Aspectos do uso de orações encaixadas num corpus de desenvolvimento da escrita no ensino básico1 Carlos A. M. Gouveia (FLUL/ILTEC) 0. Introdução O presente texto corresponde a uma reflexão preliminar relativamente aos primeiros dados de uma tentativa de mapeamento das características de desenvolvimento da escrita no ensino básico em Portugal, neste caso concreto as referentes ao uso, por alunos do 4º, 6º e 9 anos, de algumas estruturas de modificação de núcleos de grupos nominais, a partir da consideração de construções envolvendo aquilo que no quadro teórico da gramática sistémico-funcional (Halliday, 1978, 1994, 2004) se designa por orações encaixadas. Assim, serão descritos e analisados resultados de uso de estruturas de modificação determinadas por situações de encaixe de orações em grupos, do tipo, por exemplo, das orações tradicionalmente designadas por orações subordinadas adjectivas relativas restritivas, como em “Um senhor [[que ia ali a passar]] viu-me e quis-me”2, produzida por um aluno do 4º ano. Trata-se de estruturas resultantes do abaixamento de orações do nível em que, numa escala de níveis, deveriam funcionar, isto é, o nível oracional, para um nível inferior de processamento, característico do funcionamento de outro tipo de unidades: o nível do grupo. Considerando que o grau de incidência das chamadas orações subordinadas adjectivas relativas restritivas é menor nos textos do 6º ano relativamente aos do 4º e do 9º anos, no computo tanto das estrutura de encaixe referidas, quanto da totalidade das orações de cada ano escolar, tentar-se-á, com este texto, perceber as razões para estes valores de ocorrências, jogando-os quer na relação com as expectativas de desenvolvimento da escrita de ciclo para ciclo, quer na relação com as tarefas que foram solicitadas aos alunos (isto é, na relação com o tipo de texto solicitado), quer 1 Este texto corresponde à versão escrita de duas versões orais ligeiramente diferentes que foram apresentadas como comunicações em encontros científicos: a primeira, intitulada “Análise de estruturas de modificação por encaixe, num corpus de desenvolvimento da escrita no ensino básico”, foi apresentada na Conferência Internacional sobre Gramática e Texto – GRATO, realizada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de 2 a 4 de Julho de 2009; a segunda, intitulada “The use of post-modifying clauses in a corpus of writing development in basic schooling”, foi apresentada no 21st European Systemic Functional Linguistics Conference and Workshop, realizado na Universidade de Cardiff, Reino Unido, de 8 a 10 de Julho de 2009. Agradeço aos públicos de ambos os encontros as suas questões e comentários. 2 Existem vários tipos de orações encaixadas para além das relativas aqui referidas. Independentemente do tipo e da designação, entende-se por oração encaixada a oração que funciona como um grupo ou parte de um grupo, desempenhando funções de núcleo de um grupo nominal, de pós-modificadora num grupo nominal e de pósmodificadora num grupo adverbial (cf. Halliday, 1994: 242). 1 ainda na relação com níveis de incidência de outras estruturas de pré e pós-modificação de núcleos de estruturas nominais. Para tanto, e após esta breve introdução, procede-se, num primeiro momento, intitulado “Questões Teóricas”, ao levantamento de algumas questões teóricas relevantes para a realização do trabalho; de seguida, na parte 2, “Corpus e Metodologia”, descrevem-se alguns aspectos metodológicos de constituição do corpus e de análise de dados, para depois se avançar para a análise de dados propriamente dita, numa parte intitulada, precisamente, “Análise”. No fim, algumas conclusões serão sistematizadas. 1. Questões teóricas No quadro da linguística sistémico-funcional (LSF) e mais concretamente no quadro da chamada gramática sistémico-funcional (GSF), a lexicogramática, se encarada em razão das suas estruturas de constituência, realiza-se na relação com o que poderemos designar por escala de níveis. A partir de uma configuração topo-base, vinda do texto, portanto, tal escala de níveis começa na oração, passa pelo sintagma/grupo, passa pela palavra e termina no morfema (cf. Butt et al., 2000; Martin & Rothery, 1993; Gouveia, 2009). O nível oracional desta escala de níveis diz respeito ao funcionamento das orações e à sua estrutura interna (cf. Diagrama 1). Neste sentido, fazem parte deste nível da escala unidades como “Um dia transformei-me em computador” ou “No dia seguinte acordei humana”. Ou seja, estamos no nível fundamental de processamento da gramática, em que a oração funciona simultaneamente como i) uma representação de processos, das circunstâncias de realização dos mesmos e dos participantes neles envolvidos (isto é, como um fraseado envolvendo verbos/ processos, grupos preposicionais e adverbiais/ circunstâncias e grupos nominais/ participantes); ii) uma troca entre um falante/autor e um ouvinte/leitor (isto é, como um fraseado com uma função discursiva, uma função modal e eventualmente uma função avaliativa); e iii) uma mensagem organizada relativamente a algo que constitui o tópico da significação (isto é, como um fraseado com funções temáticas e remáticas e com informação dada e informação nova)3. 3 No quadro da GFS, estas três configurações de significado da oração espelham as possibilidades de produção de significado motivadas pelas chamadas funções da linguagem (ou metafunções): a função ideacional (a oração como representação), a função interpessoal (a oração como troca) e a função textual (a oração como mensagem). Constituídas como componentes gramaticais, esta funções configuram lexicogramaticalmente as variáveis de registo de um texto, na sua relação com o contexto que o motivou, na seguinte relação: função ideacional > variável campo do registo > oração como representação; função interpessoal > variável relações do registo > oração como troca; função textual > variável modo do registo > oração como mensagem. 2 texto complexo oracional oração grupo palavra morfema Diagrama 1 – A escala de níveis Todas as orações que como tal funcionam situam-se neste nível da escala de níveis e são constituídas por grupos (preposicionais, nominais, verbais), que, por sua vez, funcionam como unidades do nível abaixo do oracional, isto é, que constituem o nível do grupo. São unidades deste nível da escala estruturas como “computador” ou “No dia seguinte”, retirados dos exemplos anteriormente enunciados. Encarada a constituência desta forma, o que nós temos em exemplos como 1) e 2) são casos de orações que funcionam no seu nível natural de funcionamento: 1) Começaram então a bailar à sua volta. O sorriso dela voltou aos seus lábios. 2) Começaram então a bailar à sua volta e o sorriso dela voltou aos seus lábios. Podemos até dizer que em 2) estamos a considerar um nível de funcionamento acima do da oração, porquanto estamos num nível que não diz respeito às relações entre grupos no domínio da oração, como é o caso do nível da oração na escala de níveis, mas num nível acima, o do complexo oracional, que diz respeito às relações entre orações no domínio do complexo oracional. Independentemente de tais considerações, nada pacíficas e não totalmente resolvidas nos fundamentos da teoria, o que interessa aqui registar é que um modelo de constituência como este permite frisar, e fazer disso estrutura de funcionamento significativa, que as orações têm dois planos de funcionamento na escala de níveis, já que trabalham em dois níveis distintos: por um lado, organizam-se, com outras orações, em estruturas interdependenciais de parataxe e de hipotaxe, em complexos oracionais; por outro, organizam-se com outras unidades menores, também em 3 estruturas interdependenciais, em unidades de um nível inferior ao seu. Num caso, estamos perante estruturas oracionais de pleno direito; no outro, perante estruturas oracionais encaixadas que deixam de exercer funções próprias para exercerem funções de outro tipo (não oracionais). A classificação tradicional como orações subordinadas de ambos os tipos de orações (as de nível oracional e as encaixadas no nível do grupo) não dá conta desta diferença de funcionamento, que, do ponto de vista da descrição da língua em uso é por demais fundamental. Como afirma Mary Schleppegrell (2004: 66): “(...) a categoria oração subordinada inclui dois tipos de orações funcionalmente muito diferentes. Algumas orações subordinadas participam da estruturação do discurso: tais orações são referidas como orações hipotácticas. Outras funcionam como grupos nominais ou parte de um grupo nominal e não trazem nenhum contributo independente para a estrutura do discurso; tais orações chamam-se orações encaixadas. As orações hipotácticas são dependentes de outra oração, mas não são suas constituintes. (...). As orações encaixadas, por sua vez, funcionam dentro de outra oração;”4 Se acrescentarmos a estes dois tipos de orações, as orações paratácticas, verificamos que a tradicional divisão entre subordinação e coordenação resulta na prática numa divisão em três tipos, paratácticas, hipotácticas e encaixadas, com a particularidade de as paratácticas e as hipotácticas contribuirem para a estrutura do discurso e as encaixadas não o fazerem. Mais uma vez, como diz Shleppegrell (idem: 67): “Esta distinção tripartida de ligações oracionais em paratácticas, hipotácticas e encaixadas, distingue entre orações que, de modo independente, contribuem para a estrutura do discurso (paratácticas e hipotácticas) e as que funcionam como parte de uma outra oração (encaixadas).”5 Do ponto de vista discursivo, então, esta é uma distinção importante, em pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, porque permite distinguir entre orações que contribuem para a estrutura do discurso de uma forma directa e imediata e as que o fazem apenas de uma forma indirecta e não independente. Em segundo, porque da sua expressão linguística em textos reais decorrem aspectos de descrição discursiva, nomeadamente os valores de densidade lexical e de 4 Esta e outras traduções de citações originais inglesas que ao longo do texto vão ocorrendo são da minha responsabilidade. As citações originais podem ser encontradas em nota de rodapé associada à tradução usada no corpo do texto, como acontece neste caso: “(...) the category subordinate clause includes two functionally very different types of clauses. Some subordinate clauses participate in discourse structuring; these are referred to as hypotactic clauses. Others function as a nominal group or part of a nominal group and do not make an independent contribution to discourse structure; these are called embedded clauses. Hypotactic clauses are dependent on but not constituents of another clause. (...). Embedded clauses, on the other hand, function within another clause;” 5 Cf.: “This three-way distinction of clause linkages as paratactic, hypotactic, or embedded, distinguishes between clauses that independently contribute to discourse structure (hypotactic and paratactic) and those that function as part of another clause (embeddings).” 4 intricacia gramatical associados a esses textos. Por densidade lexical entende-se a ratio das palavras lexicais de um texto relativamente ao número de orações que nesse mesmo texto desempenham funções oracionais, isto é, que na escala de níveis de situam no nível oracional (ou seja, que não são encaixadas). Os valores de densidade lexical, como os valores de intricacia gramatical (i. e., a ratio das orações relativamente aos complexos oracionais de que fazem parte), definem padrões de comportamento dos textos orais e escritos. Assim, quanto mais alta for a densidade lexical de um texto mais próximo esse texto está dos registos mais prestigiados da escrita, como o do discurso científico, e quanto mais baixa ela for mais próximo o texto está dos registos da oralidade. Inversamente, valores altos de intricacia gramatical estão associados a registos orais e valores baixos a registos escritos (sobre estas noções vd, Halliday, 1987 e Halliday, 1985). Os valores de densidade lexical e de intricacia gramatical alimentam duas noções fundamentais que ajudam a caracterizar a variação funcional dos textos; ou seja, ajudam a caracterizar tanto géneros, enquanto “modos diferentes de usar a língua para realizar diferentes tarefas culturalmente estabelecidas”6 (Eggins & Martin, 1997: 236), quanto registos, enquanto modos contextualmente motivados de usar a língua em situação, considerando que “as dimensões contextuais podem ser vistas como tendo consequências na língua por tornarem certos significados e suas expressões linguísticas mais plausíveis de ocorrer do que outros”7. Numa fase preliminar de análise, os dados do presente trabalho pareciam demonstrar, por exemplo, que os textos dos alunos do 6º ano seriam os que em média têm o menor número de palavras por oração (6,5, contra 7,2 no 4º ano e 9,2 no 9º ano) e seriam também os que na relação orações de nível oracional vs. orações de nível abaixo do nível oracional (orações encaixadas) apresentam uma maior incidência de orações sem encaixe (em média um encaixe por cada 8,6 orações, contra em média um encaixe por cada 7,3 orações, no 4º ano, e um encaixe em média por cada 6,1 orações, no 9º ano). Ou seja, a hipótese de trabalho que se colocava era a de: aceitando que estes dados dão conta, quantitativamente, da menor complexidade estrutural dos textos dos alunos do 6º ano comparativamente aos do 4º ano, será que estaremos eventualmente perante um retrocesso no domínio dos processos de intricacia gramatical, e perante uma clara preferência por estruturas oracionais de reduzida complexidade? Responder a esta pergunta e outras com ela relacionadas será a tarefa deste texto logo após a 6 Vd.: “(…) linguists define genres functionally in terms of their social purpose. Thus, different genres are different ways of using language to achieve different culturally established tasks, and texts of different genres are texts which are achieving different purposes in the culture. (...). Thus, the major linguistic reflex of differences in purpose is the staging structure by which a text unfolds.” 7 Cf. "The concept of register is a theoretical explanation of the common-sense observation that we use language differently in different situations. More technically, contextual dimensions can be seen to impact on language by making certain meanings, and their linguistics expressions, more likely than others. We can say that context places certain meanings 'at risk'.” 5 descrição de alguns aspectos referentes aos corpus e à metodologia. 2. Corpus e metodologia Os resultados ora apresentados enquadram-se no conjunto de resultados que estão a ser obtidos em razão do desenvolvimento de um projecto de investigação de espectro mais alargado, situado numa área de investigação nuclear da linguística aplicada relativamente menosprezada: a área do desenvolvimento da escrita. Tal projecto visa i) cartografar as transformações desenvolvimentistas da escrita na L1 ao longo dos 3 ciclos do ensino básico, e ii) construir um corpus de textos produzidos por alunos, a constituir como corpus de referência da escrita no ensino básico (4800 textos). Os resultados estão, presentemente, a ser obtidos a partir da descrição e análise de um corpus de textos produzidos no ano lectivo de 2007/2008 no contexto das provas de aferição do 4º e 6º anos e do exame nacional de 9º ano. O corpus é constituído por 400 textos do 4º ano, 400 do 6º ano e 400 do 9º ano, num total de 1200 textos, produzidos como parte da tarefa de produção textual das respectivas provas. Espera-se que as descrições e os materiais resultantes deste projecto sejam de grande utilidade, tendo em vista as necessidades dos professores, já que em termos de desenvolvimento da escrita os professores ensinam aos alunos aquilo que os programas e os manuais consideram que os alunos devem saber, mas estão, estamos todos nós, pouco informados acerca do conhecimento linguístico e metalinguístico que os alunos detêm sobre a escrita nas diferentes fases da sua vida. O facto não é invulgar; é sobretudo uma consequência da ausência de descrições linguísticas consistentes e utilizáveis da escrita dos alunos, dos diferentes níveis de desempenho numa fase específica e das diferentes fases de progressão da escrita na escola. Como resultado da falta de instrumentos de avaliação de desempenho, os professores deixam muitas vezes os critérios de avaliação apenas implícitos, sem os trabalharem pormenorizadamente na avaliação concreta, e frequentemente considerando apenas aspectos relativos à tarefa/tipo de escrita em particular, isto é, avaliando apenas os aspectos genológicos e de registo das produções textuais. Ou seja, não há descrições consistentes e sistemáticas de indicadores de desenvolvimento que possam ser usados como parâmetros de avaliação de desempenho. 3. Análise Embora, como afirmam Christie & Derewianka (2008: 238), o aumento de densidade lexical não seja em si mesmo um critério de aferição de desenvolvimento na escrita, não há dúvida de que o mesmo será relevante se considerarmos, por um lado, que tal critério distingue caracteristicamente, por exemplo, a oralidade da escrita, a primeira com baixa densidade lexical, a 6 segunda com valores muito mais altos, dependendo dos registos, e, por outro, que, tendencialmente, o desenvolvimento da escrita representa um movimento de afastamento das características da oralidade por apropriação progressiva das características da escrita8. Aliás, as mesmas autoras dão conta da importância da densidade lexical no desenvolvimento da escrita ao admitirem, a propósito da sua investigação sobre desenvolvimento da escrita nos ensinos básico e secundário, considerando três áreas disciplinares, Inglês, História e Ciência, que “a tendência geral em cada uma das três áreas disciplinares demonstra um crescimento estável em densidade lexical, à medida que as crianças passam pela infância para os anos da adolescência, dominando o carácter relativamente denso da linguagem escrita” (Christie & Derewianka, ibidem).9 Partindo deste pressuposto, seria de esperar que os valores de densidade lexical na escrita em cada um dos anos em análise no presente estudo reflectisse um crescimento do 4º para o 6º anos e do 6º para o 9º anos. Tal não acontece, porém. De facto, e sendo a densidade lexical média no 9º ano a mais alta de todas, como seria de esperar, no 6º ano os valores estão abaixo dos do 4º ano, o que, a aceitar a densidade lexical como critério de desenvolvimento, significará não um desenvolvimento mas um retrocesso. Tais dados parecem, portanto, estar relacionados com uma resposta afirmativa à hipótese de trabalho atrás colocada. Efectivamente, considerando que a densidade lexical, tal como está a ser aqui trabalhada, decorre da distinção entre orações hipotácticas e orações encaixadas e dos índice de ocorrência de umas e de outras nos textos, podemos dizer que, face aos resultados, há uma menor complexidade estrutural nos textos dos alunos do 6º ano comparativamente aos do 4º ano. Se isso corresponde eventualmente a um retrocesso no domínio dos processos de intricacia gramatical e a uma preferência por estruturas oracionais de reduzida complexidade é algo que ainda estamos para ver. Por agora, e em razão dos valores mais recentes, relativos a 388 textos do 4º ano, 400 do 6º e 396 do 9º ano, registe-se que, em todos os valores associados ao uso de estruturas encaixadas, temos valores mais baixos para o 6º ano do que temos para os outros dois níveis de ensino. Comecemos pela proporção de orações encaixadas relativamente às orações não encaixadas. Enquanto no 9º ano, como se pode observar no Quadro 1, temos uma oração encaixada por, em média, cada 6 orações (6,12), e no 4º ano temos 8 Veja-se o que a este respeito nos diz Christie (1998: 58): “A linguagem escrita desenvolveu-se ao longo dos séculos para fazer coisas que a oralidade não faz. Demora-se necessariamente muitos anos a dominar a organização gramatical da linguagem escrita. Não se trata de uma característica desenvolvimentista de crianças na idade da escola primária.”/ “Written language has evolved over the centuries to do things that speech doesn't do. It necessarily takes many years to master the grammatical organisation of written language. It is not a developmental feature of primary aged children”. 9 Vd.: “Increasing lexical density is not in itself a sufficient measure of development in writing. However, it is of some interest to this study that the overall trend in all three subjects demonstrates a steady growth of lexical density as children move through childhood and into the years of adolescence, mastering the relatively dense nature of written language.” 7 uma oração encaixada por, em média, cada 9 orações (8,76), no 6º ano, temos uma oração encaixada por, em média, cada 10 orações (9,68), ou seja, os alunos do sexto ano tendem a usar menos encaixes de orações do que os do 9º ano, o que será eventualmente natural, mas também usam menos encaixes do que os do 4º ano, o que, eventualmente, já não será assim tão natural. Orações simplex ou em relação paratáctica ou hipotáctica (não encaixadas) / Orações encaixadas 4º ano 6º ano 9º ano 8,76 9,68 6,12 Quadro 1 – Proporção de orações não encaixadas por cada oração encaixada Como afirmado anteriormente, e como pode ser observado de seguida no Quadro 2, os valores da densidade lexical são homólogos a estes valores, isto é, também neste aspecto os alunos do 6º ano apresentam valores de densidade lexical mais baixos do que os alunos do 4º ano. É exactamente porque fazem uso de menos orações encaixadas que tal acontece, uma vez que a densidade lexical se mede na proporção de itens lexicais no texto relativamente a orações simplex ou em relação paratáctica ou hipotáctica no mesmo texto (deixando de fora da contagem as orações encaixadas). Densidade lexical 40% total palavras/ nº orações 10 4º ano 6º ano 9º ano 2,80 2,66 3,08 Quadro 2 – Densidade lexical Os dois factores de descrição até agora registados estão intimamente relacionados, já que são ambos fortemente motivados pela presença relativa nos textos de orações encaixadas na sua relação com outras unidades textuais. Mas se nos centrarmos apenas em tais orações, passamos para um outro domínio descritivo, neste caso referente aos valores relativos à complexidade da estrutura dessas mesmas orações, que nos permitirá talvez avançar um pouco mais no tipo de descrição que tem vindo a ser feita. Por outro lado, se esquecermos as orações encaixadas e pensarmos apenas nas orações que estão a funcionar no seu nível natural e que, portanto, ou são orações simplex ou são orações que estão numa relação paratáctica ou hipotáctica (em complexo oracional), e verificarmos 10 A densidade lexical foi aqui medida a partir de uma projecção média da percentagem de palavras lexicais por texto. Isto é, não tendo ainda sido trabalhados os itens lexicais no corpus, resolveu-se trabalhar com uma projecção média de 40% de itens lexicais por texto e por cada subcorpora (todos os textos de cada um dos anos). Embora nos resolva o problema imediato de contabilização dos valores de densidade lexical, tal projecção ignora infelizmente diferenças que possam existir nos valores de ocorrência de itens lexicais por texto e por cada subcorpus e que efectivamente podem ser diferentes, mesmo que apenas ligeiramente, em razão dos registos dos textos. 8 as incidências de cada um desse dois tipos de orações (simplex e em complexo oracional), talvez possamos avançar ainda mais. Vejamos tais valores, respectivamente, no Quadro 3 e no Quadro 4: Orações encaixadas simplex relativamente ao total de orações encaixadas Orações encaixadas que iniciam complexo oracional relativamente ao total de orações encaixadas 4º ano 6º ano 9º ano 84,86% 86,16 81,75 15,14% 13,84 18,25 Quadro 3 – Valores para encaixe de oração simplex e de complexo oracional Orações simplex relativamente ao total de orações simplex ou em relação paratáctica ou hipotáctica Orações em relação paratáctica ou hipotáctica relativamente a total de orações simplex ou em relação paratáctica ou hipotáctica 4º ano 6º ano 9º ano 84,20 % 86,01% 81,82% 15,79% 13,98% 18,17% Quadro 4 – Valores para orações simplex e orações em complexo oracional O que os valores até agora enunciados nos permitem concluir, em termos de sistematização de resultados, é que, contrariamente às expectativas, os textos do 6º ano têm: 1. menos densidade lexical do que os do 4º ano (Quadro 2); 2. mais orações simplex e menos complexos oracionais do que os 4º ano (Quadro 4); 3. menos orações encaixadas do que os do 4º ano (Quadro 1); 4. menos complexos oracionais encaixados e mais orações simplex encaixadas do que os do 4º ano (Quadro 3). Se aceitarmos, seguindo Christie & Derewianka (2008: 240), que nesta fase do 6ª ano de ensino básico, “Entre outras coisas, os textos desenvolvem um leque maior de tipos de orações e de interdependências oracionais”11, não podemos deixar de nos interrogar porque razão os dados apresentados não espelham tal tendência. Da mesma forma, se aceitarmos com Schleppegrell (2004: 79-80) que, em geral, a investigação “indica que o desenvolvimento da escrita escolar envolve um movimento da sintaxe paratáctica e encadeada do oral para uma estrutura oracional reduzida de alto conteúdo proposicional própria dos registos académicos.” e que “Os escritores aprendem a 11 Vd. “(...) it is the second phase which is in many ways critical, for it marks an important transitional passage away from forms of language like those of speech, towards forms closer to matures writing, and the grammatical organization of children's texts must change if children are to succeed. Among other matters, texts develop a greater range of clause types and clause interdependencies (...)” 9 empacotar mais informação em cada oração, à medida que a sua escrita se desenvolve.”12, então porque não reflectem essa tendência, em termos quantitativos, os textos do 6º ano ou porque são distintos, em razão inversa, dos textos do 4º ano? Centrando-nos exclusivamente nas orações encaixadas e, de entre estas, nas que funcionam como orações pós-modificadoras do núcleo de um grupo nominal, as já referidas subordinadas adjectivas relativas restritivas da gramática tradicional, podemos pensar que a sua menor incidência nos textos do 6º ano é eventualmente compensada com níveis mais altos de incidência de outras estruturas de pré e pós-modificação de núcleos de estruturas nominais, mas não parece ser esse o caso, a julgar por uma análise breve dos dados. Resta-nos, como explicação, pensar nas tarefas que foram solicitadas aos alunos e verificar se há nessas tarefas alguma razão que motive os valores de ocorrência aqui apresentados, isto é, vejam-se os resultados à luz da sua relação com o tipo de texto solicitado nas tarefas das provas de aferição: 4º ano 6º ano Como já antes te foi dito, vais agora escrever um texto de 20 a 25 linhas. Como já atrás te foi dito, vais escrever, durante este tempo, um texto de 25 linhas. Conta uma aventura, real ou imaginária, em que tu e o teu São muitos os objectos que podemos animal de estimação sejam os protagonistas, isto é, as usar para escrever: uma lapiseira, um personagens principais. lápis, uma caneta, uma máquina de Ao fazeres, na folha de rascunho, o plano do teu texto, não te escrever ou até mesmo um computador. esqueças de que és o narrador e, ao mesmo tempo, Imagina que, durante um dia, te podias protagonista da história. Não deixes de... transformar num desses objectos. a) indicar quando se deu o episódio que vais contar; Para contares como seriam essas vinte e b) descrever, com algum pormenor, o local onde a aventura quatro horas fantásticas, pensa: decorreu; – que objecto gostarias de ser; c) apresentar o teu animal de estimação como a outra – quem seriam os teus donos; personagem principal: como é, o que habitualmente faz, que – em que tempo e local viverias; relação há entre ti e ele…; – o que te poderia acontecer; d) contar o que aconteceu, o que cada um fez e com que – como acabaria esse teu dia tão intenção; como acabou a aventura; diferente. e) organizar a descrição dos diferentes acontecimentos que constituem a «aventura», de maneira a obter uma sequência narrativa bem construída, com princípio, meio e fim. A leitura e comparação destas tarefas permite-nos observar duas coisas: i) os textos são diferentes na sua formulação, no uso dos tempos verbais e na estrutura que seguem para solicitar e descrever a tarefa que propõem; e ii) apesar dessas diferenças, e do carácter mais espartilhante ou menos espartilhante das indicações que são dadas e do uso dos diferentes tempos verbais (sobretudo o uso de futuro do pretérito na tarefa do 4º ano), as tarefas pedem aos alunos a concretização do mesmo género de texto, isto é, a chamada história. Trata-se, provavelmente, de um dos tipos de 12 Vd. “All of this research indicates that academic writing development involves movement away from the paratactic, clause-chaining syntax of speech, and toward the reduced clauses and high propositional content of the academic registers. Writers learn to pack more information into each clause as their writing develops.” 10 texto de maior predominância e permanência na sociedade e, definitivamente, na escola. Mas o termo história, no quadro da linguística sistémico-funcional, é uma designação válida fundamentalmente para uma família de tipos de textos que têm um conjunto de características em comum e não para um género em particular. Como afirmam Christie & Derewianka (2008: 32), “todas as histórias tem um estádio de orientação, todas têm uma qualquer sequência temporal de um evento e todas têm um qualquer tipo de fecho”, mas tais estádios ou etapas encontram realização diversa em diferentes tipos de histórias. Na escola, por exemplo, mais concretamente nas tarefas de escrita, a história encontra representatividade em dois géneros em particular, a narrativa (narrative) e o relato (recount), ou, por palavras mais transparentes relativamente ao que são as práticas pedagógicas portuguesas, a narrativa de problema (narrative), e verdadeira narrativa, e a narrativa de acontecimentos (recount), de estrutura linear, cronológica, sem a etapa fundamental da narrativa que é a Complicação. Em ambos os casos das tarefas das provas de aferição, o que é solicitado aos alunos, embora a partir de escolhas lexicogrammaticais diferentes, é uma narrativa de acontecimentos, ou relato. E embora a narrativa de acontecimentos possa ser baseada em experiências pessoais, caso em que seria uma narrativa de acontecimentos pessoal, nestes casos ela é baseada em experiência imaginada, razão pela qual se trata de uma narrativa de acontecimentos imaginativa. Mais uma vez, citando Christie & Derewianka (idem: 32-33), podemos dizer que as diferenças entre a narrativa e o relato (narrativa de problema e a narrativa de acontecimentos) são as seguintes: Uma narrativa pode ter um Resumo, embora este seja opcional. Ambos os géneros têm de ter uma Orientação que introduz a(s) personagen(s) num dado tempo ou espaço (ou por vezes em ambos); depois e, para além disso, são diferentes. A narrativa introduz um problema – a Complicação, e esta é seguida por uma Avaliação, em que é providenciada uma resposta a e/ou uma reflexão sobre a Complicação (embora linguagem avaliativa possa ocorrer noutros elementos). A narrativa termina com uma Resolução em que o problema é resolvido, e um elemento opcional – a Coda – oferece um comentário. Quanto ao relato, o seu 'meio' tem eventos em sequência temporal, referidos como o Rol, e tem um elemento conclusivo opcional, a Reorientação, que termina satisfatoriamente o texto, retornando os protagonistas ao ponto de onde vieram. Comentários aos eventos ocorrem mais em função do ritmo do texto, e em diferentes momentos, do que num momento distinto da estrutura esquemática.”13 13 Vd. “A narrative may have an Abstract, though this optional. Both genres must have an Orientation which introduces character(s) in a setting of time or place (or sometimes both), and beyond that, they differ. A narrative introduces a problem – the Complication, and this is followed by an Evaluation, in which response to and /or reflection on the Complication is provided (though evaluative language can occur in other elements). The narrative ends with a Resolution where the problem is solved, and an optional element- Coda – offers commentary. As for the recount, its 'middle' has events in temporal sequence, referred to as the Record, and it has an optional concluding element, the Reorientation which 'rounds off' the text, normally returning the protagonists to the point whence they came. Comment on the events occurs prosodically, and across the text, rather than falling in a distinct element of schematic 11 Desta sistematização de diferenças decorre naturalmente que a tarefa solicitada nas provas de aferição em causa, como já afirmei, foi, em ambos os casos, uma narrativa de acontecimentos imaginativa, um relato, razão pela qual não podemos, à partida, radicar na tarefa as diferenças entre os valores que apontámos para o 4º e o 6º anos.14 Nesse sentido, os textos analisados mostram características próprias dos registos associado ao género relato (vd. Christie, 1998; Martin, 1989; Rothery & Stenglin, 1997) e, de certa forma, não se distinguem uns dos outros, no uso de: processos materiais e comportamentais, participantes específicos e pronomes pessoais, pretérito perfeito e imperfeito15 conjunções aditivas e temporais orações encaixadas a expandir grupos nominais temas a marcar a passagem do tempo e a estruturar a narrativa 4. Conclusão A comparação de valores de descrição dos três subcorpora mostrou que no que se refere ao uso de orações encaixadas, o 6º ano se distingue por manifestar tendências contrárias ao que seria de esperar, sobretudo em comparação com os textos do 4º ano, e que em geral, essas tendências correspondem a uma menor densidade lexical, à frequência de mais orações simplex e menos complexos oracionais, à frequência de menos orações encaixadas e à frequência de menos complexos oracionais encaixados e mais orações simplex encaixadas. Se bem que no que se refere a intricacia gramatical os três níveis de ensino não se distingam em termos de resultados, apresentando valores muito próximos relativamente aos padrões de organização do complexo oracional, o que em si mesmo é sobretudo problemático para o 9º ano que deveria ter valores mais baixos do que os outros anos no número médio de orações a funcionar num complexo, nos outros structure.” 14 Esta caracterização dos textos propostos nas tarefas decorre de princípios objectivos de descrição dos diferentes géneros enquadráveis na categoria geral história, como já referido. Se nos cingirmos às escolhas lexicogramaticais dos textos das tarefas, podemos admitir que a tarefa do 4º ano visa um relato e a tarefa do 6º visa uma narrativa, mas também podemos afirmar que as diferenças nos textos das tarefas são mais de metalinguagem e de adequação aos níveis de conhecimento dos diferentes sujeitos de aprendizagem do que propriamente ao reconhecimento, por parte de quem redigiu as tarefas, da narrativa e do relato como tipos diferentes de histórias. 15 Existem diferenças fundamentais no uso dos tempos verbais entre os textos dos alunos do 4º ano e os dos alunos do 6º ano, com os alunos do 4º a usarem quer o condicional quer o pretérito imperfeito com valor modal (condicional) em proporções muito elevadas, contra os alunos do 6º que praticamente não os usam. Tais diferenças decorrem fundamentalmente do modo como a tarefa do 4º ano foi redigida, apelando, por um lado, para a expressão da temporalidade, própria do género história (seja relato, seja narrativa), e, por outro, para o domínio da modalidade, própria da especulação, decorrente da subordinação da história ao enunciado geral (obrigatório como título do textos): “Se eu fosse X [um objecto de escrita] por um dia”. Os usos dos tempos verbais nos textos dos alunos do 4º ano que assumem desde o início o género história aproximam-se dos usos dos tempos verbais nos textos dos alunos do 6º ano. Contrariamente, usos dos tempos verbais nos textos dos alunos do 4º ano que assumem o carácter especulativo do texto, usando estruturas em que uma condição informa uma situação hipotética (“Se eu fosse x, seria/era....”), estão mais longe dos usos dos tempos verbais nos textos dos alunos do 6º ano. 12 valores há diferenças importantes que importa investigar. Por exemplo, interessa perceber qual a razão que leva a que os alunos do 6º ano tenham valores mais altos de ocorrência de estruturas oracionais simplex, seja encaixadas ou não, do que os alunos tanto do 4º como do 9º anos, e que estes últimos, por sua vez, tenham valores mais baixos do que os do 4º ano.16 É certo que o 2º ciclo do ensino básico tem características próprias que podem ajudar a explicar os valores apresentados. Por exemplo, Foley & Lee (2004: 117) referem que relativamente aos dados que analisaram de estudantes de Singapura e que correspondem aos nossos dois primeiros ciclos do ensino básico, “uma importante característica que sobressai é o pouco desenvolvimento que existe do 4º ano para a frente. Em geral, depois da conclusão do 4º ano, as indicações são de que no 5º e no 6º anos todas as características analisadas mostram pouco ou nenhum desenvolvimento na escrita das crianças quando comparadas com o 4º ano.”17 Talvez esta observação possa ser válida para as crianças e o ensino básico português, mas não esqueçamos que, no caso presente, estamos perante valores que não só não parecem indiciar nenhum desenvolvimento, como até parecem indiciar o contrário. Muitas explicações podem ser possíveis para explicar o fenómeno observado, mas a sua correcta apreciação só será possível, por um lado, com o alargamento do corpus aos anos seguintes e jogando os resultados na relação de uns anos com os outros, e por outro, com uma análise qualitativa dos processos de encaixe numa amostra de textos dos três níveis de ensino. Mas isso é matéria para trabalho futuro. Referências Butt, D., R. Fahey, S. Feez, S. Spinks & C. Yallop (2000): Using Functional Grammar: An Explorer’s Guide. 2nd ed. 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Não é esse o caso, porém, considerando que a tarefa do 9º ano não se distingue, no que a género diz respeito, das tarefas dos dois outros anos, já que também se enquadra na categoria geral história, embora em termos mais precisos corresponda ao género episódio/incidente (anecdote) isto é, a um tipo de texto em que uma situação particular e fora do vulgar na experiência do sujeito é revivida ou imaginada (“Redige um texto narrativo em que recordes ou imagines uma situação na qual um sorriso tenha tido um papel fundamental”). 17 Vd. “In fact one very notable feature which stands out in this data is how little development there is from Primary four onwards. In general having completed Primary four, the indications are that in Primary five and six all the features we have analysed show little or no development in the children writing when compared to Primary four.” 13 Primary Schools. In Foley, J. A., ed.: Language, Education and Discourse: Functional Approaches. 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