O PERÍODO ORBITAL DE QU CARINAE H. J. F. Lima, A. S. Oliveira UNIVAP / IP&D, Av. Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova - São José dos Campos, [email protected], [email protected] Resumo- QU Carinae é uma variável cataclísmica incomum, bastante brilhante e relativamente pouco estudada. As observações fotométricas publicadas mostram uma curva de luz não eclipsante com flickering bastante intenso. Gilliland e Philips (1982) determinaram um período orbital de 10,9 h utilizando espectroscopia com resolução temporal. Kafka et al. (2008) realizaram uma análise espectroscópica de QU Car para estudar velocidades radiais e identificações de linhas, a qual não confirmou o período orbital determinado por Gilliland e Philips em 1982. Kafka et al. (2008) propõem que QU Car seja uma estrela da classe V Sagittae e, portanto, uma forte candidata a progenitora de supernova do tipo Ia. No presente trabalho é feita uma caracterização da forma da sua curva de luz, um estudo do flickering e uma análise da significância do período orbital de 10,9 h. A análise das velocidades radiais indicou claramente a presença de um período de ~10,95 h, o que traz de volta a principal periodicidade de Gilliland e Philips (1982), a qual associamos à modulação orbital do sistema. Palavras-chave: Variáveis Cataclísmicas - Nova-likes - V Sagittae - QU Carinae Área do Conhecimento: Astronomia Introdução QU Carinae é uma variável cataclísmica incomum e bastante brilhante (mV ≈ 11,4), reportada como variável irregular em 1968 (Stephenson et al. 1968) e relativamente pouco estudada desde então. Sua curva de luz apresenta flickering intenso, com amplitude de ~0,2 mag, e variações no estado de brilho, mas não mostra sinais de periodicidade ou de eclipses (Schild 1969). Gilliland e Philips (1982) determinaram um período orbital de 10,9 h usando espectroscopia com resolução temporal e analisando as velocidades radiais derivadas da linha de emissão de HeII 4686 Å. Reportaram também o mesmo comportamento fotométrico publicado por Schild (1969) e classificaram o objeto como nova-like. Em sua análise, a linha de Hβ apresentou grande variação de intensidade, chegando a ficar indetectável em alguns espectros. Devido à ausência de modulação orbital nas curvas de luz e à presença de linhas de emissão duplas nos espectros, estimaram inclinação orbital de 30° ≤ i ≤ 60°. Kafka et al. (2008) realizaram análise espectroscópica para estudar as velocidades radiais e os perfis das linhas de emissão de QU Car. Um de seus principais resultados foi a não confirmação do período orbital determinado por Gilliland e Philips (1982), associando-o a variações rápidas nos perfis das linhas, causadas pelo vento, e não à modulação orbital do sistema. Além disso, detectaram linhas nebulares como [OIII] 5007 Å e [NII] 6584 Å, que são consistentes com um forte vento e perda de matéria e também relataram variações no seu estado de brilho. Estes autores propõem que QU Car seja uma estrela da classe V Sagittae (Steiner e Dias 1998) e, portanto, forte candidata a progenitora de SN Ia. No presente trabalho foram obtidos dados fotométricos e espectroscópicos no Observatório do Pico dos Dias (OPD) - LNA/MCT com o objetivo de analisar a significância do período orbital de 10,9 h, ou a existência de algum outro. Utilizou-se a técnica Lomb-Scargle para analisar as periodicidades associadas às curvas de luz e às velocidades radiais obtidas a partir do deslocamento das linhas de emissão de HeII 4686 Å. Observações e resultados A fim de caracterizar a curva de luz de QU Car, foram obtidas séries temporais fotométricas de dez noites de observação no OPD, entre junho de 2009 e março de 2012, utilizando os telescópios Zeiss-Jena e Boller & Chivens, ambos de 0,6 m. Utilizaram-se os CCDs SITe SI003AB, E2V CCD47-20 e E2V CCD42-40. Os três finos e back illuminated. As imagens foram obtidas com o filtro V, com exposição de 30 segundos e foram reduzidas por meio de rotinas padrão do IRAF, utilizando bias e flat-field. Foi realizada fotometria diferencial de abertura para a obtenção das curvas de luz. Utilizou-se para a fotometria o pacote SOARFOT, XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 desenvolvido por R. Baptista, e baseado no DAOPHOT II. A curva de luz do objeto apresenta flickering com variações de ~0,2 mag em escalas temporais da ordem de até 20 min, como pode ser visto na monitoria obtida em 21/6/2011 (Figura 1). Como observado também em monitorias fotométricas publicadas anteriormente, as curvas não mostram modulação que possa ser associada ao período orbital do sistema, com exceção das monitorias que vamos associar aos baixos estados de brilho na análise seguinte. Figura 2 – Curva de luz de QU Car com todas as observações do OPD. A curva de uma estrela de comparação também é mostrada. Nota-se variações de ~0,5 mag no estado de brilho do objeto em escalas da ordem de poucos dias. Figura 1 – Curva de luz de QU Car obtida na noite de 21/6/2011. Também é mostrada a curva de uma estrela de comparação. A duração desta observação é de ~7 h. Como pode ser visto na Figura 2, o objeto exibe mudanças do estado de brilho ao longo do tempo, havendo variações de ~0,5 mag em escalas da ordem de poucos dias. Essas características fotométricas são típicas das estrelas V Sagittae e também foram relatadas por Kafka et al. (2008). Há épocas em que o objeto apresenta baixa atividade de flickering, como pode ser visto na curva de luz da noite de 25/3/2012 (Figura 3). Este comportamento também está presente em outras duas noites. Em todas estas ocasiões, QU Car se encontrava no que chamamos de “estado baixo”. Surpreendentemente esta diminuição do flickering é acompanhada pela presença de uma modulação de ~0,2 mag, que julgamos ser de natureza orbital e que nunca tinha sido detectada anteriormente neste objeto. Figura 3 – Curva de luz de QU Car obtida na noite de 25/3/2011 onde se nota uma quase ausência de flickering. Também é mostrada a curva de uma estrela de comparação. A duração desta observação é de ~9 h. Na análise dos dados fotométricos foi aplicado o método Lomb-Scargle para a investigação de periodicidades. Para o cálculo dos periodogramas utilizou-se o programa DFT, desenvolvido por F. Jablonski. A análise dos periodogramas LombScargle dos dados referentes ao estado alto de brilho não mostram nenhuma periodicidade relevante. Por outro lado, a análise dos dados de 25 e 26 de março de 2012, quando o objeto se XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 encontrava no estado baixo, indicou um período de ~11,1 h, consistente com o de 10,9 h obtido Gilliland e Phillips (1982). (Figura 4). Figura 4 – Dados fotométricos de QU Car obtidos nas noites de 25/3/2012 e 26/3/2012, em fase com o período de 10,9 h de Gilliland e Phillips (1982). Também foi realizada espectroscopia em oito noites, em 2010 e 2012, para a análise das curvas de velocidades radiais e das linhas de emissão. Utilizou-se para isto o telescópio Perkin-Elmer, de 1,6 m, do OPD, equipado com o espectrógrafo Coudé, rede de difração de 600 l/mm e fenda de 250 µm. Foi escolhido um lambda central λc = 4800 Å para obter espectros na região entre 4550 Å e 5050 Å e cobrir as linhas de HeII 4686 Å, Hβ, [OIII] 5007 Å e o complexo de CIII/NIII em ~4640 Å. O CCD utilizado foi um Marconi CCD42-90-0-941 fino e back illuminated, com tempo de exposição de 600 segundos nos espectros obtidos em 2010 e 1200 segundos nos que foram obtidos em 2012. Foram feitos espectros de uma lâmpada ThAr a cada quatro exposições de QU Car para garantir uma calibração em comprimento de onda acurada e estável. A resolução espectral obtida foi de ~0,5 Å. As velocidades radiais de QU Car foram calculadas a partir do deslocamento da linha de HeII 4686 Å, por ser a mais intensa e de mais alta ionização. Isso foi feito por meio da posição do centróide de uma gaussiana ajustada ao perfil da linha. A Figura 5 mostra um diagrama LombScargle obtido da análise das velocidades radiais dos espectros de 2010 e 2012, o qual indicou um período de 10,95 h. A Figura 6 mostra o diagrama de fase obtido com o esse período. Figura 5 – Periodograma Lomb-Scargle das velocidades radiais de QU Car calculadas a partir dos dados de 2010 e 2012. O ponto de máximo indica um período de 10,95 h (1/d = 2,1926). Figura 6 – Velocidades radiais de QU Car calculadas a partir dos dados de 2010 e 2012, obtidas a partir da linha de HeII 4686 Å, em fase com o período de 10,95 h. Discussão QU Car mostra grandes variações do seu estado de brilho ao longo do tempo, o que é um comportamento esperado das estrelas da classe V Sagittae. Também apresenta flickering com variações intensas, da ordem de ~0,2 mag em períodos temporais da ordem de até 20 min. O objeto, quando em estado alto, apresenta XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 flickering muito intenso e nenhuma modulação orbital é aparente nas curvas de luz. Entretanto, quando em estado baixo o flickering é diminuído e a modulação orbital pode ser claramente vista nestas curvas. Em duas noites obtidas em 2012 foram detectadas modulações da ordem de 0,2 mag e um período de ~11,1 h. Este é um resultado inédito para QU Car e que pode ser interpretado à luz da física de acreção nesta classe de sistemas: o flickering é um sinal causado pelo processo de acreção, e domina a luminosidade do sistema quando este está em estados de alta atividade e acreção intensa. Com a eventual diminuição da acreção o flickering também perde intensidade, o sistema passa a um estado baixo de brilho e a modulação orbital pode ser observada na curva de luz. A transição entre estados altos e baixos de brilho foi descrita pelo modelo Accretion Wind Evolution, proposto por Hachisu e Kato (2003) para a estrela V Sagittae e para RX J0513.9-6951, estrelas da classe V Sge/CBSS. O mesmo comportamento observado em QU Car é mais uma conexão deste objeto com estas candidatas a progenitoras de SN Ia. A análise das velocidades radiais das linhas de HeII 4686 Å, por sua vez, determinou um período de 10,95 h, confirmando o que foi obtido por Gilliland e Phillips (1982) e o que encontramos na fotometria de estado baixo. O diagrama de fase das velocidades radiais também se mostrou coerente com esse período. Kafka et al. (2008) propõem que a ausência de período orbital em seu trabalho pode estar associada à presença de ventos e expulsão de matéria, que interfeririam na detecção das linhas provenientes do disco de acreção. Isto estaria de acordo com as linhas nebulares [OIII] e [NII] detectadas por estes autores. - KAFKA, S.; ANDERSON, R.; HONEYCUTT, R. K. QU Carinae: a SNeIa progenitor? The Astronomical Journal, n. 135, p. 1649-1656, 2008 - SCHILD, R. E. HDE 310376: a rapid variable star similar to Scorpius XR-1. The Astrophysical Journal, n. 157, p. 709-715, 1969. - STEINER, J. E.; DIAZ, M. P. The V Sagittae Stars. Publications of the Astronomical Society of the Pacific, n. 110, p. 276-282, 1998 - STEPHENSON, C. B.; SANDULEAK, N.; SCHILD, R. E. A new hot, rapid, variable star. Astrophysical Letters, n. 1, p. 247-248, 1968. Agradecimento Os autores agradecem à FAPESP pelo suporte financeiro na realização deste trabalho. Referências - GILLILAND, R. L.; PHILLIPS, M. M. QU Carinae: orbital parameters and spectra for a nova-like variable. The Astrophysical Journal, n. 261, p. 617-624, 1982. - HACHISU, I.; KATO, M. A limit cycle model for long-term optical variations of V Sagittae: the second example of accretion wind evolution. The Astrophysical Journal, n. 598, p. 527-544, 2003. 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