Imigrantes, famílias e negócios em São Paulo: Indústria Carlos Tonanni S/A, Jaboticabal – São Paulo (1890-1930) André Luiz Lanza Graduando em Economia Empresarial e Controladoria Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – FEA-RP/USP. Maria Lucia Lamounier Professora Associada Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – FEA-RP/USP. Resumo O objetivo do trabalho é examinar negócios e investimentos de imigrantes empreendedores no estado de São Paulo no período entre 1890 e 1945. A crescente expansão da produção cafeeira em direção ao oeste do estado causou o aumento da população e da economia monetária. A extinção do trabalho escravo, a difusão do sistema de colonato e a chegada de um grande número de imigrantes italianos no estado contribuíram para uma contínua ampliação do mercado consumidor. A demanda interna por produtos e bens manufaturados dependia das condições do mercado externo. Com as diversas crises que ocorreram no período, a capacidade ociosa do pequeno parque industrial brasileiro começou a ser usada para suprir as necessidades do mercado interno. O paper analisa as condições nas quais ocorreram essa mudança bem como a criação de novas indústrias no período O objetivo do trabalho é, mais especificamente, analisar os negócios da família Carlos Tonanni,. que chegou ao Brasil em 1902 e instalou-se- na cidade de Jaboticabal, interior de São Paulo. Carlos Tonanni começou suas atividades com uma modesta oficina que mais tarde foi convertida em uma das maiores indústrias do país, a Indústria Carlos Tonanni., que atuava no ramo de máquinas e implementos agrícolas. 1 Abstract The objective of the work is to exam business and investments of entrepreneurs immigrants in the state of São Paulo in the period of 1890 and 1945. The growing expansion of the coffee production in direction to the west of the state caused the increase of the population and the monetary economy. The extinction of slave work, diffusion of settler system and the arrival of a large number of Italian immigrants in the state contributed for a continuous enlargement of the consumer market. The internal demand for products and industrialized goods depended on the external markets conditions. With the several crises that happened in the period, the idle capacity of the small Brazilian industrial park started to be used to supply the internal market’s necessities. The work analyses the conditions in which occurred this change as well as the creation of new industries in the period. The aim of this work is, more specifically,analyse the business of the family Carlos Tonanni who arrived in Brazil in1902 and installed himself in Jaboticabal, countryside of the state of São Paulo. Carlos Tonanni began his activities with a modest factory that was later converted in one of the biggest industries of the country, the Carlos Tonanni Industry which, acted in the branch of lathes and agricultural supplies. A principal atividade econômica de São Paulo ao longo do século XIX tinha como centro o café. Desde meados do século XIX, a contínua expansão da atividade cafeeira vinha provocando transformações profundas na sociedade e economia de São Paulo. A expansão da produção cafeeira do Vale do Paraíba em direção ao Oeste da província e os lucros auferidos com a exportação do produto atraíam para a região capitais e população. O transporte do produto até os portos exigia investimentos contínuos em infraestrutura, provocando o desenvolvimento de uma rede ferroviária e portuária. A economia cafeeira dinamizou os centros urbanos, aumentou a circulação monetária e ampliou o mercado consumidor. A transição do trabalho escravo para o trabalho livre juntamente com a chegada em grande número de imigrantes consolidaram a formação de um mercado de trabalho livre e também contribuíram para a ampliação do mercado consumidor. 2 A expansão das exportações e a conseqüente ampliação da área cultivada provocou um aumento da demanda por maquinarias, implementos agrícolas e bens de consumo . No começo, essa demanda era atendida por meio de importações mas, com o crescimento do mercado e a diversificação das necessidades, parte desses produtos passaram a ser produzidos localmente. Ao final do século XIX, as transformações provocadas pela expansão da economia cafeeira já deixavam entrever os seus efeitos para a incipiente indústria paulista. O presente trabalho examina este momento inicial do processo de industrialização de São Paulo. O texto discute inicialmente o impacto da expansão cafeeira para os processos de urbanização, industrialização e políticas de imigração para a região. A segunda seção examina o crescimento de Jaboticabal diante da expansão cafeeira. A terceira seção focaliza o papel do setor de bens de capital em contexto com a Indústria Carlos Tonanni. 1. Industrialização, urbanização e imigração em São Paulo. Em 1808, a família real portuguesa, em fuga das tropas de napoleão Bonaparte, chegou ao Brasil . A história brasileira entrava em um ciclo de mudanças de suma importância para os rumos que o país tomaria. Houve, abertura dos portos às nações amigas e quebra do sistema de monopólios, a transferência do governo português para o Rio de Janeiro, criação de centros educacionais e culturais, como a Biblioteca Nacional, a Imprensa Régia, o Jardim Botânico e também a criação do Banco do Brasil, culminando com a independência que levou à condições para a urbanização. Até então, o sistema colonial havia criado um país essencialmente agrário, onde as massas urbanas não tinham tanta importância, salvo as cidades portuárias. A fim de atender aos objetivos da política colonial, “a colônia foi organizada para fornecer matérias-primas, principalmente produtos tropicais, para o mercado internacional. Um sistema rígido de monopólios e privilégios obrigava a colônia a exportar e importar produtos através da metrópole” (COSTA, 2007 p. 237) Com isso, a tendência ao latifúndio escravista voltado para a exportação era típico da economia colonial. As áreas urbanas eram apenas uma extensão do domínio do grande latifundiário. As cidades ao longo da costa detentoras da responsabilidade fiscal. Os portos, eram a área onde se 3 exerciam as demais funções urbanas. e o principal ponto de arrecadação fiscal, visto que a economia era essencialmente de exportação e importação. Na primeira metade do século XIX, as capitais das províncias passaram a ter uma importância político-administrativa maior. Passou a haver maior integração do Brasil com o exterior, dado a abertura comercial dos portos, mas no geral a agricultura exportadora continuou a ser a base econômica do país. Como observa Emília Viotti da Costa: “As elites no poder, beneficiando-se da produção agrícola, procuraram manter intacta a estrutura tradicional de produção, revelando-se pouco simpáticas às empresas industriais. Dessa forma, as condições que haviam inibido o desenvolvimento urbano no período colonial continuaram a atuar durante a primeira metade do século XIX.” (COSTA, 2007 p. 239) Segundo a autora não era do interesse dos grandes latifundiários, na época, que houvesse uma mudança econômica no país, já que as exportações agrícolas estavam em alta e eram muito lucrativas. A segunda metade do século XIX foi marcada por fatos que contribuíram decisivamente para as mudanças que ocorreram subseqüentemente no campo econômico e social do Brasil. Primeiramente, tivemos a Lei Eusébio de Queiroz aprovada em 4 de setembro de 1850 e que proibiu o tráfico internacional de escravos. Segundo Eliardo França Teles Filho: após o fim do tráfico, o país entrou em uma fase de prosperidade econômica, uma vez que boa parte dos capitais antes investidos no tráfico ilegal de escravos se converteu para a economia formal. Por outro lado, atribui-se a esta lei a virtude de ter dado início ao processo de transformações econômicas que levaria à decadência da forma de produção escravista. Isto porque o fim do tráfico gerou uma carência de escravos, levando ao aumento de seu preço e ao direcionamento do estoque existente apenas para as atividades produtivas mais dinâmicas, isto é, a plantação de café. Com isso, abriram-se postos de trabalho para a mão de obra livre nas zonas urbanas e nas regiões não produtoras de café, dando início à transição da economia escravista para a economia com mão de obra assalariada. (FILHO, E. F. T., 2006 Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 76, p. 54) A extinção do tráfico internacional de escravos coincide com crescente expansão cafeeira em direção ao oeste de São Paulo e coloca em questão a busca de alternativas ao trabalho escravo. Entre 1850 e 1890, os cafeicultores paulistas utilizaram várias estratégias para resolver o problema da mão-de-obra que sustentasse a contínua expansão cafeeira. Inicialmente, procuraram promover a vinda para são Paulo de imigrantes europeus sob o ssitema de parceria. Procuraram também dar continuidade ao sistema escravista, recorrendo ao tráfico interno de escravos, com o deslocamento dos 4 escravos do decadente nordeste açucareiro para as regiões em dinamismo produtoras de café no sudeste. Além disso, tentavam também atrair a mão-de-obra livre nacional para as atividades da agricultura cafeeira. Depois das experiências fracassadas com os imigrantes europeus e o sistema de parceria passaram a modificar as cláusulas dos contratos de trabalho como forma de garantir o seu cumprimento efeitvo e os investimentos feitos com o engajamento dos trabalhadores estrangeiros e a exigir leis que obrigassem os trabalhadores a cumprir os contratos.. Com a aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871 e a desestruturação do sistema escravista nas décadas seguintes, os fazendeiros de café modificaram as condições de trabalho consolidando o sistema de colonato e, com grande êxito, a política de imigração subsidiada. A abolição definitiva da escravidão e a chegada em massa de imigrantes italianos ao final da década de 1880 teve efeitos importantes para o processo de industrialização da região. Como observa Viotti da Costa, “o crescimento do setor assalariado ampliaria o mercado interno, criando uma base para o futuro desenvolvimento industrial” (COSTA, 2007 p. 253-254). Os imigrantes tiveram um papel fundamental no processo de industrialização de São Paulo. Aqueles que se dedicavam às tarefas agrícolas e se engajavam no sistema de colonato podiam cultivar gêneros entre as culturas para exportação e vender o excedente nas cidades. Com a renda assim obtida podiam comprar o que lhes era necessário, contribuindo para o desenvolvimento dos centros urbanos. Os imigrantes com melhor capacidade e qualificação, passavam a compor também o quadro de industriais e operários do estado: o afluxo de imigrantes europeus, que demandou àquele estado [São Paulo], em boa parte fruto de uma hábil política de imigração e colonização, o qual iria proporcionar o aparecimento de uma variada classe empresarial além de um número elevado, relativamente ao resto do País, de operários qualificados que viriam ocupar as mais importantes posições no sistema produtivo da indústria (SUZIGAN, 1971, p. 89-90). Segundo Costa (2007), com a melhora nos meios de transportes e o crescimento da malha ferroviária das redes ferroviárias ligando o interior aos grandes centros, somado aos fatores mencionados acima, e a melhora nos ambientes urbanos fez com que começasse o aparecimento das primeiras indústrias. Em 1880, há um total de 18.100 pessoas atuando como operários industriais no país, elevando-se para 136.420 em 1907, um aumento de sete vezes e meia em menos de 30 anos. “O processo de industrialização se fez em razão do desenvolvimento relativo do mercado interno e se orienta na direção da substituição de importações” (COSTA, 2007, p. 269) 5 Até a década de 1930 a economia brasileira era tipicamente agrarioexportadora, totalmente dependente das condições do mercado internacional dos produtos exportados. Sendo o café o produto-chave da pauta de exportações brasileiras no período imperial e na Republica Velha, qualquer oscilação em seu preço no mercado internacional afetava diretamente toda a economia brasileira. Os países agroexportadores têm na exportação quase que sua única fonte de dinamismo, sendo ela geralmente de base estreita, centrada em poucos produtos primários. Já suas importações são compostas de produtos que variam desde matérias-primas a bens de consumo e capital, visto que a base produtiva é limitada e toda demanda tem de ser atendida via importações. Logo, esse tipo de economia se mostra extremamente vulnerável dado que qualquer oscilação negativa das exportações levaria a uma queda nas importações, afetando todo o consumo da economia. (TONETO JR, VASCONCELLOS E GREMAUD, 2007) As crises do café já no final do século XIX e início do século XX à Grande Depressão tiveram enormes reflexos na economia brasileira. Em 1906, com a política de valorização do café, feita pelo Convênio de Taubaté , o governo passou a comprar o excedente da produção dos cafeicultores, afim de manter os preços elevados e evitar uma crise geral da economia. Outra medida também adotada foi a desvalorização cambial, que protegia em moeda nacional os lucros dos cafeicultores. A desvalorização do câmbio provocou elevação nos preços dos produtos importados. Essa elevação juntamente com a própria dificuldade em se importarem produtos pelo contingenciamento tornou os produtos nacionais atraentes (...) a produção nacional passou, assim, com a proteção recebida frente aos concorrentes externos e com as vendas propiciadas pela manutenção da demanda, gerar uma rentabilidade que, dada a queda de rentabilidade do setor cafeeiro, atraía o capital de outros setores e o próprio reinvestimento dos lucros gerados na atividade industrial. (TONETO Jr, VASCONCELLOS & GREMAUD, 2007, cap. 14). O problema é que, com isso, os produtos importados necessários à demanda da população encareceram. A escassez de bens importados fez com que a demanda passasse a ser atendida localmente. A esse processo, dá-se o nome de “industrialização por substituição de importações”. Nas palavras de Maria Conceição Tavares (1973): tendo-se mantido em maior ou menor grau o nível de demanda preexistente e reduzido violentamente a capacidade para importar, estava desfeita a possibilidade de um ajuste ex ante entre as estruturas de produção e de demanda interna, através do comércio exterior. O reajuste ex post se produziu mediante um acréscimo substancial dos preços relativos das importações, do que resultou um estímulo considerável à produção interna substitutiva (TAVARES 1973, p. 33). Sobre essa situação, Celso Furtado nos diz que: 6 é bem verdade que o setor ligado ao mercado interno não podia aumentar sua capacidade, particularmente no campo industrial, sem importar equipamentos, e que estes se tinham feito mais caro com a depreciação do valor externo da moeda. Entretanto, o fator mais importante na primeira fase da expansão da produção deve ter sido o aproveitamento mais intenso da capacidade já instalada no país. Bastaria citar como exemplo a indústria têxtil, cuja produção aumentou substancialmente nos anos que se seguiram à crise sem que sua capacidade produtiva tenha sido expandida. [...] Outro fator que se deve ter em conta é a possibilidade que se apresentou de adquirir a preços muito baixos, no exterior, equipamentos de segunda mão. Algumas das indústrias de maior vulto instaladas no país, na depressão, o foram com equipamentos provenientes de fábricas que haviam fechado suas portas em países mais fundamentalmente atingidos pela crise industrial (...) o crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos preços de importações desses bens, acarretada pela depreciação cambial, criaram condições propícias à instalação no país de uma indústria de bens de capital. [...] A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de importação eram as mais precárias possíveis.[...] É evidente, portanto, que a economia não somente havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva" (FURTADO 2000, p. 210-211). Com a desvalorização cambial na década de 1920, ocorreu uma diminuição relativa do comércio internacional brasileiro o que levou à deterioração dos termos de troca. O que houve foi um aproveitamento da capacidade ociosa que já existia no país. Com a crise, muitas indústrias européias e americanas foram à falência e foi possível adquirir maquinários usados a preços extremamente baixos. Somando-se a isso as políticas expansionistas postas em prática pelo governo, temos uma proteção interna contra o cenário externo, propiciando assim, segundo Furtado, as condições para o surgimento das indústrias de bens de capital. Seguindo essa corrente de pensamento, Warren Dean estabelece uma relação direta entre a expansão das exportações cafeeiras e a industrialização do estado de São Paulo. Mas Dean se mostra radical, afirmando que a crise do café e a Grande Depressão “quase paralisaram as indústrias de São Paulo”, afirmando que a crise mundial de 1930 não ajudou no crescimento industrial do estado (DEAN, 1971, p. 194). A importação de produtos manufaturados ocorria para substituir os produtos que não poderiam ser produzidos localmente, logo ela não atrapalhava a indústria nascente, mas sim, ajudava-a, sendo considerada a origem do setor industrial brasileiro. Isso se deu devido a três fatores: primeiro de tudo, a importação, para que pudesse ocorrer, necessitava de investimentos realizados no local, como instalação de equipamento hidrelétrico, infraestrutura básica de transporte, ou então era inviável o transporte de 7 matéria prima, utilizando a encontrada localmente; segundo, o importador era mais do que qualquer outra pessoa o mais bem favorecido no quesito de futuro industrial bem sucedido, pois possuía acesso a crédito, conhecimento de mercado e possíveis compradores para os produtos produzidos; por último, o importador estimulava a manufatura brasileira, pois era ele quem vendia os produtos, não sendo possível o produtor passar direito para o atacadista. Dean, analizando esse fato cita Bastos (1959) “o capitalismo comercial é subsidiário, em geral de empresas e bancos estrangeiros. Vivendo da importação de bens de consumo, todos seus esforços se dirigem no sentido de facilitar o ingresso desses bens nos mercados semicoloniais.” (DEAN, 1971, p. 29). Ou seja, o importador tinha grande influência no mercado interno, podendo restringir o crédito ou chegar a conclusão que o manufaturador pudesse derrotá-lo como distribuidor. Chegou um momento em que o importador era também o empresário industrial. Aquele tinha tanta certeza que seria o distribuidor final dos produtos, que não se opunha a qualquer solicitação feita pelos manufaturadores para certa proteção tarifária. 2. Expansão cafeeira e imigração em Jaboticabal A cidade de Jaboticabal foi fundada em 1828, advinda das terras demarcadas que João Pinto Ferreira adquirira nos chamados Campos de Araraquara. Nessa área encontravam-se um grande número de Jabuticabeiras, da onde se deriva o nome da cidade. Segundo Bellingieri (2004), Jaboticabal começou como um pequeno povoado, sendo que em 1848 recebeu o título de Distrito de São Bento de Araraquara. Em 1857, por meio da Assembléia Legislativa Provincial, passou a ser Freguesia; dez anos mais tarde, ganhou o status de Vila, e no ano seguinte passou a ser oficialmente Município, quando da instalação da Câmara de Vereadores. Em 1884, Jaboticabal se desmembrou de Araraquara e no ano seguinte criou-se a Comarca de Jaboticabal. Finalmente, em 1894 passa a ser considerada cidade. A atividade econômica de Jaboticabal ficou, por muitas décadas, restrita a cultura de cereais, criação de porcos e comércio. A cultura de café apenas passou a ser expressiva para a economia local na década de 1880, com a expansão cafeeira para o Oeste Paulista. Isso, aliado a implantação, pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, da ferrovia e a massa de imigrantes italianos recém-chegados impulsionaram a 8 economia e contribuíram para o crescimento da população e o desenvolvimento do comércio e indústrias locais. As primeiras décadas do século XX foram de prosperidade e desenvolvimento para a cidade. Em 1915-16, estava em sexto lugar no estado em produção de café, o quarto em número de pés cultivados; em 1922 possuía a 9ª maior população do estado, com 51.941 habitantes. Em 1923, era a sexta em número de cafeeiros. No campo das finanças, a cidade possuía destaque nacional. Em 1919, a arrecadação total da cidade foi de 313:000$000, rendendo-lhe a 15ª posição em termos nacionais. No ano de 1926, ocupava a 11ª posição no estado de São Paulo, com um total de 891:850$000. No mesmo levantamento, Ribeirão Preto figurava na 4ª posição, com 1.821:000$000 e Araraquara em 6º lugar, com 1.169:000$000. O arrecadamento da cidade cresceu de 8:353$700 em 1917 para 1.075:727$572 em 1927. 1 Esse desenvolvimento também derivou do fato de haverem sido feitos melhoramentos urbanos como a instalação do primeiro hospital em 1904; a União Telefônica de Jaboticabal, em 1908; instalação da rede de energia elétrica em 1910; serviços de água e esgoto em 1912 além da instalação de escolas (Colégio Santo André, Ginásio São Luís e o Patronato Agrícola) e duas faculdades, a “Escola Municipal de Agricultura e Veterinária” e a “Escola de Farmácia e Odontologia”. (CAPALBO,1999) Visto que a cidade estava diretamente ligada ao café, o final da década de 1920 trouxe problemas para a economia e política locais. A crise cafeeira levou ao fechamento de escolas, transferência de recursos para cidades maiores e falências. Mas não se pode dizer que a crise retrocedeu totalmente a economia da cidade, já que outros tipos de empresas surgiram e alguns estabelecimentos tiveram crescimento. Contudo, a importância da cidade foi decrescendo comparada com as demais cidades do estado, no que diz respeito à atividade industrial. Dentre o setor industrial, podemos citar o desenvolvimento do ramo metalúrgico que teve como principal empresa a Indústrias Carlos Tonanni & Cia Ltda, alvo do presente artigo. A empresa foi fundada em 1902 e logo na década de 1930 havia se tornado uma das maiores indústrias metalúrgicas do País, tendo como principais 1 Clóvis Roberto Capalbo, História de Jaboticabal: 1979-1997, A. Jaboticabal: Multipress Gráfica e Editora, 1999, p.116-117. Capalbo ressalta que o 15º lugar no computo geral com os 313:000$000, é baseado comparativamente aos dados de 1919, já que o censo geral da República só apresentava dados até esse ano, pois até 1927 muitas capitais brasileiras deixaram de proceder informes para fins estatísticos. (CAPALBO, 1999) 9 produtos tornos mecânicos e máquinas de beneficiamento de café, arroz e algodão. (Estatística Industrial do Estado de São Paulo – 1930). Voltando à corrente defendida por Warren Dean, sua visão propõe uma linha de pensamento que se enquadra no contexto do surgimento e desenvolvimento da Indústrias Tonanni e da cidade de Jaboticabal. Segundo ele “o café era a base do crescimento nacional” (DEAN, 1971, p. 10). O café trouxe um dos elementos básicos para o sistema industrial: a economia monetária. Visto que a escravidão estava abolida, os cafeicultores passaram a contratar trabalhadores livres mediante pagamento de salários. Antes disso, o dinheiro não tinha tanta importância visto que tudo que se necessitava era produzido internamente nas fazendas, deixando ao comércio apenas produtos como sal e querosene. A imigração teve grande papel na formação da população da cidade. No 1895, a cidade registrou a entrada de um total de 894 imigrantes, a maioria destinada à lavoura, ocupando a 29ª posição no estado. Em primeiro lugar no mesmo ano estava a cidade de Ribeirão Preto, havendo recebido um total de 5.461 imigrantes, seguida de São Carlos do Pinhal, com 4.444 e Jaú, com 3.747 imigrantes. Araraquara ocupava a posição de número 11, com um total de 2.059 imigrantes. (CAPALBO, 1999, p. 105-110) De acordo com os dados compilados por Capalbo (1999), no ano de 1908 entraram em Jaboticabal: 2 alemães, 5 austríacos, 151 espanhóis, 139 italianos e 111 portugueses, perfazendo um total de 408 imigrantes. Esse número se baseia no total de imigrantes saídos da Hospedaria da Capital no ano de 1908. O Censo de 1920 mostra que a população total da cidade era de 52.659 habitantes, sendo deste total, 12.250 imigrantes. O Censo Geral da República de 1922 mostra que Jaboticabal ocupava o 9º lugar no estado em termos populacionais, com 51.941 habitantes. Os cafeicultores passaram a pagar salários para atrair os imigrantes europeus para as lavouras. Acabaram percebendo que isso lhes seria vantajoso. Proibindo-os de plantar qualquer coisa a não ser café, os colonos, se viam obrigados a comprar tudo que necessitavam do armazém localizado dentro da fazenda, o que gerava mais lucro para o fazendeiro. O dinheiro passou a ter cada vez mais espaço na economia e os cafeicultores, cada vez mais influencia. “O comércio do café não gerou apenas a procura da produção industrial: custeou também grande parte das despesas gerais, econômicas e sociais, necessárias a tornar proveitosa a manufatura nacional.” (DEAN, 1971, p.14). Com essa afirmação, Dean nos mostra a que a importância do café no Brasil foi aumentando. Graças a isso, a ferrovia 10 chegou ao estado de São Paulo, provendo “toda ela da expansão do café” (DEAN, 1971, p.14). Muitos outros investimentos em infraestrutura foram feitos pelos cafeicultores, como o próprio porto de Santos e as companhias elétricas, que vieram melhorar as produções nas indústrias nascentes, ainda movidas a vapor. As usinas de energia e instalação de bondes foram instaladas por europeus e norte-americanos, que viam no crescimento proporcionado pelo desenvolvimento do comércio cafeeiro, uma fonte de lucro. O café trouxe não só mão-de-obra dependente constantemente de trabalho, como também trabalhadores mais qualificados, como técnicos, engenheiros e mestres contratados na Europa, por exemplo, para a construção de estradas de ferro. Além disso, surge no estado novos centros educacionais, como as escolas de Engenharia, Comércio, Medicina e Biologia, complementado a escola de Direito fundada em 1930. A cidade de Jaboticabal, estando entre as maiores regiões produtoras de café também sentiu essas transformações, como já foi citado. As Indústrias Carlos Tonanni tinham então um ambiente propício para seu fomento. 3. Industrias Carlos Tonanni em Jaboticabal Carlos Tonanni nasceu a 3 de novembro de 1877, na cidade de Umbertide, província de Peruga – Itália. Chegou à cidade de Jaboticabal em 17 de abril de 1902, e logo montou uma pequena oficina no centro da cidade. Essa oficina viria a ser maior indústria da cidade e uma das maiores do país. As Indústrias Carlos Tonanni produziam equipamentos e implementos agrícolas, fabricando máquinas de beneficiamento de arroz e café, além de máquinas para lavoura e tornos industriais. Estavam enquadradas no ramo de indústrias de bens de capital, mais especificamente em “máquinas para agricultura e indústria”, segundo as Estatísticas Industriais do Estado de São Paulo. A Indústria possuía negócios em nível internacional, sendo sua existência de grande importância para o desenvolvimento da cidade de Jaboticabal. O mercado era favorável à época, visto que a região em que se encontrava era uma das maiores produtoras de café do país. De acordo com as Estatísticas Industriais do Estado de São Paulo, as Indústrias Carlos Tonanni figuraram entre as maiores do estado nos censos de 1928, 1930 e 1932. Nos dois primeiros anos mencionados, a empresa apresentou um capital social da ordem 11 de 5.000:000$000 (Cinco mil contos de réis), o que a colocava no topo das empresas de bens de capital na época. Podemos verificar isso pelas tabelas 1 e 2 abaixo. Tabela 1 – 10 maiores empresas de bens de capital em 1928 Empresa Origem Capital Carlos Tonanni Jaboticabal 5.000:000$000 Comp. Mechanica e São Paulo 5.000:000$000 Importadora de São Paulo Comp. Nac. de Artefatos de São Bernardo 3.000:000$000 Cobre – Conac Industrias Martins Ferreira S.A São Paulo 3.000:000$000 Nadir Figueiredo & Cia São Paulo 2.750:000$000 Estrada de Ferro Sorocabana Mayrink 2.637:960$000 Cia Lidgerwood do Brasil S. Bernardo 2.500:000$000 Ind. Reunidas F. Matarazzo São Paulo 2.000:000$000 J. Martin & Cia Ltda São Paulo 2.000:000$000 Martins Barros & Cia Ltda São Paulo 2.000:000$000 Fonte: MARSON, M. D., 2006, p.16. Tabela 2 – 10 maiores empresas do setor de máquinas agrícolas de acordo com a Estatística Industrial do Estado de São Paulo de 1930 Empresa Localidade Capital Social Carlos Tonnani Jaboticabal 5.000:000$000 Comp. Mechanica e Importadora São Paulo 5.000:000$000 de São Paulo Torcuato di Tella S. A. Sao Paulo 5.000:000$000 S.A. Ind. Reunidas F. Matarazzo São Paulo 2.800:000$000 Comp. Lindgerwood do Brasil São Bernardo 2.500:000$000 Martins Barros & Cia Ltda São Paulo 2.000:000$000 J. Martin & Cia Ltda São Paulo 2.000:000$000 Grisanti & Cia. São Paulo 2.000:000$000 B. Penteado S.A Limeira 1.500:000$000 Soc. Anon. Cyclope São Paulo 1.000:000$000 . Fonte:Estatística Industrial de São Paulo – 1930. Tabela elaborada pelo autor. 12 Tabela 3 – 10 maiores empresas de bens de capital em 1932 Empresa Localidade Capital Social Ford Motor Company Export Inc São Paulo 18.909:881$000 S.P.Tramway Light and Power São Paulo 6.773:862$000 e São Paulo 6.095:989$000 co. Ltd Comp. Mechanica Importadora de São Paulo Carlos Tonanni Jaboticabal 4.876:791$000 Fábrica Votorantim S.A Sorocaba 3.782:860$000 Cia. Lidgerwood do Brasil São Bernardo 3.047:994$000 Estrada de Ferro Araraquara Araraquara 2.449:230$000 General Motors do Brasil S.A. São Caetano 2.438:395$000 J. Martin & Cia Ltda São Paulo 2.438:395$000 Santos 2.438:395$000 The City of Santos Improvements Co Ltd Fonte: MARSON, M. D., 2006, p.16. Já na Tabela 3, vemos que o capital da empresa diminui em 1932 em 123:209$000 contos de réis. A partir de então, a empresa deixou de aparecer entre as 10 maiores nas estatísticas industriais. Sobre as possíveis causas para isso, temos o estudo feito por Bishnupriva Gupta. Gupta (1997) faz uma análise sobre o setor bens de capital utilizando o ramo de “máquinas para agricultura e indústria”. Para tal, a autora faz uso das estatísticas industriais de São Paulo e da literatura relevante sobre o tema. A visão da autora sobre os impactos na indústria de bens de capital da Grande Depressão e a Crise do Café diferem da visão que é tradicionalmente aceita, aproximando-se da apresentada por Warren Dean. A autora diz que o crescimento do setor cafeeiro no estado de São Paulo foi responsável pelo grande aumento da demanda por máquinas produzidas localmente, sedo que o surgimento destas era graças à agricultura. Como essas indústrias estariam intimamente relacionadas com o setor, as crises externas em um país cuja economia era dependente principalmente de exportações não poderiam ter um efeito positivo. A conclusão que a autora chega é de que as empresas que sobreviveram à crise da década de 1930 mudaram seu foco de produção para o setor de maquinaria industrial. 13 Michel Deliberali Marson (2008) faz uma análise sobre o estudo de Gupta. Segundo ele, o problema encontrado no trabalho da autora é justamente tomar os dados contidos no setor de “máquinas para agricultura e indústria” nas estatísticas industriais, como uma evolução da indústria de máquinas em São Paulo. O que ocorre é que no período analisado, a Estatística Industrial do Estado de São Paulo vai separando sua classificação em subsetores. Marson exemplifica citando o fato de que indústrias que em 1929 apareciam como “máquinas para a lavoura e indústria”, em 1937 figuravam dentro do ramo “oficinas mecânicas para consertos”, ressaltando que os produtos produzidos continuavam sendo os mesmos. “Portanto, ao utilizar apenas o subsetor ‘máquinas para a agricultura e indústria’, Gupta incorre no erro de concluir que a diminuição de empresas classificadas em ‘máquinas para a agricultura e indústria’ teria significado redução da quantidade de empresas produzindo máquinas (efeito adverso da Grande Depressão).” (MARSON, 2008, p.13). O que na verdade não acontece, pois houve uma realocação dessas empresas em outros subsetores dada a nova forma de organização da Estatística Industrial. Marson cita também a seguinte passagem de Gupta, onde a “autora conclui que: há um declínio do número de firmas no setor entre 1929 e 1937, principalmente devido à saída de pequenas firmas. O número de firmas empregando menos de 20 operários declina de 92 para 54, devido ao desaparecimento de muitas pequenas oficinas que supriam o setor exportador. Há também uma maior mudança na composição da produção. Das 19 firmas empregando mais de 50 operários em 1929, 14 produzia máquinas para a agricultura e agroindústrias, enquanto em 1937 apenas 10 das 23 firmas nesta categoria o fabricavam, o restante produzindo máquinas industriais. Há também uma diversificação da produção, com firmas entrando na produção de máquinas para metalúrgicas, indústrias de medicamentos e papel, bem como equipamentos para a geração e transmissão de energia. O contraste é melhor expresso por meio de uma estatística simples – o emprego em grandes firmas (com mais de 50 operários) produzindo para agricultura e agroindústrias aumenta apenas 8,4% entre 1929 e 1937, mas aumenta 84% em grandes firmas produzindo maquinaria industrial” (GUPTA, 1997, p.249) (MARSON, 2008, p.14)” Assim, de acordo com a visão de Gupta sobre o impacto da Grande Depressão para o setor de bens de capital, como houve um choque externo no setor, as indústrias que dependiam das exportações sofreram. Com o decorrer dos anos da crise, o setor se diversificou e o setor de maquinaria industrial dinamizou o período. 14 Considerações finais Podemos resumir os principais pontos do presente trabalho. Começamos a análise através da exposição da importância que o fim da escravidão e a imigração tiveram sobre o desenvolvimento das indústrias em São Paulo. Vimos que com a Lei Áurea e extinção do trabalho escravo, ocorreu o surgimento do trabalho livre e consequentemente, o desenvolvimento de uma economia monetária, dando impulso para o fomento do setor industrial. Os imigrantes tiveram grande papel na industrialização, atuando não somente como operários mas também como industriais. Analisando todas as teorias apresentadas nesse trabalho sobre a industrialização de São Paulo, vemos que há divergência na literatura sobre o tema. Essas surgem tanto quanto à maneira como se deu a industrialização no país quanto com relação crise do café e da Grande Depressão sobre as indústrias existentes. Toneto Jr, Vasconcellos & Gremaud, (2007), juntamente com Tavares (1973) e Furtado (2000), defendem o fato de a Grande Depressão e a Crise do Café terem sido favoráveis às indústrias nascentes, obrigando-as a suprirem as necessidades da demanda interna e desenvolvendo o setor. Já Dean (1971) e Gupta (1997) seguem o raciocínio diverso, afirmando que as crises tiveram impacto negativo no crescimento e desenvolvimento industrial. A diferença se dá devido a forma de analise dada por cada autor ao tema e metodologia empregada, como o caso explicado de Gupta que escolheu apenas um ramo do setor de bens de capital para fundamentar sua tese. Com relação à cidade de Jaboticabal, notamos que nas primeiras décadas do século XX era uma região próspera, figurando entre as maiores do estado em importância financeira e populacional. Confirmamos o fato da importância da imigração para o crescimento local e desenvolvimento econômico, visto que a cidade era uma das maiores produtoras de café. Também foi exposto que as crises cafeeiras tiveram um efeito adverso sobre a cidade, desacelerando seu crescimento e trazendo fim ao sucesso que se presenciara anos antes. O surgimento das Indústrias Carlos Tonanni no começo do século XX culminou com a época de ouro de Jaboticabal. A indústria figurou no topo dentre as 10 maiores do estado nas Estatísticas Industriais de 1928, 1930 e 1932, apresentando a soma de 5 mil contos de Réis como capital social. A importância do presente estudo reside em analisar as Indústrias Carlos Tonanni e sua influencia na cidade de Jaboticabal em face das diversas teorias sobre a 15 industrialização no Estado de São Paulo. O tema se mostra relevante visto que não há nenhum trabalho publicado sobre a indústria em si, como também não há nenhum trabalho publicado sobre a evolução econômica da cidade de Jaboticabal e seu papel e importância para o estado de São Paulo. O presente paper é resultado de uma pesquisa ainda em andamento e, por isso, muitas perguntas ainda estão em aberto. “Qual era a influencia de Carlos Tonanni em Jaboticabal? Quais as inovações que trouxe para a cidade? Como surgiu a Indústria Carlos Tonanni? De onde veio o capital necessário para sua implantação? Com quem fazia seus negócios? Quem eram os parceiros comerciais? Como estavam suas finanças na época? Como a indústria se tornou uma das dez maiores empresas do estado de São Paulo na época? Foi a crise de 1930 a responsável pela diminuição do capital social da Indústria Carlos Tonanni, visto na Estatística Industrial do estado de São Paulo em 1932? Como a empresa se recuperou? Por que Jaboticabal não continuou apresentando os excelentes números que apresentara em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX? Como foi a recuperação da cidade após às crises da década de 1930? A Indústria Carlos Tonanni teve um papel importante para que isso ocorresse?” são exemplos de questionamentos que ainda estão por serem respondidos. 16 Referências Bibliográficas BELLINGIERI, J. C. A indústria cerâmica em São Paulo: um estudo sobre as empresas fabricantes de filtros de água em Jaboticabal - SP: 1920-200. Dissertação de mestrado, UNESP. Araraquara, 2004. CAPALBO, C. R. História de Jaboticabal: 1979-1997, A. 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