Veterinária e Zootecnia ISSN 0102-5716 VÍRUS DA CINOMOSE CANINA E PROVÁVEL ASSOCIAÇÃO DE P AGET EM HUMANOS 18 COM A DOENÇA Camila Michele Appolinario Jane Megid 1 2 RESUMO A doença de Paget em humanos é uma alteração metabólica óssea crônica, caracterizada pelo aumento e desorganização do processo de remodelação óssea. As áreas afetadas apresentam aumento do número de osteoblastos e aumento dramático do número e tamanho dos osteoclastos. Esta enfermidade, usualmente se manisfesta após os 50 anos de idade e acomete principalmente populações de origem européia. Embora de etiologia não definida, estudos sugerem que a doença pode ser causada por uma infecção viral lenta e crônica, por um ou mais membros da família Paramyxoviridae, mas o principal agente seria o vírus da cinomose. Palavras-chave: cão, doença de Paget, paramyxovirus, vírus da cinomose. CANINE DISTEMPER VÍRUS AND A POSSIBLE ASSOCIATION DISEASE IN HUMANS WITH PAGET'S ABSTRACT Paget's disease in humans is a chronic metabolic bone disorder, characterized by an increased and abnormal process of bone remodeling. Affected are as show an increased number of osteblasts and osteoclasts and the size of the osteoclast and their number are increased dramatically. This disease usually manifests in individuaIs after 50 years of age, meanly on populations from european origino Although the etiology is not defined, studies proposed that this disease can be caused by a slow, chronic viral infection, caused for one or more members of the Paramyxoviridae family, but canine distemper virus could be consider as the principal agent involved. Key words: dog, Paget's disease, paramyxovirus, canine distemper virus. VIRUS DEL MOQUILLO CANINO Y POSIBLE ASOCIACIÓN ENFERMEDAD DE PAGET EN HUMANOS CON LA RESUMEN La enfermedad de Paget en humanos (PD) consiste en una alteración metabólica ósea crónica, caracterizada por el aumento y desorganización dei proceso de remodelación ósea. Las áreas afectadas presentan aumento deI número de osteoblastos y un crecimiento dramático tanto en Ia cantidad como en el tamafio de los osteoclastos. Esta enfermedad se Residente em Enfermidades Infecciosas dos Animais. Prof. Dr. Enfermidades Infecciosas dos Animais. UNESP - Faculdade de Medicina Veterinaria e Zootecnia Departamento de Higiene Veterinaria e Saúde Pública Campus Universitário - Rubião Junior Fax: O(XX)14-38116075 Fone: O(XX)14-38116270 *Email:[email protected] I 2 Appolinario, C. M.; Megid, J. Vírus da cinomose canina e provável associação com a Doença de Paget em humanos. Veto e Zootec. v.15, n.1, abr., p. 18-26,2008. ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 19 manifiesta usualmente después de los 50 anos de edad y afecta principalmente a Ias poblaciones de origen Europeas. A pesar de que Ia etiología no está definida, los estudios sugieren que dicha enfermedad puede ser causada por una infección viral lenta y crónica, provocada por uno o más miembros de Ia familia Paramyxoviridae, sin embargo el principal agente sería el virus del moquillo canino. Pala bras-clave: perro, enfermedad de Paget, paramixovirus, virus del moquillo canino. INTRODUÇÃO Em 1876, Sir James Paget descreveu pela primeira vez seis casos de uma desordem localizada, lenta e geralmente benigna de deformidade óssea, que posteriormente em sua homenagem, recebeu o seu nome, Doença de Paget. A doença de Paget é uma alteração metabólica óssea crônica, caracterizada pelo aumento e desorganização do processo de remodelação óssea, que pode ser classificada como monostótica (17% dos casos) ou, na maioria dos casos, poliostótica (FRASER, 1997). Esta enfermidade usualmente se manisfesta após os 50 anos de idade e acomete principalmente o esqueleto axial (coluna vertebral, pelve, fêmur, sacro e crânio). As áreas afetadas apresentam aumento do número de osteoblastos (células de formação óssea) e aumento significativo do número e tamanho dos osteoclastos (células responsáveis pelo processo de reabsorção óssea). O excessivo processo de reabsorção óssea, seguido de um aumento da formação de tecido ósseo, na maioria das vezes, associada à mineralização ineficaz, leva à arquitetura anormal do osso, à fraqueza mecânica e a uma aparência de mosaico (FLEURY, 2006). Dependendo da localização, extensão e atividade metabólica, o envolvimento ósseo pode ser assintomático. Os pacientes sintomáticos apresentam dor óssea, deformidades e são mais susceptíveis ao desenvolvimento de fraturas patológicas (HELFRICH et al.. 2000). As fraturas patológicas levam a disfunções articulares sintomáticas, especialmente de joelho e quadril. A deformidade e o aumento de volume ósseo podem causar compressão de estruturas nervosas adjacentes - como os pares cranianos -, causando diminuição da acuidade auditiva ou compressão das terminações nervosas que emergem da coluna vertebral, levando a tóraco-lornbalgias e dor ciática (GARCIA FILHO, 2006). A prevalência desta doença na população é particularmente alta no Reino Unido (5 a 8%). Ocorre também na Europa Ocidental, Austrália, Nova Zelândia e América. Na Escandinávia, China, Hong-Kong, Japão e Oriente Médio é de ocorrência rara (MEE & SHARPE, 1993). A despeito do conhecimento sobre as alterações inerentes desta desordem metabólica óssea e do seu tratamento, baseado em inibiores dos mediadores que ativam os osteoclastos como as calcitoninas e os bifosfonados-, o esclarecimento sobre a anormalidade dos osteoclastos e, em consequência, a real etiologia desta enfermidade continuam não totalmente elucidadas (SIRIS, 1996). Há, no entanto, hipóteses envolvendo fatores genéticos e virais. Evidências de uma susceptibilidade genética, relacionada ao cromossomo 6 e ao braço longo do cromossomo 18 se apresentam como potenciais causas do distúrbio. Entretanto, o uso de técnicas de biologia molecular sugere um provável envolvimento dos Paramyxovirus na etiologia da doença de Paget (BASLE et aI. 1985; BASLE et al., 1986; FRASER, 1997). O presente estudo pretende revisar os principais aspectos da doença de Paget. Appolinario, C. M.; Megid, 1. Vírus da cinomose canina e provável associação com a Doença de Paget em humanos. Vet. e Zootec. v.15, n.l, abr., p. 18-26,2008. ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 20 REVISÃO DE LITERATURA A etiologia da doença de Paget mantém-se obscura há vários anos. Com os avanços da microscopia eletrônica, inclusões específicas no citoplasma e núcleo dos osteoclastos nos tecidos de pacientes pagéticos, em 1974, iniciaram uma linha de investigação quanto ao envolvimento viral na origem da enfermidade (REBEL et ai., 1981). As inclusões nucleares e citoplasmáticas encontradas nestes estudos microscópicos, caracterizadas por elementos microcilíndricos de aproximadamente 15 nanômetros(nrn) de diâmetro, geralmente organizados em feixes ou algumas vezes em arranjo paracristalino, assemelhavam-se ao nucleocapsídeo viral dos Paramyxovirus. Os Paramyxovirus são RNAvírus, envelopados, que apresentam nucleocapsídeo simétrico e helicoidal. Fazem parte da família Paramyxoviridae, o vírus do sarampo, cinomose, peste bovina, sincicial respiratório e parainfluenza (REBEL et al., 1980). Estudos utilizando a técnica de imunoistoquímica conduzidos por Mee & Sharpe (1993), detectaram, em diferentes países, a presença dos Paramyxovirus em pacientes pagéticos. Entretanto, este achado não elucida a diferença na ocorrência desta enfermidade no mundo, uma vez que os Paramyxovirus são ubiquitários. Assim, sugere o envolvimento de um outro agente etiológico. Estudos recentes propuseram possível envolvimento animal, pois o Paramyxovirus pode infectar grande número de animais, domésticos e selvagens que apresentam variada distribuição geográfica. Cartwright et al. (1993), investigaram a presença de vírus da família Paramyxoviridae em ossos de pacientes afetados pela doença de Paget. Contudo, somente o vírus da cinomose foi encontrado nas amostras. Após análise de estudos epidemiológicos e moleculares, Greene (2006), aponta evidências de que a alteração óssea nos humanos seja causada por infecção viral de progressão lenta e de que o Paramyxovirus envolvido seja o vírus da cinomose. Sendo o vírus da cinomose indicado como o agente envolvido na doença de Paget, outros estudos foram realizados com o intuito de investigar a hipótese do aumento do risco de desenvolvimento da doença de Paget em proprietários de cães. Khan et al. (1996) entrevistou 150 pacientes portadores da doença e 185 controles. O inquérito foi elaborado e aplicado pelo mesmo entrevistador, não ciente do motivo da entrevista. As perguntas estavam relacionadas a exposições prévias a qualquer animal de estimação, incluindo cães, gatos, pássaros e qual o tempo de cada exposição. Também foram feitas perguntas adicionais sobre a raça dos animais, status vacinal e dados sócio-demo gráficos. O risco de desenvolvimento da doença de Paget não aumentou significativamente entre os proprietários de cães. No entanto, proprietários de cães sem raça definida apresentaram aumento de risco, que foi mais elevado para proprietários de cães não-vacinados. Excluindo-se os proprietários de cães, os proprietários de gatos 'e pássaros apresentaram aumento no risco de desenvolver a doença. Estes achados indicaram que a exposição prévia a gatos, pássaros e cães não-vacinados para cinomose pode aumentar o risco individual de desenvolvimento da doença de Paget. Barker & Detheridge (1985) realizaram estudo de caso-controle em duas localidades distintas. Foram utilizadas as cidades de Lancaster, recorde de prevalêcia da doença de Paget, no Reino Unido, e Siena, na Itália, onde há baixa prevalência da doença. Em Lancaster, 36 casos foram comparados com 72 controles. Em Siena, foram utilizados 26 casos e 47 controles. Os participantes da pesquisa foram questionados sobre a presença de cães no ambiente doméstico, durante a infância. Dentre as pessoas entrevistadas, 55% (caso e controle) em Lancaster e 45% em Siena, possuíram um cão durante a infância. Nada foi questionado sobre o histórico vacinal dos animais. A diferença entre caso e controle foi pequena e não-significativa. Embora na Grã-Bretanha a prevalência da doença de Paget seja a mais alta em comparação a todos os países da Europa Ocidental, a população de cães não é a mais elevada. Esta é estimada em 10,4 cães para cada 100 habitantes. Na França este número Appolinario, C. M.; Megid, 1. Vírus da cinomose canina e provável associação com a Doença de Paget em humanos. Vet. e Zootec. v.!5, n.l , abr., p. 18-26,2008. ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 21 se eleva para 17,2 e a prevalência da doença é próxima a da Grã-Bretanha. Mas o valor que mais chama atenção é o da Suiça, na qual há 9,6 cães para cada 100 habitantes. Embora tenha uma população de cães próxima à inglesa, a doença de Paget neste país é rara. Em estudos realizados por Gordon et al. (1992), a técnica de hibridização in-situ (ISH) foi utilizada em ossos pagéticos e demonstrou a presença do vírus da cinomose. A fim de confirmar seus resultados, o RNA desses ossos foi extraído, transcrito e amplificado especificamente para o vírus da cinomose e para o vírus do sarampo, utilizando a técnica da reação em cadeia pela polimerase (PCR). Foram encontrados 61,5% (8/13), pacientes positivos para o vírus da cinomose e 10% (1/1 O) positivos para o vírus do sarampo. Somente um indivíduo apresentou ambos os vírus. Com base neste estudo conclui-se que o vírus da cinomose resida nas células ósseas e que a natureza persistente do vírus seja a responsável por mutações que ocorrem no genoma viral. Ao contrário dos resultados obtidos por Gordon et al. (1992), Ralston et al. (1991) utilizaram a técnica de reação em cadeia pela polimerase - transcriptase reversa (RT-PCR). Esta técnica possibilita detectar a presença viral em menos de 50 células, experimentalmente infectadas, com uma ampla variedade de Paramyxovirus, incluindo vírus da cinomose, sarampo, parainfluenza e sincicial respiratório. Contudo, mesmo utilizando esta técnica de alta sensibilidade analítica, não foi possível encontrar evidências de produtos virais do RNA extraído dos ossos afetados de pacientes. Assim, este estudo não apóia a hipótese do envolvimento viral na doença de Paget. Ooi et al. (2000) aspiraram medula óssea de sete pacientes com alterações hemipélvicas, retiradas tanto do lado afetado como do lado sadio. O RNA foi extraído após duas semanas da cultura da medula óssea, e pela técnica RT-PCR, investigou-se a expressão dos vírus da cinomose e do sarampo. Não foi detectada a presença viral na cultura de medula óssea. Entretanto, os autores afirmaram que nenhum procedimento diferenciado foi realizado quando comparado aos experimentos de outros grupos que apresentaram resultados positivos. Friedrichs et aI. (2002) utilizando medula óssea de locais afetados pela doença de Paget, conseguiram obter o sequenciamento completo do nucleocapsídeo do vírus do sarampo de um paciente e mais de 700 pares de base do nucleocapsídeo do mesmo vírus em outros três indivíduos. Esta sequência não foi detectada em amostras de medula óssea de pessoas sadias estudadas simultaneamente. Os resultados reforçam a presença de infecção viral crônica nos locais afetados pela doença. Mee et al. (1998), após descreverem que 65% das amostras de ossos pagéticos eram positivas para a presença do vírus das cinomose utilizando as técnicas de ISH (in situ Hibridization) e RT-PCR, desenvolveram uma nova técnica conhecida como in-situ-RT-PCR (IS-RT-PCR), após seus resultados serem questionados. Esta técnica permite a detecção de baixos níveis de RNA viral nas células e/ou em cortes de tecidos. Caracteriza-se como mais sensível que a RT-PCR, além de diminuir o risco de contaminação existente na técnica convencional. Esta técnica foi utilizada para detectar nuclcocapsídeo do vírus da cinomose (CDV -N) e RNA viral em ossos pagéticos. As amostras controles foram retiradas de locais não afetados de pacientes portadores da doença, de ossos sadios e de ossos em estados avançados d remodelação. A especificidade da técnica foi confirmada utilizando células Vero infectadas com vírus da cinomose que, imediatamente, mostraram sinais de amplificação ao se submeterem a IS-RT-PCR. Também foram infectadas células Vero com vírus do sarampo e, nestas células, não foram encontrados sinais de amplificação para o vírus da cinomose. Mediante a técnica convencional de ISH, em 66,7% (10/15) detectou-se o CDV-N. No entanto, após 10 ciclos do IS-RT-PCR, em 100% (15/15) das amostras foi detectado CDV-N. Não houve evidência do vírus da cinomose nas quatro amostras de locais sadios de pacientes afetados, ou em qualquer outra amostra controle. A positividade de 100% para a presença do Appolinario, C. M.; Megid, J. Vírus da cinomose canina e provável associação com a Doença de Paget em humanos. Vet. e Zootec. v.15, n.l, abr., p. 18-26,2008. ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 22 vírus da cinomose em ossos afetados reafirma a hipótese do envolvimento viral na etiopatogenia da doença de Paget (MEE et al., 1998). A presença viral na doença de Paget foi analisada por Helfrich et al. (2000). Foram utilizados 53 pacientes com doença estabelecida, dos quais 37 apresentavam sinais claros de doença ativa e 12 não haviam recebido nenhum tipo de tratamento antes da colheita das amostras. Pesquisou-se a presença do vírus do sarampo e da cinomose, em material de biópsia óssea, medula óssea e células mononucleares de sangue periférico, utilizando-se a técnica de RT-PCR, com um total de 18 conjuntos de primers. Para cada paciente, no mínimo uma amostra foi testada com todos os conjuntos de primers. Entretanto, em nenhuma foi detectada a presença viral. Em seis pacientes o material extraído da biópsia óssea, que apresentava clara evidência histológica de doença ativa, foi testado pelas técnicas de ISH e Imunocitoquímica para a presença de vírus da cinomose e sarampo. Todas as provas apresentaram resultado negativo. Em estudo realizado por Hoyland et aI. (2003), compararam-se os métodos de RTPCR, IS-RT-PCR e ISH, utilizados na detecção do vírus da cinomose na doença de Paget. Foram utilizadas dez amostras de pacientes pagéticos e quatro amostras contreles de pacientes saudáveis, submetidas às diferentes técnicas supracitadas. O vírus da cinomose foi detectado em 60% (6/1 O) das amostras quando utilizado o método de ISH. A positividade caiu para 50% (5/10) ao serem analisadas por um dos métodos de RT-PCR. A técnica de IS-RT-PCR demostrou positividade em 100% das amostras (10/1 O) e foi negativa ao examinar as amostras controles. Inferiu-se assim, que a habilidade de detectar o vírus da cinomose nas amostras está diretamente relacionada à técnica utilizada, justificando, provavelmente, o insucesso de determinados grupos de pesquisa em detectar a presença de Paramyxovirus nas amostras. Diferentes técnicas utilizadas no diagnóstico viral podem levar a resultados distintos como descrito por Hoyland et aI. (2003). Outro fator que pode levar a falhas na detecção, inerente à própria constituição viral, são as mutações no RNA. Estas geralmente são resultados da baixa fidelidade da enzima RNA-polimerase. Em pressão seletiva alta, porém constante, o vírus consegue manter certa estabilidade no scquenciamento genético, com alterações mínimas. Porém, quando há mudança da pressão seletiva, o genoma viral rapidamente se adequa, levando às alterações genômicas. As mutações observadas no vírus da cinornose na doença de Paget, poderiam favorecer a persistência viral e explicar as falhas na detecção do RNA viral quando é utilizada a técnica de ISH (MEE & SHARPE, 1993). Nas infecções virais geralmente há aumento nos níveis de anticorpos-específicos circulantes. No entanto, a mensuração de anticorpos em pacientes pagéticos tem falhado em mostrar qualquer diferença entre grupos de pacientes e controles (MORG~N-CAPNER et aI., 1981; WINFIELD & SUTHERLAND, 1981). Gordon et aI. (1993) utilizaram a técnica de ELISA (Enzyme Linked Immunosorbent Assay) a fim de quantificar anticorpos específicos contra o vírus da cinomose em pacientes pagéticos e controles. Em alguns pacientes, também se comparou o resultado do ELISA com a biópsia óssea pela ISH. Nenhuma diferença significativa foi encontrada entre pacientes e grupo controle. Todavia, alguns pacientes e indivíduos do grupo controle apresentaram uma elevação marcante no título de anticorpos. Os pacientes positivos para o vírus da cinomose na ISH apresentaram título baixo de anticorpos quando comparados aos ISH negativos. Os resultados destes estudos sugerem que, se o vírus da cinomose estiver presente na doença de Paget, os anticorpos específicos não participam ou desempenham um papel muito pequeno na pato gênese da enfermidade. Este fato seria esperado em virtude da ausência de proceso inflamatório observada nesta enfermidade. O fato de os pacientes pagéticos serem positivos para a detecção do vírus da cinomose em amostras ósseas e apresentarem baixos títulos de anticorpos pode sugerir a ineficácia do sistema imunológico em eliminar o vírus Appolinario, C. M.; Megid, 1. Vírus da cinomose canina e provável associação com a Doença de Paget em humanos. Vet. e Zootec. v.15, n.l , abr., p. 18-26,2008. ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 23 durante a fase inicial da infecção (Mee & Sharpe, 1993; Gordon et aI. 1993) ou a baixa resposta humoral do homem frente aos antígenos do vírus da cinomose. A doença de Paget é mais comum em certas partes do mundo. Na Inglaterra, Europa Oriental e Ocidental, com exceção da Escandinávia, e regiões do mundo com influência da colonização européia como América do Norte, Austrália, Nova Zelândia, Argentina e África do Sul, a ocorrência da doença é mais comum comparativamente à ocorrência na Ásia e na África sub-Saariana (BARRY, 1969). Esta distribuição geográfica, associada com a presença desta enfermidade em múltiplos membros da mesma família, indica a existência de envolvimento genético, que desempenharia importante papel na etiologia da doença (SIRlS, 1996). Há 25 anos, foi proposto um modelo de herança autossômica dominante para a doença (MCKUSICK, 1972). Estudos de agregação familiar revelaram risco relativo sete para indivíduos desenvolverem a doença de Paget, quando há parentesco de primeiro grau com pacientes pagéticos. O risco aumenta se o parente desenvolver forma severa da doença, associada à deformidade grave e diagnosticada antes dos 55 anos de idade (SIRIS et al., 1991). Muitos clínicos estimaram que a presença de outro membro afetado na família ocorre em 15-30% dos casos. Em estudo na Espanha, utilizando diagnóstico por imagem para identificar doença subclínica, 40% dos pacientes pagéticos possuíam pelo menos um membro da família com parentesco em primeiro grau afetado pela doença (MORALES-PIGA et al., 1995). Estudos associam este processo de osteólise familiar com o braço-longo do cromossomo 18. Esta associação foi relatada em análise genética realizada em uma família com ocorrência da doença de Paget (LEACH et a!., 1996). Pesquisas descreveram a relação com determinadas regiões do cromossomo 6. O Antígeno de Leucócitos Humanos (HLA) também tem sido referido nestes estudos. A relação entre o HLA e genes envolvidos na função imune promovem a hipótese de que algum problema imunológico permitiria infecção viral crônica nos osteoclastos ou nos seus precursores, produzindo a fusão e ativação destas células, culminando com o desenvolvimento de anormalidades que levariam à doença de Paget (TIL YARD et al., 1982). Linhas de pesquisa surgem em relação à doença de Paget como a bioquímica dos osteoclastos pagéticos. Roodman et al. (1992) foram os primeiros a descrever o gene da Inteleucina 6 (IL-6) nos precursores dos osteocJastos na medula óssea, indicando que esta expressão vem acompanhada de aumento sérico de IL-6 nos pacientes pagéticos. Foi proposto que a IL-6 atuaria como fator autócrine/parácrine do recrutamento dos precursores dos osteoclastos da medula óssea para a superfície do osso. Hoyland et aI. (1993) evidenciaram que a expressão do gene IL-6, em osteoclastos pagéticos, está muito elevada em comparação aos osteocJastos normais, nos quais dificilmente é detectado. A infecção do osteocJasto ou de seus presursores por um Paramyovirus aumentaria a produção de IL-6, levando a ativação de mais osteocJastos. CONCLUSÃO Como observado nesta revisão, a hipótese de a doença de Paget estar relacionada à infecção viral crônica é controversa. As divergências de opiniões fundamentam-se na capacidade de persistência dos Paramyxovirus ser conhecida de longa data. A mais conhecida das enfermidades causadas por esta persistência é a Panencefalite Esclerosante Subaguda no homem, causada pelo vírus do sarampo. Outras evidências de persistência viral ocorrem na Esclerose Múltipla, Doença de Appolinario, C. M.; Megid, 1. VílUS da cinomose canina e provável associação com a Doença de Paget em humanos. Vct. c Zootcc. v.15, n.1, abr., p. 18-26,2008. Veterinária e Zootecnia ISSN 0102-5716 24 Crahn e Hepatite Autoimune Ativa Crônica. Nos cães, são exemplos similares a Encefalite do Cão Velho. As descobertas do envolvimento viral aumentam proporcionalmente à medida que avançam as técnicas em biologia molecular. Novos estudos apontam que, com exceção da Panencefalite Esclerosante Subaguda e a Encefalite do Cão Velho, a persistência viral não é reconhecida como o agente causal destas doenças. Em estudos sobre a doença de Crohn, foi detectada a presença do vírus do sarampo em todas as amostras de intestino analisadas, mas também em todas as amostras controles. Na Esclerose Múltipla, a detecção viral nos tecidos pode significar somente a habilidade viral de se estabelecer nos tecidos humanos, mas não necessariamente como agente causal da doença. Persiste, portanto, uma das grandes dúvidas relacionadas à doença de Paget, que questiona se a presença viral é passiva e somente indicaria a habilidade de persistência viral, ou se está diretamente relacionada à indução de expressão de genes nas células ósseas, levando ao estabelecimento da enfermidade. Embora bastante discutida, a infecção viral associada a indivíduos geneticamente predispostos parece ser a mais aceita entre as teorias. Desde o primeiro relato da doença, há mais de 100 anos, vários avanços já foram alcançados, mas não o necessário para que a real etiologia da doença seja elucidada. Neste sentido, permanece não esclarecido o risco do contato do homem com cães, notadamente infectados pelo vírus da cinomose, no desenvolvimento da doença de Paget. O envolvimento inequívoco do vírus da cinomose canina nesta patologia seria obtido com o isolamento viral. diagnóstico direto por técnicas de biologia molecular ou com anticorpos marcados e o diagnóstico indireto pela pesquisa de anticorpos vão sempre gerar a dúvida do envolvimento de um vírus humano (ainda desconhecido) que apresenta característica genotípicas e fenotípicas comuns com o vírus da cinomose. ° REFERÊNCIAS BARKER, D.J.; DETHERIDGE, F.M. Dog's and Paget disease. Lancet, v.2, n.8466, p.1245, 1985. BARRY,I-1.e. Paget s disease of bane. Edinburgh: E&S Livingstone, 1969. BASLE, M.F et a!. Paramyxovirus antigens in osteoclasts from Paget s bone tissue detected by monoclonal antibodies. J. Gen. Virol., v.66, p.21 03-2110, 1985. BASLE, M.F et a!. Measles virus RNA detected in Paget s disease bone tissue by in situ hybridization. J. Gen. Virol., v.67, p.907-913, 1986. BRANDÃO, C.; VIElRA, J.G.H. Manual de doenças osteo-metabólicas. Fleury, 2005. cap.9. 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