PSICOPATOLOGIA O termo Psicopatologia é de origem grega; psykhé significando alma e, patologia, implicando em morbidade. Entretanto, como seria impossível suspeitar de uma patologia do espírito ou da alma, já que, conceitualmente o espírito não pode adoecer e, já que, filosoficamente só existiria enfermidade no biológico ou no antropológico, os fenômenos psíquicos só seriam patológicos quando sua existência estivesse condicionada a alterações patológicas do corpo. A Psicopatologia se estabelece através da observação e sistematização de fenômenos do psiquismo humano e presta a sua indispensável colaboração aos médicos em geral, aos psiquiatras em particular, aos psicólogos, sociólogos e a todo o grupo das ciências humanas. Jaspers conceituou a Psicopatologia como ciência pura, porque via seus objetivos exclusivamente atrelados ao conhecimento. Em sua opinião, quando se estuda a Psicopatologia, deve-se levar em conta que o fundamento real da investigação é constituído pela vida psíquica, representada, compreendida e avaliada através das expressões verbais e do comportamento perceptível do paciente. A Psicopatologia quer sentir, apreender e refletir sobre o que realmente acontece no psiquismo humano e parte do pressuposto de que existe, na normalidade, uma inclinação geral e fisiológica para a realidade. Enquanto a Psiquiatria Clínica se constitui num ramo da medicina aplicado às alterações psíquicas, ao diagnóstico, ao tratamento e à profilaxia das doenças mentais, a Psicopatologia se restringe a conhecer e descrever os fenômenos psíquicos patológicos para, dessa forma, oferecer à psiquiatria as bases para a compreensão, mecanismo íntimo e futuro desenvolvimento do psiquismo humano. Compete à Psicopatologia reunir materiais para a elaborar o conhecimento dos fenômenos com os quais a psiquiatria possa coordenar sua ação curativa e preventiva. Embora seja possível destacar manifestações psíquicas isoladas quando observamos o estado psíquico atual de um paciente, como por exemplo, o estado de sua memória, de seu raciocínio, sua sensopercepção, etc., não devemos acreditar na valorização absoluta de quaisquer aspectos da vida psíquica isoladamente, pois, cada aspecto da realidade psíquica só existe em estreita vinculação com as demais ocorrências psíquicas. Se não considerar a conjuntura global e dinâmica da vida psíquica, ou seja, se não tiver uma visão fenomenológica, a medicina não compreenderá o que realmente se passa com o paciente. Isso se aplica praticamente a todas as áreas médicas. Ao se considerar o sintoma isoladamente, como por exemplo uma alucinação e, concomitantemente, definindo a alucinação como "uma percepção real sem objeto", ou o mesmo ao se identificar que tal paciente apresenta um delírio, e que este é definido como "um juízo falso ao qual se apega apesar de todas as provas em contrário", estamos recorrendo a fórmulas verbais tecnicamente e semiologicamente corretas (definições), mas sem levar em consideração o que, de fato, significa para o paciente a experiência alucinatória ou delirante. Nesse caso a medicina deixa de cumprir seu principal objetivo, que é saber o que, exatamente, representa o sintoma (seja uma alteração da sensopercepção, do pensamento ou da pressão arterial) para esse determinado paciente, nessa determinada circunstância. Neuroses Sob a classificação de Neuroses ou Transtornos Neuróticos existe grande variedade de transtornos. Inclui-se: Histeria, Estresse, Ansiedades, Fobias, Obsessões, Depressão, etc. Acrescenta-se também os Transtornos Alimentares (Anorexia, Bulimia, etc). A palavra "neurótico", da maneira como costuma ser usada hoje, tem sentido impróprio e pode ser ofensivo ou pejorativo. Pessoas que não entendem nada dessa parte da medicina podem usar a palavra "neurose" como sinônimo de "loucura". Mas isso não é verdade, de forma alguma. Trata-se de uma reação exagerada do sistema nervoso em relação a uma experiência vivida (Reação Vivencial). Neurose é uma maneira da pessoa SER e de reagir à vida. Essa maneira de ser neurótica significa que a pessoa reage à vida através de reações vivenciais não normais; seja no sentido dessas reações serem desproporcionais, seja pelo fato de serem muito duradouras, seja pelo fato delas existirem mesmo que não exista uma causa vivencial aparente. Essa maneira exagerada de reagir leva a pessoa neurótica a adotar uma serie de comportamentos (evita lugares, faz atitudes para alívio da ansiedade... etc). O neurótico, tem plena consciência do seu problema e, muitas vezes, sente-se impotente para modificá-lo. Exemplos: 1 - Diante de um compromisso social a pessoa neurótica reage com muita ansiedade, mais que a maioria das pessoas submetidas à mesma situação (desproporcional). Diante desse mesmo compromisso social a pessoa começa a ficar muito ansiosa uma semana antes (muito duradoura) ou, finalmente, a pessoa fica ansiosa só de imaginar que terá um compromisso social (sem causa aparente). 2 - Num determinado ambiente (ônibus, elevador, avião, em meio a multidão, etc) a pessoa neurótica começa a passar mal, achando que vai acontecer alguma coisa (desproporcional). Ou começa a passar mal só de saber que terá de enfrentar a tal situação (sem causa aparente). A Neurose não é sinônimo de loucura, assim como também, a pessoa neurótica não apresenta nenhum comprometimento de sua inteligência, nem de contato com a realidade. Seus sentimentos também são normais. Eles amam, sentem alegria, tristeza, raiva, etc., como qualquer pessoa. A diferença entre uma pessoa neurótica e uma normal é em relação à quantidade de emoções e sentimentos e não quanto à qualidade deles. Os neuróticos ficam mais ansiosos, mais angustiados, mais deprimidos, mais sugestionáveis, mais teatrais, mais impressionados, mais preocupados, com mais medo, enfim, eles têm as mesmas emoções que todos nós temos, porém, exageradamente. A Neurose, portanto, não é uma doença mental é, sobretudo, uma doença da personalidade. Tipos de Neuroses De modo geral, e didaticamente, as neuroses costumam ser classificadas através de seu sintoma mais proeminente. Isso não significa que todas elas possam ter uma série de sintomas comuns (todas têm ansiedade, por exemplo). Um dos tipos mais comuns, hoje em dia, é aquele cujo sintoma proeminente é a fobia (medo patológico), juntamente com ansiedade. O Transtorno Fóbico-Ansioso é uma neurose que se caracteriza, exatamente, pela prevalência da Fobia entre outros sintomas de ansiedade, ou seja, um medo anormal, desproporcional e persistente diante de um objeto ou situação específica. Dentro dos quadros fóbicos-ansiosos destacam-se três tipos: 1 - Agorafobia (medo fóbico de lugares específicos); 2 - Fobia Social (medo de ser avaliado por outras pessoas) e; 3 - Fobia Específica (medo fóbico de determinados objetos). O Transtorno Ansioso é outro tipo de Neurose. Os padrões individuais de Ansiedade variam amplamente. Algumas pessoas com ansiedade neurótica podem ter sintomas cardiovasculares, tais como palpitações, sudorese ou opressão no peito, outros manifestam sintomas gastrointestinais como náuseas, vômito, diarréia ou vazio no estômago, outros ainda apresentam mal-estar respiratório ou predomínio de tensão muscular exagerada, do tipo espasmo, torcicolo e lombalgia. Enfim, os sintomas físicos da ansiedade variam de pessoa para pessoa. Psicologicamente a Ansiedade pode monopolizar as atividades psíquicas e comprometer, desde a atenção e memória, até a interpretação fiel da realidade. Os Transtornos Histriônicos (Histéricos) são neuroses onde o sintoma principal é a teatralidade, sugestionabilidade, necessidade de atenção constante e manipulação emocional das pessoas ao seu redor. O neurótico histérico pode desmaiar, ficar paralítico, sem fala, trêmulo, e desempenhar todo tipo de papel de doente. Há grande variedade nesse tipo de neurose. Os Transtornos do Espectro Obsessivos-Compulsivos reúnem neuroses cujo sintoma principal é a incapacidade de controlar manias e rituais, assim como determinados pensamentos desagradáveis e absurdos. Incluimos a Distimia nessa classificação como representante da neurose cujo sintoma mais proeminente é a tendência a reagir depressivamente à vida, ou seja, é a pessoa com tendência à longos períodos de depressão. A rigor, para as neuroses, recomenda-se um acompanhamento psicológico adequado, associado ao tratamento médico (com medicamentos) quando necessário, juntamente com a cooperação apropriada do próprio paciente e da sua família. Com essa conduta, felizmente, a grande maioria das neuroses podem ser perfeitamente controlada, proporcionando ao paciente uma melhor qualidade de vida e inegável bem estar. Em casos mais graves a medicação é inevitável, normalmente quando há componentes depressivos e ansiosos graves. Psicoses A psicose é um estado anormal de funcionamento psíquico. Mesmo não sabendo exatamente como são as patologias psiquiátricas, podemos imaginar algo semelhante ao compará-las com determinadas experiências pessoais. A tristeza e a alegria assemelhamse à depressão e a mania, a dificuldade de recordar ou de aprender estão relacionada à demência e ao retardo, o medo e a ansiedade perante situações corriqueiras têm relações com os transtornos fóbicos e de ansiedade. Da mesma forma outros transtornos psiquiátricos podem ser imaginados a partir de experiências pessoais. No caso da psicose não há comparações, nem mesmo um sonho por mais irreal que seja, não é semelhante à psicose. A essência da psicose Quando alguém nos conta uma história realista dependendo da confiança que temos nessa pessoa acreditaremos na história. Na medida em que constatamos indícios de que a história é falsa começamos a pensar que nosso amigo se enganou ou que no fundo não era tão confiável assim. Nesse evento o que se passou? Primeiro, um fato é admitido como verdadeiro, depois novos conhecimentos ligados ao primeiro são adquiridos, por fim a confrontação dos fatos permite a verificação de uma discordância. Do raciocínio lógico surgiu um questionamento. Essa forma de proceder provavelmente é exercida diariamente por todos nós. A forma de conduzir idéias confrontando-as com os fatos é uma maneira de estabelecer o contato com a realidade. O que aconteceria se essa função mental não pudesse mais ser executada? Estaríamos diante de um estado psicótico! Pois bem, o aspecto central da psicose é a perda do contato com a realidade, dependendo da intensidade da psicose. Num dado momento a perda será de maior ou menor intensidade. Os psicóticos quando não estão em crise, zelam pelo seu bem estar, alimentam-se, evitam machucar-se, têm interesse sexual, estabelecem contato com pessoas reais. Isto tudo é indício da existência de um relacionamento com o mundo real. A psicose propriamente dita começa a partir do ponto em que o paciente relaciona-se com objetos e coisas que não existem no nosso mundo. Modifica seus planos, suas idéias, suas convicções, seu comportamento por causa de idéias absurdas, incompreensíveis, ao mesmo tempo em que a realidade clara e patente significa pouco ou nada para o paciente. Um psicótico pode sem motivo aparente cismar que o vizinho de baixo está fazendo macumba para ele morrer, mesmo sabendo que no apartamento de baixo não mora ninguém. A cisma nesse caso pertence ao mundo psicótico e a informação aceita de que ninguém mora lá é o contato com o mundo real. No nosso ponto de vista são dados conflitantes, para um psicótico não são, talvez ele não saiba explicar como um vizinho que não está lá pode fazer macumba para ele, mas a explicação de como isso acontece é irrelevante, o fato é que o vizinho está fazendo macumba e pronto. O psicótico vive num mundo onde a realidade é outra, inatingível por nós ou mesmo por outros psicóticos, mas vive simultaneamente neste mundo real. Delírio, o principal sintoma O delírio é toda convicção inabalável, incompreensível e absurda que um psicótico tem. O delírio pode ser proveniente de uma recordação para a qual o paciente dá uma nova interpretação, pode vir de um gesto simples realizado por qualquer pessoa como coçar a cabeça pode vir de uma idéia criada pelo próprio paciente, pode ser uma fantasia como acreditar que seres espirituais estejam enviando mensagens do além através da televisão, ou mais realistas como achar que seu sócio está roubando seu dinheiro. O delírio proveniente de eventos simples como coçar a cabeça são as percepções delirantes. Ver uma pessoa coçar a cabeça não pode significar nada, mas para um paciente delirante pode, como um sinal de que a pessoa que coçou a cabeça julga-o (paciente) homossexual. Quando a idéia é muito absurda é fácil ver que se trata de um delírio, mas quando é plausível é necessário examinar a forma como o paciente pratica a idéia que defende. O exemplo do vizinho acima citado também é um delírio. A constatação de um delírio não é tarefa para leigos, nem mesmo os clínicos gerais estão habilitados para isso; somente os psiquiatras e profissionais da área de saúde mental. Alucinação é a percepção real de um objeto inexistente, ou seja, são percepções sem um estímulo externo. Dizemos que a percepção é real, tendo em vista a convicção inabalável da pessoa que alucina em relação ao objeto alucinado. Sendo a percepção da alucinação de origem interna, emancipada de todas as variáveis que podem acompanhar os estímulos ambientais (iluminação, acuidade sensorial, etc.), um objeto alucinado muitas vezes é percebido mais nitidamente que os objetos reais de fato. Tudo que pode ser percebido pelos nossos cinco sentidos (audição, visão, tato, olfato e gustação) pode também ser alucinado. As alucinações sempre aproveitam o material consciente conhecido do pacientes. Na alucinação, por exemplo, um leão pode aparecer de asas, ou um caracol que cavalga um ouriço. O indivíduo que alucina deve ter percebido isoladamente cada um dos objetos e, mentalmente, combina uns com os outros. Embora as alucinações possam manifestar-se através de qualquer um dos cinco sentidos, as mais freqüentes são as auditivas e visuais. Quando uma alucinação passa a ser interpretada, como por exemplo, uma alucinação auditiva é interpretada como sendo a voz do demônio, de Deus, dos espíritos mortos ou uma audição telepática, então temos o delírio. Portanto, este, freqüentemente, acompanha a alucinação. Ouvir vozes faz parte da percepção e atribuir a elas algum significado faz parte do pensamento, cujos distúrbios veremos adiante. Existem dois tipos de delírios: os delírios primários, ou puros, que são um juízo patologicamente falso da realidade. Este juízo falso deve apresentar três características: 1. deve apresentar-se como uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável; 2. deve ser impenetrável e incompreensível para o indivíduo normal, bem como, impossível de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica e; 3. impossibilidade de conteúdo plausível. Todos os casos que não satisfazem essa tríade não podem ser considerados delírios primários, mas podem ser as chamadas idéias deloiróides, ou delírios secundários. Alucinações Sendo as alucinações alterações da sensopercepção, é importante saber que existem fatores culturais e pessoais que interferem na percepção. Os valores culturais atribuídos aos objetos, às relações e aos acontecimentos, também podem desempenhar um papel significativo na maneira pela qual os objetos são percebidos. Por exemplo, os habitantes das ilhas Trobriand (Nova Guiné), apegam-se a uma crença básica, segundo a qual uma criança não poderia jamais ser fisicamente semelhante à sua mãe ou a seus irmãos e irmãs mas apenas ao seu pai. Mesmo quando, para um estranho, havia uma notável semelhança física entre dois irmãos, os nativos eram incapazes (ou não queriam ser capazes) de descobrir qualquer semelhança. Além disso, havia uma tendência inversa para exagerar o menor grau de semelhança facial entre o pai e os filhos. Como existe considerável amplitude quanto aos aspectos de um objeto que a pessoa pode focalizar e acentuar, também podem existir notáveis diferenças a respeito desses aspectos entre várias culturas. As experiências perceptuais que se tem ao olhar um borrão de tinta, por exemplo, são descritas de maneiras bem diferentes, por pessoas de diferentes sociedades. Essas diferenças, na ênfase perceptual, podem ser interpretadas como reflexos dos valores culturais desses povos. A pessoa com alucinação tem o senso imediato de que a sua percepção é verdadeira; em alguns casos, a alucinação provém de dentro do corpo. Algumas vezes, a pessoa com alucinação consegue ter o entendimento de que está com uma alteração de registro sensorial . Outras vezes, a intensidade do delírio (que normalmente ocorre junto com alucinação) concede ao indivíduo o peso de que o que percebe é a verdade absoluta. Em um sentido mais restrito, as alucinação indicam um distúrbio psicótico quando associadas a deficiência de prova da realidade. O termo "alucinação" não se aplica a falsas percepções que ocorrem durante o sonho. Alucinações manifestas em ritos religiosos não têm necessariamente significado patológico. Alucinações transitórias são freqüentes em indivíduo sem distúrbio mental quando submetido à privação física ou psíquica. Alucinações auditivas Como as mais freqüentes, podem aparecer sob forma de sons inespecíficos, tais como chiados, zumbidos, ruídos de sinos, roncos, assobios, ou vozes, as quais podem ter as mais variadas características: diálogos entre mais de um interlocutor, comentários sobre atos do paciente, críticas sobre a pessoa que alucina, podem ainda, por outro lado, proferir injúrias e difamações, comunicar informações fantásticas, sonorizar o pensamento do próprio paciente ou de terceiros. Na idéia do paciente tais vozes podem ser provenientes do além, do sobrenatural, dos demônios ou de Deus, etc. Normalmente, a alucinação auditiva é recebida pelo paciente com muita ansiedade e contrariedade pois, na maioria das vezes, o conteúdo de tais vozes é desabonador, acusatório, infame e caluniador. Quando elas ditam antecipadamente as atitudes do paciente falamos em sonorização do pensamento, como se ele pensasse em voz alta ou como se alguma voz estivesse permanentemente comentando todos seus atos: " lá vai ele lavar as mãos", "lá vai ele ligar a televisão" e assim por diante. Algumas vezes as vozes alucinadas podem determinar ordens ao paciente, o qual as obedece mesmo contra sua vontade. Diante desta situação, de obediência compulsória às ordens ditadas por vozes alucinadas, chamamos de automatismo mental. Esta situação oferece alguma periculosidade, já que, quase sempre, as ordens proferidas são eticamente condenáveis ou socialmente desaconselháveis. Alucinações visuais São percepções visuais, como vimos, de objetos que não existem, tão claras e intensas que dificilmente são removíveis pela argumentação lógica. Mesmo o paciente referindo ter visto apenas vultos, tais vultos são muito fielmente percebidos, portanto são reais para a pessoa que os percebe. O objeto alucinado pode não ter uma forma específica: clarões, chamas, raios, vultos, sombras, etc, ou têm formas definidas, tais como pessoas, monstros, demônios, animais, santos, anjos, bruxas. Há determinadas ocasiões onde o transtorno visual alucinatório adquire a consistência de uma cena, uma situação como, por exemplo, ver uma carruagem passando pela paciente e dela descer um príncipe. Neste caso falamos em alucinações oniróides, como se transcorresse num sonhar acordado. No delirium tremens do alcoolista, por exemplo, as alucinações visuais tem uma temática predominantemente de bichos e animais peçonhentos (cobras, aranhas, percevejos, jacarés, lagartos) e, neste caso, damos o sugestivo nome de zoopsias, promovedoras de grande ansiedade e apreensão. Nas situações onde o paciente se vê fora de seu próprio corpo falamos em alucinações autoscópicas, quando ele consegue ver cenas e objetos fora de seu campo sensorial, como enxergar do lado de fora da parede. O conteúdo das alucinações é extremamente variável, porém, guarda sempre uma íntima relação com a bagagem cultural do paciente que alucina. Não é possível alucinar com alguma coisa que não faça parte do mundo psíquico do paciente. Um físico nuclear pode alucinar com um certo brilho atômico a revestir seus inimigos, enquanto um cidadão menos diferenciado, com um espírito do morto a rondar sua casa, ambos porém, independentemente do nível sócio-cultural têm a mesma probabilidade de alucinar. A sofisticação e exuberância do material alucinado dependerá da bagagem cultural de quem alucina mas não interfere na valorização semiológica do fenômeno. Alucinações táteis A percepção de estímulos táteis sem que exista o objeto correspondente é observada principalmente nas psicoses tóxicas e nas psicoses delirantes crônicas, como veremos adiante. Nestes casos, principalmente no Delirium Tremens ou na dependência de cocaína, o paciente sente-se picado por pequenos animais, insetos esquisitos, vermes que caminham sobre a pele, pancadas, alfinetadas, queimaduras, estranhos carrapatos que penetraram em algum orifício fisiológico, etc. Não são raros os casos de alucinação tátil que se caracteriza pela sensação de ter-se as pernas puxadas à noite ou estrangulamento, sufocação ou opressão antes de conciliar o sono. Quando esta percepção falseada diz respeito aos órgãos internos ou ao esquema corporal falamos em ALUCINAÇÕES CENESTÉSICAS. Nestes casos os pacientes sentem como se tivessem seu fígado revirado, esvaziado seu pulmão, seus intestinos arrancados, o cérebro apodrecido, o coração rasgado, e assim por diante. As Alucinações Cenestésicas devem ser diferenciadas das ALUCINAÇÕES CINESTÉSICAS, que não dizem respeito à sensação tátil, mas sim aos movimentos (cine-movimento). Nas cinestesias os pacientes percebem as paredes movendo-se ou eles próprios movendo-se no espaço. Exemplo: um paciente delirante crônico sentia que seu cérebro estava infestado de germes, os quais, esporadicamente, escorriam-lhe pelo nariz. Neste caso uma Alucinação Tátil Cenestésica. Outro queixava-se de inúmeros percevejos que furavam-lhe a pele o tempo todo. Era um portador de Delirium Tremens, e, inclusive, mostrava os insetos que conseguia apanhar para o médico (zoopsia+aluc. tátil). Trata-se de Alucinações Táteis puras. Outro, já idoso, que sabia ter seus pulmões corroídos por vermes provenientes de carne suína, tossia seguidamente e vivia submetendo-se a freqüentes exames de raios X. Neste último caso, uma Alucinação Cenestésica pura. Alucinações olfativas e gustativas Normalmente, as Alucinações Olfativas e Gustativas estão associadas e são raras. Estados delirantes cujo tema diz respeito à putrefação, o gosto e os odores podem ser muito desagradáveis e são percebidos, como é típico de todas alucinações, sem que exista o objeto correspondente ao gosto e ao cheiro. Algumas auras epilépticas determinam o aparecimento de Alucinações Gustativas e/ou Olfativas. Em geral os gostos alucinados aparentam ser de sangue, terra, catarro ou qualquer outra coisa desagradável; os odores podem ser desde perfumes exóticos até de fezes. OS DELÍRIOS A prática clínica da psiquiatria deixa bem claro a constatação da primeira regra de diagnóstico do delírio (deve apresentar-se como uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável). Diante de um paciente delirante, cuja ruptura com a realidade é evidente, não conseguimos demover tal conteúdo do pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente deixe-se convencer pela argumentação da lógica, razoavelmente elaboradas pelo interlocutor, decididamente não estaremos diante de um delírio, mas sim de um engano por parte do paciente ou de uma formação deliróide. Para ser delírio a convicção dever ser sempre inabalável. A argumentação racional não deve afetar a realidade distorcida ou recriada de quem delira, independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera. Em relação à segunda regra, sobre a impossibilidade do delírio primário ser compreendido por pessoas que mantém vínculo sólido com a realidade, a lógica da realidade do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí a falta de compreensão psicológica do delírio: carece relação entre a temática delirante e os elementos da realidade, notadamente com a conjuntura vivencial do paciente. Nos casos de delírio secundário, muitas vezes relacionados à vivências traumáticas, eles se apresentam de forma a sugerir um determinado mecanismo de defesa contra uma forte ameaça psíquica, normalmente angustiante. Por exemplo: um jovem de 23 anos, vítima de um acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão direita, começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e com um delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, autosuficiente e ostensivamente ameaçador para com as pessoas que dele duvidavam. Tal ideação emancipada da realidade poderia ser entendida como um mecanismo de defesa psicotiforme no qual, em compensação mutilação e deficiência, o seu poder passou a ser infinito. Trata-se pois de uma Idéia deliróide, a qual habitualmente pode fazer parte de numa reação psicótica aguda. Delírios com temática semelhante ou mesmo igual ao exemplo exposto quando surgem em pessoas sem nenhuma vivência justificadora, sem nenhuma possibilidade de redução dinâmica vivencial e impossíveis de conteúdo ou de compreensibilidade são os verdadeiros Delírios Primários. Já, a Idéia Deliróide, seria conseqüência de um estado afetivo subjacente e perfeitamente relacionável com uma vivência expressiva, por isso secundário. A Idéia Delirante, ou Delírio, espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma mudança nas convicções e na significação da realidade. O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de forma à desorganizar a sua própria identidade e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo. É uma modificação radical das relações do indivíduo com a realidade, manifestando-se através de uma espécie de alienação do Ego. O grande psiquiatra alemão, Emil Kraepelin escreveu que os "delírios são idéias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento". Outro grande psiquiatra da época, Bleuler, por sua vez dizia que "idéias delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior. Não há necessidades senão afetivas". Como percebemos, Kraepelin parece deter-se mais naquilo que entendemos por delírio primário, enquanto Bleuler já ventilava uma possibilidade do delírio secundários. Alguns tipos de delírios: Delírio erotomaníaco Neste caso o delírio habitualmente se refere ao amor romântico idealizado e a união espiritual, mais do que a atração sexual. Acreditam, freqüentemente, ser amados por pessoa do sexo oposto que ocupa uma posição de superioridade (ídolos, artistas, autoridades, etc.) mas, pode também ser uma pessoa normal e estranha. Delirio de grandeza Neste subtipo a pessoa é convencida, pelo seu delírio, possuir algum grau de parentesco ou ligação com personalidades importantes ou, quando não, possuir algum grande e irreconhecível talento especial, alguma descoberta importante ou algum dom magistral. Outras vezes acha-se possuidor de grande fortuna. Delírio de ciúme Neste tipo a pessoa está convencida, sem motivo justo ou evidente, da infidelidade de sua esposa ou amante. Pequenos pedaços de "evidência", como roupas desarranjadas ou manchas nos lençóis podem ser coletados e utilizados para justificar o delírio. O paciente pode tomar medidas extremas para evitar que o companheiro(a) proporcione a infidelidade imaginada, como por exemplo, exigindo uma permanência no lar de forma tirana ou obrigando que nunca saia de casa desacompanhado(a). Delirio persecutório É o tipo mais comum entre os paranóicos ou delirantes crônicos. O delírio costuma envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem, perseguição, envenenamento ou intoxicação com drogas ou estar sendo alvo de comentários maliciosos. Delírio somático Também chamada de parafrenia, caracteriza-se pela ocorrência de variadas formas de delírios somático e, neste caso, com maiores possibilidades de alucinações que outros tipos de paranóia. Os mais comuns dizem respeito à convicção de que a pessoa emite odores fétidos de sua pele, boca, reto ou vagina, de que a pessoa está infestada por insetos na pele ou dentro dela, esdrúxulos parasitas internos, deformações de certas partes do corpo ou órgãos que não funcionam.