negócios de impacto: tendência ou modismo?

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| SOCIEDADE E GESTÃO • NEGÓCIOS DE IMPACTO: TENDÊNCIA OU MODISMO?
NEGÓCIOS DE IMPACTO:
TENDÊNCIA OU MODISMO?
OS NEGÓCIOS DE IMPACTO TÊM SURGIDO COMO RESPOSTA A
ALGUNS DOS DILEMAS CRIADOS PELO CAPITALISMO. MAIS DO QUE
UM CONCEITO FECHADO, DESPONTAM COMO UMA FILOSOFIA PARA
REPENSAR E INFLUENCIAR A FORMA DE SE FAZER NEGÓCIO.
| POR EDGARD BARKI
E
m 2006, Muhammad Yunus, o conhecido
“banqueiro dos pobres”, ganhou o Prêmio
Nobel da Paz em reconhecimento ao seu trabalho com microcrédito e aos seus esforços
para a redução da vulnerabilidade dos pobres
em Bangladesh. Desde então, os chamados
negócios sociais ganharam força e se tornaram referência
para modelos inovadores de negócio preocupados em gerar
impacto na sociedade e melhorar o mundo.
Os negócios sociais têm sido conceituados de várias
formas, apresentando diversas nomenclaturas: negócios
sociais, negócios com impacto social, negócios inclusivos,
negócios de impacto, etc. Neste artigo, usaremos o termo
“negócios de impacto”, que se refere basicamente a organizações que almejam gerar impacto social a partir da oferta
de produtos e serviços que diminuam a vulnerabilidade da
população de baixa renda e, desta forma, tenham um retorno
financeiro. Não se discutirá aqui o uso desse resultado, ou
seja, se ele se reverte aos acionistas na forma de lucros ou
dividendos, ou se é reinvestido inteiramente no negócio.
Apesar do crescente interesse no tema, ainda há muito
ceticismo em relação aos negócios de impacto. Afinal,
como associar retorno financeiro e impacto social, dois
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elementos historicamente vistos como antagônicos? Mesmo
no conceito mais tradicional proposto por Yunus, os negócios de impacto buscam resultados financeiros para que a
organização possa ser autossustentável.
Com este pano de fundo, queremos aqui discutir se é
possível pensar os negócios de impacto como uma tendência de longo prazo ou se seriam mais um modismo,
com um nome diferente, para questões de responsabilidade social e sustentabilidade.
NOVO CONCEITO OU NOVA ROUPAGEM?
De um lado, há séculos convivemos com organizações
cujo principal propósito é o impacto social. ONGs e organizações da sociedade civil existem há muito tempo com
essa finalidade, e são extremamente importantes para a
melhora da sociedade.
De outro lado, podemos afirmar que todas as organizações possuem algum impacto social. É difícil negar o
impacto do Facebook, por exemplo, que permite a conexão de bilhões de pessoas em uma rede mundial. Mesmo
os bancos, talvez as mais capitalistas das organizações,
exercem forte impacto social, primeiro pelo simples fato
de empregarem milhares de pessoas, e, em seguida, pela
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OS NEGÓCIOS DE IMPACTO APARECEM COMO UMA TENTATIVA DE
CAPITALISMO MAIS INCLUSIVO. É UMA FORMA DIFERENTE DE PENSAR
O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES E UMA RESPOSTA AO DESEJO LATENTE
DE QUEM QUER TRABALHAR COM UM PROPÓSITO
redução dos custos de transação e facilitação de negociações, que seriam impossíveis sem eles.
Mais ainda, a maioria das grandes empresas privadas conta
com uma área de sustentabilidade ou uma fundação (ou
instituto) com o propósito de gerar benefícios sociais e/ou
ambientais. Por mais que se discuta se a motivação dessas
iniciativas é genuína ou movida por interesses econômicos, o poder e a força dessas empresas são muito grandes,
assim como a influência por elas exercida. O argumento
aqui não é que os fins justificam os meios, mas que há uma
tendência relevante de as empresas se preocuparem com
os seus impactos.
No bojo dessa discussão aparecem os negócios de impacto.
Eles diferem das ONGs e organizações da sociedade civil
pelo fato de utilizarem mecanismos de mercado na busca
de sustentabilidade financeira, não dependendo de doações ou outro tipo de apoio nesse sentido para sobreviver.
Da mesma forma, diferem da visão de responsabilidade
empresarial na medida em que o impacto social é o motivador da empresa, e não uma externalidade positiva ou uma
ação não atrelada ao core do negócio. A razão primeira da
existência de um negócio de impacto é seu impacto social.
Neste sentido, os negócios de impacto surgem como
um conceito novo: são organizações híbridas que possuem tanto o objetivo social quanto o financeiro em seu
escopo. Exatamente por seu propósito duplo, no entanto,
aparece a questão: até que ponto é possível almejar essas
duas coisas simultaneamente? Não serão os negócios de
impacto apenas um modismo inconsequente?
TENDÊNCIA OU MODISMO?
Os negócios de impacto, em suas diversas terminologias,
tornaram-se uma buzzword, ou palavra da moda. Muitas são
as organizações envolvidas nesse campo e diversas universidades no mundo têm discutido, pesquisado e ensinado os
negócios de impacto. Mas por que isso faz sentido agora?
Entre várias explicações possíveis, talvez a melhor seja
a busca de um propósito de vida por parte crescente da
sociedade. Dois grupos de atores são importantes nesse
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movimento. Um deles é composto por uma gama de empreendedores que não querem iniciar um novo negócio apenas como forma de enriquecer, mas objetivam algo a mais:
ganhar dinheiro e fazer o bem ao mesmo tempo.
Estes empreendedores, que no fundo sempre existiram,
encontram nos negócios de impacto uma voz para os seus
desejos e têm passado a contar com um pujante ecossistema
de fundos de investimento, incubadoras e aceleradoras que
os apoiam. São vários os exemplos deste tipo de empreendedorismo no Brasil, como é o caso da Geekie, uma empresa
de soluções educacionais (www.geekie.com.br); do Banco
Pérola, instituição de microcrédito (www.bancoperola.org.br);
e da 4YOU2, uma escola de idiomas para clientes de baixa
renda (www.4y2.org). Em comum, eles têm o fato de serem
organizações novas, que nasceram com o propósito de resolver, ainda que parcialmente, um problema social.
O segundo grupo importante de atores são jovens funcionários de empresas tradicionais que, já dispondo de
boa qualidade de vida e bens materiais além do necessário, buscam alternativas a um tipo de trabalho estafante e
excessivo, que oferece o retorno financeiro como principal recompensa. A percepção de que se pode ter uma boa
vida e ainda fazer o bem encontra um eco crescente entre
esses indivíduos e, com isso, surge uma nova figura: os
intraempreendedores sociais, pessoas que trabalham em
grandes corporações e almejam criar projetos e iniciativas
de impacto ligadas ao negócio da empresa.
Esta busca por um propósito mais elevado não é algo
recente, que tenha surgido de repente como um modismo.
Ao contrário, foi construída ao longo de décadas e não é
exclusiva dos negócios de impacto, podendo ser percebida
em várias outras frentes, como na própria visão de sustentabilidade, no conceito de valor compartilhado – discutido
por Michael Porter e Mark Kramer no livro Creating Shared
Value – e na ideia de capitalismo consciente, debatida por
John Mackey e Raj Sisodia em Conscious capitalism: liberating the heroic spirit of business.
Percebe-se assim que os negócios de impacto são uma
resposta ao desejo latente de uma parte da população que
quer trabalhar com um propósito. Não é simplesmente
uma pressão de consumidores mais conscientes, mas uma
força que vem do próprio sistema interno das organizações,
movida por uma nova geração de empreendedores e colaboradores mais engajados em causas sociais.
Um dos exemplos mais conhecidos é a Grameen Danone,
joint venture criada pela multinacional Danone e pelo banco
Grameen (de Yunus) para produzir iogurtes capazes de diminuir a desnutrição infantil em Bangladesh. Nessa nova organização, a população de baixa renda é beneficiada com um
produto voltado à diminuição de vulnerabilidades, o Grameen
consegue aumentar o seu impacto e a Danone ganha um
aprendizado sobre como atender um novo público, além de
fortalecer a sua marca e as suas ações de sustentabilidade.
É um típico negócio de impacto em que todos ganham e
que tem a participação ativa de uma grande corporação.
FILOSOFIA DE NEGÓCIOS
Conclui-se que os negócios de impacto aparecem como
uma tentativa de capitalismo mais inclusivo. Neste sentido,
mais importante do que uma definição clara e precisa do
que são (ou não são) os negócios de impacto, é necessário entender a tendência que essa forma híbrida de organização representa.
O capitalismo trouxe muitos avanços sociais e permitiu
melhora nas condições de vida de uma parte considerável da
sociedade. O conforto e o bem-estar trazidos pelos avanços
tecnológicos são inegáveis. Por outro lado, a concentração
de renda, assim como a vulnerabilidade de grande parcela da
população mundial que vive na pobreza, também é flagrante.
Nesse cenário, soluções mais inclusivas, que não dependam
exclusivamente da ação governamental, tornam-se necessárias.
Os negócios de impacto surgem como uma dessas possibilidades. Não é a única, nem necessariamente a melhor,
mas é uma forma diferente de pensar o papel das organizações. Mais do que um conceito hermético, é uma filosofia para se pensar os negócios que pode, em uma visão
otimista, influenciar as empresas tradicionais. No Brasil,
existem exemplos nesta linha, como a criação da unidade
“Negócios Sociais” na Coca-Cola.
Em suma, os negócios de impacto surgem como uma
resposta a alguns dos dilemas criados pelo capitalismo.
Exatamente por isso são uma tendência, mais do que modismo.
E mais do que um conceito, despontam como uma filosofia
para repensar e influenciar a forma de se fazer negócios.
PARA SABER MAIS:
- Edgard Barki, Haroldo Torres, Daniel Izzo e Luciana Aguiar. Negócios com impacto social no
Brasil. Peirópolis. 2013.
- John Mackey e Raj Sisodia. Conscious capitalism: liberating the heroic spirit of business.
Harvard Business School Publishing. 2013.
- Michael Porter e Mark Kramer. Creating shared value. Harvard Business Review Jan-Feb. 2011.
- Muhammad Yunus. Building social business: the new kind of capitalism that serves humanity’s
most pressing needs. Public Affairs. 2010.
EDGARD BARKI > Professor da FGV-EAESP > [email protected]
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