Graziela de Oliveira Köhler* Alindo Butzke** Mudanças climáticas e o Direito: breves considerações Resumo: Atualmente vivemos o drama e as incertezas das alterações climáticas do Planeta. Tais mudanças denunciam que a Terra está passando por um período de aquecimento global, possivelmente provocado por atividades humanas. Tal fenômeno pode trazer consequências perversas e insustentáveis a todas as formas de vida. Desta forma, o direito passa a agir como mecanismo de proteção abstrata a todos elementos ambientais. Por tal motivo, o presente artigo pretende abordar, inicialmente, uma breve análise sobre o aquecimento global. Num segundo momento, abordar as mudanças climáticas no Brasil, com alguns episódios que as comunidades científicas atribuem ao fenômeno do aquecimento global. E no terceiro e último item, será demonstrado o Direito Ambiental e sua função preventiva. Palavras-chave: Meio ambiente. Mudanças climáticas. Aquecimento global. Direito ambiental. Climate changes law: some remarks Abstract: Nowadays, we have lived many problems and uncertainties related to weather changes in our Planet, and they show that the Earth has faced global warning that is possibly the result of human activities. The phenomenon can cause many bad and unbearable consequences to all life forms. Thus, Law can be used as an abstract protection tool to all environmental elements. So, the main objective of this article is, first, to present a brief analysis of the global warning. Then, we focus on the weather changes in Brazil, presenting the reasons, suggested by the scientific community, that may trigger the global warning. Eventually, we demonstrate the environmental law and its preventive function. Key words: Environment. Weather changes. Global warning. Environmental Law. Introdução Atualmente, vivemos o drama e as incertezas das alterações climáticas do Planeta. Tais mudanças denunciam que a Terra está passando por um * ** Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professora da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG). Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade de Leon (Espanha). Professor titular da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Atua no Departamento de Ciências Biológicas da UCS e integra o corpo docente do Programa de Mestrado em Direito da UCS. Revista do Curso de Direito da FSG Caxias do Sul ano 4 n. 8 jul./dez. 2010 p. 217-228 período de aquecimento global, possivelmente provocado por atividades humanas. Dentre as contribuições do homem no agravamento do efeito estufa, salienta-se o uso de combustíveis fósseis, os quais liberam dióxido de carbono na atmosfera. Tem-se que o CO2 é um dos principais gases que afetam as condições climáticas, tendo em vista que aprisiona o calor na troposfera, aumentando a temperatura da superfície terrestre. Tais dados e alertas são transmitidos pela comunidade científica, que utiliza estudos e experimentos em potentes computadores para prognosticar os efeitos que o aquecimento global pode acarretar no futuro. Os resultados dos modelos estudados não são animadores, tendo em vista que o prognóstico é no sentido de que a progressão do aquecimento da superfície terrestre causará grandes impactos mundiais, alterando a vida de todos os seres, influenciando diretamente na economia mundial e no modo de vida da humanidade. Os cientistas acreditam que, permanecendo a emissão de gases na atmosfera, a ameaça ao ecossistema será gravíssima, podendo chegar a patamares insuportáveis e até mesmo à extinção de toda e qualquer forma de vida. Sendo assim, o direito passa a ter uma função essencial no combate às danosidades ambientais e na preservação dos ecossistemas. E é exatamente nesse aspecto que o presente artigo ressalta o papel do direito no combate à perpetuação de comportamentos humanos pautados na degradação insustentável das condições ambientais. Dessa forma, o presente artigo aborda, inicialmente, uma breve análise sobre o aquecimento global na tentativa de esclarecer os motivos das preocupações com este tema. Num segundo momento, demonstra as mudanças climáticas no Brasil, com alguns episódios que as comunidades científicas atribuem ao fenômeno do aquecimento global. E no terceiro e último item, demonstra a função do direito ambiental. 1 Mudanças climáticas – breve análise sobre o aquecimento global As mudanças climáticas, observadas na atualidade, são reais e atribuídas às ações humanas, ou seja, os estudos científicos indicam que os efeitos do aquecimento global derivam da forma que os homens manejam os recursos naturais. Dessa forma, pode ser dito que os eventos naturais 218 Revista do Curso de Direito da FSG • ano 4, n. 8, jul./dez. 2010 noticiados em todas as partes do mundo provêm do poder da humanidade em alterar o meio natural e a superfície terrestre. As alterações climáticas indicam aos cientistas que a Terra está ficando mais quente, ou seja, convivemos com a angústia do aquecimento global, o qual pode vir a mudar o clima terrestre e trazer consequências perversas na vida de todos os seres vivos. Além disso, o aquecimento do planeta pode trazer repercussões em todos os lugares do mundo, afetando o modo de vida e os sistemas sociais da humanidade. Para entender as mudanças climáticas, torna-se imperioso perceber que a sobrevivência depende do efeito estufa natural, o qual mantém a Terra aquecida com climas estáveis. Tal fenômeno, além de reter a energia solar, é composto por “certos gases da atmosfera que absorvem calor e aquecem a baixa atmosfera”. Os principais gases do efeito estufa natural são o vapor d’água e o dióxido de carbono (CO2). Sobre isto, Miller esclarece que 1 os dois gases de efeito estufa com as maiores concentrações são o vapor d’água, controlado pelo ciclo hidrológico, e o dióxido de carbono (CO2), controlado pelo ciclo do carbono. O dióxido de carbono é o principal gás de efeito estufa que os humanos adicionaram à troposfera.2 Tem-se que o excesso do dióxido de carbono na atmosfera, bem como o excesso de outros gases como metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e outros acarretam o aprisionamento do calor na troposfera ao invés de dispersá-los. Desta forma, uma das contribuições humanas para o aquecimento global é o uso de combustíveis fósseis, os quais liberam na atmosfera o dióxido de carbônico (CO2). Evidentemente que as mudanças climáticas não são incomuns na história, pois a Terra já passou por períodos de aquecimentos e resfriamentos globais nos seus milhões de anos. Neste aspecto, Miller informa que Durante os últimos 4,7 bilhões de anos, o clima foi alterado por emissões vulcânicas, mudanças na intensidade solar, movimento dos continentes em razão das placas tectônicas, choques com grandes meteoros, entre outros fatores. Durante os últimos 900 mil anos, a temperatura média da troposfera passou por longos períodos de resfriamento global e aquecimento global. Esses ciclos 1 2 MILLER JR., G. Tyler. Ciência ambiental. Tradução de All Tasks, revista técnica Welington Braz Carvalho Delitti. São Paulo, Thomson Learning, 2007, p. 421. Ibidem, p. 421. Graziela de Oliveira Köhler e Alindo Butzke • Mudanças climáticas e o Direito: breve considerações 219 alternados de congelamento e degelo são conhecidos como período glacial e interglacial (entre as eras do gelo).3 Desta forma, verifica-se que os períodos de aquecimento e resfriamento global sempre estiveram presentes e não são novidades em nosso planeta. No entanto, os eventos do passado eram inerentes a fenômenos naturais e o aquecimento atual pode ser inerente à atividade humana. Será que pela primeira vez o mundo experimentará uma mudança climática causada pelo homem? Não há provas concretas quanto a isso, mas os indícios científicos caminham neste sentido. Dentre os indícios existentes, o IPCC no ano de 2001 listou os caminhos que apontam que a Terra está ficando mais quente. E conforme colocado por Miller, são eles: Primeira, o século XX foi o mais quente dos últimos mil anos. Segunda, desde 1861, a temperatura média global da troposfera perto da superfície terrestre se elevou 0,6°C em todo o globo e cerca de 0,8°C nos continentes. A maior parte deste aumento vem acontecendo desde 1980. Terceira, os 16 anos mais quentes registrados ocorreram desde 1980 e os 10 mais quentes, desde 1990. Quarta, as geleiras e o gelo que flutua no oceano estão derretendo e encolhendo. Esse processo expõe as superfícies mais escuras e menos reflexivas de água e terra, resultando em uma troposfera mais quente. À medida que mais gelo derrete, a troposfera se torna mais quente, fazendo derreter mais gelo e aumentando a temperatura da troposfera ainda mais. [...] Quinta, as temperaturas mais quentes no Alaska e em outras partes do Ártico estão derretendo o permafrost (subsolo permanentemente congelado). Isso está liberando grandes quantidades de CO2 e CH4 na troposfera, o que pode acelerar seu aquecimento. Sexta, os níveis dos oceanos estão aumentando. Durante o século passado, o nível médio dos oceanos do mundo cresceu entre 0,1 e 0,2 metro, principalmente por causa do derretimento da camada de gelo da terra e pela expansão da água do mar quando sua temperatura se eleva.4 Os estudos científicos apontam que, a partir da metade do século XX, a temperatura terrestre está aumentando em escalas espantosas. E para corroborar com a tese do aquecimento global, há o fato de que os níveis de gás carbônico, metano e óxido nitroso da troposfera vêm aumentando desde a Revolução Industrial. Tem-se que, no período pré-industrial, o 3 4 Idem. Ibidem, p. 424. 220 Revista do Curso de Direito da FSG • ano 4, n. 8, jul./dez. 2010 nível de CO2 na atmosfera era de 200 partes por milhão e hoje este nível aumentou cerca de 30%. Assim, indaga-se o motivo pelo qual a comunidade científica está preocupada com o aquecimento global. E a resposta está nas consequências perversas que este fenômeno pode acarretar no mundo, pois pode afetar os recursos hídricos ao alterar as taxas de evaporação e precipitação; modificar áreas em que se cultivam produtos; alterar correntes marítimas; aumentar os níveis dos oceanos; inundar as áreas costeiras; alterar a estrutura e localização de biomas; causar incêndios em florestas; aumentar a incidência de furacões e tempestades; trazer doenças tropicais infecciosas transportadas pela água e transmitidas por insetos; influenciar na saúde humana; afetar a estrutura econômica e social; alterar o PIB mundial, e demais. Enfim, o clima global pode alterar o modo de vida da humanidade, refletindo em fatores sociais, econômicos e políticos. 5 2 Mudanças climáticas no Brasil No Brasil, a população sente os efeitos das mudanças climáticas, a exemplo da estiagem que ocorreu em junho do ano de 1996, no estado de Santa Catarina, momento em que o governo estadual decretou estado de emergência em 195 municípios. Tal impacto atingiu a produção rural. No ano de 2004, o mundo acompanhou o primeiro furacão do Atlântico Sul, que atingiu o sul do Brasil, acarretando destruições e prejuízos em mais de um bilhão de reais. E no ano seguinte, um tornado atingiu o município de Muitos Capões, no Rio Grande do Sul, deixando um rastro de destruição. Em 2008, as fortes chuvas castigaram novamente o estado de Santa Catarina, efeito que ocasionou tragédia como mortes e famílias desabrigadas. Nos últimos anos, o Rio de Janeiro sofreu com enchentes e deslizamentos de terras com consequências fatais. Em 2010, enchentes no Nordeste (Alagoas e Pernambuco) deixaram cerca de cinquenta mil pessoas desabrigadas. Enfim, há notícias de fenômenos naturais devastadores em várias partes do país e no mundo, que causam impactos sociais e econômicos. 6 7 5 6 7 Ibidem, p. 427-432. GREENPEACE. Mudanças do clima, mudanças de vidas – como o aquecimento global já afeta o Brasil. Documentário, 2007. Idem. Graziela de Oliveira Köhler e Alindo Butzke • Mudanças climáticas e o Direito: breve considerações 221 Além disso, importante mencionar que o Brasil sofre com a seca no sul e a desertificação no nordeste. Consequentemente, essas alterações acarretam prejuízos nas lavouras e esses danos atingem toda a cadeia econômica, tendo em vista que, além da diminuição da produção, tais efeitos tendem a aumentar o número de pragas, que, além de devastar a lavoura, implicam gastos com pesticidas. De acordo com a regra econômica, os custos de prejuízos e gastos com pragas serão embutidos nos preços, encarecendo o produto agrícola e também reduzindo a qualidade dos alimentos. Assim, verifica-se que tais fatos refletem na economia do país, bem como na possibilidade de reflexos negativos na saúde humana e nas condições sociais da população. O Brasil também possui sua parcela de culpa no aquecimento global, pois sua maior contribuição é a emissão de CO2 decorrente da devastação e queimada das florestas. Se a devastação da Amazônia, por exemplo, fosse computada como índice da emissão de CO2, o Brasil se tornaria o quarto maior emissor do mundo. Nesse aspecto, cabe esclarecer que as florestas absorvem o dióxido de carbono, mas quando há sua queimada, o CO2 é devolvido para a atmosfera, motivo pelo qual a devastação florestal contribui de forma expressiva para o aquecimento global. Nenhum povo, nenhuma região do planeta está a salvo dos efeitos que o aquecimento global pode causar. Com efeito, seus indícios na comunidade científica perfazem a projeção de grandes impactos e prejuízos. Ocorre que o impacto do aquecimento pode se dar repentinamente, sem que a humanidade possa ter tempo hábil para uma adaptação aos novos eventos naturais. Assim, há a necessidade da eficiência e do desenvolvimento de mecanismos científicos, sociais e políticos para minimizar esse risco ambiental. Nesse aspecto, o direito é um mecanismo de extrema importância para a preservação do meio ambiente e, consequentemente, como forma de prevenção ao desenvolvimento do aquecimento global. 8 3 O papel do direito no combate ao aquecimento global A importância ambiental é inquestionável e o direito passa a ser um instrumento essencial no combate às danosidades ambientais e, consequen8 Estados Unidos é o maior emissor de CO2 do mundo, sendo um quarto das emissões globais provenientes desta nação. O segundo emissor é a União Europeia (12%). O terceiro é a China (11%). O quarto é a Rússia (7%). 222 Revista do Curso de Direito da FSG • ano 4, n. 8, jul./dez. 2010 temente, aos efeitos das mudanças climáticas, pois age inicialmente com função preventiva e, em segundo momento, como forma mitigadora dos impactos ao ambiente. Desta forma, o mundo a partir da década de 1970 passou a conviver com um novo ramo do direito chamado Direito Ambiental, o qual busca a preservação do meio ambiente, pois a sua missão engloba objetivos preventivos, sancionários e reparatórios. Nas palavras de Carvalho, O Direito Ambiental inaugura um modo de encarar a luta pela preservação da qualidade dos ecossistemas e pela valorização da biodiversidade como uma postura ética radical diante da vida. Esta abordagem ético-jurídica entende o meio ambiente como consequência do envolvimento, numa complexa simbiose entre todos os seres vivos e a natureza, implicando a defesa do ambiente saudável como um direito inalienável da presente e das futuras gerações.9 O direito ambiental ampliou a sua atuação, proporcionando a participação da população e demais entes para agirem em benefício do meio ambiente. A base do direito ambiental brasileiro está na Constituição Federal de 1988, especialmente no art. 225, o qual dispõe em seu caput: 10 9 10 CARVALHO, Carlos Gomes de. O que é Direito Ambiental: dos descaminhos da casa à harmonia da nave. Florianópolis: Habitus, 2003. p. 22-23. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. § 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. Graziela de Oliveira Köhler e Alindo Butzke • Mudanças climáticas e o Direito: breve considerações 223 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Salienta-se que há outros mandamentos constitucionais e infraconstitucionais que justificam este direito. Entretanto, é na Carta Magna que o direito ambiental é elevado a direito fundamental, onde o Estado de BemEstar Social passa para o Estado Ambiental. Segundo Canotilho e Leite, [...] no caso da Constituição brasileira, que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se insere ao lado do direito à vida, à igualdade, à liberdade, caracterizando-se pelo cunho social amplo e não meramente individual. Da leitura global dos diversos preceitos constitucionais ligados à proteção ambiental, chega-se à conclusão de que existe verdadeira consagração de uma política ambiental, como também de um dever jurídico constitucional atribuído ao Estado e à coletividade.11 Nesta ótica, “o direito ao ambiente sadio foi se tornando, cada vez mais, uma extensão daqueles direitos humanos fundamentais, até se concretizar, nos tempos correntes, como o núcleo mesmo de um direito humano fundamental”, o que confronta com a tradicional concepção individualista do direito, trazendo a relevância do bem social ambiental. O Direito Ambiental “nasce com a simultânea missão de procurar estabelecer a predominância dos interesses coletivos sobre o do indivíduo e o de propor a instauração de um novo conceito da relação entre o Homem e a Natureza”. Assim, o Direito Ambiental passa a ser um direito humano 12 13 11 12 13 § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 197. CARVALHO, op. cit., p. 98. Ibidem, p. 135. 224 Revista do Curso de Direito da FSG • ano 4, n. 8, jul./dez. 2010 fundamental, em que todos têm o direito a uma vida saudável, e isto se reflete nos valores tradicionais da sociedade, como o lucro e o progresso, bem como a atividade econômica. O direito ambiental busca o bem-estar da coletividade, o que se sobrepõe aos demais valores de caráter econômico, com intuito de preservar a vida e a qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Carvalho define o Direito Ambiental da seguinte forma: [...] é o que o compreende como um conjunto de princípios, normas e regras destinadas à proteção preventiva do meio ambiente, à defesa do equilíbrio ecológico, à conservação do patrimônio cultural e à viabilização do desenvolvimento harmônico e socialmente justo, compreendendo medidas administrativas e judiciais, como a reparação material e financeira dos danos causados ao ambiente e aos ecossistemas, de um modo geral.14 Deste conceito extraem-se os seguintes elementos: proteção preventiva; defesa do equilíbrio ecológico; desenvolvimento harmônico e socialmente justo; medidas administrativas e judiciais; reparação material e financeira dos danos causados. Nesta linha, Butzke e outros entendem que: [...] o Direito Ambiental é resultado da integração da degradação ambiental com a necessidade de preservação ambiental para a conservação da vida (valor), representada por normas jurídicas que ditam condutas, para que tais objetivos sejam alcançados, prevendo sanções em caso de inobservância das mesmas.15 Verifica-se que o direto ambiental estabelece regras de condutas e, consequentemente, “ao se invocar a possibilidade de um Direito Ambiental direcionado a minimizar os efeitos das transformações climáticas, parte-se da presunção de que é o homem o principal causador da deterioração planetária”.16 Assim, o direito acaba protegendo os bens ambientais de forma abstrata, ou seja, amplia o alcance dos bens tutelados. Desta forma, pode-se afirmar que engloba o clima como bem passível de proteção jurídica. No Brasil, um dos objetivos do direito ambiental é instituir regras para evitar a ocorrência de danos ambientais. Entretanto, quando caracterizado o dano, o direito busca reparar o bem lesado com a instituição da 14 15 16 Ibidem, p. 142-143. BUTZKE, Alindo; CERVI, Jacson Roberto; ZIEMBOWICZ, Giuliano. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Caxias do Sul: EDUCS, 2006. p. 42. NALINI, José Renato. As mudanças climáticas perante o Direito. Florestas, mudanças climáticas e serviços ecológicos. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo, 2010. v. 1, p. 144. Graziela de Oliveira Köhler e Alindo Butzke • Mudanças climáticas e o Direito: breve considerações 225 tríplice responsabilidade, ou seja, o causador do dano pode sofrer sanção penal, administrativa e civil.17 Com efeito, tais prerrogativas decorrem do princípio da prevenção, o qual prescreve combater a degradação ambiental em sua origem, pois a intenção primeira é prevenir a ocorrência de um dano e somente num segundo momento utilizar os critérios de remediação do dano.18 Com efeito, a norma incide sobre um comportamento ou uma atividade humana. Há deficiências nas normas e principalmente nos meios de fiscalização e prevenção dos danos ambientais, a exemplo das queimadas e devastações nas florestas brasileiras, o que deve ser corrigido com medidas governamentais eficazes. No entanto, tudo indica que o sistema pátrio caminha para a preservação ambiental, mas ainda há que ser amadurecido. Não obstante, importante mencionar que o Direito Ambiental de cada país prescreve mecanismos internos, tentando traçar normas e princípios coerentes com a matéria ambiental. A visão do direito, no entanto, não pode ser apenas local, ao contrário, necessita abranger o ponto de vista global. Deve partir do ponto de vista concreto e particular para alcançar a exigência global e abstrata. E neste sentido, encontra dois desafios: a globalização e a complexidade. Certamente as fronteiras dos Estados não são linhas limítrofes que possam separar os elementos constitutivos da natureza. Desta forma, o dano ocorrido em um Estado pode gerar impactos nos Estados vizinhos e até mesmo naqueles mais distantes. O meio ambiente vai além das fronteiras e o aquecimento global atinge a integralidade do planeta. Assim, o papel do Direito Ambiental de cada Estado é reger as questões ambientais internas e prevenir as degradações do ambiente, bem como as emissões de gases que contribuem para as mudanças climáticas. A partir daí, o Direito Ambiental Internacional ganha papel relevante em estabelecer regras proporcionais em todas as nações. De acordo com Ost, Passo a passo, o direito faz, assim, aprendizagem do ponto de vista global. Num século, a evolução é significativa, conduzindo de uma posição estreitamente antropocêntrica a uma maior tomada de consideração da lógica natural em si mesma; a evolução que é, também, a do ponto de vista local para o ponto de vista planetário, e do ponto de vista concreto e particular (tal flor, tal animal) para a exigência abstrata e global (por detrás da flor ou do animal, o patrimônio 17 18 Conforme pode ser verificado no parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988. O direito ambiental possui outros princípios que não serão abordados no presente artigo. 226 Revista do Curso de Direito da FSG • ano 4, n. 8, jul./dez. 2010 genético). Se nos primeiros tempos da proteção da natureza, o legislador se preocupava exclusivamente com tal espécie ou tal espaço, beneficiado dos favores do público (critério simultaneamente antropocêntrico, local e particular), chegamos hoje à proteção de objetos infinitamente mais abstratos e mais englobantes, como o clima e a biodiversidade.19 Evidentemente, o Direito é um instrumento de prevenção e mitigação, mas não consegue agir isoladamente. O aquecimento global e os demais riscos ambientais são de caráter global, ou seja, ultrapassam fronteiras territoriais; por isso, há a necessidade de união de medidas e esforços entre todas as Nações de nosso Planeta Terra e também a aliança das mais variadas áreas do conhecimento para diminuir os impactos das mudanças climáticas. 20 Considerações finais O homem está alterando a natureza de forma desmedida, em benefício próprio, e para satisfazer sua ambição. Com efeito, o mundo encontrase diante do aquecimento global, que decorre, possivelmente, dessa atividade ambiciosa. Tal fato transforma o direito em um mecanismo adequado à proteção do meio ambiente, bem como num instrumento que necessita ser repensado e trabalhado num elo que liga o homem e a natureza de forma global. Tem-se que o direito é produzido pelos homens, mas a atenção deve ser direcionada ao bem das próximas gerações com a preservação dos recursos naturais e do ecossistema para impedir a concretização dos desastres ambientais previstos pelos cientistas, sob pena de as consequências do aquecimento global se tornarem catastróficas para a humanidade. Muitos não acreditam nos estudos realizados quanto aos possíveis efeitos das mudanças climáticas e do aquecimento global. A bem da verdade, pode ser dito que há o risco de o aquecimento global e sua efetivação ou não se dar a partir das decisões tomadas no presente. Desta forma, torna-se necessária a higidez do direito ambiental interno e do direito ambiental internacional, bem como a união de esforços em caráter mundial para prevenir a degradação dos nossos bens maiores: a vida, a saúde e o próprio Planeta. 19 20 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do Direito. Tradução de Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 112. A exemplo da educação ambiental. Graziela de Oliveira Köhler e Alindo Butzke • Mudanças climáticas e o Direito: breve considerações 227 Referências BUTZKE, Alindo; CERVI, Jacson Roberto; ZIEMBOWICZ, Giuliano. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Caxias do Sul: EDUCS, 2006. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. CARVALHO, Carlos Gomes de. O que é Direito Ambiental. Dos descaminhos da casa à harmonia da nave. Florianópolis: Habitus, 2003. EEROLA, Toni Tapani. Mudanças climáticas globais: passado, presente e futuro. Apresentação no Fórum de Ecologia e no evento “Mudanças climáticas: passado, presente e futuro”, organizados pelo Instituto de Ecologia Política na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, 2003. GREENPEACE. Mudanças do clima, mudanças de vidas – como o aquecimento global já afeta o Brasil. Documentário. 2007. MILLER JR, G. Tyler. Ciência ambiental. Tradução All Tasks, revista técnica Welington Braz Carvalho Delitti. São Paulo, Thomson Learning, 2007. NALINI, José Renato. As mudanças climáticas perante o Direito. Florestas, mudanças climáticas e serviços ecológicos. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo, 2010. v. 1. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Tradução de Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. Recebido em 15/8/2010. Aprovado em 6/9/2010. 228 Revista do Curso de Direito da FSG • ano 4, n. 8, jul./dez. 2010