o direito à diferença nas relações trabalhistas e o

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GEOGRAFIA DA FOME: UM ESTUDO ACERCA DAS
EXPRESSÕES DA QUESTÃO ALIMENTAR NA SOCIEDADE
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Franciele A. Buratto Beal – acadêmica Universidade Estadual do Oeste do Paraná
- Unioeste, campus Toledo – PR.
[email protected]
Marli Renate von Borstel Roesler- docente da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Unioeste, campus Toledo – PR. [email protected]
RESUMO
O presente artigo apresenta uma agenda de pesquisa acadêmica para o trabalho de
conclusão de curso do mestrado em Serviço Social da Unioeste campus Toledo, cujo
objeto de estudo é a questão alimentar na sociedade brasileira contemporânea e os
principais instrumentos de enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional no país.
Metodologicamente, parte-se de alguns aspectos do estudo de Josué de Castro sobre a
geografia da fome no Brasil, procurando confrontá-los com a realidade socioeconômica
da sociedade brasileira, fundamentando-se do referencial teórico dos autores Josué de
Castro, Renato Maluff, Sonia Rocha e Claude Fischler. As discussões acerca da questão
alimentar e nutricional buscam aqui compreender o ato alimentar humano como um
fenômeno que ultrapassa questão biológica e fisiológica do indivíduo que tem em sua
concepção uma intrínseca relação com questões antropológicas, socioculturais e
econômicas. Assim, pretende-se problematizar a questão alimentar pela ótica das
expressões da questão social, cuja natureza é política, econômica, social e cultural.
Palavras chaves: geografia da fome, ato alimentar humano, questão alimentar,
questão social.
1 INTRODUÇÃO
Sendo a alimentação imprescindível à vida e a sobrevivência humana, como
necessidade básica vital, ela é garantida como direito, assim como à moradia, educação,
e saúde. Necessariamente a alimentação humana é moldada por diferentes aspectos,
dentre eles os socioculturais, ou seja, através da alimentação humana é perceptível os
efeitos da organização da sociedade.
Apesar de ser uma área de recente estudo por parte da sociologia, sociólogos apontam a
relevância deste fenômeno humano – alimentação, como tal perpassa a condição
biológica do ser humano, chegando às expressões socioculturais das populações, ou
seja, a alimentação não é um tema exclusivamente relacionado a condição nutritiva do
alimento, esta revela práticas alimentares em um conjunto de simbologias sociais,
características culturais de deferentes populações (MÉNDEZ, 2004).
Partindo desta concepção entende-se a afirmação dos estudiosos das áreas da
antropologia e sociologia em que não comemos apenas quantidades de nutrientes e
calorias para manter o funcionamento corporal em nível adequado atendendo nossa
necessidade fisiológica – ao comermos manifestamos nossas escolhas, ocasiões e
rituais, que imbricam-se com a sociabilidade, com ideias e significados, com as
interpretações de experiências e situações. No ato alimentar humano, intrinsicamente
está a matéria cultural, desde a produção até o preparado do nosso alimento revela
aspectos socioculturais, capazes de definir uma identidade social (FISCHLER, 1990).
Tais reflexões nos permitem compreender que no consumo alimentar de uma sociedade,
a produção de alimentos e até mesmo como se dá o seu preparo, é capaz de identificar
fatores econômicas, culturais, e sociais de uma sociedade, como também as normas e os
princípios que regem seu sistema.
Tão necessário valer-se do estudo da sociologia e antropologia da alimentação, que se
faz possível compreender aspectos alimentares da sociedade atual. De grande
relevância, é possível visualizar como a questão alimentar expressa nos dias de hoje,
uma lógica articulosa onde o sistema de produção de alimentos vigente, não preocupase em esconder sua característica primordial, que a produção em grande escala de forma
insustentável pronta a atender a lógica capitalista, onde a necessidade humana –
alimentação – é marketing para atender sua economia que tem como base a
lucratividade. Tão faminto é este sistema, que se põem em discussão na sociedade
contemporânea como a alimentação humana é percebida em diferentes lógicas –
capitalista, da sustentabilidade, da saúde e da desigualdade social e do próprio direito
humano - como garantir o direito à alimentação humana, de forma a atender esta
necessidade básica observando no movimento desta sociedade todos os aspectos a ele
relacionado – culturais, sociais e econômicos (TRICHES & SCHENEIDER)
Por tanto esse artigo pretende tratar sobre a dinâmica da questão alimentar, cujo
aspectos socioculturais revelam a alimentação humana na contemporaneidade,
problematizando-a na sociedade atual, vendo por si os fenômeno da fome como um das
tantas expressões da questão social.
2 Desenvolvimento
2.1 Fome e pobreza: qualificando a relação
A obra do cientista social e médico pernambucano Josué de Castro (1908-1973) é
referência obrigatória no tratamento articulado das questões da fome e da pobreza no
país. Segundo o autor, “A alimentação do brasileiro tem-se revelado, à luz dos
inquéritos sociais realizados com qualidades nutritivas bem precárias, apresentando nas
diferentes regiões do país, padrões dietéticos mais ou menos incompletos e
desarmônicos” (CASTRO, 1984, p. 58). Entre 1930 e 1940, o autor identificou no
Brasil três grandes áreas de fome, compreendidas como “aquelas em que pelo menos a
metade da população apresentava nítidas manifestações carenciais no seu estado de
nutrição”. As duas primeiras, a Área da Amazônia e a Área da Mata do Nordeste (o
Nordeste açucareiro) foram consideradas áreas de “fome endêmica”, ou crônica; a
última, a Área do Sertão do Nordeste, área “de epidemia de fome”.
De acordo com Castro, a fome identificada na região Amazônica implicou na
deficiência alimentar e nutricional que se associava às deficiências em proteínas, sais
minerais e vitaminas - o alimento básico da população residente nesta região era:
farinha de mandioca (complementada por feijão, peixe e rapadura) - com déficit calórico
entre 40% a 20%, resultava num elevado índice de mortalidade geral, sendo altíssima a
mortalidade infantil, comuns a anemia e as avitaminoses, endêmicos o impaludismo e as
verminoses.
Na região Nordeste, ou então “Nordeste Açucareiro”, o déficit calórico era da ordem de
40%, sendo elevadas as deficiências proteicas, considerando que a alimentação daquela
população consistia em feijão com farinha, charque, café e açúcar, complementados por
pouco leite e pouquíssimas frutas e verduras. Apresentava-se uma região, cujo hábito e
acesso ao alimento resultaram em prejuízo ao crescimento, com carências minerais,
especialmente de ferro, desencadeadoras de anemia; sendo elevadas as avitaminoses,
embora sem repercussões generalizadas. Com o quadro apresentando baixa expectativa
de vida da população, sendo alta a mortalidade por tuberculose e alarmante a
mortalidade infantil.
Já na região do Sertão Nordestino, a fome relacionava-se ao fator climático - fortes
secas - onde a alimentação básica da população local era o milho, complementada pelo
feijão, a farinha de mandioca, o leite, a carne, a batata doce, o inhame, a rapadura e o
café. Quando no auge da seca, o sertão nordestino conduzia a população mais pobre ao
extremo de carências alimentares e nutricionais, a falta de água e escassez de alimento
apresentava um retrato grotesco da fome, cujas imunodepressões abriam a porta a
doenças infecciosas se fazendo mais agudamente presente entre as crianças retirantes.
Assim, Josué de Castro fundamenta a análise da regionalização da fome e da pobreza no
país: a fome, mais que um estado nutricional, passa a ser tratada como um fenômeno
social, cuja relação intrínseca nos apresenta o desafio de combater ambos através de
políticas públicas locais voltadas ao problema alimentar da população carente, com
respeito às particularidades que a região possa apresentar, recebendo assim políticas
formatadas à realidade social do município.
Partindo deste retrato, ficamos à frente do cenário atual da fome, onde a presença desta
herança política e social continua sedenta pelas mesmas respostas e soluções já
evidenciadas no passado. Este é o ponto de grande relevância na proposta da pesquisa: a
relação intrínseca da fome (como necessidade biológica e fenômeno social) com a
pobreza (situação econômica que leva o indivíduo ao desprovimento do mínimo
necessário a sua sobrevivência e de sua família). É difícil entender um país onde os
recordes de produção agrícola se modificam de maneira crescente no decorrer dos anos,
enquanto a fome faz parte do convívio de um número alarmante de pessoas. A solução
para a questão parece distante, envolve uma série de fatores estruturais que estão
impregnados na sociedade brasileira. Mas não será preciso concluir este estudo para
chegarmos ao entendimento de que ações emergentes – como fornecer auxílio
alimentação ao indivíduo e sua família, privado do direito alimentar, conforme Lei
Orgânica da Assistência Social 1993 prevê em seu artigo – não são capazes de sanar o
problema da insegurança alimentar e nutricional no país. É preciso somar ações e
políticas de modo a promover o protagonismo social do indivíduo e sua família no
acesso a bens e serviços.
No sentido de qualificar esta relação, Sônia Rocha nos apresenta um retrato da pobreza
no Brasil, e como sua natureza reflete no indivíduo e em sua vida social e familiar. Por
um lado trata-se da questão de identificar os traços essenciais da pobreza, em
determinada sociedade. É generalizada atingindo a maior parte da população, ou, ao
contrário é geograficamente localizada? Quais são seus determinantes? É um fenômeno
crônico ou está associado a mudanças econômicas e tecnológicas? Quais são seus
sintomas principais- subnutrição, baixa escolaridade, falta de acesso a serviços básicos,
desemprego ou marginalidade? Quem são os pobres em termos de conjunto de
características básicas, ou em outras palavras, qual o perfil dos pobres? (ROCHA, 2006,
p.10). Ainda segundo a autora, a pobreza pode ser definida como a situação na qual as
necessidades dos indivíduos não são atendidas adequadamente, sendo importante
especificar que necessidades são estas e que nível de atendimento pode ser considerado
adequado.
Mesmo que a pobreza extrema seja conceituada neste estudo como insuficiência de
renda para atender às necessidades alimentares básicas, não se pode presumir que
pessoas em situação de pobreza extrema do Brasil padeçam de fome, subalimentação ou
desnutrição – tampouco que tenham carências severas, de proteínas, minerais,
vitaminas. Somente inquérito domiciliar amplo de consumo alimentar, apoiado em
avaliações antropométricas, clínicas e análises laboratoriais (níveis sanguíneos de
nutrientes ou seus metabólicos, por exemplo) autorizariam essa assertiva. Poder-se-ia,
contudo, dizer que o expressivo contingente de brasileiros de renda tão baixa
identificado neste estudo – as pessoas em situação de pobreza extrema – estaria sob
risco de fome: no sentido de ser mais vulnerável a condições de subnutrição; ou de ter
mais probabilidade de viver em estado de insegurança alimentar.
Considerando a ideia de que a alimentação é um bem básico para a sobrevivência,
procuremos entender o fenômeno da fome - conforme Maluff (2011) - considerando a
alimentação como direito humano e que sua violação tem implicações sociais de grande
relevância. Com as primeiras reflexões sistemáticas sobre o tema, quando Josué de
Castro buscou mostrar o caráter social e político da fome inicialmente na década de
1930, pode considerar que o conceito de segurança alimentar, sendo ainda recente, teve
seu processo de elaboração ao longo da construção dos direitos humanos no final da
década de 40, quando os direitos básicos foram delineados na Declaração Universal de
Direitos Humanos.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o Direito Humano à
Alimentação Adequada (DHAA) é citado como sendo um direito inerente a todas as
pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito ao alimento, em condições seguras
e saudáveis em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às
tradições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas
dimensões física e mental, individual e coletivas.
Em 1953, por ocasião da VII Sessão da Conferência da FAO (Food and Agriculture
Organization), a segurança alimentar estava relacionada à ideia da utilização do
excedente de alimentos através da assistência alimentar, o que com a crise alimentar no
período de 1972 a 1974, causada pela escassez de alimentos a segurança alimentar
assumia uma visão produtivista, fortemente associada a uma política de criação e
manutenção dos estoques nacionais de alimentos. Após a superação da crise na
produção, assumiu-se que a gravidade do problema nutricional mundial tinha sua
origem nos problemas de demanda e distribuição, ou seja, entende-se a problemática
alimentar com vistas ao acesso ao alimento.
No início da década de 1990 ampliou-se o conceito, que passou a abarcar as questões
relativas à qualidade sanitária, biológica, nutricional e cultural dos alimentos, ao mesmo
tempo em que entram em cena os aspectos que envolvem o uso adequado aos recursos
naturais. A questão do direito à alimentação passa a fazer parte de um contexto
ampliado de direito à vida com dignidade, autodeterminação e satisfação de outras
necessidades básicas. Em 1993, na Conferência Mundial sobre direitos humanos
(BELIK, 2003), o acesso à alimentação é percebido como direito o que na II
Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 2004, é reafirmado
considerando ainda a demanda de ações governamentais de acesso e permanência do
alimento, construindo assim a política de segurança alimentar e nutricional.
Considerando a segurança alimentar e nutricional a condição humana em que o
indivíduo consegue ingerir de forma permanente a quantidade e a qualidade adequadas
de alimentos que venham a garantir sua nutrição, a insegurança alimentar e nutricional
passa a ser a ausência dessa condição, ou seja, quando o indivíduo e ou sua família não
apresenta disponibilidade de alimentos de forma adequada para proporcionar-lhe
energia e nutrientes necessários a sua manutenção biológica e social (WEEB, 2006). De
acordo com a 3ª diretriz da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(PNAN), a situação alimentar e nutricional da população deve ser monitorada. Assim
entende-se que com esta ação é possível conhecer e acompanhar a magnitude dos
problemas nutricionais da população (Brasil, 1999).
2.2AntropologiaeSociologiadaAlimentação–ferramentaparaanálise
Segundo Fischler (1990), nossas escolhas alimentares não se fazem apenas com os
alimentos mais nutritivos, nossas escolhas são dotadas e molda a seleção alimentar,
impondo as normas que prescrevem, proíbem ou permitem o que comer.
Comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e
culturais que estão envolvidas naquele ato. A cultura alimentar está diretamente ligada
com a manifestação desta pessoa na sociedade, onde o alimento é um dos requerimentos
básicos para a existência de um povo, e a forma como este chega ao indivíduo
desempenha um papel importante na formação de qualquer povo e sua cultura. As
técnicas e métodos de procurar e preparar a comida estão intrinsecamente ligados à
expressão cultural e social de um povo – identidade social.
Há que se considerar que nossas escolhas alimentares são precocemente inseridas em
nossa vida. Desde o nosso nascimento aprendemos através dos nossos sentidos,
identificar o nosso alimento, aprendendo com o tempo, por uma série de fatores internos
e externos, a optar por o que comer. A partir dessa ideia relacionado ao consumo,
percebemos a interlocução com a cultura e também como também a preocupação com
as escolhas alimentares. Novidade e tradição; saúde e indulgência; economia e
extravagância; conveniência e cuidado (WARDE, 1997), são as principais antinomias
das modernas e contraditórias recomendações que procuram guiar a seleção dos
alimentos e os hábitos alimentares nos contextos sociais do sistema capitalista
avançado, que se veiculam acompanhadas por um tom de moralidade.
2.2 Alimentação na contemporaneidade: segurança alimentar e sistema
agroalimentar – necessidade e consumo
Abordar todos os aspectos que envolvem o tema alimentação humana, nos
remete a pensar quão intrínseca está sua relação com a sociedade e quão complexa é
essa relação. Não é possível estudar este campo sem relacioná-lo ainda à politização da
alimentação (PONTILHO, 2005), desta forma o cenário que se abre frente a questão
alimentar revela expressões de uma problemática, quão social quanto humana. Neste
cenário observa-se os atores sociais envolvidos que buscam contrapor os reflexos
sociais deste sistema vigente, utilizando-se de instrumentais de ordem política para se
efetivar garantir o direito humano.
Se efetivar o direito humano à alimentação através de políticas sociais, é uma realidade
evidenciada na sociedade contemporânea, e a Política de Segurança Alimentar e
Nutricional abre espaço para todas essas discussões que encontram-se entorno da
questão alimentar.
Tal questão nos leva à reflexão de como pensar a segurança alimentar e
nutricional partindo do estudo sobre a relação da sociedade e o consumo alimentar,
perpassando pela lógica da produção de alimentos. Nesta ótica, os questionamentos
acerca do sistema agroalimentar vigente, nos permite pensar qual modelo correspondem
às normas que a sociedade rege, ou ainda, qual modelo é capaz de responder pela
identidade social desta sociedade.
Partindo destas indagações, identificamos dois sistema agroalimentares que divergem
em sua essência, seguindo logicas diferentes, cuja diferenciação parte de sua dinâmica,
dos seus principais valores que regem sua corporação. O primeiro segue uma lógica
distante de garantir SAN, visa em sua estrutura uma ordem seguida pelo sistema
capitalista, onde produzir mais corresponde ao seu interesse único de gerar lucro,
utilizando-se do fetiche da sociedade, seja na necessidade humana de ter o acesso ao
alimento, ou ainda na necessidade posta pela lógica capitalista de consumir
desenfreadamente.
O sistema agroalimentar em evidência no cotidiano da sociedade atual, põem em risco a
soberania alimentar que há anos nosso agricultores familiares vem defendendo, os
encurralando a fazerem parte deste sistema que apaga identidades, culturas,
conhecimentos e histórias. Sedutor o sistema agroalimentar de produção em grande
escala, incorpora a ideia de acabar com a fome do mundo, utilizando se de arranjos
agrícolas longe de garantir alimentos de qualidade, utiliza dose ainda da ciência e
tecnologia para gerar insumos agrícolas que compromete a saúde humana.
O segundo sistema agroalimentar que trataremos possui em sua dinâmica a capacidade
de atender à necessidade humana do acesso ao alimento de qualidade, de forma contínua
respeitando andando paralelamente com biodiversidade e a soberania alimentar.
Mediante este contexto, o trabalho de conclusão de curso proposto - Geografia da fome:
um estudo acerca da insegurança alimentar e nutricional no município de Dois Vizinhos
- PR, um estudo sobre a relação da pobreza e da fome neste município, relaciona-se com
a disciplina estudada no que diz respeito ao direito ao acesso ao alimento, de forma a
pensar na garantia de SAN desde a produção do alimento até sua distribuição, pensando
quais os principais fatores engajados no direito humano a alimentação.
As discussões acerca da questão alimentar e nutricional buscam compreender a
problematização da alimentação frente às emergentes demandas geradas para o
atendimento das necessidades humanas. A contradição capital-trabalho por exemplo, é
capaz de determinar quadros de carências e desequilíbrios nutricionais que são
evidências de um mesmo fenômeno social: a insegurança alimentar e nutricional. Esta
ora se manifesta como desnutrição e outros agravos decorrentes de carências
nutricionais, ora como obesidade ou outra doença crônica não transmissível.
Muito recentemente a fome é considerada uma manifestação da insegurança alimentar e
nutricional a que está submetida uma população ou grupo de pessoas. Contudo - sem ter
a intenção de fazer uma discussão aprofundada do tema considera-se pertinente afirmar
que tanto a desnutrição quanto a obesidade e outras doenças crônicas não
transmissíveis, do ponto de vista fisiológico, mas também socioantropológico, podem
ser manifestações biológicas da fome e má alimentação e nutrição e, por conseguinte, da
insegurança alimentar e nutricional.
Em uma perspectiva dialética, a SAN consiste na realização do direito de todos ao
acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (MALUFF, 2011).
Na abordagem do fenômeno da fome, o não acesso à alimentação deve ser entendido
como violação a um direito humano que, por sua vez, compreende um padrão alimentar
adequado às necessidades biológicas, culturais e sociais dos indivíduos de acordo com
as fases do curso da vida. É imprescindível que essa alimentação seja referenciada em
práticas alimentares culturalmente aceitas. Só assim, e pressupondo condições dignas de
vida - a garantia da alimentação saudável e, portanto, de um estado nutricional
adequado -, terá condições de se concretizar.
O estado nutricional é a manifestação biológica do conjunto de processos que operam
sobre um "corpo social", é a síntese orgânica das relações entre homem-naturezaalimento que se estabelecem no interior de uma sociedade. Portanto, o estado
nutricional é um dos indicadores mais sensíveis do nível de desenvolvimento de uma
nação pois, além da dimensão biológica, expressa a determinação histórico-estrutural da
questão alimentar e nutricional.
A vertente sociocultural da alimentação é tão forte que percebemos neste paradoxo
alimentar expressões sociais ligadas à questão alimentar ligadas, oriundas de um
modelo agroalimentar, capaz de responder por uma ordem puramente capitalista,
desatenta ao cuidado à saúde humana.
Neste modelo segue-se a dinâmica do Sistema Capitalista onde o consumo desacerbado
é o meio eficaz de garantir às indústrias a produção em grande escala. Outra
característica deste sistema de produção é sua predominância sobre os pequenos
produtores que para conseguirem manter sua atividade no campo se veem sem
alternativa se não incorporar-se na hegemonia deste sistema, cuja necessidade básica de
alimentação do ser humano é transformada pelas indústrias em marketing, e os animais
e vegetais na visão deste sistema são matéria-prima. Esta ótica nada mais é que a
extensão da lógica industrial para além do seu espaço físico.
O retrato dos perigos e as transformações operadas na indústria alimentícia, que é
globalizado, se expandem ao mundo, afirmando seus efeitos prejudiciais à saúde
pública, ao meio ambiente e aos direitos dos trabalhadores que são expostos à condições
precárias de trabalho.
A tecnologia é o braço direito do sistema hegemônico e o tempo é seu aliado na corrida
por produção em grandes escalas. Animais e plantas são geneticamente modificados
para que esta ordem de produção promova seu objetivo principal. É perceptível que este
modelo vem contribuindo substancialmente para a insustentabilidade ambiental e seus
impactos negativos comprometem o ecossistema, alterando substancialmente a cadeia
alimentar, regado por uma vasta onda de venenos e outras substâncias químicas que
provocam danos ambientais relevantes, como a perda de fertilidade do solo, a
contaminação de rios e nascentes, a erosão, compactação e salinização de solos, as
emissões de poluentes e gases de efeito estufa, o desmatamento, a crescente perda de
biodiversidade e agrobiodiversidade, além de uma série de fatores prejudiciais à saúde
humana, como o surgimento de doenças, resistentes à tratamentos, em muitos casos sem
resolutividade.
Estes sistemas agroindustriais afetam também o estilo de vida e a economia das famílias
de pequenos agricultores sendo um dos fatores responsáveis pelo êxodo rural pondo em
questão à soberania alimentar, onde a autonomia dos agricultores cede lugar à sua
subordinação dentro de um complexo sistema dominado pelo capital financeiro e
industrial.
A crítica a este modelo de produção está principalmente na falta de cuidado e interesse
pelo ser humano, comprometendo seriamente a garantia de segurança alimentar e
nutricional.
A desresponsabilização das grandes corporações se sobrepõe à garantia do alimento
como direito à população e a mudança desta hierarquia alimentar se faz possível por
meio de mecanismos e formatos políticos que articulem a representação e prestação de
contas, pois hoje a cidadania está aprisionada à condição única de participar ou não
desse sistema e não dá condição de debater seu funcionamento.
Conscientizar as pessoas acerca do que está indo para nossas mesas, de qual é a
qualidade desse alimento e quais os riscos que ele oferece a nossa saúde é fundamental
para mobilizar um processo de mudança na forma de produção, comercialização e
consumo de alimentos estimulando ainda à implementação de políticas públicas e
estratégias sustentáveis e participativas neste modelo sustentável, que requer o respeito
à diversidade humana, cultura e ambiental, cujo caminho se faz possível através do
modelo agroecológico de incentivo à agricultura familiar.
3 CONCLUSÃO
Os elementos aqui analisados buscam, de forma sucinta, sinalizar para a necessidade de
se compreender que as manifestações biológicas da fome, desnutrição, obesidade ou má
nutrição são reflexos de um modelo de desenvolvimento social que privilegia o capital
em detrimento do bem-estar social, que tão somente é possível compreender através da
antropologia e sociologia da alimentação, já que toda esta problemática encontra-se
enraizada das relações sociais estabelecidas nesta sociedade. Entende-se que a questão
social também se manifesta na questão alimentar e nutricional, pois a submissão da
sociedade aos ditames do capital produz reflexos nos modos de comer, viver, adoecer e
morrer dos indivíduos.
Visualiza-se neste âmbito, que as políticas públicas são de fundamental importância
para a garantia do direito humano à alimentação. Portanto, o desenho, o planejamento e
a gestão dessas políticas devem fundamentar-se na compreensão da determinação social
da fome e procurar transformar o problema da fome em questão alimentar e nutricional
em sua totalidade.
É preciso que a questão alimentar e nutricional seja assumida como responsabilidade do
Estado, no contexto de promoção dos direitos humanos e sociais - individuais e
coletivos -, devendo ser incorporada às políticas públicas de caráter intersetorial que
permitam um diálogo entre diferentes áreas e rompam com a dicotomia
econômico versus social.
Em suma, intrinsecamente relacionados: a questão alimentar, problemática da fome,
frente a busca por garantia de SAN e a por uma produção agroalimentar que possibilite
sustentabilidade humana, ambiental e sociocultural, são estas, questões de ordem social
que exigem soluções eficazes atentas à saúde, a sustentabilidade ambiental e humana,
sendo possível através da elaboração de políticas de proporcionem a mudança na
produção dos alimentos e na garantia desse alimento a todos, pois o debate sobre
Segurança alimentar e Nutricional e soberania alimentar, antes de qualquer coisa deve
levar em consideração os atores sociais, reiterando que a segurança alimentar será
garantida com desenvolvimento econômico, com respeito à equidade social, à
sustentabilidade ambiental, em resistência à desigualdade econômica e social,
garantindo assim o direito básico à alimentação, considerando toda sua complexidade
de enfrentamento ao sistema econômico vigente que leva como princípio a
rentabilidade, e não o direito humano.
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