Elementos para o estudo da idéia de Revolução - PROEALC

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Elementos Para o Estudo da Idéia de Revolução Socialista na América
Latina
Andrea de Souza de Carvalho*
Este trabalho busca resgatar os elementos que historicamente fizeram parte da construção da idéia social de
Revolução Socialista na América Latina, sendo parte integrante de pesquisa desenvolvida para dissertação de
Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi
destacado, neste artigo, o papel de três revoluções que consideramos fundamentais para a formação dessa idéia: a
Revolução Francesa, a Revolução Russa e a Revolução Cubana. Propositalmente, não trataremos dos demais
processos revolucionários ocorridos na América Latina, por não se tratarem dos objetivos principais de nosso
texto.
Não pretendemos em nosso trabalho analisar esses três processos revolucionários separadamente e em seus
pormenores, mas selecionar na leitura de fontes secundárias os principais aspectos da cultura política1 criadas
como novidades no decorrer destas Revoluções, que mesmo sendo diferenciadas, expandiram o ideal de
Revolução para além de seus países.
Por fim, objetivamos realizar uma análise inicial da centralidade política de Cuba para o pensamento da esquerda
latino-americana e sua conseqüente reação contra-revolucionária. Acreditamos que a partir da Revolução Cubana
os elementos para a reconstrução da mítica revolucionária estão postos, e esperando aqueles pensadores que
queiram se aventurar a buscarem registros privilegiados sobre como se universaliza a idéia revolucionária em
diversas sociedades.
A Felicidade é uma Novidade na França2
A Revolução como fato histórico, no sentido moderno do termo, sempre se posicionou como um momento
dramático na História dos povos, provocando análises de diversas matizes ideológicas, que se enraizaram no
imaginário social como um ideal ou com algo a temer. Segundo Ferlini3, desde 1789 até os dias atuais, a crença
na Revolução como a possibilidade de um ato de redenção destinada a libertar nações, classes ou todos os seres
humanos têm norteado a ação dos homens que fazem a História. Em torno dos ideais revolucionários aglutinaramse diversas forças políticas, movimentos sociais; ocorreram guerras, reformas, golpes e instituíram-se ditaduras.
De acordo com Eric Hobsbawm4, entendemos Revolução como uma transformação profunda na sociedade em
todos os seus aspectos, não limitando sua atuação somente aos aspectos econômicos. Acreditamos, ainda, que
dentro de um processo revolucionário é possível identificarmos permanências de estruturas sociais anteriores.
Segundo o mesmo autor, após a chamada dupla Revolução (Industrial e Francesa) que ocorreu na Europa, os
efeitos primeiramente evidentes de transformação foram sobretudo regionais, mas o ideal revolucionário,
principalmente o desenvolvido na França, tomou forma, remodelou-se e espalhou-se pelo mundo ocidental, sob a
forma das revoluções de 1848 e 1917.
Neste trabalho, interessa-nos resgatar os elementos que fazem parte do sentido moderno do termo Revolução,
construído no desenvolvimento do processo revolucionário francês como algo novo, pois, apesar do mesmo
possuir elementos de rebeliões anteriores, em seu conjunto não pode ser comparado a nenhuma situação anterior.
Segundo Vovelle, a Revolução Francesa foi a mais espetacular convulsão social que se teve notícia, pois, rompe
com a continuidade milenar das convulsões populares e sublevações camponesas. Para ele, os próprios atores do
processo revolucionário possuíam consciência de estarem vivendo algo novo e construído no calor das
circunstâncias. Muitos contemporâneos utilizaram a metáfora náutica que tanto temor causou as navegantes em
gerações anteriores. Segundo Jean Bom Sait-André: “Acabávamos finalmente de aportar na ilha da liberdade e
queimamos o navio que nos trouxe” (23 de janeiro de 1793, ou seja, dois dias depois da morte do rei).5
O conjunto de condições objetivas, que levaram à convulsão social francesa, foram internos ao país6, mas a
capacidade de suas idéias de revolucionarem o mundo foram incomparáveis. A Revolução Francesa começou
como uma tentativa aristocrática de recuperar o controle do Estado, através de poucas concessões ao Terceiro
Estado, seu ideal inicial era um constitucionalismo parlamentarista, somada uma democracia representativa e
censitária. A reação da monarquia, a crise interna econômica do país, unidas à “novidade” revolucionária da
identificação do “povo” com a nação – que por sua vez passou a possuir o direito à felicidade –, teve como
resultado a fabulosa manifestação da queda da Bastilha.
Para Hobsbawm, mesmo a Revolução Americana foi absorvida e substituída pela Revolução Francesa, pois, a
força ideológica da última era muito maior entre os países europeus, pois os mesmos poderiam se reconhecer
muito mais no antigo regime, do que na qualidade de colônia em processo de independência.7
Outro aspecto social relevante que devemos ressaltar é o ecumenismo do processo revolucionário francês. Esse
internacionalismo foi recuperado em diversas correntes revolucionárias posteriores, como o anarquismo e o
comunismo
Para os franceses, bem como para seus numerosos simpatizantes no exterior, a libertação da França
era simplesmente o primeiro passo para o triunfo universal da liberdade, uma atitude que levou
facilmente aa convicção de que era dever da pátria da revolução liberar todos os povos que gemiam
debaixo da opressão e da tirania. Havia entre os revolucionários ... uma inabilidade genuína para
separar a causa da nação francesa daquela de toda a humanidade escravizada.8
Segundo Hobsbawm, somente hoje podemos compreender que o que se passou na República Jacobina, no “terror”
de 1793/4 e na a ascensão de Napoleão, foi um retrocesso após um período de radicalismo, onde os liberais
moderados refugiam-se no autoritarismo para evitar a igualdade de direitos políticos entre os cidadãos9. Com a
consolidação da ordem burguesa, o jacobinismo foi incorporado como resultante de um “processo
revolucionário”. Se a burguesia reconheceu-se com a República, a tradição posterior vinculada à esquerda
considerava-se herdeira do jacobinismo. Para ambas as partes a Revolução passou a ser considerada um processo
etapista, o que posteriormente causou diversos equívocos, principalmente nos militantes dos Partidos Comunistas
do século XX.
Pautada na Filosofia Iluminista, e indo muito além dela, a Revolução Francesa tornou-se um momento fundador,
um modelo de transformação social e político, que teve como força propulsora uma burguesia fortalecida. O
termo Revolução ganha a partir dela um novo enfoque, linear e não comparado a revolução dos astros, ou ao
retorno ao equilíbrio anterior. O governante que não trouxesse a “felicidade” ao seu povo não só poderia ser
deposto, como toda a ordem social que lhe dá sustentação poderia ser suprimida através de uma violência política,
justificada pelo próprio desenvolvimento da Revolução.
Em toda Europa os reflexos econômicos e sociais da Revolução não trouxeram mudanças imediatas, mas o
aspecto político e as idéias iniciadas na França influenciaram toda a História contemporânea a partir de então. A
Revolução de 1848 é considerada pela historiografia como um desdobramento do processo revolucionário
francês. Segundo Hobsbawm10, este período vivia a consciência da “gestação” de uma convulsão maior que
poderia trazer a radicalização do princípio da igualdade. A contra-revolução, na época, passou a identificar-se
com a luta contra o sufrágio universal e contra a instabilidade política que poderia advir da organização
trabalhadora. Esse “espectro” passou a rondar o mundo, e pode ser resumido pelas palavras do cônsul americano
em Amsterdã (1847):
Todas as pessoas bem informadas expressam a crença de que a atual crise está tão profundamente
entrelaçada com os acontecimentos do atual período que ela não é senão o começo da grande
Revolução, que ele consideram que, mais cedo ou mais tarde, venha a dissolver o atual estado de
coisas.11
Ao concluir o livro “Era das Revoluções – 1789 a 1848”, Hobsbawm considera, como o mais notável efeito da
dupla revolução, a ocidentalização dos regimes em diversos países que buscaram a radicalização do conceito de
Democracia através da luta pelo sufrágio universal e a expansão da idéia de Revolução, que teve seu ápice com a
publicação do Manifesto Comunista12. A partir de 1840, tornou-se bastante significativa a consciência de uma
revolução social iminente, não se limitando aos revolucionários que a preparavam, nem aos governantes que
procuravam contê-la, mas principalmente ocorreu um aumento do temor às massas pobres e seu possível potencial
de transformação social.13
Da Ditadura do Proletariado à “Doutrina” de Revolução por Etapas
O próprio Engels admitiu que ao eclodir a Revolução de 1848 todos se encontravam influenciados pelos
acontecimentos anteriores em França. Para ele era lógico que “a natureza e a marcha da revolução ‘social’
proclamada em Paris... estivessem fortemente coloridas pela lembrança dos modelos de 1789 e de 1830”14. Sua
análise posterior do período, junto com Marx, foi que neste momento estava longe o amadurecimento econômico
necessário para a supressão da produção capitalista. O Manifesto Comunista, foi realizado, na época, com uma
função propagandística e organizadora dos trabalhadores para o processo revolucionário que acreditavam em
andamento.
Algumas idéias que estavam no Manifesto Comunista15 influenciaram as análise de esquerda durante muitas
décadas subseqüentes, e tiveram o papel fundamental de acrescentar, e reelaborar elementos que já existiam na
França revolucionária, para a construção do que deveria ser uma revolução proletária. Questões sobre: o
crescimento seqüencial da luta de operária; o internacionalismo da causa comunista; a destruição da propriedade
privada e do direito de herança; o uso revolucionário da violência; o proletariado como a classe sendo
eminentemente revolucionário, em detrimento da luta camponesa; a impossibilidade de ações revolucionárias
realizadas pelo lumpen-proletariado; e o apoio a movimentos revolucionários de origem burguesa como uma
etapa para vitória dos trabalhadores já se encontra bem definidas no Manifesto.
Os autores do Manifesto supunham que a primeira Revolução Comunista ocorreria na Alemanha, nas condições
mais avançadas da civilização européia, e a partir dessa primeira eclosão, se espalharia por outros países, o que
posteriormente não se confirmou. Foi a Revolução de Outubro de 1917 que trouxe ao mundo um primeiro
exemplo de revolução social dos trabalhadores, onde a utopia transformou-se em um Estado organizado. As
condições econômicas da Rússia Czarista que antecederam a Revolução dos Trabalhadores foram totalmente
diferentes das esperadas. O Estado ao intervir na economia possibilitou a industrialização, o que desenvolveu um
proletariado bem menor do que a imensa massa camponesa. Semelhantes ao processo francês, os primeiros
debates que antecederam a Revolução buscavam um constitucionalismo e parlamentarismo (a Duma) à moda
ocidental, e não o socialismo. Diversos partidos e grupos revolucionários, disputavam o poder na Rússia16, sendo
que o Partido Social Democrata, dividido entre as correntes bolcheviques e mencheviques, passou a ser o eixo
central do processo.
Os bolcheviques ao assumirem o poder realizaram seus objetivos, que já tinham anunciado no diário Pravda: a
paz imediata, a implantação da Ditadura do Proletariado, o poder aos soviets e a dissolução da Duma. Três
tendências surgidas na Rússia revolucionária, pautadas nas de interpretações marxistas teóricas de Lênin, Trotski
e Stalin foram essenciais para a compreensão da atuação do movimento operário nos anos posteriores em diversos
países do mundo. Faremos a seguir um resumo das linhas mestras de seus pensamentos.
O que se convencionou chamar de leninismo era a defesa de uma vanguarda organizada em um partido
revolucionário que ao tomar o poder implantaria a Ditadura do Proletariado, etapa socialista até o comunismo.
Segundo Tragtenberg, Lênin prega no início da revolução “todo poder aos soviets”, e após um período inicial
entra em choque com os mesmos, passando os organismos de poder as mãos do Estado. O partido comunista
único também é implantado, e a contra-revolução é vista em todos os outros grupos. O PC soviético será a mola
mestra para a criação de PC’s por diversos países, sobre posterior orientação soviética stalinista.17
Trotski, por sua vez, acreditava na idéia de Revolução Permanente, ou seja, que as etapas revolucionárias
democrático-burguesa, em um país de capitalismo retardatário, seriam realizadas pelos próprios operários e que
imediatamente transformariam a Revolução em Socialista. Para ele a Revolução na Rússia seria um prelúdio para
a Revolução Ocidental, o que posteriormente entrou em choque com a idéia de socialismo em um só país, levando
a divergências irreconciliáveis entre trotskistas e leninistas.
A partir de 1936, a interpretação denominada marxista-stalinista de Revolução foi preponderante na maior parte
dos partidos comunistas do mundo. Segundo Löwy18, o que se convencionou chamar de stalinismo era a criação
de um aparelho dirigente em cada partido comunista, hierárquico, burocrático e autoritário, que seria célula para a
cúpula do Estado, seguindo fielmente a orientação soviética. Os stalinistas adotaram a “doutrina” de revolução
por etapas como ponto fundamental de sua prática política, cujo objetivo principal era a concretização de uma
etapa revolucionária nacional democrática (Revolução Burguesa), como pré-condição para a implantação do
socialismo.
Para Hobsbawn, a Revolução Russa tornou-se tão fundamental para o século XX quanto a Revolução Francesa
fora para o século XIX, tanto que apenas 40 anos após o triunfo dos bolcheviques, um terço da humanidade estava
vivendo em regimes socialistas, o que provocará, posteriormente, a “Guerra Fria”. Segundo ele, os blocos
capitalista e socialista aceitaram tacitamente as zonas de influência delimitadas e durante as décadas de 50 e 60
sem nenhuma mudança ou acontecimento político foi capaz de abalar esse equilíbrio armado, com exceção da
aproximação de Cuba e Moscou.19
Para além destas questões, segundo Menezes, o medo da Revolução Socialista e a propaganda anti-soviética
espalharam-se e deitou raízes profundas no corpo social, através dos meios de comunicação da época. Essa
propaganda negativa influenciou o florescimento de um determinado imaginário sobre processos revolucionários
em diversas sociedades. A partir de sua eclosão “o espectro do comunismo” se tornou uma possibilidade real,
assustando a ordem estabelecida que, em contrapartida, tentou enclausurar essa experiência revolucionária nos
limites da Rússia20. O ideal revolucionário na América Latina ganhou forma através das experiências do México,
Nicarágua, Bolívia e, principalmente, Cuba.
Se estabelecermos uma comparação entre os processos revolucionário na França e na Rússia, poderíamos dizer
que o controle social foi um ponto comum resultante das duas. A Rússia e os países do leste europeu
estabeleceram uma espécie diferenciada de desigualdade social: pautada na propriedade estatal dos meios de
produção; em hierarquias de trabalho, dando destaque e regalias aos burocratas. Posteriores críticas a União
Soviética passaram a chamar esse modelo de socialismo real – ou seja, a tomada do poder por um grupo ou
partido, que não teria nada em comum com as possibilidades do “socialismo verdadeiro” que diversas correntes
de esquerda buscam atualmente definir.
Influência da Guerra de Guerrilhas para a América Latina
De acordo com Löwy21, o marxismo foi introduzido e disseminado na América Latina por imigrantes europeus
no final do século XIX. A partir daí surgiram os primeiros partidos operários e os grupos anarquistas que
aceitavam parte das teses marxistas. Já os partidos comunistas apareceram na década de 1920, de dois grupos
distintos: os partidos socialistas que aceitaram desde o início a orientação da Rússia e aqueles que surgiram a
partir de uma aproximação de grupos anarco-sindicalistas ou anarco-comunistas rumo ao bolchevismo.
Naturalmente, a Revolução Russa exerceu uma forte influência sobre os intelectuais que pensavam o caráter de
uma Revolução na América Latina, mas as dificuldades de ajustar a teoria a prática, transpondo um modelo
pronto para os trópicos, acarretou uma série de reflexões sobre o socialismo, o antiimperialismo e a democracia na
região. Löwy identifica duas correntes que até 1959 mantinham divergências sobre como adequar o marxismo à
realidade latino-americana: o excepcionalismo indo-americano e o eurocentrismo.
O que chama de excepcionalismo indo-americano era a tendência a absolutizar a especificidade da cultura,
sociedade e história latino-americanas, o que dificultaria ou mesmo impossibilitaria a atuação do marxismo, visto
como um modelo europeu. Por eurocentrismo, o autor entende as transplantações diretas da realidade européia
para à América Latina, do papel histórico de uma Revolução democrático-burguesa contra um Estado feudalabsolutista. Para os que aceitavam essa teoria, toda estrutura agrária colonial foi entendida como feudalismo e a
burguesia local foi considerada progressista e possível parceiro das primeiras “etapas” revolucionárias.
Posteriormente essas hipóteses foram foi revistas por Rui Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso, Celso
Furtado, e outros.
As duas correntes chegam a conclusões análogas, de que as condições objetivas da América Latina ainda não se
encontram amadurecidas para a Revolução Socialista. Só houve uma reorientação de Moscou para o
aprofundamento da luta de classes a partir da Guerra Fria e da ofensiva imperialista americana, mas a mesma não
negou a interpretação de Revolução por etapas e união com a “burguesia” progressista. Como exemplo, que une
as duas tendências, podemos citar Haya de La Torre:
Antes da revolução socialista, que levará a classe trabalhadora ao poder, nosso povo deve passar
por etapas prévias de transformação econômica e política, e talvez, por uma revolução social que
conseguirá emancipá-lo do jugo imperialista e levar a unificação econômica e política indoamericana. A revolução proletária virá depois.22
Embora a corrente stalinista fosse hegemônica na América Latina, através dos PC’s, existiam ainda tendências
críticas inspiradas nas idéias de Trotski. No início da década de 30 formaram-se vários grupos: no Brasil, como a
Liga Comunista (Oposição); no Chile, dirigida por Trotski, a Oposição de Esquerda Internacional; na Bolívia,
com o Partido Operário Revolucionário; e em menor grau e menos organizados na Argentina. Os trotkistas
conseguiram maiores adeptos na América Latina com a vitória da Revolução Socialista em Cuba (1961), que
consideraram a comprovação da tese da Revolução permanente.
Concordamos com Ruas23, quando este afirma que a Revolução Cubana foi um marco fundamental para América
Latina. Ela contestou determinismos geográficos, estratégias definidas pelos PC’s, especificidades indoamericanas, e deu novo impulso a luta de classes no continente, sendo seguida por vários militantes da esquerda
em diversos países. Sua força ideológica foi tão grande que construiu mitos e símbolos capazes de incentivar
uma geração de estudantes e intelectuais à luta armada, subvertendo o tradicionalismo das correntes marxistas que
pregavam a união com a burguesia, e levando posteriormente ao erro político de acreditar que o apoio das massas
seria inerente ao processo.
A força demonstrada pela Guerra de Guerrilhas como uma possibilidade real para destruir um poder ditatorial e
pró-imperialista, ao mesmo tempo, a ação prática de combinar ininterruptamente tarefas da Revolução Burguesa e
Socialista, estimularam o surgimento de correntes influenciadas por Cuba, que Löwy chama de Castristas. Che
Guevara, de forma irônica, afirmou que Cuba rompeu com as leis da dialética e do marxismo. Em seus escritos o
tema luta armada, através da guerra de guerrilhas, é visto como a continuação de outros meios de luta
revolucionários. Seu pensamento inclui a atuação camponesa como potencialmente revolucionária junto ao
proletariado. O mesmo acreditava que a luta armada deveria ser utilizada quando:
o Estado Burguês avança contra as posições do povo, evidentemente deve ocorrer um processo de
defesa contra o inimigo (...) Se já se desenvolveram as condições objetivas e subjetivas mínimas, a
defesa deve ser armada, mas de tal forma que... não deve permitir que o cenário da defesa armada se
transforme em um refúgio extremo de perseguidos. A guerrilha (...) leva em si, e deve desenvolver
constantemente, sua capacidade de ataque ao inimigo (...) Isto é, a guerrilha não é autodefesa
passiva, é defesa com ataque e, a partir do momento em que se apresenta como tal, tem como
perspectiva final a conquista do poder político.24
Durante os primeiros anos da Revolução socialista em Cuba, tanto para Che Guevara, quanto para Fidel Castro, a
Revolução que não se realizava constantemente e buscava apoiar-se em forças “progressistas” burguesas não era
Revolução. Acreditavam que a única saída para América Latina era à luta armada, e por esta posição foram
considerados pelo PSP (Partido Socialista Popular ou “PC cubano”) como aventureiros e golpistas. Este
“voluntarismo” revolucionário, que poderia ser comparado a “nau” que os franceses tentavam guiar, foi
fundamental para pôr sob suspeita o determinismo passivo e fatalista da esquerda latino-americana da época.
Poderíamos parafrasear Thompson, ao afirmar que em Cuba a Revolução estava presente ao seu próprio fazer-se,
e respondeu as necessidades que lhe foram prementes.
O modelo cubano foi a justificativa para o alastramento de diversas ditaduras militares na América Latina,
possibilitando que guerrilheiros fossem classificados de terroristas e friamente cassados. Mesmo assim a força do
mito alastrou-se, e até um relatório do consulado americano no Brasil admitia que a América Latina, assim como
suas “vulneráveis democracias”, teria mais a perder do que os EUA com a “sovietização” da ilha, mas que entre
os miseráveis Cubanos havia a evidência de um novo lugar ao sol25. Contra a Revolução formou-se a Aliança
para o Progresso, e suas tentativas de reformas para conter uma “Cubanização” latino-americana.
O historiador Blanco26 não acredita que Cuba gerou um “modelo de revolução” exportável, creditando que essa
imagem deve-se muito mais a propaganda contra-revolucionária, mas afirma que a mesma despertou esperanças,
ou como preferimos supor, “reatualizou” mitos políticos27 na América Latina, tornando o ideal de transformação
social total uma possibilidade viável, pautada na tradição revolucionária ocidental desde a Revolução Francesa e
Russa.
A principal limitação da experiência Cubana, evidente a partir do final dos anos 60, consistiu em sua estrutura
autoritária, onde se encontram presentes a ausência de pluralismo político, de liberdade de expressão e de
participação popular nas decisões de governo. Novamente confrontamos o socialismo “real” com o sonho de
gerações sobre o “paraíso na terra”, onde seria produzido o “homem novo”. Segundo Bandeira, para defender o
mito da Cuba socialista, a esquerda latino-americana e seus intelectuais esquecem as perseguições e prisões
políticas da ilha.28
Mas qualquer possibilidade revolucionária que possa ser pensada na América Latina terá necessariamente que
refletir sobre o exemplo de Cuba, com seus componentes ideológicos, políticos e sociais particulares, além de sua
opção: nacionalista, antiimperialista e pan-americanista. Cuba reavivou a discussão da importância da esfera
política para a construção do socialismo, resgatando a atuação dos atores sociais frente as necessidades postas29.
Essa característica é um elemento marcante que poderia influenciar a rediscussão de uma proposta socialista
marxista latino-americana.
Os três processos revolucionários apresentados, olhados sobre um ângulo de oposicionista, podem servir como
exemplos clássicos de derrota do desafio insurrecional dentro da própria Revolução, através de um processo de
centralização do poder e refúgio no autoritarismo, criando condições para uma estabilidade política baseada na
Força. Napoleão, Stalin e Fidel poderiam ser analisados pela categoria que se convencionou chamar de
Bonapartismo, tema retirado do texto “18 de Brumário de Marx!”, visto que os mesmos construíram Estados em
nome da Pátria, do Povo ou da Revolução, acima das classes sociais. Poderíamos entender que o próprio
componente revolucionário carregou dentro de si, os aspectos da Contra-Revolução, suprimindo a atuação
“democrática” dos atores sociais em busca da igualdade de participação na esfera política.
Considerações Finais
Segundo Emir Sader a Revolução Cubana foi contemporânea de uma geração que entendia revolução com algo do
passado – a Revolução Francesa – ou relacionada a um futuro temível – Revolução bolchevique, socialismo ou
comunismo. Para ele foi a Revolução Cubana que atualizou a idéia de revolução no espaço latino americano,
tornando-a aparentemente viável.
Dela se pode dizer indiscutivelmente que, depois do seu surgimento, nada foi como antes no nosso
continente e inclusive no Terceiro Mundo.30
No decorrer dos processos revolucionários francês e russo foram construídos elementos que são indispensáveis
para se pensar o paradigma de Revolução Socialista, tais como: a idéia de processo; a idéia do uso político da
violência; a crença em um paraíso na terra; a idéia de ruptura total; e o internacionalismo/ecumenismo político.
Outros elementos foram incorporados pelas variáveis tendências marxistas, estes, podem ou não, ser considerados
revolucionários, dependendo dos grupos que os defendem: a ditadura do Proletariado, a Vanguarda
Revolucionária, e o “etapismo” democrático burguês.
Para a América Latina os elementos inovadores da Revolução Cubana foram tão importantes quanto a Revolução
Francesa e a Revolução de Outubro foram para Europa. Cuba acrescentou alguns elementos para pensarmos a
construção de uma idéia de Revolução adaptada as particularidades latino-americanas, tais como: que as
necessidades políticas conjunturais dos países podem ser muito mais importantes na elaboração do socialismo do
que as condições econômicas objetivas; que o uso da guerrilha só pode ser justificável como luta de massas, mas
sem o isolamento político dos grupos de vanguarda; e mais, que a possibilidade de um “verdadeiro” socialismo só
poderia existir com a participação ativa dos trabalhadores nas instâncias políticas de poder.
A questão nacional e a luta anti-imperialista contra a imposição de um modelo neo-colonial americano foram
elementos constantes nas lutas populares da ilha e fortes aglutinadores de alianças durante as primeiras etapas da
Revolução. Lembremos que a questão da soberania nacional sempre foi um componente fundamental em todos os
embates políticos da história dos países latino-americanos. Qualquer construção de teoria revolucionária para essa
região poderá ampliar suas bases de apoio através da ampliação da idéia de defesa nacional para uma união
regional contra qualquer ofensiva “recolonizadora”.31
Já no Manifesto Comunista, Marx afirma que os revolucionários não escondem seus objetivos de desapropriação
e luta contra a ordem burguesa. Hoje é difícil não cairmos no anacronismo e ficarmos sem entender como os
Partidos Comunistas no século XX puderam acreditar que a burguesia considerada “progressista” não tivesse lido
o Manisfesto e reconhecido seu inimigo de classe.
Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que
seus objetivos só poderão ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social vigente.
Que as classes dominantes tremam à idéia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a
perder nela a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. PROLETÁRIOS DO MUNDO UNIVOS!32
As condições atuais da América Latina, inseridas em uma conjuntura de hegemonia neoliberal, exigem maiores
esforços da esquerda em se recriar a mística revolucionária e a crença em sua possibilidade real. Sabemos que foi
o medo da ascensão social das classes trabalhadoras, por via revolucionária, o responsável através da História
por diversas reformas políticas e direitos sociais adquiridos, que atualmente passam por um processo de
desestruturação.
Qualquer novo projeto de transformação social só poderá ser pensado através da reelaboração dos elementos que
construíram o paradigma de revolução através da História, acrescendo-lhes como diferencial a participação
democrática dos atores sociais ao processo. Se isso é realizável não sabemos, mas por enquanto estivemos falando
de sonhos... E da necessidade de um esforço teórico por parte de intelectuais comprometidos com as lutas
populares e com a democracia na América Latina.
Por fim, concordamos com Ferlini33, de que mais do que nunca a História deve se “debruçar” sobre os estudo das
Revoluções, para criticar e auxiliar na construção de programas de novas e concretizáveis esperanças, articulando
o rigor teórico-científico ao compromisso político com a transformação social, visto que a Revolução, mesmo
após todas as modificações mundiais, ainda povoa como um espectro de longa duração a fantasia de muitos dos
que a desejam ou a temem.
Notas e Referências Bibliográficas
* Mestranda em História Política do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Membro da Coordenação de Produção do PROEALC.
1 Ao tratarmos do Conceito de Cultura Política nos remetemos a discussão de sua conceituação, relacionando-a
com à construção da Democracia. Ver: FREIRE, Silene. “Cultura Política: as (in)definições e ambigüidades de
um conceito”, p. 557. Revista Internacional de Estudos Políticos - RIEP, v.2, n.3. Rio de Janeiro: NUSEG/UERJ,
Dezembro 2000
2 Referência ao direito à Felicidade, da “Declaração dos Direitos do Homem”.
3 Vera Lúcia Amaral Ferlini. “História e Revolução: atualidade de uma relação”. Osvaldo Coggiola (org).
História e Revolução: simpósio realizado no Departamento de História da FFLCH – USP. São Paulo: Xamã,
FFLCH, 1998.
4 Eric Hobsbawn. A Era das Revoluções (1798/48). 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
5 Michel Vovelle. A mentalidade Revolucionária – sociedades e mentalidades na Revolução Francesa. Lisboa:
Salamandra, 1987.
6 Eric Hobsbawn. A Era das Revoluções (1798/48). 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
7 Idem, ibidem, p.72.
8 Idem, ibidem, p.83.
9 Eric J. Hobsbawn. Os ecos da Marselhesa. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
10 Idem, ibidem, p. 328-332.
11 Eric Hobsbawn. A Era das Revoluções, op. cit., p. 228
12 Eric J. Hobsbawn. Os ecos da Marselhesa, op. cit., p. 15.
13 Idem, ibidem, p. 328.
14 Karl Marx e Friedrich Engels. “As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850”. Obras escolhidas v.1. São
Paulo: Editora Alfa-Omega. p.94.
15 Karl Marx e Friedrich Engels. “O Manifesto Comunista”. Obras escolhidas v.1. São Paulo: Alfa-Omega.
16 Maurício Tragtenberg. A Revolução Russa. São Paulo: Atual, 1988.
17 Idem, ibidem, p. 83-101.
18 Michel Löwy. O Marxismo na América Latina. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
19 Eric Hobsbawn. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
20 Lená Medeiros de Menezes. Tramas do Mal: a revolução de outubro no plano das representações (1917–1921).
Rio de Janeiro: UERJ, mimeo, 2000.
21 Michel Löwy. “Introdução”. O Marxismo na América Latina, op. cit., 1999.
22 Victor Alba. Politics and the Labor Movement in Latin América. Standford: Standford University Press, 1968.
p.147. apud Michel Löwy. “Introdução”. O Marxismo na América Latina, op. cit., p. 11.
23 Luís Eduardo Mergulhão Ruas. Nacionalismo e Democracia na Revolução Cubana. Rio de Janeiro: UERJ,
2000. Dissertação de Mestrado em História. Mimeo.
24 Ernesto Che Guevara. “A Guerra de Guerrilhas” apud Michel Löwy. “Introdução”. O Marxismo na América
Latina, op. cit., p. 277.
25 Tania Quintaneiro. Cuba e Brasil: da revolução ao golpe (1959-1964): uma interpretação sobre política. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1988.
26 Abelardo Blanco e Carlos A. Doria. Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro (1868-1959). São Paulo:
Brasiliense, 1982.
27 Raoul Girardet. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
28 Antônio Rangel Bandeira. Sombras do Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 1994.
29 Luís Eduardo Mergulhão Ruas. Nacionalismo e Democracia na Revolução Cubana. Rio de Janeiro: UERJ,
2000. Dissertação de Mestrado em História. Mimeo.
30 Emir Sader. A Revolução Cubana - 6ª ed. São Paulo: Brasil Urgente, 1992, p.17.
31 Octavio Ianni. “El Socialismo en la era del globalismo”. Emir Sader (org.). Democracia si exclusiones ni
excluidos. Caracas: Nueva Sociedade,1998.
32 Idem, ibidem. p. 47
33 Vera Lúcia Amaral Ferlini, “História e Revolução: atualidade de uma relação”. Osvaldo Coggiola (org.).
História e Revolução: simpósio realizado no Departamento de História da FFLCH – USP. São Paulo: Xamã,
FFLCH, 1998. p.287.
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