Vende-se Filosofia: Os Espaços Entre a Filosofia e Música

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 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Vende-se Filosofia: Os Espaços Entre a Filosofia e Música Pop1
Tatiana Amendola Sanches2
UNICAMP
Resumo
Este trabalho procura discutir como o mercado de filosofia high-pop é um dos “lugares” onde as pessoas
buscam saídas para a radicalização da modernidade, o crescente desencaixe (GIDDENS, 1991) e a
fragmentação das relações sociais - características típicas do mundo contemporâneo. Assim, procurarei
argumentar que é na junção entre filosofia e música - como esfera artística que abre possibilidades de
interpelação total dos indivíduos, e não de fragmentos do que são - que os sujeitos vislumbram maneiras de
reencaixe no mundo contemporâneo. Em um primeiro momento, apresentarei uma breve introdução
conceitual do que entendo por filosofia high-pop e algumas implicações para a categorização high-brow e
low-brow. Em seguida, apresentarei algumas breves reflexões sobre as possibilidades do fazer filosofia com
música no contexto do capitalismo tardio e do consumo imperativo.
Palavras-chave: filosofia; consumo; entretenimento; música.
É pelo canto que ele chega à consciência de si mesmo como Eu
e ao uso desde então legítimo desse pronome pessoal. O homem
existe para si em e por seu canto, ele mesmo é o seu próprio
canto: eu canto, logo existo.
Pierre Clastres
He's a real nowhere man,
Sitting in his nowhere land,
Making all his nowhere plans
for nobody.
Doesn't have a point of view,
Knows not where he's going to,
Isn't he a bit like you and me?
Nowhere man, please listen,
You don't know what you're missing,
Nowhere man, the world is at your command.
The Beatles
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 09 Comunicação, Consumo e Memória, do 3º Encontro de GTs Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2013.
2
Tatiana Amendola Sanches. Doutoranda em Ciências Sociais pela UNICAMP, professora de Estudos Culturais NA
FACOM / FAAP, pesquisadora do PPGCOM da ESPM e Mestre em Comunicação e Cultura pela University of
London. E-mail: [email protected]
PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Escrever sobre o encontro da cultura pop com a filosofia pede uma epígrafe pop. A aqui
usada é uma música dos Beatles, composta em 1966, que evidencia um sentimento de não
pertencimento, de falta de opinião e sentido de vida. O sujeito da música não pertence à lugar
nenhum, está em um lugar nenhum – é um sujeito desencaixado. O mundo está sob seu comando e
ele faz o que bem entender, mas paradoxalmente ele não sabe pra onde ir. Como diz a letra, ele é
um pouco parecido comigo e com você.
Este trabalho como objetivo entender como as pessoas lidam com a sensação generalizada
- e cantada pelos Beatles - de “homem de lugar nenhum”, e assim investigar um de muitos lugares
onde as pessoas buscam respostas: o novo e crescente mercado editorial que une filosofia e cultura
pop. Para isso, o trabalho irá debater, de modo mais geral, o papel da arte e das práticas culturais e
suas relações com o mercado no mundo contemporâneo.
A hipótese central é a de que o mercado de filosofia high-pop é um dos “lugares” onde as
pessoas buscam saídas para o a radicalização da modernidade, o crescente desencaixe (GIDDENS,
1991) e a fragmentação das relações sociais - características típicas do mundo contemporâneo.
Assim, procurarei argumentar que é na junção entre filosofia e música - como esfera artística que
abre possibilidades de interpelação total dos indivíduos, e não de fragmentos do que são - que os
sujeitos vão de fato achar maneiras de reencaixe no mundo contemporâneo.
Em um primeiro momento, apresentarei uma breve introdução conceitual ao que entendo
por filosofia high-pop e algumas implicações para a categorização high-brow e low-brow. Em
seguida, apresentarei algumas breves reflexões sobre as possibilidades do fazer filosofia com
música no contexto do capitalismo tardio e do consumo imperativo.
O Mercado High-Pop
Os Beatles são apenas um exemplo dentre tantos outros ícones da cultura pop que se
transformaram em temas de uma coleção de livros de filosofia. Fruto do trabalho de William Irwin,
professor doutor do King’s College, a coleção The Blackwell Philosophy and Pop Culture Series
publicou livros que buscam mostrar as conexões entre alguns ícones da cultura pop e a filosofia. Por
isso o título de todos os livros é sempre “... And Philosophy”. Há, além dos livros, um site, um
canal no YouTube e um perfil no Twitter e Facebook chamados “And Philosophy”, que são
2 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). vinculados a essas publicações3. No Brasil essa série foi publicada pela editora Madras dentro da
coleção intitulada Filosofia Pop.
Todos os livros unem elementos da alta e baixa cultura, cuja junção cria um espaço
indefinido (arte, filosofia, cultura pop ou autoajuda?) entre as duas. Ainda que de difícil localização
nas prateleiras, Collins caracterizou algo semelhante ao tratar do movimento high-pop (COLLINS,
2003), que se refere a produtos que estabelecem uma ponte entre obras eruditas e o universo do
consumo cotidiano. O crescente mercado voltado para o consumo de livros e outros produtos de
filosofia no Brasil e no mundo parece se relacionar ao que Collins chama de high-pop.
Podemos pensar o mercado da filosofia high-pop como um processo parcialmente
resultante desse movimento que une, ao mesmo tempo, uma sedução pela filosofia associada a
certos valores consagrados como “high” – erudição, antiguidade, nobreza, inteligência – e
elementos associados ao mundo “pop / low” – entretenimento, diversão, atualidade, facilidade,
comunicação de massa. Esse não é exatamente um fenômeno novo. No entanto, no que se refere ao
diálogo que esse mercado estabelece com o mundo da cultura pop e respostas a um capitalismo
tardio (JAMESON, 1991) e afetivo (ILLOUZ, 2011), temos um novo fenômeno, como colocam
Irwin & Johnson (2010):
The idea of using examples to facilitate learning is not new to philosophy. Famously, Plato
(429-347 BCE) used the story of the ring of Gyges, and Descartes (1596 – 1650) imagined a
deceitful demon. However, most examples in philosophy are rather dry – finding people with
bland names like Jones and Brown in difficult to describe circumstances, such as those in
which we are potentially justified in believing that “Jones owns a Ford, or Brown is in
Barcelona.” Thankfully, Hollywood writers do a much better job of creating engaging,
imaginative scenarios than philosophers do. So why not use their creations to add spice to
philosophy?
Se tais produtos se encaixam no conceito de cultura média ou não, podemos afirmar que as
publicações de filosofia high-pop nos mostram um novo espaço entre o as ditas alta e a baixa
cultura, conectam filosofia e cultura pop, mas não se enquadram unicamente em nenhuma das
classificações. Percebe-se aí uma clara fusão entre elementos aparentemente contraditórios: o high,
ou o erudito da filosofia; e o pop, ou os elementos da cultura pop e aqui especificamente, a música
pop.
Há uma distinção, feita especialmente pelos críticos culturais, entre aquilo que é pop e
aquilo que é erudito, o que é filosofia ou arte, e o que não é – o que se torna um problema quando
3
And Philosophy, disponível em http://www.youtube.com/user/andphilosophy, http://andphilosophy.com/,
http://twitter.com/#!/andphilosophy e http://andphilosophy.com/. Acesso em maio de 2013.
3 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). nos deparamos com produtos como esse que estão situados em um espaço nebuloso entre
binarismos. Seria simplista separar em categorias aquilo que é e o que não é filosofia, aquilo que é
ou não arte pois nos deparamos com a necessidade de pensar os pontos de contágio entre essas
esferas.
Há aqui, portanto, a questão da entrega da filosofia ao mercado e ao mesmo tempo a
elevação da cultura pop ao estatuto de arte ou alta cultura. A proposta deste trabalho é pensar além
dos limites porosos que se formam entre uma filosofia high e uma filosofia pop, pensar as
possibilidades que se abrem nesse espaço entre o high e o pop.
Para Adorno (in COHN, 1994): “a crítica cultural aponta então para isso e se indigna com
a superficialidade e a perda de substância. Mas à medida que, apesar disso, ela não vai além do
enredamento de cultura e comércio, ela mesma participa da superficialidade (p.83)”. As reflexões a
respeito da filosofia, da arte e do mercado não devem se restringir ao enquadramento daquilo que é
ou não filosofia e arte, mas ao questionamento das possibilidades que ali se constroem. Nesse
sentido, a coragem de enfrentar os críticos culturais e publicar uma coleção para fazer as pessoas
pensarem sobre suas vidas, dentro de um espaço inspirador criado pelas letras de músicas de seus
ídolos, é um contraponto interessante.
O mercado high-pop é bastante voltado àquilo que é pronto4, vendável, fácil e desejável.
Na filosofia, tal processo vem sendo criticado desde os Sofistas, e ainda o é com a filosofia highpop. No entanto, hoje, dada a busca crescente de saídas e guias que ocupam lugares antes ocupados
por uma maior presença das religiões e tradições na vida das pessoas, parecem surgir possibilidades
intermediárias. Tomemos um exemplo:
Na metade do ano de 2010 a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) organizou duas
sessões do seu tradicional Café Filosófico chamado “Por uma metafísica do Rock” em torno dos
temas Bob Dylan, Frank Zappa, Deleuze, Rock e Filosofia5. O contato do público em com um
espaço aberto de discussão, que também é veiculado pela TV Cultura, promove debates e abre
brechas de pensamento que, com a ajuda da internet e televisão, se torna frutífero. Da mesma forma
que o rock de Bob Dylan pode assumir ao mesmo tempo um caráter de resistência dentro da
4
Por exemplo a Nietzsche’s Will to Power bar, que é uma barra de ceral com 12 dicas para o consumidor se tornar um
super-homem. Disponível em http://www.neatorama.com/2012/04/05/nietzsches-will-to-power-bar/, acesso em
21/06/2103.
5
Café filosófico CPFL disponível em http://www.cpflcultura.com.br/2010/10/21/para-uma-metafisica-do-rock-bobdylan-e-gilles-deleuze-%E2%80%93-fernando-chui-e-daniel-lins/, acesso em 21 de maio de 2013.
4 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). indústria cultural, o debate filosófico-pop pode nos apontar caminhos para possibilidades de
pensamento crítico dentro do mercado, através da união entre música pop e filosofia.
Este exemplo pode sugerir que a filosofia high-pop traz dimensões mais complexas do que
a separação entre erudito e massa: as possibilidades de pensar podem se dar mesmo dentro de um
ambiente tomado por uma dimensão de mercado, como no caso da CPFL, que sedia o café
filosófico.
Music Makes the People come Together6 ou A Experiência Sui-Generis da Música
Como consequência da perda da tradição como guia para a ação dos sujeitos no mundo,
estes se veem diante de um clima de risco (BECK, 1997), diferente do clima de maior segurança
ontológica nas sociedades pré-industriais: “o resultado é que a vida pessoal torna-se atenuada e
privada de pontos de referência firmes: há uma volta para dentro, para a subjetividade humana, e o
significado e a estabilidade são buscados no eu interior” (p. 128). Com o advento da modernidade,
os indivíduos se sentem compelidos a redefinir as estruturas perdidas, buscando formas de
reencaixe em um contexto caracterizado pelo desencaixe das relações sociais. As pessoas se tornam
mais livres, mas ao mesmo tempo mais individualizadas. Ou seja, as demandas da vida moderna se
acumulam sobre os indivíduos, que devem construir seus próprios caminhos de vida, caminhos que
não são mais orientados por uma comunidade ou referência nos moldes tradicionais.
Uma das formas de reencaixe é a busca de tradições sem tradicionalismo. Ou seja, se nas
sociedades pré-industriais os sujeitos desenvolviam laços com comunidades tradicionais,
encaixadas e rodeadas por um sentimento de pertencimento e sentido compartilhado, no mundo
moderno os sujeitos se veem diante do desencaixe e necessidade de buscar sentido e reencaixe em
esferas produtoras de sentido tipicamente modernas (ou mesmo pós-modernas). A cultura pop
preenche um dos lugares do vazio deixado pela perda das tradições. A ascensão dos meios de
comunicação de massa e seus produtos ocupam parte desse vazio de sentido, dando aos sujeitos
elementos para construção de novas tradições, embora destituídas de tradicionalismo.
No que se refere à união da filosofia com a música pop, poderíamos supor que a
experiência artística permeada pela música retoma certas características associadas às comunidades
tradicionais, voltando à um tempo em que os sujeitos se sentiam interpelados de forma total e não
6
Trecho da música Music, cantada por Madonna no album de mesmo nome lançado em 2000.
5 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). mais apenas como partes, dentro do contexto de fragmentação das relações sociais. De acordo com
Morelli (2010) na sua análise de Turner (2005):
Mas, ao discorrer sobre os rituais modernos das performances artísticas, Turner acrescenta
elementos novos à sua definição de communitas. Esta passa a corresponder a uma totalidade
que nos interpela integralmente, ou seja, como totalidades constituídas de dimensões
psicomotoras, emocionais e cognitivas, em contraste absoluto com as totalidades sociais
estruturais do tipo individualista, que interpelam apenas uma parte de nós, ou do tipo
comunitarista, que nos interpelam apenas como uma parte de si. (p.5)
De modo mais específico, o mercado de filosofia high-pop é justamente uma consequência
da reflexividade e da busca de reencaixe nas tradições “sem tradicionalismo”: oferece respostas ao
desencaixe e à ascensão de novas formas de reflexividade que buscam se ancorar – reencaixar - em
novas bússolas para a construção dos sujeitos, já que não se ancoram mais em bases tradicionais. O
crescimento do mercado voltado para o consumo da filosofia enquanto busca de respostas e saídas
para as ações cotidianas dos sujeitos na modernidade é sintoma de uma crescente reflexividade
(BECK, 1997; GIDDENS,1991) e busca de reencaixe associada à individualização que impele os
indivíduos a atuarem como produtores de suas próprias biografias, já que não são mais dadas pela
tradição (GIDDENS, 1991). A junção com a cultura pop reforça os pontos de apoio para a
construção do self já que - em uma possível aproximação dos grupos de fãs de determinadas bandas
e músicos com a ideia de communitas:
(...) a communitas adquire toda sua importância como espaço de criação, porque, se a palavra
poética é assim capaz de expressar o sujeito em sua integralidade, não é por outra razão
senão por seu endereçamento a esses outros que são parceiros criativos e que, mesmo quando
não compartilham efetivamente a autoria de uma obra, são capazes de interagir com ela e
com seus criadores, animando-se e animando-os, alegrando-se e alegrando-os, divertindo-se
e divertindo-os, brincando uns com os outros e com as palavras que trocam entre si (idem, p.
07)
A experiência com a música, com os ídolos e com o universo pop se prolonga na leitura
dos livros de filosofia high-pop. Há, portanto, um outro elemento que permeia esse mercado: as
expectativas que circundam o self. A experiência simbólica mediada (THOMPSON, 1995)
providencia amparo aos sujeitos. Segundo Foucault (2011), vivemos um “momento cartesiano” em
que a filosofia e a espiritualidade se dissociaram nas formas de “cuidado de si” e “conhece-te a ti
mesmo”. Ou seja, houve, ao longo do tempo, a valorização do “conhece-te a ti mesmo” e a
desvalorização do “cuidado de si”, da mesma forma em que se valorizou a filosofia e a busca da
verdade e se desvalorizou o que chamamos de “espiritualidade” ou qualquer movimento do
deslocamento do sujeito: “A verdade só é dada ao sujeito a um preço que põe em jogo o ser mesmo
do sujeito.” (p. 16). Esse processo parece ter chego a exaustão:
6 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Tal como doravante ela é, a verdade não será capaz de salvar o sujeito. Se definirmos a
espiritualidade como o gênero de práticas que postulam que o sujeito, tal como ele é, não é
capaz de verdade, mas que a verdade, tal como ela é, é capaz de transfigurar e salvar o
sujeito, diremos então que a idade moderna das relações entre sujeito e verdade começa no
dia em que postulamos que o sujeito, tal como ele é, é capaz da verdade, mas que a verdade,
tal como ela é, não é capaz de salvar o sujeito. (p.19)
O sujeito contemporâneo quer ser salvo. Há grandes expectativas que dizem respeito não
apenas ao conhecimento de si, mas ao cuidado de si (FOUCAULT, 2011); ou, nas palavras de
Illouz, (2008, 2011) à salvação da alma moderna. A música promove algumas doses de salvação e
reconciliação. Na perspectiva de Clastres (1978):
Não é certamente em vão que os homens escolhem para hino de sua liberdade o solo noturno
de seu canto. Apenas ali pode articular-se uma experiência sem a qual eles talvez não
pudessem suportar a tensão permanente que as necessidades da vida social impõem à sua
vida quotidiana. O canto do caçador, essa endolinguagem, é assim para ele o momento de
seu verdadeiro repouso no qual se vem abrigar a liberdade de sua solidão. Eis por que, caída
a noite, cada homem toma posse do prestigioso reino, reservado exclusivamente a ele, onde
pode enfim, reconciliado consigo mesmo, sonhar nas palavras o impossível "tête-à-tête com
sua própria pessoa.
Assim, voltamos à necessidade do reencaixe. Não é a filosofia apenas como ato de
conhecimento ou busca da verdade que providencia a salvação do homem. É na filosofia que se
conecta com a espiritualidade, ou seja, segundo Foucault, na busca de um tipo de verdade que
ilumina o sujeito, lhe dá beatitude e tranquilidade à alma. A busca portanto recai sobre algo que
une o cuidado de si ao conhece-te a ti mesmo: uma espécie de autoajuda baseada na filosofia. A
busca da filosofia high-pop parece resultar da desunião entre conhecimento e cuidado, e portanto
oferece o conhecimento de si, através da filosofia, e o cuidado de si, através do encontro com o
universo pop.
No Livro U2 and Philosophy, lemos:
Socrates affirms that both Agathon and Aristophanes were partially right: real love strives
for good things, but the lover also by definition longs for something that he still does not
possess. He is always in between a state of total lack and total possession of the good. (...)
U2’s music clearly emphasizes this in between elemento of Eros as well. “Walk away, walk
away, walk away, walk away, I will follow”is suggestive of someone who is willing to
persist in going after what he loves. (WRATHALL, p.07)
Os livros da coleção And Philosophy sempre alternam entre a filosofia e a letra da música,
de modo complementar. O objetivo é explicar sentimentos (cuidado de si) e conceitos (conhece te a
ti mesmo). O amor, no exemplo acima, é explicado como algo que nasce daquilo que não temos.
Logo o leitor passa a compreender o pensamento de Sócrates com a ajuda da letra do U2.
7 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). A filosofia high-pop também está ligada ao advento de uma cultura terapêutica (ILLOUZ,
2008; 2011) que não apenas espera que os indivíduos sejam felizes e produtivos, mas cria
expectativas de que os mesmos tenham competência afetiva para lidar com a vida cotidiana. A
reflexividade caminha em conjunto com a expectativa sucesso que circunda as mais diversas
esferas da vida. Segundo Illouz, há uma cobrança por controle emocional que ganha legitimidade
nas novas formações culturais.
Para a autora, além da construção de um habitus nos moldes de um capital cultural, há
também a expectativa da formação e acúmulo de capital afetivo. Há, no mundo contemporâneo,
uma crescente procura de competência e / ou inteligência afetiva, ou seja, uma capacidade de exibir
um estilo afetivo definido e promovido pelos psicólogos (p.92) e que serve para monitorar as
próprias emoções de modo a nortear a própria vida: “a inteligência afetiva envolve aptidões que
podem ser categorizadas em cinco campos: autoconhecimento, administração dos afetos,
motivação de si mesmo, empatia e manejo das relações.” (p.94)
De alguma forma, Benjamin (1985) já previa certa “explosão terapêutica” no contato com
a cultura de massa já que esta seria promotora de uma abertura de novos espaços de liberdade. A
distração – que aqui está na escuta da musica pop - é vista como potencializadora, pois revela
nosso inconsciente ótico. O sujeito passaria por um momento terapêutico que seria posteriormente
objeto de reflexão na leitura de filosofia.
Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as suas
consequências, engendrou nas massa, – tensões que em estágios críticos assumem um caráter
psicótico -, perceberemos que essa mesma tecnização abriu a possibilidade de uma
imunização contra tais psicoses de massa através de certos filmes, capazes de impedir pelo
desenvolvimento artificial de fantasias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e
perigoso (p. 190).
Assim, o mercado de filosofia high-pop parece resultar de novas práticas culturais
decorrentes da modernidade reflexiva – marcadas pela busca por reencaixe (tradições destituídas de
tradicionalismo) e pela ascensão de uma cultura terapêutica – que em última instância buscam
prover segurança ontológica aos sujeitos no mundo atual através da oferta de explicações profundas
e ao mesmo tempo acessíveis sobre a vida, dentro da junção da cultura pop, literatura de autoajuda e
filosofia.
Conclusões
8 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Um conjunto de três fatores converge na filosofia high-pop: a busca pelo “cuidado de si”, a
busca pelo “conhece-te a ti mesmo” e a terapeutização da vida. Procurei mostrar o consumo dos
produtos high-pop é uma forma de lidar com a sensação de vazio que preenche o sujeito
contemporâneo, tão bem expressa na música Nowhere Man dos Beatles.
A passagem das sociedades pré-modernas para as sociedades modernas e contemporâneas
pode ser evidenciada pela alternância de três tipos sujeitos: aqueles orientados pela tradição, aqueles
orientados pela internalização de valores sociais e, por último, aqueles orientados pelos outros e
pela mídia (RIESMAN, 2000). Ou seja, os sujeitos sociais mudaram ao longo do tempo: de um tipo
que refletia os valores coletivos tradicionais para um tipo que se orientava pela internalização de
certos valores externos; e finalmente para um tipo que se orienta pelo outro, pelas celebridades, pela
mídia massiva. Este último tipo vive em uma espécie de multidão solitária, ou, nas palavras dos
Beatles, numa “nowhere land”. A filosofia high-pop pode ser pensada como fruto da necessidade de
construção de novos caminhos e guias para as pessoas perdidas e desencaixadas que habitam o
mundo de ninguém contemporâneo. E ela o faz justamente nos produtos que (des)orientam o sujeito
– na cultura pop. Se ela preenche ou não o vazio do “nowhere man” é uma questão que não caberá
neste artigo, mas é inquietante perceber que mesmo quando mudanças econômicas, sociais,
políticas e tecnológicas das últimas décadas estimulam cada vez mais aquilo que é contrário à
primazia de uma “vida interior” (SIBÍLIA, 2002), a filosofia high-pop busca terapeuticamente
resgatar a discussão acerca da intensa e extensa crise da interioridade dos nossos dias, para quem
sabe, tratá-la.
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9 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). ILLOUZ, E. O amor nos tempos do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
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