicas teria considerado
indignas de um “verdadeiro romano”: fraternidade,
liberdade, piedade e justiça.
Do ponto de vista da história da civilização, esses
novos estilos de pensamento representavam um
passo adiante. Mas eles suscitavam dúvidas que
abalavam os valores firmados pelas próprias
estruturas da sociedade romana: “Seria justo
obedecer a um imperador como se ele fosse um
deus?” “Seria justo matar e morrer pelo poderio de
Roma?” “Seria justo que Roma dominasse o
mundo'?”
Corrupção dos costumes
Enquanto alguns se convertiam secretamente ao
cristianismo ou seguiam alguma outra filosofia
“humanitarista”, a maior parte da população
aprovava o, martírio dos cristãos, considerados
inimigos do Estado. Com freqüência cada vez
maior, o sacrifício dos cristãos era transformado em
espetáculo público, nas arenas do majestoso
Coliseu. Muitos tinham simplesmente abandonado a
antiga religião, sem substituí-la por outra. Os
indivíduos queriam enriquecer, gozar a vida, e
ignoravam deliberada-mente os problemas da
comunidade. A crise das instituições romanas
tradicionais atingia agora os costumes.
Crise econômica
Um dos grandes orgulhos da Roma Imperial era a
rapidez e eficiência de seus transportes. Navios de
três cobertas transportavam de 250 a 1 000 t de
mercadorias. A uma velocidade média de 5 nós
CLIO História – Textos e Documentos
(cerca de 9 km/h), com ventos favoráveis,
embarcações levando o máximo de carga
percorriam 220 km por dia.
Em quatro dias, ia-se de Óstia a Tarragona, na
Espanha; em dois dias chegava-se em Cartago;em
três,em Marselha; em nove dias atingia-se
Alexandria, no Egito. De março a outubro, os mares
eram cruzados por navios abarrotados de
mercadorias destinadas a Roma e outras cidades
italianas.
Alimentada pela própria expansão imperial, Roma
tornava-se uma cidade exclusivamente
consumidora. A mão-de-obra livre, necessária para
arar a terra, para fazer funcionar a indústria e o
comércio, era muito cara. E, devido aos longos
decênios de paz e a derrota da pirataria, eram
reduzidas as possibilidades de se conseguir
escravos. O resultado é que os campos romanos
retraíram-se: era mais conveniente deixar ao léu os
latifúndios do que empregar dinheiro no pagamento
dos trabalhadores da terra
Quanto aos produtos industriais, as províncias
que se encarregassem de produzi-los, e os navios e
caravanas de carros que tratassem de fazê-los
chegar a Roma. Essa situação não poderia durar
eternamente. A crise econômica instalada na Itália,
centro nervoso do império, aos poucos iria se
alastrando implacavelmente por todos os seus
domínios.
OS IMPERADORES DA IDADE ÁUREA
Trajano (98/117) – Seu predecessor, Nerva,
reinou por apenas dois anos, mas estabeleceu dois
importantes princípios: colaboração com o Senado,
para evitar que a nobreza romana se revoltasse
contra o soberano,e designação do sucessor,
adotado como filho pelo imperador.
Foi assim que pela primeira vez um
“provinciano”, o espanhol Trajano, governador da
Germânia Superior, subiu legitimamente ao trono
dos Césares.
Trajano governou com sabedoria. Conquistou a
Dácia (Romênia), a Armênia, a Mesopotâmia e
parte da Arábia. Com ele, o império atingiu sua
máxima extensão em territórios ocupados. Morreu
na Cilicia, sendo reconhecido como um dos mais
notáveis imperadores.
Adriano (117/138) – Também espanhol,
encerrou a fase de expansão e começou a de
defesa: enfatizou a política de alianças e construiu
muralhas nas fronteiras da Bretanha, Germânia,
Dacia e Mauritânia. Amava as artes e a cultura.
Favoreceu a criação de monumentos por todo o
impe-rio. Para seu túmulo, fez erguer sobre o Tibre
o Mausoléu de Adriano.
Antonino Pio (138/161) – De origem gaulesa,
recebeu do Senado a designação de “pio”
provavelmente pela reverência que prestou à
memória de Adriano. Deu prioridade à
administração da Itália, da qual nunca se afastou
durante seu longo reinado Até sua morte, viveu
retirado em, sua casa de campo, perto de Roma,
deixando ao Senado a responsabilidade pelos
negócios do Estado.
Marco Aurélio (161/180) – Foi um imperadorfilósofo, estudioso e escritor. Admirável por sua
extrema habilidade de governante, conduziu
energicamente duas guerras contra os inimigos de
Roma que ameaçavam o império pelas margens
orientais do Adriático. Só cometeu um erro de
graves conseqüências: nomeou herdeiro seu filho
Cômodo, que cedo se revelou incapaz e arbitrário.
No governo de Cômodo (180/192) a desordem
voltou a instaurar-se. As legiões se rebelaram,
dilacerando o império, cada uma tentando impor
seu próprio “candidato” ao poder supremo. Venceu
a disputa um general vindo da África oriental,
Sétimo Severo, que governou com férrea disciplina
militar até 211, quando morreu numa campanha
contra a Inglaterra.
Caracala (211/217) – Filho e sucessor de Sétimo
Severo, Caracala estendeu em 212 o direito de
cidadania a todos os cidadãos do império. Mandou
construir em Roma as mais grandiosas termas de
que se tem notícia: as Termas de Caracala,
inauguradas em 216. No ano seguinte' foi
assassinado. Com sua morte, o império passou a
ser palco de violentas disputas pelo poder.
Enquanto isso acentuava-se a crise econômica.
Chegava ao fim a idade áurea do Império Romano.
“MORITUR ET RIDET”
Algumas décadas depois, referindo-se ao destino
do império que fora a maravilha do mundo, um
escritor latino plasmou a frase que se tornaria
famosa: Moritur et ridet, ou seja, “morre e ri”.
O luxo, as festas e os espetáculos nunca foram
tão ostensivos como durante esse período. Por
outro lado, era evidente que uma época gloriosa da
história do mundo estava se encerrando. Da idade
do ouro caminhava-se para uma soturna idade do
ferro e das espadas.
As décadas “negras”
O século III, espectador da anarquia militar, foi o
século "negro”. Com algumas exceções, durante
esse período o título de imperador foi usado por
soldados incultos, apoiados por exércitos que de
romanos tinham só o nome. Em geral, eram
integrados por bárbaros e mercenários, sediados
nas regiões mais longínquas e pobres do império.
O poder central era extremamente frágil. Os
imperadores mantinham-se no trono por tempo
curto e caíam de modo violento: na sua maioria
eram vítima de conspiração e assassinato.
O tradicional orgulho romano sofria sucessivas
humilhações. Desde o leilão da coroa imperial –
farsa encenada pelas legiões –, passando pelo
evento do milésimo aniversário da fundação de
Roma, ironicamente comemorado por um
imperador árabe, Felipe Árabe (filho de um xeque
que conseguira manter-se no poder durante alguns
meses), até a intolerável desonra acontecida com o
imperador Valeriano, que, aprisionado durante uma
batalha em 260, morreu como refém nas mãos dos
inimigos de Roma.
Ameaças externas
Enquanto o império enfraquecia, crescia a
coragem dos povos não romanos acantonados nas
fronteiras. Em numerosas ocasiões as legiões
romanas viram-se na contingência de enfrentar
CLIO História – Textos e Documentos
invasores substancialmente mais fortes, ainda que
menos organizados. Manter o equilíbrio dessa
situação custou um alto preço. Territórios inteiros
tiveram que ser doados. Inimigos de ontem
tornavam-se aliados arrogantes.
Ninguém ousava ainda sonhar que esses aliados
incultos seriam os futuros donos do império.
A verdade é que Roma e a própria península
Itálica deixavam de existir enquanto unidades
produtivas. A agricultura fora abandonada e as
limitadas jazidas minerais italianas estavam
exauridas. As indústrias e lojas de artesãos
fechavam suas portas, devido ao alto custo da
mão-de-obra, da concorrência estrangeira e da
voracidade do fisco, que tornavam essas atividades
pouco rentáveis. Em resumo, o núcleo original do
mundo romano desmoronava com rapidez.
Era de se esperar que a Itália sentisse a crise
mais diretamente. Havia mais de um século que a
península vivia dos frutos – importados – do
trabalho alheio. A tudo isso acrescentava-se a
necessidade cada vez maior de dinheiro que o
imperador demandava para pagar as legiões que o
apoiavam, assim como os funcionários que, bem ou
mal, mantinham o sistema imperial em atipidade.
Na verdade, a corrupção já era parte integrante do
sistema, e o orçamento tinha que absorver, além
de salários e honorários, a parcela correspondente
às propinas. A indisciplina e a desordem
administrativa eram generalizadas. Os funcionários
encarregados de cobrar os impostos, lá onde isso
ainda era possível, desviavam abertamente uma
considerável parcela para si próprios.
Cada imperador aumentava os impostos na razão
direta do aumento dos gastos públicos. Os antigos
patrícios sentiram-se ultrajados quando também
tiveram de pagar impostos regulares, antes
obrigatórios apenas para os plebeus. Essa
indignação pode ser avaliada a partir dos
numerosos escritos deixados por pessoas de origem
nobre, em que se lastimam, declarando que era
melhor viver como “pobre” entre os bárbaros do
que como cidadão romano.
Abandonando as cidades
Apesar dos altos impostos que recolhia, o Estado
não garantia nem mesmo os serviços essenciais. A
delinqüência aumentara incontrolavelmente e não
havia polícia. O comércio sofria os efeitos da falta
de segurança das estradas e dos portos. Ninguém
tinha capacidade para devolver a paz aos mares
invadidos por novos piratas.
O resultado foi que os potentiores (proprietários
poderosos) mais perspicazes começaram a
abandonar os centros urbanos, inseguros e
carentes de serviços. Instalavam-se em suas casas
de campo, fortificando-as com torres e altos muros.
As populações locais passaram a pedir-lhes
proteção, oferecendo seu próprio trabalho em troca
do privilégio de abrigar-se naqueles núcleos.
Tornavam-se servos do grande proprietário rural,
logo denominado dominus (senhor, tratamento
anteriormente reservado apenas aos deuses ou ao
imperador). A crise global do império, exigindo
novas estratégias de vida, criava as bases para a
organização social da Idade Média.
Última tentativa para salvar o império
Em 284, um soldado da Ilíria (atual Iugoslávia)
chamado Diocle tornou-se imperador, com o nome
de Diocleciano. Através de profunda reforma
administrativa, durante algum tempo ele conseguiu
restabelecer a dignidade do império. Dividiu as
províncias em dois blocos, confiando cada um deles
a um imperador que levava o título de Augusto. O
próprio Diocleciano encarregou-se do Oriente
enquanto o Ocidente foi entregue a um general de
confiança, Maximiano. Cada uma das metades foi
subdividida em duas partes, administradas por um
subalterno com o título de César. Era a
“tetrarquia”, um governo de quatro. Criaram-se
quatro capitais: Milão, na Itália; Nicomédia, na Ásia
Menor; Treves, na Alemanha; Sírmio, na
Iugoslávia. Todas essas cidades situavam-se perto
de fronteiras, que eram cada vez mais ameaçadas
pelos bárbaros.
No terreno econômico-social, Diocleciano impôs
preços e salários fixos e, para evitar o abandono do
trabalho, criou um sistema em que as profissões
deveriam ser transmitidas hereditariamente. O filho
do camponês deveria ser camponês na mesma
terra; o filho do artesão teria a profissão do pai.
Desse modo, retardou por algumas décadas a
agonia do império e criou os instrumentos para que
se estabelecesse uma nova ordem social, baseada
no trabalho servil e nas corporações de ofício.
O Império RomanoCristão
Duas letras gregas, o chi (X, =
C) e o rho (P, = R), formavam um
dos símbolos usados pelos cristãos
primitivos para representar Jesus
Cristo, pois indicavam as primeiras letras do seu
nome. Além disso, curiosamente, o chi lembra a
forma de uma cruz. Além desses símbolos gráficos,
havia muitos outros, entre eles o peixe e o
cordeiro.
Quando Jesus nasceu, os judeus da Palestina
gozavam de privilégios raramente concedidos às
populações das províncias romanas. Estavam
desobrigados de participar das cerimônias religiosas
oficiais, inclusive do culto aos imperadores, pois
sua religião, além de monoteísta, proibia a
adoração de imagens; apesar disso, tinham acesso
aos cargos públicos e chegavam a receber a
cidadania romana. Haviam conseguido um governo
local próprio, sujeito apenas a uma espécie de
supervisão dos romanos.
Tais regalias não representavam o
reconhecimento, por Roma, do poder de Jeová, ou
das virtudes do monoteísmo, que distinguia os
judeus dos demais povos da Antiguidade. Haviam
sido outorgadas por Augusto como uma
recompensa ao povo da Judéia, que o auxiliara, em
31 a.C., na luta contra seu rival Marco Antônio.
No tempo de Cristo, o principal local de culto dos
hebreus era o santuário de Jerusalém, que deveria
CLIO História – Textos e Documentos
ser visitado pelo menos uma vez na vida, mesmo
pelos judeus que não vivessem na Palestina. E
havia milhares deles espalhados em quase todas as
províncias romanas, sobretudo nas regiões asiáticas
que haviam pertencido sucessivamente aos
babilônios, aos persas e a Alexandre da Macedônia.
Eram os judeus da Diáspora, palavra grega que
significa “dispersão”.
Durante séculos os judeus alimentaram a
esperança de que em breve viria um Messias para
resgatá-los da dominação estrangeira,
reconduzindo-os às glórias da época de Davi e
Salomão. Foi nessa atmosfera de intensa convicção
religiosa que nasceu Jesus. Segundo os
Evangelhos, até os 30 anos ele ganhou a vida como
carpinteiro na cidade de Nazaré. Em seguida
tornou-se pregador itinerante, vivendo em extrema
pobreza. Reuniu em torno de si um grupo de
discípulos, enquanto se difundia sua reputação de
homem humilde e caridoso. Jamais contradisse os
preceitos do Velho Testamento, mas sua
mensagem diferia da dos antigos profetas pela
importância que dava ao amor no sentido de
fraternidade e bondade. Isso, naturalmente, incluía
o desapego aos bens materiais e a força para
enfrentar as vicissitudes deste mundo. A
recompensa viria com a vida eterna no reino dos
céus, aberto a todos os justos, especialmente os
pobres e desprezados. Muitos acolheram-no como o
Messias, outros o viram como um perigoso
agitador. Mas Jesus não prometia uma libertação
política “neste mundo” e seus ensinamentos eram
uma crítica à ordem religiosa e social dos judeus de
seu tempo.
A “BOA NOVA”
Entre os que se opunham a Jesus estavam os
sacerdotes, pertencentes ao grupamento político
religioso dos saduceus, que o acusaram de
blasfêmia quando ele se proclamou Filho de Deus.
De acordo com a lei hebraica, esse ato era punido
com a morte, mas, como o tribunal judeu – o
Sinédrio – não tinha competência para impor a
pena capital, Jesus foi conduzido a Pôncio Pilatos,
procurador (governador) romano da província.
Após uma apressada audiência, Pilatos acolheu a
solicitação dos sacerdotes e expediu a sentença:
morte por crucificação, a mais infame de toda as
penas previstas pela lei romana.
Segundo o Novo Testamento, Jesus ressuscitou
ao terceiro dia e teve vários encontros com os
discípulos, dando a cada um deles a obrigação de
pregar o Evangelho (do grego euangelion = boa
nova). Os discípulos transformaram-se, então, em
apostili, ou seja, em enviado.s, mensageiros e
anunciadores da doutrina de Jesus. Nascera mais
uma das várias seitas judaicas: o novo credo,
fundamentado na vinda do Messias, na ressurreição
do corpo e na volta de Jesus Cristo, não impedia
que os apóstolos continuassem a obedecer à maior
parte dos ritos hebraicos e a freqüentar o templo,
em cujo átrio pregavam.
Por algum tempo as autoridades de Jerusalém
toleraram a nova e pequenina seita. Mas, como em
poucos anos o número de “nazarenos” aumentou
de 120 para 8 000, os sacerdotes alarmaram-se, e
os apóstolos começaram a ser detidos. Assim, na
terceira década da era cristã, Estevão, chefe cristão
dos gregos convertidos, foi condenado à morte por
apedrejamento em Jerusalém.
Mas a cisão definitiva entre judeus e cristãos só
se efetuou em 66, quando os judeus se rebelaram
contra Roma, e os “nazarenos” de Jerusalém,
alegando que o fim do mundo estava muito
próximo para que se preocupassem com política,
saíram da cidade e se estabeleceram às margens
do rio Jordão.
A DIFUSÃO DO CRISTIANISMO
Quando, no ano 70, Tito ordenou a destruição do
templo de Jerusalém, como punição à revolta dos
judeus, os cristãos viram nesse fato a realização de
uma profecia de Jesus. A partir de então o
cristianismo não fez muitos adeptos entre os
judeus, pois ignorava seus esforços de libertação
do jugo romano.
Paralelamente, os apóstolos espalhavam a “boa
nova” entre os judeus da Diáspora, de Damasco a
Roma. Filipe conseguiu adeptos em Samaria e
Cesaréia; João criou uma forte comunidade cristã
em Éfeso, e Pedro evangelizou numerosas cidades
da Síria e da Ásia Menor.
O grande missionário
Um dos convertidos ao cristianismo estava
destinado a tornar-se o maior de todos os
missionários cristãos. Era Paulo, um judeu
possuidor de cidadania romana e que participou em
Jerusalém da primeira perseguição aos cristãos por
volta do ano 30. Cinco anos depois, quando seguia
para Damasco, Paulo teve uma profunda
experiência religiosa na qual acreditou ter tido uma
visão de Cristo.
Converteu-se imediatamente e transformou-se
num missionário infatigável. Percorreu a Grécia e a
Ásia Menor, atraindo para o cristianismo tanto
judeus quanto gentios; não se cansava de repetir
que o cristianismo não era uma seita do judaísmo.
Seu apostolado resultou na adesão de dezenas de
milhares de gentios (não judeus), que formavam a
maior parte da população do Império Romano.
O cristianismo primitivo
Graças ao intenso trabalho de Pedro, Paulo e
outros apóstolos, o cristianismo estava firmemente
estabelecido no final do século I. Os cristãos
reuniam-se em recintos privados, organizados
segundo o modelo judeu da sinagoga; a
congregação recebia o nome de eklesia (igreja). No
domingo, dia da ressurreição do Senhor, os cristãos
reuniam-se para o rito semanal. Os sacerdotes liam
as Escrituras, oravam e pregavam sermões
doutrinais. No século II, essas cerimônias tornaram
a forma da missa, baseada em rituais judaicos
(orações, leituras de salmos, prédicas) e de outras
religiões da época (a comunhão – na qual o pão e o
vinho são concebidos como símbolos do corpo e do
sangue de Cristo – inspirava-se num rito sacrifical).
O que existia de realmente novo era a exigência
de uma vida baseada nos preceitos cristãos. A fé,
segundo Cristo, devia refletir-se nas boas obras;
todos os bens eram partilhados em comum;
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louvavam-se o celibato e os laços de família. O
crente deveria, em suma, fazer de sua vida um
exemplo de piedade e virtude.
AS PERSEGUIÇÕES
Sendo Roma a capital do Império Romano, era
natural que os discípulos de Cri.sto acorressem
para evangelizá-la. Pedro chegou a Roma por volta
do ano 40, e Paulo cerca de vinte ano.s depois.
Ambos morreram em 64, o primeiro crucificado e o
segundo decapitado, no tempo do imperador Nero.
Antes de Nero, os cristãos tinham sido
considerados, em Roma e nas províncias, como
praticante.s de uma seita judaica, e, portanto,
estavam isentos de freqüentar as cerimônias
religiosas oficiais. Logo, porém, tornou-se evidente
que os cristãos não deviam ser tratado.s como
judeus: as relações entre os "nazarenos’' e as
várias seitas judaicas estavam longe de serem
amigáveis. Contudo, os cristãos continuaram a
recusar a participação nas cerimônias oficiais, nas
funções públicas e no exército, para não prestar
juramento em nome de desses pagãos.
Nero inaugurou as perseguições fazendo executar
Pedro e Paulo e vários milhares de cristãos. Muitos
foram destroçados por animais ferozes; outros,
abatidos por gladiadores. As perseguições
prosseguiram sob Domiciano (81/96), Trajano
(98/117) e Marco Aurélio, o imperador dos filósofos
(161/180). Cessaram na época de Cômodo
(180/192) e retornaram com Sétimo Severo
(193/211). Seguiu-se um período de trégua, mas,
no século III, Décio, Valeriano e Diocleciano
fizeram tentativas sucessivas para destruir os
cristãos em todo o império. Nessa época, Roma
estava acossada pelos bárbaros que ameaçavam as
suas fronteiras, depauperada economicamente:
uma onda de sentimento religioso, patriotismo e
medo tomou conta da população. Os cristãos, à
margem do tumulto e hostis ao serviço militar,
foram responsabilizados pelo colapso. Por fim, o
governo imperial viu-se forçado a desistir das
perseguições, pois elas pareciam só aumentar 0
número de fiéis. A última campanha em larga
escala encerrou-se em 311.
As catacumbas
Na época das perseguições, as catacumbas
serviam de local de refúgio aos cristãos, embora
não tivessem sido construídas com esse objetivo.
Na realidade foram criadas por volta do ano 100,
quando os cristãos de Roma, adotando as tradições
sírias e etruscas, começaram a enterrar os mortos
ad catacumbas (nas cavidades), possivelmente
mais por economia de espaço do que para
ocultamento. Extensas galerias subterrâneas eram
abertas em vários níveis e as paredes recebiam até
três corpos, dispostos horizontalmente.
O COLAPSO DE ROMA
Apesar de os imperadores e a população romana
fiel aos deuses tradicionais atribuírem aos cristãos
a debilitação de Roma, as dificuldades que
assolavam o império decorriam de sua própria
organização política, social, econômica e jurídica.
Em 212, por exemplo, o imperador Caracala tinha
concedido a cidadania a todos os que viviam nas
várias províncias de Roma (cerca de 100 milhões
de pessoas). A intenção não era humanitária;
simplesmente visava obter maior arrecadação de
taxas, conseguir recursos para os cofres imperiais.
A pesada tributação, de resto, levara gradualmente
à decadência do comércio e das manufaturas e à
transferência de significativas parcelas da
população para as regiões não romanizadas, onde
estavam a salvo dos coletores.
E além disso havia os “bárbaros”, as tribos
nômades que pressionavam as fronteiras do
império. Em 293, Diocleciano tentou sanar todos
esses problemas por meio de uma profunda
reforma administrativa. Para melhor defender os
territórios romanos dividiu-os em duas partes, a
oriental e a ocidental. Cada uma dessas partes foi
subdividida em duas outras, criando-se desse modo
quatro unidades territoriais.
Para evitar que após a sua morte o império fosse
destroçado pelas lutas entre os pretendentes,
Diocleciano criou a tetrarquia (governo de quatro).
Dois eram imperadores de fato (os augustos) e
residiam em Nicomédia, no Oriente, e em Milão, no
Ocidente. Cada augusto era auxiliado por um césar,
que deveria sucedê-la. Mas o sistema só funcionou
enquanto Diocleciano esteve no poder.
Para resolver a grave crise econômica,
Diocleciano estatizou as manufaturas, o comércio e
as corporações de artesãos. Essas medidas, porém,
quase nada resolveram. Cada reforma ampliava os
custos com a administração, e não havia recursos
para efetuá-las.
A VITÓRIA DO CRISTIANISMO
Enquanto o império entrava em vertiginosa
queda, o número de cristãos multiplicava-se de ano
para ano; entre seus adeptos havia patrícios, altos
oficiais e até mesmo membros da família imperial.
Os cristãos, na verdade, constituíam uma sociedade
à parte, que funcionava perfeitamente no interior
da estrutura social romana em crise generalizada.
O alto prestígio moral e a devoção dos fiéis
atribuíram uma dimensão de autoridade civil à
hierarquia religiosa, sobretudo nas províncias onde
seu poder era real e reconhecido. Os presbiteroi
(presbíteros), os padres, eram, na prática, a
autoridade máxima nas paróquias ou bairros
administrativos em que eram divididas as cidades
do império. Gradativamente, a autoridade do bispo
(chefe religioso de uma cidade) tornou-se mais
respeitada que a do prefeito romano; para a
população de uma província era mais importante a
palavra do metropolita, ou arcebispo, que a do
governador romano. E, pouco a pouco, o sínodo, ou
assembléia de bispos, assumiu as funções das
assembléias provinciais. Uma carta encíclica, ou
seja, uma “circular” assinada pelo papa e difundida
com rapidez por todo o império, tornava-se lei
férrea para milhões de cristãos.
A aliança com os cristãos
Em 305 Diocleciano e Maximiano, o outro
augusto, abdicaram; o criador da tetrarquia retirouse para seu palácio em Spalato, de onde
acompanhou o fracasso de dois de seus projetos:
CLIO História – Textos e Documentos
destruir os cristãos e garantir uma sucessão
pacífica. “O sangue dos mártires é semente”,
escrevia Tertuliano, teólogo cristão.
Diocleciano e Maximiano foram sucedidos por
Galério e Constâncio Cloro, que nomearam os
césares Severo e Maximiano Daia. Em 306 morreu
Constâncio Cloro, e a tetrarquia passou a reunir
Galério e Severo e os césares Maximiano e
Constantino, filho de Constâncio Cloro.
Aproveitando-se do descontentamento dos
pretorianos ameaçados de transferência ou
demissão e dos rumores de que Roma deveria se
sujeitar aos impostos provinciais, Maxêncio (filho
de Maximiano) proclamou-se imperador.
A disputa seria resolvida através de um complexo
jogo de alianças, durante o qual o império chegou a
ser entregue a seis augustos. Foi nesse período
confuso que, pela primeira vez, o cristianismo teve
sua influência política. Apesar da sanguinária
perseguição de Diocleciano, os cristãos eram um
poderoso elemento no jogo do poder; muito hábil,
Constantino soube utilizá-los. Apresentou-se como
defensor do cristianismo, contra o qual Maxêncio
ainda lutava, e na batalha de Ponte Milvia (312)
venceu Maxêncio com o auxilio dos cristãos. No ano
seguinte, juntamente com Licínio, o augusto do
Oriente, lançou o Edito de Milão, pelo qual o
cristianismo ganhava plena liberdade de culto. Leis
subseqüentes isentaram os sacerdotes do
pagamento de impostos e deram à Igreja o direito
de receber heranças.
Até então Constantino tivera em Licínio um
aliado. Mas, a pretexto de uma política de
perseguição de Licínio aos cristãos, Constantino
obrigou-o a abdicar, exilou-o e, depois, ordenou a
sua execução (324). Era o fim dos últimos
resquícios da reforma de Diocleciano; a unidade
administrativa era restabelecida. Roma, entretanto,
não voltaria a ser a capital: em 330 o imperador
ergueu a cidade de Constantinopla, no lugar de
Bizâncio, centro grego da Ásia Menor, e ali se
estabeleceu.
Após a morte de Constantino o império foi
novamente dividido. Seus sucessores favoreceram
os cristãos e perseguiram o paganismo, à exceção
de Juliano, conhecido na literatura cristã como
Juliano, o Apóstata, que reinou de 361 a 363.
A UNIFICAÇÃO DA DOUTRINA
Os ensinamentos de Jesus não tinham sido
elaborados num sistema completo e estavam
sujeitos a diferentes interpretações. Cada
missionário pregava a sua própria versão da
doutrina "nazarena"; em conseqüência, cada
congregação determinava suas próprias crenças.
Uma das controvérsias mais freqüentes versava
sobre a natureza de Jesus. A posição tradicional
que a Igreja aceitava era a de ser Cristo ao mesmo
tempo Deus e homem. Mas os monofisistas
negavam a Jesus os atributos do ser humano, e o
arianismo, a mais forte das heresias. dizia que
Cristo não era Deus nem homem, mas um ser
intermediário entre as naturezas humana e divina.
No século IV, as dissenções entre os cristãos
eram tantas que ameaçavam a paz do império.
Preocupado, Constantino convidou os dirigentes das
igrejas a se reunirem em Nicéia (325), onde foi
elaborada uma síntese da crença cristã – O Credo
de Nicéa – pela qual se definiu a natureza da
Santíssima Trindade e se fixou uma doutrina
católica, ou Seja, uma doutrina cristã universal.
A Igreja de Roma
O chefe espiritual da Igreja desde o século I era o
papa – o bispo de Roma. Sua autoridade repousava
no fato de que Jesus designara o apóstolo Pedro
como chefe da nova Igreja, e Pedro, que se tornara
o primeiro bispo de Roma, passara a direção de
toda a Igreja aos seus sucessores do bispado
romano.
Essa ascendência não foi aceita tranqüilamente,
nem mesmo nos primeiros tempos do cristianismo.
Mas, enquanto as demais igrejas discutiam a
natureza de Jesus, a Igreja de Roma dava
prioridade à sua organização e se fortalecia cada
vez mais. No século III sua posição era
incontestável: o papa exercia autoridade efetiva
sobre as comunidades cristãs do império.
A RELIGIÃO DO ESTADO
No final do século IV o imperador do Oriente,
Teodósio, foi impedido de entrar na basílica por
Ambrósio, bispo de Milão, a menos que se
penitenciasse dos seus pecados. Teodósio mandara
matar 6 000 pessoas em Tessalônica e, ao se
curvar às determinações do bispo, admitia
publicamente estar sujeito aos preceitos exigidos
de todos os cristãos.
O gesto de Ambrósio indicava que a Igreja tinha
o poder de disciplinar mesmo os mais elevados
dirigentes seculares. Era a vitória ostensiva do
cristianismo, que, em 380, era proclamado, pelo
mesmo Teodósio, religião oficial do Estado.
Nesse momento, muitas formas e costumes
pagãos já haviam sido incorporados pela Igreja: a
túnica usada pelos sacerdotes; o título de pontifex
maximus (sumo pontífice) para o papa; a
arquitetura do edifício religioso – a basílica (sede
do tribunal para os romanos); o uso do latim como
língua oficial da Igreja, a partir do século IV. A
organização da Igreja modelou-se pela do império,
com uma diferença: a eclesiástica funcionava
perfeitamente.
Queda do Império Romano do
Ocidente
“Do Ocidente chega uma pavorosa notícia: Roma
foi sitiada e pagou com ouro a salvação dos seus
cidadãos. Mas, depois de eles serem privados dos
seus bens, foram novamente assediados e, junto
com os bens, perderam a sua vida. Os romanos
foram vencidos mais pela fome do que pelas
armas.
Os poucos sobreviventes foram feitos
prisioneiros. A fúria dos famintos era tal que eles se
esquartejavam uns aos outros. Que dor para mim
ver essa antiga potência dissolver-se nessa miséria,
absolutamente privada de qualquer abrigo, comida
ou veste.”
CLIO História – Textos e Documentos
A carta acima, datada de outubro de 410, foi
escrita por São Gerolamo, que na época se
encontrava na Palestina, estudando as Sagradas
Escrituras.
O teólogo cristão difundia a notícia que
convulsionaria todo o mundo romano: no dia 24 de
agosto daquele ano, Alarico, rei dos visigodos,
entrara em Roma, inviolada havia oito séculos, e
saqueara a cidade. O relato de Gerolamo, porém,
exagerava os fatos, o que era natural: o
acontecimento foi muito ampliado pelos fugitivos. O
episódio teve grande repercussão, mais pelo
significado moral do que pelas conseqüências
materiais. Cristãos e pagãos se comoveram, pois
todos consideravam Roma uma cidade sagrada, e a
sua triste sorte acendeu um conflito entre os
adeptos das duas religiões, que se acusavam
reciprocamente de ter privado a capital da proteção
divina que a acompanhara durante séculos. Na
verdade, a queda de Roma não passou de um golpe
decisivo numa agonia que durava no mínimo
duzentos anos.
UMA AMEAÇA PERMANENTE
O problema dos “bárbaros”, populações não
romanas que pressionavam as fronteiras do
império, era tão antigo quanto o próprio império.
Por três séculos os conflitos haviam sido
controlados ou pela ação militar dos legionários ou
por acordos diplomáticos: os bárbaros podiam
permanecer nas fronteiras de territórios imperiais
desde que jurassem fidelidade a Roma. Muitos
engajaram-se como mercenários nos exércitos
romanos e alguns fizeram carreira militar.
Ação em cadeia
Os hunos são descritos pelos historiadores do
século IV como a “semente de toda a calamidade e
morticínio”. Na realidade, eram simplesmente um
povo nômade, oriundo de uma região entre a China
e a Sibéria, que ao longo de vários séculos
percorreu as estepes da Ásia central.
No século IV, impedidos em seu avanço para
leste pelos chineses, voltaram-se para oeste e, por
volta de 370, penetraram na Europa pela Rússia.
Os primeiros povos atacados foram os sármatas e
os alanos (ambos originários da Ásia e instalados
na Rússia européia). Uma parte deles foi
incorporada, outra fugiu para oeste, provocando o
deslocamento de povos eslavos e germânicos.
Entre eles estavam os visigodos, que obtiveram
refúgio ao sul do Danúbio, na atual Bulgária, em
território romano, com a autorização do imperador
Valente. Ali, maltratados por funcionários do
império, revoltaram-se, provocando a intervenção
do próprio imperador, que acabou morrendo em
Adrianópolis (378), numa batalha contra o povo
que acolhera.
Federados do império
O Sucessor de Valente, Teodósio I, conseguiu
neutralizar, em 382, a ação dos visigodos
elevando-os à condição de foederati (federados),
ou seja, aliados. O chefe Alarico chegou mesmo a
atingir uma posição de destaque no exército e na
corte de Teodósio e, quando este morreu, os
romanos acreditaram que os visigodos constituíam
um novo baluarte defensivo do império. Com a
morte do imperador, porém, os bárbaros passaram
à ofensiva contra os romanos. Chegaram a
ameaçar Constantinopla, obrigando o príncipe
Rufino, regente do Império Oriental durante a
minoridade de Arcádio, a fazer enormes
concessões. Finalmente, Alarico concordou em
transferir seu povo para a Dalmácia, que se
transformou na base de devastadoras incursões
visigodas pela Grécia e Ásia Menor.
Na época, a corte do Ocidente estava sediada em
Milão, sob a chefia do general Estilicão, filho de um
chefe vândalo e tutor do jovem Honório, herdeiro
do trono, e esperava-se que a qualquer momento
Alarico invadisse a Itália. Isso, de fato, ocorreu em
401, mas Estilicão deteve o avanço visigodo,
derrotando os bárbaros no Piemonte (402) e na
região do Vêneto (403). No entanto, para evitar
novas invasões, Estilicão foi obrigado a negociar
com Alarico, dando-lhe valiosos presentes para que
seu povo permanecesse além da fronteira. Em 404,
como medida de segurança, Honório transferiu a
corte para Ravena.
A ação defensiva de Estilicão prosseguiu contra
os vândalos e ostrogodos (godos do leste), que
invadiram a região da Toscana em 406. Mas o zelo
do general na defesa da Itália e suas relações às
vezes ambíguas com Alarico alimentaram a
suspeita de que ele estivesse cobiçando o trono.
Em 408 Honório mandou assassiná-lo. Alarico,
aproveitando-se da confusão interna do império,
invadiu a Itália. Chegou às portas de Roma e
durante dois anos negociou com Honório a salvação
da cidade em troca de terras e tributos; o
imperador mostrou-se inflexível. Então, em agosto
de 410, os visigodos invadiram e saquearam Roma.
POR QUE ROMA CAIU
A queda de Roma, do mesmo modo que sua
ascensão, não teve uma causa, mas muitas. E
também não foi um processo súbito, mas
provocado por diversos e numerosos fatores ao
longo de trezentos anos: o colapso da agricultura e
das manufaturas; a perda do mercado das
províncias; as importações que superavam as
exportações e a conseqüente drenagem do ouro
para o exterior; o crescente custo dos exércitos, da
assistência militar, das obras públicas, da
burocracia, cada vez maior, e da corte, à qual se
agregavam milhares de parasitas; a depreciação da
moeda; as devastações da guerra, das revoluções e
das grandes epidemias (a peste de 260/265 fez 5
000 mortes por dia durante muitas semanas); o
declínio da população a partir de meados do século
II; os altos impostos, que desestimulavam as
atividades produtivas; a decadência das instituições
políticas, que levou os cidadãos a se
desinteressarem pela participação na vida pública;
o despotismo, a violência e a corrupção dos
homens que detinham o poder; a divisão do
império e a multiplicação das capitais, que rompeu
a unidade administrativa. Escreve o teólogo cristão
Salviano, testemunha dos últimos anos do Império
Romano do Ocidente: “Em todas as cidades, em
todas as vilas existem tantos tiranos quantos
CLIO História – Textos e Documentos
cobradores de impostos. Os pobres estão reduzidos
ao desespero; viúvas e órfãos são oprimidos. Até
mesmo muitos romanos de nascimento ilustre e de
boa educação preferem procurar refúgio junto aos
inimigos para escapar da tirania do Estado. E é
junto aos bárbaros que encontram aquela justiça e
humanidade que no passado caracterizaram a
civilização romana. Eles são diferentes dos
bárbaros nos costumes, no idioma e pode-se dizer
que se incomodam com o mau cheiro dos farrapos
dos seus hospedeiros. Entretanto, isso lhes é
preferível a tolerar a injustiça dos romanos;
escolhem a realidade de serem livres sob uma
aparência de escravidão, a serem escravos sob
uma aparência de liberdade. No passado, o título
de cidadão romano era disputado, estimado; agora
é desprezado”.
Nessas condições não era difícil prever a
derrocada final. Os problemas internos – mais
importantes que os externos – minaram o império.
Os bárbaros só entraram em ação quando a
fraqueza de Roma era tal que os próprios romanos
se sentiam mais livres entre os seus inimigos. Esse
era um sintoma evidente do fracasso político,
econômico e moral responsável pela ruína do
império.
O CRISTIANISMO E A QUEDA DE ROMA
Certos historiadores atribuem ao cristianismo a
queda de Roma, afirmando que essa religião
declarou guerra à cultura clássica e ao paganismo,
sustentáculos do senso prático dos romanos; que o
cristianismo desviou os homens das tarefas deste
mundo preparando-os para o outro; que os teria
levado ao misticismo; que os teria também
desinteressado da vida pública; que os teria
induzido a não participar dos serviços públicos, a
evitarem o serviço militar; que a religião cristã
pregava a paz e a não resistência, incompatíveis
com a manutenção do império, o que acabou
contribuindo para o rompimento da sua unidade.
Embora, sobretudo no último item, haja alguma
verdade, o fato é que o desenvolvimento do
cristianismo, para a maior parte dos historiadores,
foi mais um efeito que uma causa da decadência
romana. Os romanos cristianizaram-se porque o
Estado se tornou brutal, arbitrário e incompetente;
e foi incapaz de protegê-los contra a fome, a peste,
as invasões e a extrema penúria.
O último golpe dos hunos
Em meados do século V, os hunos, liderados por
Átila, tinham conquistado um imenso território
entre a atual Rússia e os limites da Europa
ocidental, e lançariam os olhos para
Constantinopla. Após destruir o exército imperial,
contentaram-se com 2 100 libras de ouro para não
atacar a capital do Oriente. Mas voltaram-se para o
Ocidente. Com 500 000 homens fizeram uma razia
pela Grécia, Baviera e Gália. As várias populações
dessas regiões denominaram Átila o “flagelo de
Deus”.
Em 451, Écio, general romano criado entre os
visigodos, reuniu os bárbaros espalhados pela Gália
(visigodos, francos e burgúndios) e derrotou o
exército de Átila nos Campos Catalúnicos, perto da
atual cidade de Troyes.
No ano seguinte, porém, os hunos invadiram a
Itália, destruíram Aquiléia e saquearam uma parte
do vale do Pó, na época debilitado pela peste. Milão
e Pavia só não foram destruídas porque permitiram
aos invasores levar tudo o que quisessem, inclusive
jovens que se transformariam em escravos. Mas o
caminho para Roma estava aberto.
O fim oficial
O “exército” romano que foi ao encontro de Átila
era formado apenas pelo papa Leão I, dois
senadores armados e um grupo de jovens cantando
hinos sacros. Ninguém sabe o que o papa e Átila
conversaram, mas, após o encontro, o chefe
bárbaro ordenou que se levantasse acampamento e
partiu para Ezelnburg (atual Belgrado). Atila
morreu em 453 e seu reino dissolveu-se. No ano
seguinte, o imperador Valentiniano III assassinou
Écio, o último defensor do Ocidente.
Em 455, os vândalos, que já tinham tomado o sul
da Espanha e o norte da África, atacaram e
saquearam Roma. A devastação foi tamanha que
ainda hoje vandalismo é sinônimo de grave e
injustificada destruição. Nos vinte anos seguintes,
todas as tentativas para conter os bárbaros na
Itália e defender as províncias foram inúteis. Em
475, Orestes, um militar romano da Panônia,
colocou no trono o filho Rômulo, pejorativamente
chamado augústulo (imperadorzinho).
O menino, de 14 anos, foi o último imperador do
Ocidente. O pai morreu em Pavia, assassinado
pelos mercenários bárbaros do seu exército.
Odoacro, líder dessa rebelião, depôs o augústulo e
foi aclamado imperador pelos seus homens. Não
quis, porém, assumir; enviou as insígnias imperiais
a Zenão, imperador do Oriente, que recompensou o
ato de obediência concedendo-lhe o título de
patricius e o governo da Itália. Era o fim oficial do
Império do Ocidente.
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