BOLETIM TÉCNICO: ANO AGRÍCOLA No 04 - Março / 2015 Plante certezas. 3 IMPACTOS DO ANO AGRÍCOLA NA SANIDADE DOS CANAVIAIS A vida de todos os habitantes do planeta está diretamente ligada às condições ambientais. Quando o ambiente é favorável, observa-se multiplicidade de espécies e os indivíduos se desenvolvem plenamente. Condições restritivas impõem limites aos seres vivos, tornando-os menos aptos a enfrentar as adversidades do cotidiano. As plantas podem apresentar predisposição às doenças quando submetidas a condições adversas como privação de água e nutrientes ou exposição a temperaturas elevadas. Na representação gráfica do triângulo das doenças, o clima comanda as interações entre patógeno e hospedeiro, definindo como o processo se desenrolará. As doenças da cana-de-açúcar seguem as mesmas leis e uma variedade poderá apresentar nível significativamente superior de determinada doença quando o ambiente desfavorecer a planta e/ou favorecer o patógeno. Figura 1. Triângulo das doenças da cana-de-açúcar Ambiente Hospedeiro Patógeno Fonte: CTC – Centro de Tecnologia Canavieira. A cana-de-açúcar apresenta bom desenvolvimento quando o ambiente proporciona um adequado funcionamento de seu sistema fisiológico. Nesse contexto, o clima é de extrema relevância para a planta. A temperatura pode provocar problemas quando ultrapassa os limites aceitáveis – quando muito baixas provocam as manchas de frio que se iniciam pela “queima” do tecido foliar na região do cartucho, evoluindo para necroses e, em alguns casos, podridões devido ao ataque de microrganismos oportunistas que atuam no tecido danificado. O extremo oposto também ocorre quando as temperaturas são muito altas, provocando o fechamento dos estômatos, a redução da fotossíntese, a diminuição na absorção de nutrientes e o atraso na produção de componentes que integram o arsenal de defesa da planta contra patógenos. Assim como o clima severo, os nutrientes presentes no solo, quando em falta ou excesso, podem também gerar problemas, induzindo ao aparecimento de doenças abióticas (que não são provocadas por organismos vivos). Essa situação de desequilíbrio normalmente abre caminho para que fungos, bactérias ou vírus colonizem a cana-de-açúcar, provocando as doenças bióticas. O ano de 2014 se caracterizou por alterações significativas no regime hídrico e nas temperaturas de várias regiões do Centro-Sul do Brasil. A seca prolongada causou vários problemas à cultura da cana-de-açúcar, desde as baixas produtividades e falta de mudas para os plantios comerciais até o aumento dos níveis de algumas doenças em determinadas variedades. Regiões como Piracicaba, Araçatu­ba, São José do Rio Preto e Triângulo Mineiro foram castigadas e os relatos da presença de carvão, mosaico e escaldadura aumentaram sensivelmente. 1 No CTC – Centro de Tecnologia Canavieira, em Piracicaba (SP), a incidência de doenças em 2014, especial­mente do carvão, superou significativamente a média histórica verificada em um grupo de cultivares-padrão, comprovando a influência negativa das restrições climáticas nesse conjunto de indivíduos. A porcentagem média de infecção de carvão dos padrões (como, por exemplo, a NA56-79) passou de 22% em 2013 para 36% em 2014. Gráfico 1. Porcentagem média de infecção de carvão dos padrões da rede experimental de sanidade do CTC em 2013 e 2014. 36% 22% 2013 2014 Comparando-se os dados acumulados de precipitação anual e evapotranspiração potencial registrados desde 2002 no CTC, observa-se que a precipitação em 2014 esteve abaixo da média do período, atingindo o valor mais baixo registrado. Além disso, os valores de evapotranspiração apresentaram o maior valor no período, excedendo o volume de chuva. Gráfico 2. Precipitação e evapotranspiração históricas no CTC em Piracicaba-SP. 1800 1557 1600 1435 1429 1382 1400 mm totais 1000 1093 1067 1431 1314 1287 1156 1153 1200 1616 1543 1087 1115 1105 1000 1073 1076 1064 1143 1083 1015 1011 1005 Chuva ETo 909 800 Chuva média ETo médio 600 400 200 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Fonte: CTC 2014. O aumento significativo da evapotranspiração observado em 2014 ocorreu principalmente em função dos valores acima do normal verificados para a temperatura do ar. Nesse ano, foram computados sete meses com temperatura máxima média acima de 30°C, enquanto que o histórico do período apresenta somente um mês nesta condição. 2 Gráfico 3. Temperatura em 2014 versus média histórica em Piracicaba-SP. 40 35 30 Temperatura (ºC) 25 20 15 10 5 T máx 2014 (°C) T méd 2014 (°C) T mín 2014 (°C) T máx histórica (°C) T méd histórica (°C) T mín histórica (°C) 0 Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Fonte: CTC 2014. A cana-de-açúcar em condições de estresse hídrico ou nutricional está menos apta a enfrentar os patógenos e insetos que A escolha de variedades mais a cercam, pois seus mecanismos de defesa ficam prejudicados. tolerantes à seca, como a CTC4 e É sabido que o fechamento dos estômatos, por ocasião de secas os materiais da série 9000, o preparo mais severas, provoca a diminuição na absorção de nitrogênio, adequado do solo, a preocupação com cálcio e magnésio, e que macro e micronutrientes estão diretamente sua correção e adubação, o aumento dos teores de matéria orgânica no solo, relacionados a alguns mecanismos de defesa, bioquímicos ou a utilização de mudas de elevado estruturais, utilizados pelas plantas. padrão sanitário e vigor vegetativo, e Outro ponto importante a se notar é que a água é o solvente o respeito às corretas épocas de dos nutrientes presentes no solo e com eles forma a solução que é plantio e colheita são práticas absorvida pelas raízes, nu­trin­do e hidratando os tecidos vegetais. que ajudam as plantas a manter Se a planta tem sua fisiologia prejudicada, o crescimento radicular seu equilíbrio fisiológico. é penalizado e a absorção de nutrientes falha, mesmo que existam quantidades adequadas no solo. Sinto­mas severos de deficiência nutricional, que podem ser observados em condições de baixa disponibilidade de água no solo, diminuem de intensidade ou desaparecem quando o balanço hídrico é restabelecido. Notadamente, a escassez de água tem uma atuação dramática no quadro de predisposição às doenças, tornando as variedades mais sensíveis aos patógenos em função da diminuição na produção de substâncias formadoras das defesas da planta, como os compostos fenólicos. Além disso, as lesões que o estresse hídrico provoca nos tecidos vegetais aéreos ou subterrâneos permitem que patógenos normalmente inofensivos tenham acesso ao vegetal, vindo a causar danos. A cana-de-açúcar normalmente é colonizada por um grande número de microrganismos, sem que estes causem problemas. Em condições de estresse, a planta debilitada passa a sofrer com essa população que, em condições normais, estaria em equilíbrio. Um bom exemplo disso é a relação que a cana-de-açúcar mantém com Xanthomonas albilineans, bactéria causadora da escaldadura das folhas. Em anos mais secos, a incidência da doença cresce e isso ocorre não em função da suscetibilidade da variedade, mas sim em função das alterações em sua fisiologia. Quando as condições ambientais retornam à normalidade e o equilíbrio se restabelece, os sintomas de escaldadura em geral desaparecem. O carvão, causado pelo fungo Sporisorium scitamineum, é outro exemplo de doença altamente correlacionada com as condições ambientais e nutricionais das plantas. Lavouras conduzidas sob condições de estresse hídrico em regiões com altas temperaturas e solos arenosos apresentam mais chances de sofrer com a doença, mesmo utilizando as mesmas variedades que em regiões mais favoráveis não causam preocupação. 3 Os esporos do fungo presentes no solo apresentam maior longevidade em condições edafoclimáticas (solo e clima) de seca, que desfavorecem as plantas, principalmente em solos mais restritivos. Um exemplo disso é o que ocorre no Paraná, em lavouras mantidas sobre o Arenito Caiuá e também na Região do Araçatuba. Além do ambiente e da resistência varietal, o potencial de inóculo apresenta papel decisivo na evolução das doenças. Regiões onde variedades intermediárias ou suscetíveis são concentradas tendem a ter problemas maiores, pois as fontes de inóculo são propensas a crescer anualmente, aumentando a epidemia. A não utilização de mudas sadias para os plantios comerciais agrava o problema, pois, além do menor vigor, parte das “mudas” carrega um ou mais patógenos potencialmente danosos que irão se multiplicar, crescendo com a lavoura. Nesse contexto, variedades intermediárias passam a se comportar como suscetíveis e sua utilização fica comprometida. 2 3 Figura 2. Folhas apresentando o sintoma crônico de escaldadura, onde se nota o aspecto de queima do limbo foliar. Figura 3. Chicote apical em touceira infectada pelo fungo Sporisorium scitamineum, agente causal do carvão. 4 Figura 4. Colmo apresentando sintoma agudo de escaldadura, sendo possível observar intensa brotação lateral das gemas basais. O que pode ser feito? A irrigação é, sem sombra de dúvidas, a opção mais interessante para se evitar o estresse hídrico, mas nem sempre se encontra disponível e/ou é economicamente viável. Sendo assim, a escolha de variedades mais tolerantes à seca, como a CTC4 e os materiais da série 9000, o preparo adequado do solo, a preocupação com sua correção e adubação, o aumento dos teores de matéria orgânica no solo, a utilização de mudas de elevado padrão sanitário e vigor vegetativo, e o respeito às corretas épocas de plantio e colheita são práticas que ajudam as plantas a manter seu equilíbrio fisiológico, estando mais aptas a se defender dos organismos agressores e a produzir adequadamente. Participaram da elaboração deste material os representantes do CTC: Enrico De Beni Arrigoni Fitossanidade Jorge Luis Donzelli Assistência Técnica Marcos Casagrande Desenvolvimento de Produtos Michael Daamen Assistência Técnica 4 Plante certezas. CTC - CENTRO DE TECNOLOGIA CANAVIERA +55 19 3429-8199 WWW.CTC.COM.BR facebook.com.br/ctcanavieira 2