A MUDANÇA DE PARADIGMA DA EMPRESA

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Revista de Direito
A MUDANÇA DE PARADIGMA DA EMPRESA
Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010
Da maximização do lucro à nova empresa social
Fabricio Jorge Machado
Centro Universitário Anhanguera
unidade Leme
[email protected]
Rafael A. Jacob Denzin
Centro Universitário Anhanguera
unidade Leme
[email protected]
Cecília R. Frutuoso Hildebrand
Centro Universitário Anhanguera
unidade Leme
[email protected]
RESUMO
Os conceitos e teorias acerca da atividade empresarial sofreram diversas
alterações ao longo da história evolutiva. As novas concepções sobre as
características da empresa, bem como as novas teses sobre a abrangência da
atividade foram impulsionadas, no Brasil, com o advento da Constituição
Federal de 1988, bem como se consolidou com a unificação da legislação
privada. O modelo da maximização de lucro passou a demonstrar seus
nefastos efeitos em relação à concepção humanista hodierna, gerando a
necessidade de reflexão quanto à participação consciente no
desenvolvimento econômico. A atividade empresarial passou a ser
qualificada através de perfis inicialmente coletivos, tais como: eticidade,
operalidade, socialidade, humanismo e comprometimento com a inclusão
social. Os conceitos da nova empresarialidade atingiram a novos e
complexos contornos ao evoluir para o conceito de empresa social, como
sendo aquela cuja aspiração imediata é o resultado social daqueles que a
circundam, deixando em segundo plano o retorno econômico dos sócios e
investidores.
Palavras-Chave: empresa; direito empresarial; empresarialidade; empresa
social.
ABSTRACT
The concepts and theories concerning the enterprise activity have suffered
several alterations throughout history. In Brazil, the new concepts about the
characteristics of the company, as well as the new thesis about the range of
the activity, were stimulated by the advent of the Federal Constitution from
1988 and were consolidated by the unification of the private legislation. The
model of profit maximization began to demonstrate its ominous effects in
relation to the hodiernal humanistic concept, generating the necessity of
reflection about a conscious participation in the economic development. The
enterprise activity started to be qualified through collective profiles, such as:
ethics, operability, sociability, humanism and commitment to social
inclusion. The concepts of the new enterprisiability acquired new and
complex outlines when they evolved to the concept of social company. To
such companies the immediate aspiration is the social result of those ones
around them, leaving to a second level the revenue of partners and investors.
Anhanguera Educacional S.A.
Keywords: company; enterprise law; enterprisiability; social company.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico
Recebido em: 23/9/2009
Avaliado em: 22/7/2010
Publicação: 11 de agosto de 2010
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A mudança de paradigma da empresa: da maximização do lucro à nova empresa social
1.
INTRODUÇÃO
O século XXI sempre foi aguardado como uma espécie de apogeu para as relações
humanas, seja no campo científico e tecnológico, seja nas questões interpessoais e afins.
Neste mesmo sentido, o Direito tem acompanhado os prenúncios desse processo
evolutivo através da transformação de dogmas inicialmente imutáveis.
Durante todo o século passado seria impossível justificar a aproximação do
direito privado ao direito público, assim como percebemos límpida e hodiernamente na
constitucionalização das relações privadas.
Até mesmo relações indubitavelmente privadas, como a seara empresarial, já
podem ser encaradas sob o prisma da função social e do interesse coletivo.
Antes de qualquer arrazoado mister a retomada aos tempos em que a atividade
empresarial era resumida a expressão “mercancia”, ainda sob forte influencia do Código
Napoleônico, para que possamos vislumbrar com clareza a nítida evolução dos atos de
comércio, da teoria da empresa, da nova empresarialidade, bem como para que possamos
alcançar a nova dimensão da empresa social.
O direito como produto e diretriz do contexto social deve, necessariamente,
acompanhar o natural processo evolutivo para estabelecer novos paradigmas para a
figura empresarial, possibilitando, pois, a transmutação da maximização do lucro à nova
empresa social.
A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil
apenas confirmou a tendência nacional iniciada com a Lei da Companhia ou Sociedade
Anônima (Lei n° 6.404/76) e consolidada na Constituição Federal de 1988 ao dissociar-se
da visão individualista e apoiar-se na socialidade, operacionalidade e eticidade como
princípios norteadores, não somente do projeto, mas também da aplicação da nova
legislação.
2.
A EVOLUÇÃO DO DIREITO MERCANTIL
A utilização da expressão Direito Mercantil neste trabalho é necessária para alertar que o
processo evolutivo é impossível de conter, as novas empresas eram, num passado não
muito remoto, tratadas como mera atividade mercantil, organizada em legislações e atos
esparsos.
Expressões que hoje parecem inapropriadas representavam à sua época a
magnitude dos conceitos, pois se retomarmos o surgimento do Direito Comercial teríamos
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que partir do escambo, aperfeiçoá-lo na fase monetária, bem como transpor a fase de
especialização do comerciante, para só então, chegarmos a primeira das três teorias
evolutivas do Direito Comercial, ou a seja a teoria dos comerciantes.1
Seguindo o processo evolutivo tivemos a inversão da subjetividade encetada na
teoria dos comerciantes, para galgarmos a teoria dos atos do comércio em que o foco
objetivo da disciplina estava concentrado na atividade ou nos atos comerciais, não mais
em quem exercia (comerciante).
Em contraposição a teoria alinhavada anteriormente, surge a teoria dos atos
empresariais ou teoria da empresa, tendo por marco o Código Civil Italiano (1942), e
modernamente é escorada por três sustentáculos que não devemos confundir: empresário,
empresa e estabelecimento comercial.2
No Brasil, a transposição tardia das teorias somente foi iniciada com a vinda da
Família Real e a ulterior aprovação do ‘Código Comercial do Império Brasileiro’ (1850),
sendo certo que apenas com a promulgação do novo Código Civil (2002) é que o ciclo da
teoria os atos do comércio se encerrou formalmente.
É importante pontuar que a inspiração do novo codex estava nitidamente
contrária ao fundamento patrimonialista e individualista do Código Civil de 1916 e, agora
também, passaria a influir nas questões empresariais.
Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Galiano, em sua obra Novo Curso de
Direito Civil, comentam sobre o momento histórico que amparava o conservadorismo do
império do patrimônio inerente ao Código Civil de 1916:
[...] traduz, em seu corpo de normas tão tecnicamente estruturado, a ideologia da
sociedade agrária e conservadora daquele momento histórico, preocupando-se muito
mais com o ter (o contrato, a propriedade) do que com o ser (os direitos da
personalidade, a dignidade da pessoa humana).3
A alteração da perspectiva do cenário civil acabaria por insuflar o rompimento de
diversos paradigmas privatistas sem nos olvidarmos que tais inovações alterariam a
concepção da empresa moderna.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 3
COELHO, Fábio U. Curso de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v 1. p. 18
3 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
v.1, p. 50.
1
2
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A mudança de paradigma da empresa: da maximização do lucro à nova empresa social
3.
A EVOLUÇÃO DA EMPRESA
A promulgação do novo Código Civil, para muitos, representou o assentamento formal
da unidade do Direito Privado no país, porém, muito mais do que abolir a dicotomia
privada, a nova ordem passou a inspirar o novo modelo empresarial.
Juntamente com o novo diploma, os doutrinadores sucumbiram aos princípios
que passaram a orientar as relações de direito privado, inclusive àquelas inerentes as
condições empresariais, ou seja: socialidade, eticidade e operalidade.4
Dessa forma, os princípios suso mencionados (socialidade, eticidade e
operabilidade) não orientam exclusivamente o direito civil, mas sim direito privado como
um todo.
Dentre os novos princípios orientadores destacamos a socialidade, ou seja, as
necessidades coletivas e seus interesses ultrapassam as necessidades individuais, sem
prejuízo dos valores fundamentais do indivíduo e sob a égide função social da
propriedade privada.
Miguel Reale esclarece não se tratar da sobreposição do socialismo, mas da
salvaguarda da socialidade, verbis:
Se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da “socialidade”, fazendo
prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor
fundante da pessoa humana. Por outro lado, o projeto se distingue por maior aderência
à realidade contemporânea, com a necessária revisão dos direitos e deveres dos cinco
principais personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante, o
empresário, o pai de família e o testador.5
A primeira grande discussão acerca da aplicabilidade dos princípios norteadores
do direito privado estava diretamente direcionada a atividade empresarial, pois, como
poderíamos conceber a coexistência da maximização do lucro (mandamento basilar do
empresário) e a socialidade como orientação principiológica.
Em verdade, a prevalência da vontade do detentor do capital acabara de chegar
ao final de sua jornada, como bem assevera Arnoldo Wald, verbis:
Podemos afirmar, assim, que está ultrapassada uma fase do Direito comercial que fazia
prevalecer sempre a vontade e o interesse dos detentores do capital. Na nova fase, que
se inicia com o Código Civil, institui-se uma verdadeira democracia empresarial que
deve corresponder à democracia política, vigorante em nosso país, substituindo-se o
poder arbitrário do dono da empresa por um equilíbrio que deve passar a existir entra as
diversas forças que cooperam para a realização das finalidades empresariais. Consolidase, assim, uma nova conceituação da empresa como organização com fins lucrativos,
4 REALE, Miguel. O Projeto do Código Civil – Situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986, p.
76.
5 REALE, Miguel. Visão geral do projeto de Código Civil. Miguel Reale, São Paulo, nov. 2001. Acesso em: 05 maio 2004
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mas com estrutura e espírito de parceria entre todos aqueles que dela participam sob as
formas mais diversas.6
A nova era empresarial pressupõe o empresário como figura ética, e o Direito
Empresarial social, diligente e real.
A consolidação do viés social da Constituição de 1988 alterou a perspectiva do
capital, da propriedade privada e de seus efeitos sociais. Dessa forma, nítida é a relação
existente entre a função social (enquanto conjunto de incumbências que vinculam as
atividades) e aquele que exerce qualquer tipo de atividade.
A Constituição Federal de 1988 é clara em balizar que os fatores que regem o
sistema capitalista, especialmente o capital e a propriedade, devem conspirar a favor do
bem social.
A Constituinte ao estabelecer que “a propriedade atenderá a sua função social”
no rol dos direitos fundamentais (art. 5°, XXIII) e que “a ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observando o princípio função
social da propriedade (art. 170, III) eleva os ditames ao nível de norma constitucional.
“Quer parecer, ao menos, em uma perspectiva genérica, que a noção de
cumprimento da função social da propriedade privada, na seara econômica, implica a
observância dos fins da ordem econômica”7, como bem lecionado por Luiz Alberto David
Araújo.
Na verdade o poder constituinte pátrio não inovou, vez que as Constituições do
século XX tornou a matéria freqüente em seu bojo, como delineia Celso Ribeiro Bastos,
verbis:
Tornou-se freqüente nas Constituições do século XX o conterem disposições sobre a
ordem econômica e, por vezes, a social, o que inconcebível nas Constituições dos séculos
XVIII e XIX, porque tais matérias esta tidas como fora do alcance da intervenção estatal;
a economia e os problemas sociais eram da alçada dos particulares. Sem embargo, os
profundos abalos da ordem econômica, causados sobretudo por guerras e outras crises
na economia, levaram as Constituições a trazerem dispositivos trançando as linhas
mestras da estruturação econômica do Estado.8
Neste mesmo sentido é o assentamento de Jorge Miranda, ao comentar o cenário
mundial das novas instituições públicas e privadas, verbis:
Mesmo as Constituições liberais – mais distantes ‘prima facie’ desse aspecto – não
deixavam de ser sociais: eram-no ao cuidarem das liberdades e da propriedade. E as
Constituições do século XX (todas ou quase todas) estendem o seu domínio a novas
6 WALD. Arnoldo. A Recente Evolução da Empresa e o Direito. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e
do Consumidor. Porto Alegre, RS, ano 4, n. 24, p. 83-93, dez./jan. 2009.
7 ARAUJO. Luiz Alberto David. NUNES JUNIOR. Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 469
8 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 461
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regiões garantindo não só direitos do homem, do cidadão, do trabalhador, como
princípios objetivos da vida social, permitindo ou impondo intervenções econômicas,
modelando ou remodelando instituições públicas e privadas.9
A concepção de empresa deve, necessariamente, conjugar os ditames
constitucionais e os princípios norteadores do direito privado na realização de seu objeto
social, seja no equilíbrio econômico de seus contratos (eticidade), seja ao interpretar a
norma próxima ao caso concreto (operalidade), ou ainda na preocupação com os fatores
econômicos externos (socialidade).
A geração de riquezas, a manutenção e instituição de empregos, o pagamento
dos tributos, o desenvolvimento tecnológico, a movimentação consciente do mercado
econômico, a preservação do meio ambiente, entre outros, são exemplos límpidos do
alcance da função social da empresa.
Nos tempos atuais a maximização do lucro, de outra sorte, não se caracteriza por
ser a finalidade específica da atividade empresarial pura e simples, mas sim como o
resultado da atividade empresarial.
Durante muito tempo, e ainda hoje, muitos acreditam que a maximização do
lucro é o propulsor de qualquer indivíduo que se lança na atividade empresarial, ainda
que se cogite a possibilidade da reformulação da empresa.
Os progressos estatais estão, histórica e faticamente, vinculada a atividade
mercantil, comercial e empresarial, guardadas as devidas progressões conceituais ao
tempo em eram citadas, ou seja, qualquer reformulação da atividade estatal, deve,
necessariamente, passar pela válvula motora do processo de enriquecimento (empresa).
Ao referir-se ao processo de reconstitucionalização, Fabio Konder Comparato é
preciso ao afirmar que a necessária reformulação das empresas, verbis:
A verdadeira constituição não se limita a organizar as funções do Estado, mas regula
também o exercício de poderes no âmbito da sociedade civil; se a vida política não se
dissocia da atividade econômica – aquela pertinente à esfera estatal e esta reservada à
vida privada –, como assoalhava a ideologia liberal, é fora de dúvida que a verdadeira
reconstitucionalização do País passa por uma reorganização da sociedade civil e, nesta,
por uma nova disciplina da empresa, sua instituição-chave. Parafraseando a 10ª tese de
Marx sobre Feuerbach, direi que os juristas limitaram-se a interpretar diversamente a
empresa; o que importa, agora, é reformá-la.10
Outra concepção sobre o as figuras empresarias é a franca tendência de algumas
empresas em substituir o lucro por resultado, seja ele econômico, seja ele comercial ou
ainda de puro caráter estratégico.
9
MIRANDA. Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 21
COMPARATO. Fábio Konder. Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 4
10
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O fato é que a atividade empresarial passa, constantemente, por inovações
funcionais que não lhes retiram o caráter essencial de empresa, mas revigora seu campo
de atuação e penetração social.
A empresa não é mais visualizada apenas no âmbito de seu regulamento jurídico
especial, mas também, em relação ao conjunto de fatores e elementos que interagem na
consecução de seus objetivos.
A responsabilidade perante a comunidade que a circunda, o auxílio na inclusão
social e o fomento do desenvolvimento social acabam por delimitar uma nova geração de
empresários, aqui denominados socialmente responsáveis.
Não podemos, de outra forma, confundir responsabilidade social e função social
da empresa consagrada pela Constituição Federal e através dos princípios norteadores do
Direito Privado.
Não estamos aqui nos referindo ao cumprimento consciente do objeto social da
empresa segundo os princípios da ordem econômica, mas sim, de extrapolar os ditames
constitucionais e interagir diretamente no seio social que exploram, em total auxílio as
atividades estatais de cunho social.
Neste diapasão as empresas (socialmente responsáveis) são vistas como
verdadeiras fontes de fomento no contexto social.
Eduardo Tomasevicius Filho, em seus comentários sobre a responsabilidade
social empresarial, encerra a delimitação conceitual verbis:
Assim, a responsabilidade social das empresas consiste na integração voluntária de
ocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na sua
interação com a comunidade. Além disso, seria uma forma de levar outras instituições a
colaborar com o Estado na busca de justiça social, ao invés de ficar esperando que o
Estado tome todas as providências nessa área.
[...]
A responsabilidade social das empresas costuma ser dividida em dois tipos:
responsabilidade social interna, que consiste na preocupação com as condições de
trabalho, qualidade de emprego, remunerações, higiene e saúde de seus funcionários; e
responsabilidade social externa, que consiste na preocupação da empresa com a
comunidade em está inserida, bem como seus clientes, fornecedores e entidades
públicas.11
As apresentações dos resultados obtidos com o título de responsabilidade social
são, via de regra, estruturadas em balanços sociais, inspirados no período do pós-guerra.
A aproximação desta forma empresarial com a realidade jurídica se deu com a
Lei das Sociedades por Ações (Lei 6404/76), em seu artigo 154, § 4°, verbis:
11 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. Revista dos Tribunais. São Paulo, SP, ano 92, v. 810, p.3350, abr. 2003.
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A mudança de paradigma da empresa: da maximização do lucro à nova empresa social
Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem
para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público
e da função social da empresa.
[...]
§ 4º. O Conselho de Administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos
gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a
empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais.
O fato é que a maximização dos lucros, seja em razão da nova sistemática do
direito privado, seja em razão dos reclames sociais, passaram a ser analisados em
conjunto com outros fatores, tais quais: valoração ética das condutas, qualidade de vida,
justiça social, participação perante a comunidade em que a circunda (stakeholders), ainda
que estejamos nos referindo à empresa que, por excelência, gozam de alto nível de
governança coorporativa, como é o caso das Sociedades por Ações.
Neste ponto, ainda não podemos afirmar que a busca pelo retorno dos
investimentos e a busca incessante pelo máximo lucro deixou de existir ou diminuiu,
entretanto, podemos afirmar que as atenções estão (cada vez mais) sendo divididas com
as questões de ordem social, seguindo, pois, a orientação doutrinária da função social e,
em alguns casos, da responsabilidade social.
Algumas empresas, perfilando-se a esse novo enfoque empresarial, se afastar-se
do resultado pretendido (lucro) apresentam verdadeiros e efetivos resultados de
responsabilidade social.
O Prof. Antonio Carbonari Neto, presidente de uma das maiores empresas do
ramo educacional, faz questão de publicar relatórios anuais das atividades de
responsabilidade, e esclarece:
A responsabilidade social faz parte da gestão da Anhanguera, que acredita que essa
prática compreende os preceitos da inclusão social, promoção da igualdade de direitos e
oportunidades com vistas à ascensão dos indivíduos na sociedade globalizada; e que é
dever da instituição e de seus educandos o respeito, a promoção e a defesa dos direitos
humanos, da qualidade de vida e do meio ambiente, como valores institucionais
praticados nas suas ações educacionais.
A Anhanguera procura construir uma relação ética e de qualidade com os diferentes
públicos (stakeholders) envolvidos no processo, alunos, professores, funcionários,
fornecedores, comunidade e governo. Para isso, criou em 2006 o Comitê de
Responsabilidade Social, responsável pela auto-avaliação, levantamento de dados e
planejamento de ações focadas nos aspectos que formam o tripé da sustentabilidade:
econômico, social e ambiental.12
Para o Prof. Adalberto Simão Filho tais práticas acabam por refletir na forma com
que a empresa passa a ser reconhecida pela comunidade e consumidores, verbis:
A prática de ações voltadas para a responsabilidade social da empresa, através da opção
no investimento em projetos sociais, pode ser vista no prisma da análise econômica do
direito, como externalidade que gera custos que não são repostos da forma econômica
normal. Porém, haverá resultados efetivos futuros, não mensuráveis pelos padrões
normais de contabilidade, atinentes a melhor visualização da empresa no mercado
12 CARBONARI NETO, Antonio. Relatório 2007 de Responsabilidade Social. Valinhos, 2007. Disponível em
<http://www.unianhanguera.edu.br/pdf/Relatorio_ Social_2007.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2009, 16:30:30
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consumidor, melhor interpenetração no sistema financeiro, maior possibilidade de
captação de recursos nos mercados de valores mobiliários e visão diferenciada dos
órgãos estatais.13
Além dos resultados descritos, através do professor que deu origem à tese na
nova empresarialidade, destacamos ainda a credibilidade na empresa, a confiabilidade, a
valorização da marca, a fidelização dos clientes, o acesso ao mercado, a redução dos
custos, e a melhora no desempenho funcional como resultados possíveis àqueles que
integram as novas tendências de responsabilidade social.
A empresa socialmente responsável acaba por intervir em atribuições
inicialmente alocadas entre as devidas pelo Estado, dessa forma, em contrapartida, o que
se espera é que o ente estatal acabe por reconhecer, premiar e fomentar tais práticas, seja
com incentivos fiscais, seja com incentivos administrativos ou qualquer outra espécie.
4.
A NOVA GERAÇÃO DA EMPRESARIALIDADE: A EMPRESA SOCIAL
Enquanto alguns céticos ainda se esforçam para rechaçar a tendência das empresas
socialmente responsáveis o mundo dá mostras que o processo evolutivo ainda não chegou
ao seu ápice. Estamos nos referindo à nova concepção da empresa social.
Aquele arquétipo de bom empresário (ético, consciente e responsável) passou a
considerar o benefício social como fundamento principal da atividade empresarial, em
contraposição a maximização dos lucros.
O ilustre Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz em 2006, é o expoente de
maior grandeza no cenário da empresa social, ao criar maior banco de microcrédito do
mundo, o Grameen Bank, e por ter escrito o best-seller “O banqueiro dos pobres”.
Seguindo essa nova concepção a empresa deixa definitivamente a maximização
dos lucros para a condensação específica do crédito social.
Insta consignar que não estamos diante de uma organização de terceiro setor,
muito menos de caridade ou benemerência, em verdade estamos valorizando a nova
tendência de alcançar a classe menos favorecida da população como resultado último da
atividade empresarial – social business.
Neste sentido, a empresa social é projetada e dirigida como um empreendimento,
com produtos, serviços, clientes, mercados, despesas e receitas: a diferença é que o
princípio da maximização dos lucros é substituído pelo princípio do benefício social.14
13 SIMÃO FILHO. Adalberto. A nova empresarialidade. Revista da Faculdade de Direito da FMU, São Paulo, SP, ano 17, n.
25, p. 11-51, 2003.
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A mudança de paradigma da empresa: da maximização do lucro à nova empresa social
Segundo Yunus uma possibilidade de variação do conceito proposto inicialmente
é aquela que atua como uma Empresa Maximizadora dos Lucros, nem sempre destinada a
resolver problemas sociais, porém a propriedade é das pessoas pobres. Neste caso o
proveito social está inserido na distribuição dos resultados em razão da propriedade.
Considerado por muitos o último dos românticos do ramo empresarial Yunus
prefere ser capaz de participar do “processo de imaginar o mundo futuro do jeito que
queremos”15, em contraposição a tendência individualista do cenário empresarial arcaico.
Hoje, o Grameen (empreendimento social) é o maior e mais famoso banco de
microcrédito do mundo, com superávit anual de 22 milhões de dólares, 22 mil
funcionários e já emprestou mais de 7 bilhões a cerca de 7 milhões e meio de pessoas. O
índice de inadimplência não chega a 2%16.
Apesar de todo o romantismo social inerente a essa nova e reflexiva idéia
empresarial, o fato é que essa nova perspectiva de empresa pode inspirar a própria
atividade estatal que, em princípio, tem o dever-poder de realizar empreendimentos
sociais.
5.
CONCLUSÃO
O início do processo evolutivo inicia-se com a limitação da atuação do poder estatal (1ª
fase) e, alguns séculos depois, continua com a difusão dos direitos sociais (2ª fase). O
processo evolutivo ultrapassou as barreiras impostas na idade média, e, atualmente nosso
texto constitucional reservou aos administrados uma enorme gama de direitos e garantias
individuais e coletivas, e, em razão do objeto em estudo, levaremos em consideração
apenas aqueles de ordem econômica.
O envolvimento do Estado (gestor da coletividade) em um número cada vez
maior de atividades aliado à complexidade estatal e a condição de superioridade como
conseqüência da satisfação do interesse coletivo, tornou imperativo o estabelecimento de
mecanismos de proteção social como materialização objetiva dos direitos fundamentais.
O Texto Constitucional inovou ao tratar da isonomia entre homem e mulher (art.
5º, I), igualdade dos filhos legítimos e legitimados (art. 227, §6º), reconhecimento da união
estável (art. 226, §3º), reconhecimento das famílias monoparentais (art. 227, §4º), o
YUNUS, Muhammad. Um mundo sem pobreza: A empresa social e o futuro de capitalismo. São Paulo: Ática, 2008.
Ibid., p. 231.
16
PRADO,
Thays.
Pais
dos
pobres.
Planeta
Sustentável.
Disponível
em:
<http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_297443.shtml?func=2>. Acesso em: 01 out.
2009, 15:35:13
14
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reconhecimento de que a ordem econômica deve proporcionar a existência digna e justiça
social, entre outras disposições constitucionais. Tais inovações ficaram conhecidas como o
fenômeno da constitucionalização das relações eminentemente privadas.
Os idealizadores do novo código civilista, mormente Miguel Reale, procurou
entrelaçar três princípios fundamentais que retratam de maneira precisa a evolução das
regras do direito privado, são eles: principio da socialidade, princípio da eticidade e
princípio da operalidade. Em verdade, tal base principiológica deve ser aplicada as
relações de direito privado, inclusive no que tange ao direito empresarial moderno.
Neste aspecto, o antigo direito comercial pautado nos conceitos mercantilistas
cedeu espaço para o moderno ramo do direito empresarial, que por sua vez, atingiu seu
ápice na empresarialidade, ou seja, na consecução dos seus conceitos básicos (empresário,
estabelecimento e atividade lucrativa) aliado a função social.
É obvio que o direito empresarial não se transformou em caridade, nem tão
pouco perdeu o caráter lucrativo e competitivo, entretanto, não está totalmente dissociado
dos infortúnios sociais. Exerce a função social a empresa que respeita a legislação
tributária, as regras inerentes aos empregados, não agride o meio ambiente, bem como
gera riquezas que impulsionam a economia e o desenvolvimento do Estado.
Certo é que algumas empresas buscam extremar os conceitos suso alinhavados e
criam verdadeiros núcleos de responsabilidade social, interagindo com a população de
seu entorno e proporcionando o efetivo desenvolvimento da sociedade que a circunda
como forma de imersão na cidadania.
A nova geração da empresarialidade (empresa social) é a nova tendência de
abstração dos conceitos da teoria da empresa, aliado a responsabilidade social e a
desconsideração do lucro como produto primário e prevalente da atividade empresarial.
Por mais utópico que possa parecer é uma realidade, que no mínimo, serve de
parâmetro de reflexão para a consecução da socialidade das relações iminentemente
privadas.
Se analisarmos o processo evolutivo, já houve outras oportunidades em que
ideais progressistas foram tachadas de insólitas pelos mais conservadores, entretanto,
acreditamos que a nova geração da empresarialidade é uma realidade, assim como teoria
da empresa superou a teoria dos atos do comércio, ou ainda, assim como a função social
foi superada em razão da empresa socialmente responsável.
O processo não acabou.
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A mudança de paradigma da empresa: da maximização do lucro à nova empresa social
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