GONÇALVES, A. C. Porto, DEANE, Tatiana. Taxa de Juros e Crescimento Econômico. Rio de Janeiro: FGV, 10 p. Taxa de Juros e Crescimento Econômico As taxas de juros vêm sendo apontadas, há algum tempo, como o principal inibidor do crescimento do país. Com isso, o Banco Central, em particular, e o Sistema Financeiro, em geral, tornam-se os vilões da economia, por manterem os juros tão altos. Recentemente essa discussão voltou à tona com toda força, tendo em vista a necessidade de o Banco Central elevar os juros frente à aceleração inflacionária ocorrida no segundo semestre do ano passado e início deste, vis a vis o fraco desempenho da indústria e da economia como um todo. Mas será que o crescimento econômico brasileiro tem sido baixo só por causa dos juros altos? Existem outros fatores que limitam o crescimento? Ou ainda de modo mais pertinente, até que ponto o Banco Central pode interferir no crescimento do país? São essas as questões que serão aqui discutidas. Mas antes de abordá-las, vamos fazer uma breve descrição da trajetória de crescimento do país, desde o início do século passado até 2002. Os gráficos 1, 2 e 3 mostram que, tanto em relação ao PIB total do país como principalmente em relação ao PIB industrial, houve uma forte desaceleração do crescimento a partir de 1980. A economia como um todo, e a indústria em particular, passou a crescer a taxas bem mais modestas. Os números revelam que o ano de 1980 pode ser considerado um ponto de inflexão no que diz respeito ao crescimento do país. Entre 1950 e 1980 a indústria cresceu a uma taxa média de 8,3% ao ano. Nos vinte e dois anos seguintes, no entanto, ficou praticamente estagnada, crescendo a uma taxa média de 0,8% ao ano. E o PIB total da economia, que por trinta anos teve uma expansão média de 7,4% ao ano, a partir de 1980 cresceu pouco mais que 2%. Daí a relevância de se discutir os fatores que realmente limitam e os que podem promover o crescimento. O primeiro ponto a ser levantado é se a Autoridade Monetária determina ou não a taxa de juros real da economia, que é a que de fato importa quando se fala em nível de investimentos e, por conseguinte, de crescimento econômico. Na teoria econômica clássica, a taxa de juros real é definida como a diferença entre a taxa de juros nominal e a taxa de inflação esperada. Este componente de expectativa não pode ser determinado objetivamente. Na prática pode ser “traduzido” como um componente da incerteza, em que se embutem não só as expectativas quanto ao nível de preços futuros como quanto a qualquer outro aspecto, seja ele econômico, político ou legal, o qual possa influenciar a atividade econômica do país. A taxa de juros real depende também da preferência pelo presente dos agentes econômicos, o que é um fator primordialmente cultural. No Japão, por exemplo, há forte preferência pelo futuro, ou seja, os indivíduos poupam muito. Já no Brasil, há uma tendência maior de preferência pelo presente. Fazendo uma analogia com a célebre fábula de La Fontaine, os japoneses seriam formigas e nós, cigarras. Portanto, a taxa de juros real de uma economia não pode ser determinada pelo Banco Central, pois incorpora um componente de incerteza que reflete o quanto as pessoas estão exigindo como prêmio para trocar bens no presente por bens no futuro, e também o seu grau de preferência pelo presente. Isto é, a taxa de juros real é determinada, assim como o preço de qualquer outro produto na economia, pelas ofertas e demandas relativas de bens futuros e de bens presentes. Em resumo, o que a teoria nos sugere é que em um país onde há forte incerteza e preferência pelo presente, há baixa demanda por bens futuros, isto é, há poucos investimentos, e o prêmio exigido, ou seja, a taxa de juros real, é alto. E o que pode ser dito sobre a experiência brasileira nesta área? 2 Na década de 80 houve uma moratória externa, no início da década de 90 a questão da dívida pública podre ameaçando os depositantes e o confisco das contas bancárias e, bem recentemente, deságios das cotas dos fundos de renda fixa decorrentes de boatos de moratória da dívida interna. Isso sem falar do alto índice de inadimplência, na pesada carga tributária (40% do PIB) e de contratos não cumpridos — por exemplo, recentemente algumas tarifas públicas foram reajustadas abaixo do que havia sido previsto nos contratos de concessão. Há também grande morosidade do judiciário na solução destas questões contratuais. Além disso, as indefinições estratégicas e regulatórias — por exemplo, qual é o verdadeiro papel dos Ministérios e das agências reguladoras dos serviços públicos? — contribuem para o clima de incerteza, haja visto os sobressaltos por que passou a economia brasileira às vésperas das eleições presidenciais. Embora o governo prossiga firme na sua política de austeridade fiscal e controle da inflação, com este clima de incerteza e preferência pelo presente, a taxa de juros real do país tem mesmo que ser alta! No gráfico 4 há uma estimativa da taxa de juros real brasileira, feita a partir da diferença entre a taxa de juros/Selic e a inflação acumulada nos doze meses anteriores. Naturalmente, o correto seria utilizar a expectativa futura de inflação, mas este é um dado não disponível. De qualquer modo, estimando a taxa de juros real utilizando a inflação dos doze meses anteriores, vemos que nos últimos anos esta se situou em torno de uma média de 10,5% ao ano, não se distanciando muito disso, seja para cima ou para baixo. Adicionalmente, as tabelas 1 e 2 mostram o desvio-padrão da variação da inflação e do PIB para diversos países, nas décadas de 80 e 90. Se supusermos que o desvio-padrão é um indicador de 3 incerteza, chegaremos à conclusão que dentre os países pesquisados o Brasil é um dos mais arriscados.1 Enfim, é preciso desmistificar a idéia de que a simples redução dos juros seria a tábua de salvação da economia brasileira e de que basta que o setor público tenha suas contas equilibradas para que o país transmita credibilidade e se torne atrativo. Não que as taxas de juros reais baixas e a austeridade orçamentária não sejam importantes; apenas não são suficientes para induzir a um nível de investimento suficiente para que a economia cresça. Existem ainda dificuldades importantíssimas que tornam o país menos interessante aos olhos dos investidores. É preciso esclarecer também que os juros reais relevantes para os investimentos são os de longo prazo. Mas o país não possui uma estrutura a termo de taxa de juros, com juros de mercado a longo prazo, o que permitiria, por exemplo, a emissão de debêntures. O que temos, a longo prazo, é o crédito oficial. E não só o investimento privado no Brasil está reduzido, como também o do setor público. Isso ocorre porque o atual perfil de gastos governamentais faz com que sobre muito pouco espaço para que ele atue como investidor. Atualmente, as despesas com a previdência equivalem a cerca de 13% do PIB, com o funcionalismo público a 12% do PIB, e com os encargos da dívida interna a 7% do PIB. Com isso, sobra ao governo pouco para que ele atue como investidor. Além de altas, as despesas públicas são também rígidas e crescentes. Os chamados “Pagamentos Diretos a Pessoas” (PDP) — que incluem salários pagos no setor público, aposentadorias, pensões, entre outros — correspondem a cerca de 80% do total dos gastos federais não financeiros, e são 1 Se a análise se concentrar no período 1995-2002, os desvios da variação do IPC e do PIB brasileiro caem para 6,2 e 1,6, respectivamente. Atualmente, em termos de inflação o Brasil é primeiro mundo! 4 quase todos vinculados ao salário mínimo, ou seja, são corrigidos anualmente e geralmente acima da inflação.2 Um outro indicador interessante da fragilidade do Estado como investidor a partir da década de 80 é o percentual de poupança pública: de 1950 até o início da década de 60, a poupança pública foi de cerca de 2,5% do PIB, em média. De 1964 até 1980, passou a uma média de 3,5% do PIB. De 1980, até às vésperas do Plano Real, passou a uma taxa negativa de 1,5%. A partir de então, a taxa de poupança pública se situou, em média, em menos 5,4% do PIB.3 Em resumo, o nível de investimento e o crescimento do país é baixo devido ao seu menor grau de atratividade para os investidores privados, e também porque o setor público, além de ter que manter suas contas equilibradas, tem poucos recursos para investir. Para fazê-lo, o Estado deveria ser menor em termos de gastos correntes. Isto é, deixar de ser tão distributivista, como quer a constituição de 1988, e ser mais desenvolvimentista, à la J.K.. É preciso salientar que a pura e simples redução da taxa de juros nominais, sem que estas falhas estruturais fundamentais sejam corrigidas, apenas gerará uma monetização da economia. Isso porque a redução da taxa over/Selic interfere nos juros reais apenas no curto prazo. Isto é, uma redução da taxa de juros real, mantidos os atuais componentes estruturais da economia, não pode ser permanente. Sem dúvida, o Banco Central pode estimular a demanda monetizando a economia via redução dos juros. Mas o problema dos últimos vinte anos, de relativa estagnação, não parece ser de falta de demanda, e sim de investimentos. Segundo a Sondagem Industrial da FGV de abril de 2003, doze dos dezenove setores pesquisados já estariam operando em sua capacidade de produção máxima. 2 Ver Velloso, R. “Sem Flexibilização do Gasto não há Sustentabilidade Fiscal” – XIV Fórum Nacional, maio de 2002. 5 Segundo a mesma pesquisa, apenas 30% das empresas consultadas pretendem investir em expansão da capacidade produtiva neste ano, o menor percentual registrado nos últimos quatro anos. O gráfico 5 mostra o PIB efetivo do país desde 1985 e uma estimativa do que seria o PIB potencial.4 Atualmente, nos encontramos em um ponto onde o PIB efetivo está ligeiramente acima do potencial, o que confirma que a economia possui gargalos. Ou seja, se a demanda aumentar, vai esbarrar na capacidade de produção, que está comprimida por falta de investimento. Expandir a demanda provavelmente terá consequências inflacionárias. Essas questões devem ser tratadas como prioritárias pelo atual governo pois os desdobramentos em termos de estagnação econômica, inflação e desemprego podem ser bastante negativos. 3 Ver Pinheiro, Gill, Severn e Thomas (2001) in “Agenda Perdida: diagnósticos e propostas para a retomada do crescimento com maior justiça social”, p.11, Rio de Janeiro, setembro de 2002. 4 PIB potencial estimado pelo filtro de Hodrick-Prescott. 6 Gráfico 1 Taxa de crescimento média do PIB do Brasil, por décadas 10 15,0 x em 40 anos 8 7,0% 6 % a .a . 5,5 x em 40 anos 4,3% 4 1,6 x em 20 anos 2,1% 2 0 1901-10 1911-20 1921-30 1931-40 1941-50 1951-60 1961-70 1971-80 1981-90 1991-00 Gráfico 2 PIB Real do Brasil : 1950 - 2002 Ln 7,5 7 2,1% a .a . 6,5 6 7,4% a .a . 5,5 5 4,5 2002 2000 1998 1996 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 1978 1976 1974 1972 1970 1968 1966 1964 1962 1960 1958 1956 1954 1952 1950 4 7 Gráfico 3 PIB Real da Indústria de Transformação: 1950 - 2002 Ln 7,5 7 0,8% a .a 6,5 8,3% a .a . 6 5,5 5 4,5 2002 2000 1998 1996 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 1978 1976 1974 1972 1970 1968 1966 1964 1962 1960 1958 1956 1954 1952 1950 4 Gráfico 4 Diferença entre a taxa de juros nominal (selic, % a.a.) e a taxa de variação do IPCA (% 12 meses) 16 % a .a . 12 8 4 0 Jan/00 Set/00 Mai/01 Jan/02 Set/02 Mai/03 8 Tabela 1 Taxa de variação anual do PIB: Desvio-padrão (em % a .a .) EUA Japão Alemanha Reino Unido França Brasil México Argentina 1980 - 1990 1990 - 2002 2,4 1,5 1,2 1,7 1,9 3,5 2,4 1,6 1,2 1,2 5,0 2,9 4,0 3,5 4,6 6,4 Tabela 2 Taxa de variação anual do IPC: Desvio-padrão (em % a .a .) 1980 - 1990 EUA Japão Alemanha Reino Unido França Brasil México Argentina 3,4 2,2 2,1 4,3 4,4 677,3 38,9 1.010,8 1990 - 2002 1,0 1,4 1,3 2,2 0,8 798,3 10,1 638,0 9 1º tri/02 1º tri/01 1º tri/00 1º tri/99 100 1º tri/98 1º tri/97 1º tri/96 1º tri/95 1º tri/94 1º tri/93 1º tri/92 1º tri/91 1º tri/90 1º tri/89 1º tri/88 1º tri/87 1º tri/86 1º tri/85 Gráfico 5 PIB efetivo X PIB potencial: 1985-2002 140 130 120 110 PIB PIB potencial 90 80 10