Um tripé conceitual: desenvolvimento, Estado e políticas sociais sob a ótica da teoria da dependência A literatura teórica latino-americana em relação ao processo de desenvolvimento capitalista está pautada em diferentes perspectivas da dependência e do subdesenvolvimento. Algumas perspectivas teóricas buscavam desenvolver uma teoria social do desenvolvimento, sem uma análise histórica, que fosse capaz de explicar a situação de subdesenvolvimento por uma perspectiva etapista de desenvolvimento econômico. Para tanto, utilizavam-se de categorias que propunham uma relação direta, tais como: subdesenvolvimento e sociedade tradicional / desenvolvimento e sociedade industrial. A nova configuração mundial permitiu a emergência de uma sociologia do desenvolvimento voltada a realidade latino-americana, principalmente, após as formulações da CEPAL (Comissão Econômica Para América Latina), a partir de 1948. Com a criação da CEPAL os intelectuais latino-americanos começaram a conquistar uma posição de destaque também no debate internacional sobre as questões relacionadas ao desenvolvimento. O pensamento cepalino constituiu-se como uma vertente do pensamento econômico clássico e, portanto, não deixou de defender o “desenvolvimento para dentro”- pregava a ideia de um projeto de desenvolvimento nacional autônomo - isto é, a industrialização nacionalista era vista como um instrumento de redução da dependência externa e de correção do injusto comércio internacional. Entretanto, vale ressaltar que essa teoria não compactuou com uma ruptura do sistema capitalista como forma de alcançar o desenvolvimento social, econômico e político. O processo de substituição de importações configurou-se como uma das principais alternativas de desenvolvimento do pensamento cepalino com vista a acabar, principalmente, com a dependência gerada pelos termos de troca entre o centro que forneceria produtos industrializados, e a periferia, com produtos primários. .Diante dessa conjuntura histórica pautada pelo amadurecimento do pensamento social latino-americano e de críticas cada vez mais rebuscadas a cerca dos trabalhos desenvolvidos pela teoria estruturalista ou estagnacionista proposta pela CEPAL propomos neste artigo abordar o papel do Estado e a implementação de políticas sociais a partir de duas diferentes perspectivas, a saber: a corrente do desenvolvimento capitalista dependente que contempla essencialmente os estudos de Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso cujo ponto central concebia de forma positiva o desenvolvimento capitalista associado a partir de um modelo de análise denominado de histórico estrutural; e a corrente neo-marxista que se baseia nos trabalhos de, Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank e em especial a de Theotônio dos Santos que será a análise abordada nesse artigo. Esse grupo de intelectuais acreditam que a superação da dependência está no fim do capitalismo e na instauração de um modelo socialista. De forma geral, essas novas teorias buscavam demonstrar que o subdesenvolvimento econômico da América Latina, e dos países da periferia em geral, decorre da relação de dependência estabelecida entre os países do globo, ou seja, o subdesenvolvimento estava intimamente ligado à expansão dos países capitalista avançados. A Teoria da dependência proposta na década de 60 por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, partidários de uma esquerda liberal, buscava, de forma geral, entender as transformações que ocorriam com o capitalismo mundial e sua relação direta de centro / periferia e assim, propor uma teoria que fosse capaz de entender o processo de modernização das sociedades latino-americanas e seu desenvolvimento político e social. A configuração mundial desse período está pautado em um ordenamento globalizado que solidifica uma estrutura de poder nessas sociedades baseada na aliança entre as classes burguesas internacionais e a burguesia nacional. Assim, a articulação entre essas classes e o Estado formaria um universo extremamente favorável ao desenvolvimento dependente ou associado. O Estado teria um papel fundamental nesse processo: manutenção da ordem e criação de uma infra-estrutura social e política capaz de conservar a dependência econômica. É certo que FHC sofre uma influência direta do pensamento cepalino estruturalfuncionalista e assim ele busca aprofundar algumas questões que já estavam postas pelo nacional-desenvolvimentismo proposto pela CEPAL. Entretanto, esses autores viam o processo de substituição de importações sob a coordenação do Estado nacional como peça fundamental que explicaria a crise da industrialização e da estagnação econômica generalizada na América Latina. Para superar esse estado de crise, os países periféricos teriam que aceitar a penetração do capital estrangeiro que traria a poupança externa sob a forma de tecnologia industrial e assim, superar a escassez nacional de divisas. Passaram, portanto, a conferir uma automatização das esferas, ou seja, a dinâmica econômica estava relativamente autônoma em relação a dimensão política. Assim, o crescimento econômico permitiria uma melhoria na renda e nos padrões de vida da população em seu conjunto e as desigualdades se reduziriam através da ação do Estado com a implementação de políticas sociais impulsionadas por regimes democráticos. Nesse sentido, a teoria da dependência busca conciliar o desenvolvimento capitalista associado a regimes políticos liberais e democráticos que não visa a destruição do poder hegemônico do capital monopolista, mas preserva a concentração da renda e de poder, a marginalização social e as formas de propriedade. As políticas sociais no sistema neoliberal aparecem como elemento concreto que visa responder as vastas demandas sociais. Essas são comumente definidas como um conjunto de medidas e programas que tem por objeto garantir o bem-estar social da população, providos e regulados, em sua grande maioria, pelo poder estatal. (MARSHALL, 1963; ESPING-ANDERSEN, 1990). Vieira (2004) define política social como um instrumento capaz de compensar as falhas do mercado, voltada à ação e projetos dos governos, aos problemas sociais, à reprodução das relações sociais, à transformação dos trabalhadores não assalariados em trabalhadores assalariados e ao abrandamento dos conflitos de classe. Nesse sentido, as políticas sociais são vistas nas sociedades capitalistas liberais como instrumentos capazes de “abrandar” os conflitos de classe e não de eliminá-los. A outra vertente de análise – a corrente neo marxista – nos propõe um modelo diferente de superação e de explicação da dependência. Para os autores dessa corrente essa crise dos países latino-americanos era decorrente de uma crise do sistema capitalista global, ou seja, a globalização do sistema permitiu uma vinculação de vários processos, tais como: o dinamismo industrial à empresa multinacional e à ampla penetração do capital estrangeiro. Entretanto, esse capital não representava uma poupança externa que se integrava às economias latino-americanas, mas antes buscava lucros e excedentes que eram direcionados aos seus centros de acumulação, situados fora da região. O resultado a médio e longo prazo era a sangria de divisas dos países da região que se saldava com a superexploração do trabalho, criando um poderoso obstáculo à consolidação e aprofundamento do processo democrático. Portanto, a ideia de que o desenvolvimento capitalista nos traria mais democracia se tornava uma falácia dentro do modelo da teoria da dependência proposta por Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso. O papel do Estado não passaria de mero agente entre a burguesia nacional e internacional e as políticas sociais propostas como meio de redução das desigualdades sociais geradas pelo processo capitalista se mostravam bastante erráticas. Para Santos a teoria da dependência proposta por FHC propõe minimizar as divergências causadas pelo desenvolvimento do capitalismo internalizado nas economias periféricas utilizando-se de políticas sociais e certo grau de absorção de mãode-obra nas fases de crescimento. Assim, autores de cunho socialista remetem para o fato de que as políticas sociais no capitalismo liberal não passam de políticas assistencialistas que não apresentam mecanismos eficientes de combate a pobreza. Esses Estados passam a converter-se em uma espécie de Estados socorristas, que se ocupam apenas em recorrer e prestar os primeiros auxílios às vitimas da “guerra liberal” contra os pobres, essas ações rudimentares, geralmente de cortes assistencialistas se tem chamado em ocasiones de “luta contra a pobreza”. Na verdade, essas políticas disseminam uma ilusão de bemestar para as classes abastardas, já que não rompem com a dinâmica de classes sociais.