AS RAÍZES DA ÉTICA: Teoria da Evolução e - HCTE

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE
As raízes da ética: Teoria da Evolução e Comportamento Humano
José Costa Júnior (ES) e Mário Nogueira (PQ)
[email protected]
[email protected]
Universidade Federal de Ouro Preto
Palavras Chave: Ética, Evolucionismo, Darwin, ética evolucionista.
Introdução
Com
contribuições
de
Jean-Baptiste
Lamarck, Alfred Russel Wallace e diversos outros
pesquisadores, o britânico Charles Robert Darwin
(1809-1882) criou as bases da “moderna teoria da
evolução”, ao apresentar o conceito de que todas as
formas de vida se desenvolveram em um lento
processo de “seleção natural”. Seu trabalho teve
uma
influência
disciplinas
decisiva
científicas
e
sobre
sobre
as
o
diferentes
as costas para as descobertas realizadas pela
humanidade através da atividade científica, e com a
Teoria Evolucionista, a atividade filosófica ganha
maiores possibilidades de explicação das origens
do homem, suas relações e atividades. Diversas
ramificações da Filosofia já são discutidas com o
apoio conceitual dos dados evolucionistas, e não
poderia ser diferente com a Ética.
pensamento
Resultados e Discussão
moderno em geral. A teoria completa de Darwin foi
publicada em 1859, com o título A origem das
A tentativa de ligar o processo evolutivo e a
espécies através da seleção natural.
Os estudos do botânico austríaco Gregor
ética começou com a publicação de Descent of Man
Johann Mendel (1822-1884), retomados no final do
em 1871. Nesta continuação da Origem das
século XIX, deram enormes contribuições à teoria
Espécies, Darwin aplicou suas idéias sobre o
de Darwin ao acrescentar importantes informações
desenvolvimento evolutivo aos seres humanos.
sobre genética e seus desenvolvimentos.
Explicou
que
os
seres
humanos
devem
ter
Com o passar dos anos, houve um avanço
descendido de uma linhagem organizada, de um
nos estudos da vida e aos estudos filosóficos em
“peludo e quadrúpede habitante do velho mundo”. O
conseqüência especialmente da utilização de novas
principal desafio de Darwin e a principal dificuldade
técnicas e modos de pesquisa. Daí em diante, as
com esta explanação, seria o elevado padrão das
idéias de Darwim e Mendel receberam contribuições
qualidades éticas aparentes nos seres humanos.
de
Desafiado por este problema, Darwin dedicou um
vários
moderna
pesquisadores,
do
darwinismo,
surgindo
o
a
versão
“neodarwinismo”.
grande
capítulo
do
livro
às
explanações
Também conhecida como “teoria genética moderna
evolucionistas do sentido moral, que mostrou como
da seleção natural”, o neodarwinismo apresenta
o homem pode ter evoluído em duas etapas
uma série de informações extremamente complexas
principais.
e detalhadas, que são praticamente unânimes entre
Primeiramente, a raiz para a ética humana
os cientistas e filósofos que estudam a origem vida.
encontrar-se-ia
nos
instintos
sociais.
Essa
Atualmente, os cientistas discutem apenas alguns
explicação de Darwin é reivindicada por biólogos na
pormenores dessa teoria em busca de aprimorá-la
atualidade.
ainda mais e assim explicar a origem e o
origens filogenéticas podem ser encontradas na
desenvolvimento da vida. Acreditamos que ao
história evolutiva dos homens, ou seja, nos seus
trabalhar questões filosóficas, não podemos voltar
“parentes próximos”, em que, por exemplo, outros
A sociabilidade é um traço cujas
1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008
Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE
animais “inventaram” o ninho, e passaram a cuidar
sociobiologia no século XX.
e importar-se com seus filhotes. Produzir seres
fim, a existência de um senso moral, que foi
capazes de cumprir responsabilidades parentais
desenvolvido ao longo da evolução da humanidade,
requer os mecanismos sociais desnecessários em
que facilitou muito a convivência humana e
estágios mais adiantados da história evolutiva. Ao
possibilitou o desenvolvimento da técnica e da
mesmo tempo em que facilitava a manutenção da
cultura. Em texto posterior, intitulado Moral Sense,
prole, os instintos sociais equilibravam a agressão
Darwin volta a afirmar que tais desenvolvimentos
inata. Tornou-se possível distinguir entre “eles” e
devem-se
“nós” e apontar a agressão para os indivíduos que
Percebemos aqui que a concepção darwinista de
não pertencem ao grupo. Este comportamento é
moralidade é próxima do que poderíamos definir
claramente adaptável no sentido de assegurar a
como sociabilidade, ou seja, a capacidade que os
sobrevivência de uma família.
humanos têm de relacionarem-se entre si.
ao
instinto
Darwin defende por
social
dos
homens.
Tal
Em segundo lugar, com o desenvolvimento
propriedade acarretou vários desenvolvimentos,
das faculdades intelectuais, os seres humanos
como o trabalho em grupo, a sociedade, a política, a
podiam refletir sobre suas ações e suas motivações
ciência, o debate sobre a situação humana e a
e assim aprovar ou desaprovar as ações de outros
filosofia. O primatologista Frans de Wall defende
indivíduos. Isso conduziu ao desenvolvimento de
uma posição parecida em Eu, primata, recorrendo
uma consciência que se colocou como “o juiz e
ao estudo da relação entre primatas, concluindo a
monitor supremo” de todas as ações. Sendo
existência da sociabilidade entre os indivíduos de
influenciado pelo utilitarismo, Darwin acreditou que
um grupo, o que de certa maneira configura a
o princípio da maior felicidade viria inevitavelmente
existência de uma ética. Nota-se que em nenhum
a ser considerado como um padrão de certo e
momento deriva-se o dever ser do ser, ou seja,
errado
apenas descreve-se um processo, partindo do
por
seres
sociais
com
capacidades
intelectuais altamente evoluídas e conscientes.
Baseado
Darwin
dos animais (de Wall), onde laços sociais são
respondeu às duas perguntas essenciais na ética,
positivos para ambas as sociedades. Concluímos
sendo (1) como podemos distinguir entre bem e
aqui que tais laços que levam à sociabilidade
mal? e (2) por que devemos ser bons? Se todas
configuram uma concepção de ética diferenciada,
suas
presente
afirmações
nestas
fossem
colocações
estudo das relações entre os homens (Darwin) e
corretas,
certamente
naturalmente
nos
seres
vivos,
e
responderiam às perguntas acima. Assim, uma
juntamente com Darwin, que foi moldada por um
ação pode ser julgada como boa se gerar felicidade
processo evolutivo.
a um número maior de pessoas. E a segunda
Historicamente,
a
contribuição posterior
pergunta - porque nós devemos ser bons - não se
importante para a ética evolucionista foi dada por
coloca para Darwin com a mesma urgência que, por
Herbert Spencer (1820-1903), defensor fervoroso
exemplo, para Platão (a famosa pergunta de
de um segmento da teoria darwinista e criador da
Sócrates para Trasímaco na República, sobre a
tese do Darwinismo social. Para Spencer, a filosofia
necessidade de se aceitar uma “regra de ouro”
é um saber totalmente unificado, e na teoria da
como uma diretriz orientadora para a ação). Darwin
evolução, deve-se buscar a lei fundamental do
diria que os seres humanos são biologicamente
Universo. Em relação à ética, a teoria de Spencer
inclinados a serem sociáveis e altruístas, além de
pode ser dividida em três etapas. Primeiramente,
éticos, sendo isso provado por ser uma vantagem
como Darwin, Spencer acredita na teoria do
no esforço para a existência. Tal argumento foi
utilitarismo como proposto por Jeremy Bentham e
amplamente
John Stuart Mill. Na sua visão, (1) ganhar o prazer e
utilizado
pelos
defensores
25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ
da
2
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(2) evitar a dor são os responsáveis por todas as
pergunta (2) é interessante. Spencer alegou que a
ações humanas. Assim, o que é ético pode ser
evolução leva ao progresso, de um estado pior ao
definido com facilitar (1), ou evitar (2). O segundo
melhor (no sentido ético das palavras) e que
ponto da tese de Spencer defende que o prazer
qualquer coisa que suportou as forças evolutivas,
pode
maneiras:
seria conseqüentemente boa. Assim, a natureza
primeiramente, através da auto-satisfação dos
nos mostra o que é bom movendo-se para tal
impulsos e depois, satisfazendo outros indivíduos –
situação; e daqui, a “evolução é um processo que,
de acordo com seus impulsos. Isso significa que
automaticamente, gera valor”. Se a evolução
comer seu alimento favorito e dar o alimento favorito
avançar para bem moral, nós devemos aceitá-lo. As
do outro são experiências éticas possíveis para os
características éticas foram assim identificadas
humanos. Em terceiro lugar, a cooperação mútua
como
entre
auto
universalmente. Se o processo evolutivo nos dirigir
coordenação, pois os seres humanos desenvolvem
para este prazer universal, nós temos uma razão
princípios de equidade, com traços altruísticos e
egoísta para sermos éticos, a saber, nós queremos
egoístas, como contrapeso.
a
ser
os
conseguido
humanos
é
em
duas
necessária
para
Entretanto, Spencer não obteve grande
prazer
felicidade
e
felicidade
universal.
dos
Porém,
indivíduos
igualar
o
desenvolvimento evolutivo com o progresso ético,
reconhecimento por sua teoria da cooperação
envolvendo
mútua. O Darwinismo social de Spencer foi mais
poderiam ser realizados sem maiores evidências. A
discutido e causou mais polêmica porque foi
proposta spenceriana também fica sujeita a mais
compreendido por muitos como “uma apologia para
objeções, como derivar-se o “dever” daquilo que “é.
alguns dos sistemas sociais mais horríveis que a
Outros autores, também influenciados pelas
humanidade já teve,” como, por exemplo, o nazismo
idéias de Darwin, se opuseram à proposta do
alemão. Spencer elevou os fatos biológicos levados
Darwinismo Social, dentre os quais Piotr Kropotkin.
em consideração por Darwin na elaboração da
Em suas obras Mutual Aid: A Factor in Evolution
Teoria da Evolução (esforço para a existência, a
(Ajuda Mútua: Um Fator em Evolução) e Origem e
seleção natural, a sobrevivência do mais apto)
Evolução da Moral, Kropotkin defende que a
como prescrições para a conduta moral. Sugeriu,
solidariedade entre indivíduos de um mesmo grupo
por exemplo, que a vida é um esforço para seres
ou espécie é tão, ou mais importante para a
humanos aptos para a existência plena e que, para
sobrevivência quanto a competição entre grupos e
que os melhores sobrevivam, é necessário buscar
espécies.
uma política que não ajude os fracos: “ajudar ao mal
explicação para a origem da ética muito próxima ao
multiplicar-se, é, de fato, o mesmo que fornecer
que podemos chamar de sociabilidade. Kropotkin,
para nossos descendentes uma leva de inimigos”. A
pensador anarquista russo, escreveu obras de
filosofia de Spencer foi extensamente popular,
apoio a esse movimento político e sobre Filosofia e
particularmente em América do Norte no século 19,
ética. Ele descreveu em Mutual Aid suas próprias
declinando significativamente no século 20.
experiências nas expedições científicas que fez
julgamentos
Aqui
também
valorativos
que
encontramos
não
uma
Qual resposta a tese de Spencer dá às duas
durante uma temporada na Sibéria para ilustrar o
principais questões da ética, sendo (1) como
fenômeno de cooperação em comunidades animais
podemos distinguir entre bem e mal? e (2) por que
e humanas e como tais relações eram necessárias
devemos ser bons? A resposta de Spencer à
para
pergunta (1) é idêntica a de Darwin, pois ambos
Kropotkin busca negar as propostas do darwinismo
deram suporte a um tipo de utilitarismo hedonista
social de Spencer e expor sua tese sobre a origem
comum à época. Entretanto, sua resposta à
da ética entre os humanos e como tal caracterítica
25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ
o
desenvolvimento
social.
Nessa
obra,
3
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se desenvolveu. Sua tese invoca uma tradição
ser explicadas biologicamente quando escreve que
defendida por filósofos como Rousseau e Platão,
as simples indicações biológicas poderiam explicar
segundo a qual o homem nasce bom e virtuoso e é
a ética, e assim, não seriam mais necessárias
corrompido pelas necessidades sociais, onde a
explicações filosóficas.
importância atribuida por alguns à luta pela vida não
A ética, segundo tal compreensão, evoluiu
corresponde àquilo que vemos no mundo, onde a
sob a pressão da seleção natural. A sociabilidade, o
cooperação entre os indivíduos mostra-se mais
altruísmo, a cooperação, a ajuda mútua, etc. são
claramente. Os animais mais bem sucedidos
todos explicáveis em termos de raízes biológicas do
parecem ser aqueles que de maneira direta ou
comportamento social humano. A conduta moral
indireta cooperam entre si. Se a evolução os faz
ajudou à sobrevivência à longo prazo da espécie,
competir pelos recursos, os condiciona em maior
como inclinação moral dos seres humanos. De
grau a buscar ajuda e cooperar uns com os outros.
acordo com Wilson uma comunidade de indivíduos
Kropotkin rejeita a idéia de que o egoísmo é uma
egoístas a fará vulnerável e a conduzirá à extinção
herança animal e que a ética seja produto da
do grupo inteiro. Em sua visão, o egoísmo não traz
civilização.
boas recompensas em termos genéticos, e “uma
O
desenvolvimento
ético-solidárias
da
das
características
humanidade
não
foi
bem
espécie consistentemente egoísta seria solitária ou
extinta” .
explicado por Kropotkin, que era contra a teoria
Uma questão que parece surgir ao terminar
mecanicista de Darwin, porém servem como mote
de ler as páginas de Sociobiology é: porque ainda
histórico para o nosso trabalho, pois nos orienta a
existem problemas éticos, se somos inclinados a
observar os processos naturais de socialização para
sermos éticos, naturalmente? Para Wilson, isso é
assim
irrelevante, pois mesmo cometendo erros morais,
defender
a
existência
de
uma
ética
naturalizada.
sabemos intuitivamente que estamos errados,
Em 1948, em uma conferência em Nova
porém devido às condições culturais e sociais,
York, pesquisadores decidiram iniciar uma pesquisa
negamos tal sentimento e agimos erroneamente. A
interdisciplinar envolvendo zoologia, filosofia e
necessidade dos filósofos para buscar compreender
sociologia. Sociobiologia era o nome dado à nova
as origens e as relações envolvendo os problemas
disciplina que apontava encontrar regularidades
éticos
universais válidas no comportamento social dos
declaração de Wilson, no mínimo, infeliz.
mostra-se
claramente, o que torna a
animais e dos seres humanos. A ênfase foi
colocada sobre o estudo biológico, isto é, não-
Conclusões
cultural, mas sim comportamental dos seres vivos.
Nosso trabalho buscou compreender o
O campo, entretanto, não teve grandes resultados
papel da natureza nas relações humanas e partindo
até que Edward Wilson publicou Sociobiology: The
disso, analisou a possibilidade de existência de um
New Synthesis (Sociobiologia: Uma nova síntese)
sistema ético natural aos homens. Para isso
em 1975. A “sociobiologia é definida como o estudo
localizamos o evolucionismo dentro do programa
sistemático
filosófico naturalista, em busca de uma proposta
da
base
biológica
de
todo
o
ético-naturalista. Assim, analisamos a possível
comportamento social”.
Na visão de Wilson, a sociobiologia faz dos
fundamentação naturalística da ética, com ênfase
temporariamente,
na teoria evolucionista de Charles Darwin e suas
insignificantes, quanto às perguntas da ética.
propostas no campo da ética. Nossos objetivos
Acredita
explicadas
principais são: (1) propor a teoria evolucionista
biologicamente quando escreve que a ética pode
como fundamento metaético, isto é, que a teoria
filósofos,
pelo
que
a
menos
ética
podem
ser
25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ
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evolucionista justifica a existência da ética e; (2)
argumentar a favor de uma nova concepção de
moralidade, baseada nas últimas pesquisas sobre o
tema. Para isso, além do estudo da tese darwinista
em relação ao comportamento moral, analisamos os
principais
sistemas
éticos
baseados
na
tese
evolucionista, posteriores à publicação da tese de
Darwin. O contato constante entre as ciências e a
filosofia é necessário para o desenvolvimento da
nossa compreensão do mundo. A análise dos
possíveis
desdobramentos
evolucionista
pode
éticos
contribuir
da
para
teoria
o
desenvolvimento de uma nova concepção de
moralidade, assim como dos argumentos favoráveis
e contrários à proposta naturalista. Uma reabilitação
dos estudos naturalistas e seus adventos, neste
caso o evolucionismo, também podem trazer
avanços para nossa compreensão da natureza
humana, um conceito filosófico pouco trabalhado
desde que a filosofia da linguagem passou a gozar
de certa prioridade nos meios acadêmicos, mas que
é de vital importância para compreender este animal
tão interessante: o homem.
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