Elementos Para o Estudo da Idéia de Revolução Socialista na América Latina Andrea de Souza de Carvalho* Este trabalho busca resgatar os elementos que historicamente fizeram parte da construção da idéia social de Revolução Socialista na América Latina, sendo parte integrante de pesquisa desenvolvida para dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi destacado, neste artigo, o papel de três revoluções que consideramos fundamentais para a formação dessa idéia: a Revolução Francesa, a Revolução Russa e a Revolução Cubana. Propositalmente, não trataremos dos demais processos revolucionários ocorridos na América Latina, por não se tratarem dos objetivos principais de nosso texto. Não pretendemos em nosso trabalho analisar esses três processos revolucionários separadamente e em seus pormenores, mas selecionar na leitura de fontes secundárias os principais aspectos da cultura política1 criadas como novidades no decorrer destas Revoluções, que mesmo sendo diferenciadas, expandiram o ideal de Revolução para além de seus países. Por fim, objetivamos realizar uma análise inicial da centralidade política de Cuba para o pensamento da esquerda latino-americana e sua conseqüente reação contra-revolucionária. Acreditamos que a partir da Revolução Cubana os elementos para a reconstrução da mítica revolucionária estão postos, e esperando aqueles pensadores que queiram se aventurar a buscarem registros privilegiados sobre como se universaliza a idéia revolucionária em diversas sociedades. A Felicidade é uma Novidade na França2 A Revolução como fato histórico, no sentido moderno do termo, sempre se posicionou como um momento dramático na História dos povos, provocando análises de diversas matizes ideológicas, que se enraizaram no imaginário social como um ideal ou com algo a temer. Segundo Ferlini3, desde 1789 até os dias atuais, a crença na Revolução como a possibilidade de um ato de redenção destinada a libertar nações, classes ou todos os seres humanos têm norteado a ação dos homens que fazem a História. Em torno dos ideais revolucionários aglutinaramse diversas forças políticas, movimentos sociais; ocorreram guerras, reformas, golpes e instituíram-se ditaduras. De acordo com Eric Hobsbawm4, entendemos Revolução como uma transformação profunda na sociedade em todos os seus aspectos, não limitando sua atuação somente aos aspectos econômicos. Acreditamos, ainda, que dentro de um processo revolucionário é possível identificarmos permanências de estruturas sociais anteriores. Segundo o mesmo autor, após a chamada dupla Revolução (Industrial e Francesa) que ocorreu na Europa, os efeitos primeiramente evidentes de transformação foram sobretudo regionais, mas o ideal revolucionário, principalmente o desenvolvido na França, tomou forma, remodelou-se e espalhou-se pelo mundo ocidental, sob a forma das revoluções de 1848 e 1917. Neste trabalho, interessa-nos resgatar os elementos que fazem parte do sentido moderno do termo Revolução, construído no desenvolvimento do processo revolucionário francês como algo novo, pois, apesar do mesmo possuir elementos de rebeliões anteriores, em seu conjunto não pode ser comparado a nenhuma situação anterior. Segundo Vovelle, a Revolução Francesa foi a mais espetacular convulsão social que se teve notícia, pois, rompe com a continuidade milenar das convulsões populares e sublevações camponesas. Para ele, os próprios atores do processo revolucionário possuíam consciência de estarem vivendo algo novo e construído no calor das circunstâncias. Muitos contemporâneos utilizaram a metáfora náutica que tanto temor causou as navegantes em gerações anteriores. Segundo Jean Bom Sait-André: “Acabávamos finalmente de aportar na ilha da liberdade e queimamos o navio que nos trouxe” (23 de janeiro de 1793, ou seja, dois dias depois da morte do rei).5 O conjunto de condições objetivas, que levaram à convulsão social francesa, foram internos ao país6, mas a capacidade de suas idéias de revolucionarem o mundo foram incomparáveis. A Revolução Francesa começou como uma tentativa aristocrática de recuperar o controle do Estado, através de poucas concessões ao Terceiro Estado, seu ideal inicial era um constitucionalismo parlamentarista, somada uma democracia representativa e censitária. A reação da monarquia, a crise interna econômica do país, unidas à “novidade” revolucionária da identificação do “povo” com a nação – que por sua vez passou a possuir o direito à felicidade –, teve como resultado a fabulosa manifestação da queda da Bastilha. Para Hobsbawm, mesmo a Revolução Americana foi absorvida e substituída pela Revolução Francesa, pois, a força ideológica da última era muito maior entre os países europeus, pois os mesmos poderiam se reconhecer muito mais no antigo regime, do que na qualidade de colônia em processo de independência.7 Outro aspecto social relevante que devemos ressaltar é o ecumenismo do processo revolucionário francês. Esse internacionalismo foi recuperado em diversas correntes revolucionárias posteriores, como o anarquismo e o comunismo Para os franceses, bem como para seus numerosos simpatizantes no exterior, a libertação da França era simplesmente o primeiro passo para o triunfo universal da liberdade, uma atitude que levou facilmente aa convicção de que era dever da pátria da revolução liberar todos os povos que gemiam debaixo da opressão e da tirania. Havia entre os revolucionários ... uma inabilidade genuína para separar a causa da nação francesa daquela de toda a humanidade escravizada.8 Segundo Hobsbawm, somente hoje podemos compreender que o que se passou na República Jacobina, no “terror” de 1793/4 e na a ascensão de Napoleão, foi um retrocesso após um período de radicalismo, onde os liberais moderados refugiam-se no autoritarismo para evitar a igualdade de direitos políticos entre os cidadãos9. Com a consolidação da ordem burguesa, o jacobinismo foi incorporado como resultante de um “processo revolucionário”. Se a burguesia reconheceu-se com a República, a tradição posterior vinculada à esquerda considerava-se herdeira do jacobinismo. Para ambas as partes a Revolução passou a ser considerada um processo etapista, o que posteriormente causou diversos equívocos, principalmente nos militantes dos Partidos Comunistas do século XX. Pautada na Filosofia Iluminista, e indo muito além dela, a Revolução Francesa tornou-se um momento fundador, um modelo de transformação social e político, que teve como força propulsora uma burguesia fortalecida. O termo Revolução ganha a partir dela um novo enfoque, linear e não comparado a revolução dos astros, ou ao retorno ao equilíbrio anterior. O governante que não trouxesse a “felicidade” ao seu povo não só poderia ser deposto, como toda a ordem social que lhe dá sustentação poderia ser suprimida através de uma violência política, justificada pelo próprio desenvolvimento da Revolução. Em toda Europa os reflexos econômicos e sociais da Revolução não trouxeram mudanças imediatas, mas o aspecto político e as idéias iniciadas na França influenciaram toda a História contemporânea a partir de então. A Revolução de 1848 é considerada pela historiografia como um desdobramento do processo revolucionário francês. Segundo Hobsbawm10, este período vivia a consciência da “gestação” de uma convulsão maior que poderia trazer a radicalização do princípio da igualdade. A contra-revolução, na época, passou a identificar-se com a luta contra o sufrágio universal e contra a instabilidade política que poderia advir da organização trabalhadora. Esse “espectro” passou a rondar o mundo, e pode ser resumido pelas palavras do cônsul americano em Amsterdã (1847): Todas as pessoas bem informadas expressam a crença de que a atual crise está tão profundamente entrelaçada com os acontecimentos do atual período que ela não é senão o começo da grande Revolução, que ele consideram que, mais cedo ou mais tarde, venha a dissolver o atual estado de coisas.11 Ao concluir o livro “Era das Revoluções – 1789 a 1848”, Hobsbawm considera, como o mais notável efeito da dupla revolução, a ocidentalização dos regimes em diversos países que buscaram a radicalização do conceito de Democracia através da luta pelo sufrágio universal e a expansão da idéia de Revolução, que teve seu ápice com a publicação do Manifesto Comunista12. A partir de 1840, tornou-se bastante significativa a consciência de uma revolução social iminente, não se limitando aos revolucionários que a preparavam, nem aos governantes que procuravam contê-la, mas principalmente ocorreu um aumento do temor às massas pobres e seu possível potencial de transformação social.13 Da Ditadura do Proletariado à “Doutrina” de Revolução por Etapas O próprio Engels admitiu que ao eclodir a Revolução de 1848 todos se encontravam influenciados pelos acontecimentos anteriores em França. Para ele era lógico que “a natureza e a marcha da revolução ‘social’ proclamada em Paris... estivessem fortemente coloridas pela lembrança dos modelos de 1789 e de 1830”14. Sua análise posterior do período, junto com Marx, foi que neste momento estava longe o amadurecimento econômico necessário para a supressão da produção capitalista. O Manifesto Comunista, foi realizado, na época, com uma função propagandística e organizadora dos trabalhadores para o processo revolucionário que acreditavam em andamento. Algumas idéias que estavam no Manifesto Comunista15 influenciaram as análise de esquerda durante muitas décadas subseqüentes, e tiveram o papel fundamental de acrescentar, e reelaborar elementos que já existiam na França revolucionária, para a construção do que deveria ser uma revolução proletária. Questões sobre: o crescimento seqüencial da luta de operária; o internacionalismo da causa comunista; a destruição da propriedade privada e do direito de herança; o uso revolucionário da violência; o proletariado como a classe sendo eminentemente revolucionário, em detrimento da luta camponesa; a impossibilidade de ações revolucionárias realizadas pelo lumpen-proletariado; e o apoio a movimentos revolucionários de origem burguesa como uma etapa para vitória dos trabalhadores já se encontra bem definidas no Manifesto. Os autores do Manifesto supunham que a primeira Revolução Comunista ocorreria na Alemanha, nas condições mais avançadas da civilização européia, e a partir dessa primeira eclosão, se espalharia por outros países, o que posteriormente não se confirmou. Foi a Revolução de Outubro de 1917 que trouxe ao mundo um primeiro exemplo de revolução social dos trabalhadores, onde a utopia transformou-se em um Estado organizado. As condições econômicas da Rússia Czarista que antecederam a Revolução dos Trabalhadores foram totalmente diferentes das esperadas. O Estado ao intervir na economia possibilitou a industrialização, o que desenvolveu um proletariado bem menor do que a imensa massa camponesa. Semelhantes ao processo francês, os primeiros debates que antecederam a Revolução buscavam um constitucionalismo e parlamentarismo (a Duma) à moda ocidental, e não o socialismo. Diversos partidos e grupos revolucionários, disputavam o poder na Rússia16, sendo que o Partido Social Democrata, dividido entre as correntes bolcheviques e mencheviques, passou a ser o eixo central do processo. Os bolcheviques ao assumirem o poder realizaram seus objetivos, que já tinham anunciado no diário Pravda: a paz imediata, a implantação da Ditadura do Proletariado, o poder aos soviets e a dissolução da Duma. Três tendências surgidas na Rússia revolucionária, pautadas nas de interpretações marxistas teóricas de Lênin, Trotski e Stalin foram essenciais para a compreensão da atuação do movimento operário nos anos posteriores em diversos países do mundo. Faremos a seguir um resumo das linhas mestras de seus pensamentos. O que se convencionou chamar de leninismo era a defesa de uma vanguarda organizada em um partido revolucionário que ao tomar o poder implantaria a Ditadura do Proletariado, etapa socialista até o comunismo. Segundo Tragtenberg, Lênin prega no início da revolução “todo poder aos soviets”, e após um período inicial entra em choque com os mesmos, passando os organismos de poder as mãos do Estado. O partido comunista único também é implantado, e a contra-revolução é vista em todos os outros grupos. O PC soviético será a mola mestra para a criação de PC’s por diversos países, sobre posterior orientação soviética stalinista.17 Trotski, por sua vez, acreditava na idéia de Revolução Permanente, ou seja, que as etapas revolucionárias democrático-burguesa, em um país de capitalismo retardatário, seriam realizadas pelos próprios operários e que imediatamente transformariam a Revolução em Socialista. Para ele a Revolução na Rússia seria um prelúdio para a Revolução Ocidental, o que posteriormente entrou em choque com a idéia de socialismo em um só país, levando a divergências irreconciliáveis entre trotskistas e leninistas. A partir de 1936, a interpretação denominada marxista-stalinista de Revolução foi preponderante na maior parte dos partidos comunistas do mundo. Segundo Löwy18, o que se convencionou chamar de stalinismo era a criação de um aparelho dirigente em cada partido comunista, hierárquico, burocrático e autoritário, que seria célula para a cúpula do Estado, seguindo fielmente a orientação soviética. Os stalinistas adotaram a “doutrina” de revolução por etapas como ponto fundamental de sua prática política, cujo objetivo principal era a concretização de uma etapa revolucionária nacional democrática (Revolução Burguesa), como pré-condição para a implantação do socialismo. Para Hobsbawn, a Revolução Russa tornou-se tão fundamental para o século XX quanto a Revolução Francesa fora para o século XIX, tanto que apenas 40 anos após o triunfo dos bolcheviques, um terço da humanidade estava vivendo em regimes socialistas, o que provocará, posteriormente, a “Guerra Fria”. Segundo ele, os blocos capitalista e socialista aceitaram tacitamente as zonas de influência delimitadas e durante as décadas de 50 e 60 sem nenhuma mudança ou acontecimento político foi capaz de abalar esse equilíbrio armado, com exceção da aproximação de Cuba e Moscou.19 Para além destas questões, segundo Menezes, o medo da Revolução Socialista e a propaganda anti-soviética espalharam-se e deitou raízes profundas no corpo social, através dos meios de comunicação da época. Essa propaganda negativa influenciou o florescimento de um determinado imaginário sobre processos revolucionários em diversas sociedades. A partir de sua eclosão “o espectro do comunismo” se tornou uma possibilidade real, assustando a ordem estabelecida que, em contrapartida, tentou enclausurar essa experiência revolucionária nos limites da Rússia20. O ideal revolucionário na América Latina ganhou forma através das experiências do México, Nicarágua, Bolívia e, principalmente, Cuba. Se estabelecermos uma comparação entre os processos revolucionário na França e na Rússia, poderíamos dizer que o controle social foi um ponto comum resultante das duas. A Rússia e os países do leste europeu estabeleceram uma espécie diferenciada de desigualdade social: pautada na propriedade estatal dos meios de produção; em hierarquias de trabalho, dando destaque e regalias aos burocratas. Posteriores críticas a União Soviética passaram a chamar esse modelo de socialismo real – ou seja, a tomada do poder por um grupo ou partido, que não teria nada em comum com as possibilidades do “socialismo verdadeiro” que diversas correntes de esquerda buscam atualmente definir. Influência da Guerra de Guerrilhas para a América Latina De acordo com Löwy21, o marxismo foi introduzido e disseminado na América Latina por imigrantes europeus no final do século XIX. A partir daí surgiram os primeiros partidos operários e os grupos anarquistas que aceitavam parte das teses marxistas. Já os partidos comunistas apareceram na década de 1920, de dois grupos distintos: os partidos socialistas que aceitaram desde o início a orientação da Rússia e aqueles que surgiram a partir de uma aproximação de grupos anarco-sindicalistas ou anarco-comunistas rumo ao bolchevismo. Naturalmente, a Revolução Russa exerceu uma forte influência sobre os intelectuais que pensavam o caráter de uma Revolução na América Latina, mas as dificuldades de ajustar a teoria a prática, transpondo um modelo pronto para os trópicos, acarretou uma série de reflexões sobre o socialismo, o antiimperialismo e a democracia na região. Löwy identifica duas correntes que até 1959 mantinham divergências sobre como adequar o marxismo à realidade latino-americana: o excepcionalismo indo-americano e o eurocentrismo. O que chama de excepcionalismo indo-americano era a tendência a absolutizar a especificidade da cultura, sociedade e história latino-americanas, o que dificultaria ou mesmo impossibilitaria a atuação do marxismo, visto como um modelo europeu. Por eurocentrismo, o autor entende as transplantações diretas da realidade européia para à América Latina, do papel histórico de uma Revolução democrático-burguesa contra um Estado feudalabsolutista. Para os que aceitavam essa teoria, toda estrutura agrária colonial foi entendida como feudalismo e a burguesia local foi considerada progressista e possível parceiro das primeiras “etapas” revolucionárias. Posteriormente essas hipóteses foram foi revistas por Rui Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso, Celso Furtado, e outros. As duas correntes chegam a conclusões análogas, de que as condições objetivas da América Latina ainda não se encontram amadurecidas para a Revolução Socialista. Só houve uma reorientação de Moscou para o aprofundamento da luta de classes a partir da Guerra Fria e da ofensiva imperialista americana, mas a mesma não negou a interpretação de Revolução por etapas e união com a “burguesia” progressista. Como exemplo, que une as duas tendências, podemos citar Haya de La Torre: Antes da revolução socialista, que levará a classe trabalhadora ao poder, nosso povo deve passar por etapas prévias de transformação econômica e política, e talvez, por uma revolução social que conseguirá emancipá-lo do jugo imperialista e levar a unificação econômica e política indoamericana. A revolução proletária virá depois.22 Embora a corrente stalinista fosse hegemônica na América Latina, através dos PC’s, existiam ainda tendências críticas inspiradas nas idéias de Trotski. No início da década de 30 formaram-se vários grupos: no Brasil, como a Liga Comunista (Oposição); no Chile, dirigida por Trotski, a Oposição de Esquerda Internacional; na Bolívia, com o Partido Operário Revolucionário; e em menor grau e menos organizados na Argentina. Os trotkistas conseguiram maiores adeptos na América Latina com a vitória da Revolução Socialista em Cuba (1961), que consideraram a comprovação da tese da Revolução permanente. Concordamos com Ruas23, quando este afirma que a Revolução Cubana foi um marco fundamental para América Latina. Ela contestou determinismos geográficos, estratégias definidas pelos PC’s, especificidades indoamericanas, e deu novo impulso a luta de classes no continente, sendo seguida por vários militantes da esquerda em diversos países. Sua força ideológica foi tão grande que construiu mitos e símbolos capazes de incentivar uma geração de estudantes e intelectuais à luta armada, subvertendo o tradicionalismo das correntes marxistas que pregavam a união com a burguesia, e levando posteriormente ao erro político de acreditar que o apoio das massas seria inerente ao processo. A força demonstrada pela Guerra de Guerrilhas como uma possibilidade real para destruir um poder ditatorial e pró-imperialista, ao mesmo tempo, a ação prática de combinar ininterruptamente tarefas da Revolução Burguesa e Socialista, estimularam o surgimento de correntes influenciadas por Cuba, que Löwy chama de Castristas. Che Guevara, de forma irônica, afirmou que Cuba rompeu com as leis da dialética e do marxismo. Em seus escritos o tema luta armada, através da guerra de guerrilhas, é visto como a continuação de outros meios de luta revolucionários. Seu pensamento inclui a atuação camponesa como potencialmente revolucionária junto ao proletariado. O mesmo acreditava que a luta armada deveria ser utilizada quando: o Estado Burguês avança contra as posições do povo, evidentemente deve ocorrer um processo de defesa contra o inimigo (...) Se já se desenvolveram as condições objetivas e subjetivas mínimas, a defesa deve ser armada, mas de tal forma que... não deve permitir que o cenário da defesa armada se transforme em um refúgio extremo de perseguidos. A guerrilha (...) leva em si, e deve desenvolver constantemente, sua capacidade de ataque ao inimigo (...) Isto é, a guerrilha não é autodefesa passiva, é defesa com ataque e, a partir do momento em que se apresenta como tal, tem como perspectiva final a conquista do poder político.24 Durante os primeiros anos da Revolução socialista em Cuba, tanto para Che Guevara, quanto para Fidel Castro, a Revolução que não se realizava constantemente e buscava apoiar-se em forças “progressistas” burguesas não era Revolução. Acreditavam que a única saída para América Latina era à luta armada, e por esta posição foram considerados pelo PSP (Partido Socialista Popular ou “PC cubano”) como aventureiros e golpistas. Este “voluntarismo” revolucionário, que poderia ser comparado a “nau” que os franceses tentavam guiar, foi fundamental para pôr sob suspeita o determinismo passivo e fatalista da esquerda latino-americana da época. Poderíamos parafrasear Thompson, ao afirmar que em Cuba a Revolução estava presente ao seu próprio fazer-se, e respondeu as necessidades que lhe foram prementes. O modelo cubano foi a justificativa para o alastramento de diversas ditaduras militares na América Latina, possibilitando que guerrilheiros fossem classificados de terroristas e friamente cassados. Mesmo assim a força do mito alastrou-se, e até um relatório do consulado americano no Brasil admitia que a América Latina, assim como suas “vulneráveis democracias”, teria mais a perder do que os EUA com a “sovietização” da ilha, mas que entre os miseráveis Cubanos havia a evidência de um novo lugar ao sol25. Contra a Revolução formou-se a Aliança para o Progresso, e suas tentativas de reformas para conter uma “Cubanização” latino-americana. O historiador Blanco26 não acredita que Cuba gerou um “modelo de revolução” exportável, creditando que essa imagem deve-se muito mais a propaganda contra-revolucionária, mas afirma que a mesma despertou esperanças, ou como preferimos supor, “reatualizou” mitos políticos27 na América Latina, tornando o ideal de transformação social total uma possibilidade viável, pautada na tradição revolucionária ocidental desde a Revolução Francesa e Russa. A principal limitação da experiência Cubana, evidente a partir do final dos anos 60, consistiu em sua estrutura autoritária, onde se encontram presentes a ausência de pluralismo político, de liberdade de expressão e de participação popular nas decisões de governo. Novamente confrontamos o socialismo “real” com o sonho de gerações sobre o “paraíso na terra”, onde seria produzido o “homem novo”. Segundo Bandeira, para defender o mito da Cuba socialista, a esquerda latino-americana e seus intelectuais esquecem as perseguições e prisões políticas da ilha.28 Mas qualquer possibilidade revolucionária que possa ser pensada na América Latina terá necessariamente que refletir sobre o exemplo de Cuba, com seus componentes ideológicos, políticos e sociais particulares, além de sua opção: nacionalista, antiimperialista e pan-americanista. Cuba reavivou a discussão da importância da esfera política para a construção do socialismo, resgatando a atuação dos atores sociais frente as necessidades postas29. Essa característica é um elemento marcante que poderia influenciar a rediscussão de uma proposta socialista marxista latino-americana. Os três processos revolucionários apresentados, olhados sobre um ângulo de oposicionista, podem servir como exemplos clássicos de derrota do desafio insurrecional dentro da própria Revolução, através de um processo de centralização do poder e refúgio no autoritarismo, criando condições para uma estabilidade política baseada na Força. Napoleão, Stalin e Fidel poderiam ser analisados pela categoria que se convencionou chamar de Bonapartismo, tema retirado do texto “18 de Brumário de Marx!”, visto que os mesmos construíram Estados em nome da Pátria, do Povo ou da Revolução, acima das classes sociais. Poderíamos entender que o próprio componente revolucionário carregou dentro de si, os aspectos da Contra-Revolução, suprimindo a atuação “democrática” dos atores sociais em busca da igualdade de participação na esfera política. Considerações Finais Segundo Emir Sader a Revolução Cubana foi contemporânea de uma geração que entendia revolução com algo do passado – a Revolução Francesa – ou relacionada a um futuro temível – Revolução bolchevique, socialismo ou comunismo. Para ele foi a Revolução Cubana que atualizou a idéia de revolução no espaço latino americano, tornando-a aparentemente viável. Dela se pode dizer indiscutivelmente que, depois do seu surgimento, nada foi como antes no nosso continente e inclusive no Terceiro Mundo.30 No decorrer dos processos revolucionários francês e russo foram construídos elementos que são indispensáveis para se pensar o paradigma de Revolução Socialista, tais como: a idéia de processo; a idéia do uso político da violência; a crença em um paraíso na terra; a idéia de ruptura total; e o internacionalismo/ecumenismo político. Outros elementos foram incorporados pelas variáveis tendências marxistas, estes, podem ou não, ser considerados revolucionários, dependendo dos grupos que os defendem: a ditadura do Proletariado, a Vanguarda Revolucionária, e o “etapismo” democrático burguês. Para a América Latina os elementos inovadores da Revolução Cubana foram tão importantes quanto a Revolução Francesa e a Revolução de Outubro foram para Europa. Cuba acrescentou alguns elementos para pensarmos a construção de uma idéia de Revolução adaptada as particularidades latino-americanas, tais como: que as necessidades políticas conjunturais dos países podem ser muito mais importantes na elaboração do socialismo do que as condições econômicas objetivas; que o uso da guerrilha só pode ser justificável como luta de massas, mas sem o isolamento político dos grupos de vanguarda; e mais, que a possibilidade de um “verdadeiro” socialismo só poderia existir com a participação ativa dos trabalhadores nas instâncias políticas de poder. A questão nacional e a luta anti-imperialista contra a imposição de um modelo neo-colonial americano foram elementos constantes nas lutas populares da ilha e fortes aglutinadores de alianças durante as primeiras etapas da Revolução. Lembremos que a questão da soberania nacional sempre foi um componente fundamental em todos os embates políticos da história dos países latino-americanos. Qualquer construção de teoria revolucionária para essa região poderá ampliar suas bases de apoio através da ampliação da idéia de defesa nacional para uma união regional contra qualquer ofensiva “recolonizadora”.31 Já no Manifesto Comunista, Marx afirma que os revolucionários não escondem seus objetivos de desapropriação e luta contra a ordem burguesa. Hoje é difícil não cairmos no anacronismo e ficarmos sem entender como os Partidos Comunistas no século XX puderam acreditar que a burguesia considerada “progressista” não tivesse lido o Manisfesto e reconhecido seu inimigo de classe. Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só poderão ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social vigente. Que as classes dominantes tremam à idéia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder nela a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. PROLETÁRIOS DO MUNDO UNIVOS!32 As condições atuais da América Latina, inseridas em uma conjuntura de hegemonia neoliberal, exigem maiores esforços da esquerda em se recriar a mística revolucionária e a crença em sua possibilidade real. Sabemos que foi o medo da ascensão social das classes trabalhadoras, por via revolucionária, o responsável através da História por diversas reformas políticas e direitos sociais adquiridos, que atualmente passam por um processo de desestruturação. Qualquer novo projeto de transformação social só poderá ser pensado através da reelaboração dos elementos que construíram o paradigma de revolução através da História, acrescendo-lhes como diferencial a participação democrática dos atores sociais ao processo. Se isso é realizável não sabemos, mas por enquanto estivemos falando de sonhos... E da necessidade de um esforço teórico por parte de intelectuais comprometidos com as lutas populares e com a democracia na América Latina. Por fim, concordamos com Ferlini33, de que mais do que nunca a História deve se “debruçar” sobre os estudo das Revoluções, para criticar e auxiliar na construção de programas de novas e concretizáveis esperanças, articulando o rigor teórico-científico ao compromisso político com a transformação social, visto que a Revolução, mesmo após todas as modificações mundiais, ainda povoa como um espectro de longa duração a fantasia de muitos dos que a desejam ou a temem. Notas e Referências Bibliográficas * Mestranda em História Política do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro da Coordenação de Produção do PROEALC. 1 Ao tratarmos do Conceito de Cultura Política nos remetemos a discussão de sua conceituação, relacionando-a com à construção da Democracia. Ver: FREIRE, Silene. “Cultura Política: as (in)definições e ambigüidades de um conceito”, p. 557. Revista Internacional de Estudos Políticos - RIEP, v.2, n.3. Rio de Janeiro: NUSEG/UERJ, Dezembro 2000 2 Referência ao direito à Felicidade, da “Declaração dos Direitos do Homem”. 3 Vera Lúcia Amaral Ferlini. “História e Revolução: atualidade de uma relação”. Osvaldo Coggiola (org). História e Revolução: simpósio realizado no Departamento de História da FFLCH – USP. São Paulo: Xamã, FFLCH, 1998. 4 Eric Hobsbawn. A Era das Revoluções (1798/48). 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 5 Michel Vovelle. A mentalidade Revolucionária – sociedades e mentalidades na Revolução Francesa. Lisboa: Salamandra, 1987. 6 Eric Hobsbawn. A Era das Revoluções (1798/48). 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 7 Idem, ibidem, p.72. 8 Idem, ibidem, p.83. 9 Eric J. Hobsbawn. Os ecos da Marselhesa. São Paulo: Cia das Letras, 1996. 10 Idem, ibidem, p. 328-332. 11 Eric Hobsbawn. A Era das Revoluções, op. cit., p. 228 12 Eric J. Hobsbawn. Os ecos da Marselhesa, op. cit., p. 15. 13 Idem, ibidem, p. 328. 14 Karl Marx e Friedrich Engels. “As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850”. Obras escolhidas v.1. São Paulo: Editora Alfa-Omega. p.94. 15 Karl Marx e Friedrich Engels. “O Manifesto Comunista”. Obras escolhidas v.1. São Paulo: Alfa-Omega. 16 Maurício Tragtenberg. A Revolução Russa. São Paulo: Atual, 1988. 17 Idem, ibidem, p. 83-101. 18 Michel Löwy. O Marxismo na América Latina. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999. 19 Eric Hobsbawn. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 1995. 20 Lená Medeiros de Menezes. Tramas do Mal: a revolução de outubro no plano das representações (1917–1921). Rio de Janeiro: UERJ, mimeo, 2000. 21 Michel Löwy. “Introdução”. O Marxismo na América Latina, op. cit., 1999. 22 Victor Alba. Politics and the Labor Movement in Latin América. Standford: Standford University Press, 1968. p.147. apud Michel Löwy. “Introdução”. O Marxismo na América Latina, op. cit., p. 11. 23 Luís Eduardo Mergulhão Ruas. Nacionalismo e Democracia na Revolução Cubana. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. Dissertação de Mestrado em História. Mimeo. 24 Ernesto Che Guevara. “A Guerra de Guerrilhas” apud Michel Löwy. “Introdução”. O Marxismo na América Latina, op. cit., p. 277. 25 Tania Quintaneiro. Cuba e Brasil: da revolução ao golpe (1959-1964): uma interpretação sobre política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1988. 26 Abelardo Blanco e Carlos A. Doria. Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro (1868-1959). São Paulo: Brasiliense, 1982. 27 Raoul Girardet. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987. 28 Antônio Rangel Bandeira. Sombras do Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 1994. 29 Luís Eduardo Mergulhão Ruas. Nacionalismo e Democracia na Revolução Cubana. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. Dissertação de Mestrado em História. Mimeo. 30 Emir Sader. A Revolução Cubana - 6ª ed. São Paulo: Brasil Urgente, 1992, p.17. 31 Octavio Ianni. “El Socialismo en la era del globalismo”. Emir Sader (org.). Democracia si exclusiones ni excluidos. Caracas: Nueva Sociedade,1998. 32 Idem, ibidem. p. 47 33 Vera Lúcia Amaral Ferlini, “História e Revolução: atualidade de uma relação”. Osvaldo Coggiola (org.). História e Revolução: simpósio realizado no Departamento de História da FFLCH – USP. São Paulo: Xamã, FFLCH, 1998. p.287.