57 JORNAL BRASILEIRO DE NEUROCIRURGIA ARTIGO ORIGINAL Evidências de compressão vasculonervosa na ressonância magnética do encéfalo: Importância para planejamento de microcirurgia descompressiva neurovascular Carlos Eduardo da Silva* Juliana Avila Duarte** Ápio C. M. Antunes*** Sinopse Keywords A compressão vasculonervosa é relacionada a inúmeras enfermidades dos nervos cranianos, sendo a ressonância magnética (RM) o exame de escolha para o adequado planejamento cirúrgico. São ilustrados quatro casos de compressão vasculonervosa na RM e sua importância como método de investigação complementar. Neurovascular conflict, magnetic resonance imaging, microsurgical decompression. Palavras-chave Compressão vasculonervosa, ressonância magnética, descompressão microcirúrgica. Abstract Evidences of the neurovascular conflict in the magnetic resonance imaging: Importance for microsurgical decompression The neurovascular conflict (NVC) has been related with various cranial nerve diseases. The magnetic resonance imaging (MRI) is the method of choice for the preoperative evaluation. Four cases of NVC are illustrated and the importance of the MRI is discussed as a method to evaluate such conflicts. Ressonância Clínica – Canoas – RS. * Neurocirurgião do Centro de Neurocirurgia, Hospital Beneficência Portuguesa, Porto Alegre, RS. Neurocirurgião do Hospital Nossa Senhora das Graças, Canoas, RS. ** Radiologista em Ressonância Clínica, Tomoclínica, Hospital Nossa Senhora das Graças, Canoas, RS. *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia Prof. Mario Coutinho, Hospital Beneficência Portuguesa, Porto Alegre. Prof. Adjunto de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina, UFRGS. Introdução A compressão vascular é sugerida como sendo a causa de inúmeros distúrbios dos nervos cranianos. Desde a introdução desse conceito, em 1934 por DANDY7, para a explicação da nevralgia do trigêmio, inúmeras outras afecções, tais como espasmo hemifacial, nevralgia glossofaríngea, compressão cocleovestibular, hipertensão arterial sistêmica, têm sido relacionadas à compressão vasculonervosa (CVN)6,7,9,12,14. Durante muitos anos, a microcirurgia descompressiva neurovascular, uma das opções cirúrgicas para o manejo dessas enfermidades, foi realizada de maneira exploratória. Os exames de imagem eram incapazes de elucidar com precisão o ponto de contato neurovascular, impedindo dessa forma que o cirurgião antecipasse os achados do campo operatório3,5. Entretanto, na última década, inúmeros avanços nas imagens obtidas pela ressonância magnética (RM) têm possibilitado que esses conflitos sejam evidenciados com clareza e o planejamento pré-operatório passou a ser mais facilitado, detalhado e seguro, direcionando adequadamente a dissecção microcirúrgica. SILVA CE, DUARTE JA, ANTUNES ACM – Evidências de compressão v asculonervosa na ressonância magnética do encéfalo: Importância para planejamento de microcirurgia descompressiva neurovascular J Bras Neurocirurg 13 (2): 57-60, 2002 58 São apresentados quatro casos ilustrativos do uso da RM para o diagnóstico da CVN, utilizando a seqüência 3-D CISS–TSE (Constructive Interference in Steady State–Turbo Spin Echo), demonstrando-se os principais achados das imagens. Casos ilustrativos Caso 1 JMF, 60 anos, sexo masculino, com queixa compatível com nevralgia do trigêmeo em território de V1 à esquerda. As figuras 1a, 1b e 1c evidenciam a ACS (artéria cerebelar superior) determinando compressão e abaulamento do quinto nervo craniano à esquerda, na imagem da RM (Figuras 1a,1b e 1c). Caso 2 SPG, 57 anos, sexo masculino, com queixa de zumbido no ouvido esquerdo e HAS. As figuras 2a e 2b mostram a a b ACAI (artéria cerebelar anterior inferior) cruzando perpendicularmente o oitavo nervo craniano e bifurcando-se (variante anatômica). A figura 2c evidencia a artéria vertebral esquerda deslocando inferiormente o nono nervo craniano e comprimindo o décimo nervo craniano ipsilateral (Figuras 2a, 2b e 2c). Caso 3 CMS, 31 anos, sexo feminino, com parestesia na metade esquerda da língua e tonturas. As figuras 3a, 3b e 3c mostram o looping da ACPI (artéria cerebelar posterior inferior), comprimindo o nono nervo craniano à esquerda, na REZ (root entry zone) (Figuras 3a, 3b e 3c). Caso 4 ENA, 81 anos, sexo masculino, com zumbido no ouvido esquerdo e tonturas. As figuras 4a, 4b e 4c evidenciam a ACAI determinando afastamento e abaulamento do oitavo nervo craniano ao nível da REZ (root entry zone) (Figuras 4a, 4b e 4c). a b c c FIGURA 1 JMF, 60 anos, sexo masculino. RM demonstrou CVN entre o quinto nervo craniano esquerdo e a artéria cerebelar superior no segmento cisternal. SCA: superior cerebelar artery FIGURA 2 SPG, 57 anos, sexo masculino. RM demonstrou CVN entre o décimo nervo esquerdo e a artéria vertebral esquerda dominante ao nível do sulco pós-olivar. AICA: anterior inferior cerebelar artery SILVA CE, DUARTE JA, ANTUNES ACM – Evidências de compressão vasculonervosa na ressonância magnética do encéfalo: Importância para planejamento de microcirurgia descompressiva neurovascular J Bras Neurocirurg 13(2): 57-60, 2002 59 a a b b c c FIGURA 3 CMS, 31 anos, sexo feminino. RM demonstrou CVN entre o nono nervo esquerdo e a artéria cerebelar posterior inferior ao nível do bulbo. PICA: posterior inferior cerebelar artery FIGURA 4 ENA, 81 anos, sexo masculino. RM demonstrou CVN entre o oitavo nervo esquerdo e a artéria cerebelar anterior inferior a 4 mm da REZ. IAC: internal auditory canal Discussão apresenta alta sensibilidade na avaliação de CVN, sendo o exame de escolha para a investigação desses casos8. A seqüência CISS–TSE permite a visibilização detalhada dos nervos cranianos e vasos sangüíneos, bem como das estruturas anatômicas relevantes da região do ângulo pontocerebelar13 . Esta visibilização é possível pela RM na seqüência CISS–TSE submilimétrica ponderada em T2, na qual tanto os nervos cranianos quanto os vasos aparecem como estruturas negras circundadas pelo líquido cefalorraquidiano (LCR) com hiperintensidade de sinal (branco), ou pela seqüência 3-D FISP (fast inflow with steady-state precession) 1,8. A associação de imagens multiplanares de angiorressonância magnética (ARM) na seqüência TOF (time-of-flight) permite a diferenciação A compressão vascular arterial e venosa tem sido abordada cirurgicamente para o tratamento de inúmeras afecções dos nervos cranianos. Os índices de sucesso terapêutico da microcirurgia descompressiva neurovascular variam de acordo com o tipo de síndrome associada, com valores que oscilam em torno de 80% a 90% para doenças como nevralgia do trigêmeo, espasmo hemifacial, vertigem posicional incapacitante e zumbido11, 15, 16 . Entre as possibilidades de investigação complementar, o exame de RM permite o diagnóstico diferencial das lesões do ângulo pontocerebelar, entre elas, as anomalias congênitas, doenças inflamatórias, infecciosas, vasculares e neoplásicas. A RM SILVA CE, DUARTE JA, ANTUNES ACM – Evidências de compressão v asculonervosa na ressonância magnética do encéfalo: Importância para planejamento de microcirurgia descompressiva neurovascular J Bras Neurocirurg 13 (2): 57-60, 2002 60 entre artérias, veias e nervos, pois somente as artérias irão apresentar hiperintensidade de sinal na ARM3. Existem alguns critérios de imagem que aumentam a probabilidade de que a CVN seja ao causadora da sintomatologia do paciente, tais como compressão próxima à REZ, compressão por vaso arterial, cruzamento perpendicular do vaso em relação ao nervo e deslocamento do nervo pelo vaso. A seqüência CISS da RM apresenta vantagens sobre a angiografia digital, por ser um método não-invasivo, não necessitar uso do meio de contraste e permitir avaliar vasos e nervos simultaneamente8 . O estudo da CVN com a RM possibilita um planejamento prévio da abordagem cirúrgica com segurança adicional, reduzindo a necessidade de exploração microcirúrgica excessiva, direcionando o trabalho do neurocirurgião 1,2,3. Alguns estudos realizados especificamente para avaliar a correspondência entre os achados da RM e aqueles do campo operatório mostraram excelentes resultados nesse sentido, sugerindo ser um exame extremamente confiável para o planejamento pré-operatório 1,4,10. No entanto, o diagnóstico das síndromes relacionadas à CVN deve ser baseado, em primeiro lugar, nos dados clínicos do paciente, sendo os achados de imagem elementos complementares no diagnóstico e no planejamento terapêutico9. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. AKIMOTO H, NAGAOKA T, TADASHI N, TAKADA Y, OHNO K, YOSHINO N: Preoperative evaluation of neurovascular compression in patients with trigeminal neuralgia by use of three-dimensional reconstruction from two types of highresolution magnetic resonance imaging. Neurosurger y, 51: 95662, 2002. BONAFE A: Neurovascular cross-compression syndromes of the cerebellopontine angle. J Radiol 81:(Suppl.): 694-701, 2000 DU C, K OROGI Y, NAGAHIRO S, SAKAMOTO Y, TAKADA A, USHIO Y, HIRAI T, HIGASHIDA Y, TAKAHASHI M: Hemifacial spasm: three-dimensional MR images in the evaluation of neurovascular compresion. Radiology, 197: 227-31, 1995. 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