Acta Scientiae Veterinariae, 2015. 43: 1268. RESEARCH ARTICLE ISSN 1679-9216 Pub. 1268 Encefalomielite equina do leste no Distrito Federal e entorno Eastern Equine Encephalitis on Federal District of Brazil and Surrounding Areas Susy Karoline Hermes de Sousa1, Luciana Sonne2, Fabiano José Ferreira de Sant’Ana1 & Janildo Ludolf Reis Jr.1 ABSTRACT Background: Eastern equine encephalitis (EEE) is a highly lethal zoonotic disease caused by Eastern equine encephalitis virus (EEEv), an RNA virus of the genus Alphavirus, family Togaviridae. The transmission of these alphaviruses is through mosquitoes, mainly species of Culex, Aedes, Anopheles and Culiseta. Horses and humans are considered accidental hosts and the main reservoirs are birds and some wild rodents. The disease has been identified in Brazil by serological studies, but investigations with clinico-pathological descriptions are scarce. The present study aimed to describe the epidemiology and clinical-pathological findings of four cases of EEE in horses from Midwestern Brazil. Materials, Methods & Results: Four confirmed cases of EEE in horses from the necropsy and histopathology files of the Laboratory of Veterinary Pathology (LPV) of the University of Brasília (UnB) were reviewed. Cases occurred between January 2005 and April 2012. Samples of brain and spinal cord samples were fixed in formalin 10%, processed routinely for histopathology, and stained by hematoxylin and eosin (HE). Immuno-histochemistry (IHC) with the peroxidase streptoavidin-biotin method was done to confirm the diagnosis of EEEv infection in all cases. The slides were incubated with the anti-EEEv monoclonal primary antibody (overnight, 1:100 dilution). The disease affected both young and adult horses. One case occurred in the summer and the other three in the fall. Clinical signs more frequently observed included circling, blindness, paresis, paralysis, somnolence, ataxia, head pressing, and recumbence. Clinical course varied from two to fifteen days (average eight days). Gross findings were not observed at necropsy of the four horses. The main histopathological changes were noted in the telencephalic lobes, thalamus and basal nuclei, and included multifocal meningoencephalitis, necrotizing vasculitis, thrombosis, swelling of endothelial cells, gliosis, neuronal necrosis, and neuronophagia. In all cases, moderate, granular, and positive immunoreaction to EEEv was observed in perikaryon of neurons, astrocytes and inflammatory cells (mainly lymphocytes) of the perivascular cuffs. Similar reaction was observed in the brain of positive control horse. EEE diagnosis was confirmed by immunohistochemistry. Discussion: In the current study, the four cases of EEEv infection occurred in the summer and fall, suggesting seasonality of the disease. In Midwestern Brazil, these periods present high rainfall indices facilitating the proliferation and survival of the vector insects. Similar epidemiological features were observed in other outbreaks of the disease elsewhere. All horses of this study presented typical clinical signs of neurological disease, as detected in other investigations carried out in Brazil and United States of America. Usually, no gross lesions are noted in EEE cases. When these gross changes are observed, traumatic hemorrhages can be observed. Histopathology and IHC findings were conclusive for the diagnosis of EEE. This study demonstrates, for the first time, that EEE occur in the Distrito Federal of Brazil, and in one neighboring city. These results enlarge the Brazilian areas with clinico-pathological description of this important arboviral disease and reinforce the importance of keeping in place epidemiologic and anatomopathological investigations across the country for control and prevention of these infectious diseases. Keywords: neuropathology, eastern equine encephalitis virus, epidemiology. Descritores: neuropatologia, vírus da encefalite equina do leste, epidemiologia. Received: 26 October 2014 Accepted: 20 March 2015 Published: 17 April 2015 Laboratório de Patologia Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília, DF, Brazil. 2Setor de Patologia Veterinária, Faculdade de Veterinária (FaVet), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brazil. CORRESPONDENCE: J.L. Reis Jr. [[email protected] - +55 (61) 3107-2829]. Universidade de Brasília (UnB). Campus Universitário Darcy Ribeiro. Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), L4 Norte, Asa Norte. CEP 70910-900 Brasília, DF. 1 1 S.K.H. Sousa, L. Sonne, F.J.F. Sant’Ana & J.L. Reis Jr. 2015. Encefalomielite equina do leste no Distrito Federal e entorno. Acta Scientiae Veterinariae. 43: 1268. INTRODUÇÃO hematoxilina-eosina (HE). Amostras adicionais de 1 cm de espessura do telencéfalo frontal, tálamo, cerebelo e medula espinhal cervical foram encaminhadas para diagnóstico virológico de raiva (imunofluorescência direta e inoculação intracerebral em camundongos). Para a confirmação do diagnóstico de infecção pelo EEEv, foi realizada a técnica de imuno-histoquímica (IHQ) pelo método estreptavidina-biotina peroxidase. Os cortes foram incubados com anticorpo primário monoclonal anti-EEEv (clone ab64285)1, “overnight”, em uma diluição de 1:100 utilizando o kit comercial Universal Dako LSAB® (K0690)2; a reação foi revelada com o cromógeno DAB3 (3,3’- diaminobenzidina). Os cortes foram contracorados com Hematoxilina de Harris. Como controle positivo foi utilizado fragmento histológico de encéfalo de equino naturalmente infectado oriundo de um surto de EEE [18]. Como controles negativos, em cada protocolo, o anticorpo anti-EEEv foi aplicado em fragmentos de encéfalos de equinos negativos e sem lesões de EEE. Adicionalmente, cortes da mesma amostra usada como controle positivo foram utilizados em cada protocolo, sendo aplicado soro de camundongo hígido em substituição ao anticorpo anti-EEEv. A encefalomielite equina do leste (EEE) é uma virose zoonótica causada pelo Eastern equine encephalitis virus (EEEv), um RNA vírus do gênero Alphavirus pertencente à família Togaviridae [9]. É transmitida por mosquitos, principalmente dos gêneros Culex, Aedes, Anopheles e Culiseta e representa zoonose de alta letalidade, sendo os equinos e humanos hospedeiros acidentais, e tendo como principais reservatórios os pássaros e alguns roedores silvestres [3,15]. A infecção pelo EEEv tem sido confirmada esporadicamente em equinos no Brasil por avaliações sorológicas e/ou virológicas em Minas Gerais [13], Bahia [1], Pernambuco [6], São Paulo [16], Pantanal [12], Paraná [8], Pará [5,10] e Paraíba [2]. Entretanto, casos clínicos com descrição das alterações clínico-patológicas e confirmação laboratorial da encefalomielite equina do leste em equinos são pouco diagnosticados em todo o país, conforme observado recentemente nas regiões Nordeste [18] e Norte [4]. Adicionalmente, dados oficiais brasileiros da incidência da enfermidade não estão disponíveis [3]. Casos humanos de infecção pelo EEEv são descritos com pouca frequência, mas costumam ser fatais [1], enquanto que na América do Sul, há apenas um relato humano no Brasil e outro em Trinidad e Tobago e, na América do Norte, a enfermidade humana é mais frequente, provavelmente devido às características patogênicas do agente e vetores envolvidos nessas regiões [20]. O presente trabalho objetiva descrever as características epidemiológicas, clínicas e patológicas de quatro equinos com encefalomielite equina do leste oriundos do Distrito Federal (DF) e entorno goiano, entre 2005 e 2012. RESULTADOS Os dados epidemiológicos e clínicos dos quatro animais diagnosticados com EEE encontram-se resumidos na Tabela 1. Em cada caso, um equino de cada propriedade morreu ou foi sacrificado após manifestação dos sinais clínicos neurológicos. Na propriedade do caso 2, um potro da égua afetada também apresentou sinais clínicos semelhantes. Na propriedade do caso 3, também já havia morrido um cavalo e um potro com o mesmo quadro clínico. Na necropsia do equino do caso 4, observaram-se numerosas escaras cutâneas nas regiões úmero-rádio-ulnar, cabeça (principalmente próxima às órbitas) e pélvica. Adicionalmente, esse animal apresentou bexiga acentuadamente distendida. Nos demais casos, não foram observadas alterações macroscópicas. O exame histológico de todos os casos revelou lesões mais acentuadas nos telencéfalos frontal e parietal, tálamo e núcleos basais, principalmente na substância cinzenta. Alterações de menor gravidade afetaram o telencéfalo occipital, ponte, bulbo, mesencéfalo e cerebelo. A medula espinhal apresentou lesões discretas em apenas um animal (equino 4) e em nenhum equino foram detectadas alterações no hipocampo. Observaram-se manguitos perivascu- MATERIAIS E MÉTODOS Foram revisados quatro casos confirmados de EEE em equinos a partir de pesquisa nos arquivos de necropsias e exames histopatológicos do Laboratório de Patologia Veterinária (LPV) da Universidade de Brasilia (UnB), durante o período de janeiro de 2005 a abril de 2012. Dados relativos à epidemiologia, sinais clínicos e lesões macroscópicas foram obtidos nos respectivos protocolos e laudos arquivados. Em todos os casos, foram coletadas amostras de encéfalo e medula espinhal que foram fixadas em solução de formol tamponado a 10%, processadas rotineiramente para histopatologia e coradas pela 2 S.K.H. Sousa, L. Sonne, F.J.F. Sant’Ana & J.L. Reis Jr. 2015. Encefalomielite equina do leste no Distrito Federal e entorno. Acta Scientiae Veterinariae. 43: 1268. lares multifocais leves a acentuados de linfócitos, neutrófilos e macrófagos ocasionais, que afetavam principalmente o neurópilo e, em menor intensidade, a leptomeninge. Outras lesões comumente encontradas eram vasculite necrotizante linfoplasmocítica multifocal leve a moderada (Figura 1) com formação de pequenos trombos e tumefação de núcleos de células endoteliais, especialmente em arteríolas de pequeno calibre e capilares, e gliose multifocal leve a moderada (Figura 2). Adicionalmente, dois equinos (1 e 4) apresentaram áreas focais de necrose neuronal no telencéfalo (Figura 3) e núcleos basais, e de neuronofagia e astrogliose nos fragmentos mais afetados. Notou-se gliose de Bergman multifocal leve no cerebelo do equino 2. Em todos os casos, foi observada imunomarcação positiva moderada e granular para EEEv no pericário de neurônios, astrócitos e células inflamatórias (principalmente linfócitos) presentes nos manguitos perivasculares (Figura 4), de aspecto similar ao visualizado no controle positivo. O controle negativo não apresentou imunomarcação. Tabela 1. Dados epidemiológicos e clínicos de quatro equinos com encefalomielite equina do leste oriundos do Distrito Federal (DF) e entorno goiano, entre 2005 e 2012. Caso Ano Mês Município Raça Idade Sexo Curso clínico Sinais clínicos Abril Brasília/DF SRD Adulto F 4 dias Deambulação progressiva, torcicolo e torneio Padre Bernardo/GO SRD 8 meses M 12 dias Pressão da cabeça contra obstáculos e cegueira M 2 dias Decúbito lateral, paresia que progrediu para paralisia de membros torácicos e pélvicos, prostração e apatia M 15 dias Déficits de propriocepção e ataxia 1 2005 2 2010 Outubro 3 2011 Maio Guará/DF 4 2012 Março Brasília/DF Mangalarga 6 meses Marchador SRD 5 anos SRD: sem raça definida; F: fêmea; M: macho. Figura 1. Equino 4, telencéfalo parietal. Há vasculite linfocítica moderada com tumefação de células endoteliais (HE, obj. 40X). Figura 2. Equino 3, tálamo. Nota-se gliose multifocal moderada (HE, obj. 20X). 3 S.K.H. Sousa, L. Sonne, F.J.F. Sant’Ana & J.L. Reis Jr. 2015. Encefalomielite equina do leste no Distrito Federal e entorno. Acta Scientiae Veterinariae. 43: 1268. Figura 3. Equino 1, telencéfalo parietal. Observa-se três neurônios necróticos com picnose nuclear e citoplasma retraído e eosinofílico (HE, obj. 40X). Figura 4. Equino 4, telencéfalo frontal. Exame imuno-histoquímico com anticorpo anti-EEEv revela linfócitos perivasculares e alguns neurônios adjacentes ao manguito com imunomarcação positiva (Contracoloração com hematoxilina de Harris, Obj. 40X). DISCUSSÃO equinos, conforme citado por outros autores [3,7,14,19]. Áreas de hemorragias na leptomeninge e medula espinhal podem ocorrer em alguns casos da doença [4], mas, usualmente, lesões circulatórias macroscópicas ocorrem devido aos traumatismos e não em função da ação do EEEv sobre o sistema nervoso central. As alterações microscópicas detectadas no presente estudo foram muito semelhantes às observadas em outras investigações e ocorreram especialmente na substância cinzenta [4,7,14,18,19]. Alguns autores citam que o infiltrado inflamatório, em casos de infeção por EEEv em equinos, é predominante de linfócitos T [7], embora no início da infecção ocorra predomínio de neutrófilos [14]. Nos quatro casos do presente trabalho, o diagnóstico foi confirmado pela imuno-histoquímica com a reatividade positiva ao anticorpo anti-EEEv no pericário de neurônios, astrócitos e linfócitos perivasculares. Dados imuno-histoquímicos muito similares foram notados em estudos realizados nos Estados Unidos [7,17]. O diagnóstico diferencial foi realizado especialmente com raiva, leucoencefalomalacia, infecção por herpesvírus equino-1 (EHV-1), mieloencefalite equina protozoária (MEP) e intoxicação por Crotalaria retusa, que são as principais enfermidades neurológicas de equinos do Brasil. Os resultados virológicos negativos descartaram a possibilidade de raiva, enquanto que a ausência de milho e derivados contaminados na alimentação, bem como a falta de malacia na substância branca não indicou o diagnóstico de leucoencefalomalacia. Não foram observadas lesões macroscópicas e histológicas indicativas de MEP. C. retusa não é uma planta comumente encontrada Os quatro casos de EEE da presente investigação ocorreram no verão e outono, sugerindo sazonalidade da doença, visto que esses períodos apresentam maior precipitação pluviométrica no Centro-Oeste brasileiro, o que favorece a manutenção e proliferação dos insetos vetores. Conforme observado nos casos desses estudos, muitos surtos de infecção equina por EEEv em regiões tropicais ocorrem no final do período chuvoso e início do outono, quando há aumento da população de vetores [3,4,11,18]. Três equinos deste estudo eram oriundos de diferentes propriedades do DF e de uma do entorno goiano. Os animais eram de ambos os sexos, bem como de raças variáveis. Todos os equinos apresentavam quadro clínico condizente com afecção neurológica, incluindo incoordenação, paresia e paralisia de membros, decúbito lateral, deficiência de propriocepção, ataxia, pressão da cabeça contra objetos, torneio e cegueira, com curso que variou de 2-15 dias. Dados clínicos muito semelhantes foram observados em um estudo realizado nos Estados Unidos [7] e em outro trabalho prévio brasileiro, que, além de equinos, também detectou a doença em uma mula e um burro [18]. Andar em círculos tem sido um sinal clínico comum observado em equinos afetados por essa enfermidade no Pará [4]. Alguns equinos enfermos podem desenvolver doença sistêmica, incluindo sinais como febre, cólica, perda de apetite e taquicardia [7,19]. À avaliação macroscópica, não foram observadas alterações no sistema nervoso central dos quatro 4 S.K.H. Sousa, L. Sonne, F.J.F. Sant’Ana & J.L. Reis Jr. 2015. Encefalomielite equina do leste no Distrito Federal e entorno. Acta Scientiae Veterinariae. 43: 1268. no Centro-Oeste brasileiro, bem como nenhum dos quatro equinos apresentou lesões hepáticas crônicas que levassem a encefalopatia hepática. Alguns achados histológicos visualizados nos equinos do presente estudo são semelhantes às infecções pelos vírus da raiva e do EHV-1, entretanto a imuno-histoquímica foi essencial para a confirmação da etiologia pelo EEEv. Técnicas moleculares e de hibridização in situ também têm sido utilizadas para a confirmação do diagnóstico de infecção pelo EEEv em equinos [4,7,17,18]. goiano, ampliando áreas do território brasileiro com descrição desta importante arbovirose. Estes achados reforçam a importância de se manter estudos epidemiológicos e clínico-patológicos em todo o país para que o controle e a prevenção dessas enfermidades sejam efetivamente realizados pelos órgãos oficiais de vigilância. CONCLUSÃO Declaration of interest. The authors report no conflicts of interest. The authors alone are responsible for the content and writing of the paper. MANUFACTURERS Abcam. Cambridge, MA, USA. 1 Dako. Carpinteria, CA, USA. 2 Sigma Chemical Co. St. Louis, MO, USA. 3 Este trabalho demonstra que a EEE também está presente na região do Distrito Federal e cidades do entorno REFERENCES 1Alice F.J. 1951. Encefalomielite equina na Bahia, estudo de três amostras isoladas. Revista Brasileira de Biologia. 11(1): 124-144. 2 Araújo F.A.A., Andrade M.A., Jayme V.S., Santos A.L., Romano A.P.M., Ramos D.G., Cunha E.M.S., Ferreira M.S., Lara M.C.C.S.H., Villalobos E.M.C. & Martins L.C. 2012. Soroprevalência de anticorpos antialfavírus detectados em equinos durante epizootias de encefalite equina, Paraíba, 2009. Revista Brasileira de Ciência Veterinária. 19(1): 80-85. 3 Barros C.S.L. 2007. Encefalomielites virais de equinos. In: Riet-Correa F., Schild A.L., Lemos R.A.A. & Borges J.R.J. (Eds). 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